Hoje a maior cidade em área territorial do Rio Grande do Norte completa 150 anos. Mas se tamanho não é documento, o país de Mossoró ostenta também a alcunha de capital cultural do Estado.
Tem um nome com sotaque tão nordestino… Mossoró! Oriundo da antiga tribo Cariri dos Mouxorós, que habitaram a região até o século 18. Em 1772 foi erguida a Capela de Santa Luzia, que contribuiu para o povoado que daria início ao município.
Se Mossoró é mesmo tão cultural e orgulhosa das histórias de heroísmo quando botou Lampião pra correr, e de pioneirismo na libertação dos escravos, do primeiro voto feminino, etc, carece da lembrança de algumas de suas figuras mais talentosas.
O poeta Luiz Campos é nome de rua, no bairro Santa Delmira. Merecia nome de avenida, de escola, biblioteca, de alas no shopping etc. Seria o mínimo pelo mínimo que lhe foi oferecido em vida. Viveu e morreu pobre. De riqueza, apenas o talento como um dos maiores poetas populares do Estado.
Luiz Campos, Sergio Vilar e Gustavo Porpino. Ano 2005
Em 2005 estive em sua casa. Eu e o colega jornalista Gustavo Porpino traçaríamos um panorama cultural de Mossoró para a revista Preá. E o título que dei à matéria já diz muito: “Um poeta abandonado e faminto”.
Morava na casa nº 2886, na avenida Rio Branco, bairro de Lagoa do Mato. Era de uma simplicidade que beirava mesmo o abandono. Sequer banheiro tinha! Em frente, ainda lembro, havia um pé de algodão do pará. Fachada colonial, desgastada.
Luiz Campos preferia mesmo eram as andanças nas redondezas, ainda que a vida tivesse lhe roubado 95% de sua visão. Na rua encontrava gente, porque apesar dos tantos filhos, morava só. Ele, seus 66 anos à época, sua viola e uma cama velha coberta por uma colcha de retalhos.
Mesmo tento viajado por 18 estados acompanhado de sua viola, brincou: “Num sou famoso, sou faminto”. Uma modéstia que deixa despercebido mais de 40 títulos escritos e gravados por compositores locais como Genildo Costa e outros famosos no Nordeste, como Amazan.
E se a vida caminhava difícil para Luiz Campos, a infância lembrada não distava daquela realidade. “Minha meninice foi muito sofrida. Só quando comecei a cantar tive mais mordomia. Ainda assim, pra ganhar dinheiro com cantoria era melhor antes”.
Um registro de sua mocidade está publicado numa de suas cirandas de cordel mais famosas: “Carta a Papai Noel”, editada pela coleção Queima Bucha:
“Seu moço eu fui um garoto/ Infeliz na minha infância/ Que soube que fui criança/ Mais pela boca dos outro./ Só brinquei cum os gafanhoto/ Que achava nos tabuleiro/ Debaixo dos juazeiro/ Com minhas vaca de osso/ Essas catrevage, sêo moço/ Que se arranja sem dinheiro”.
Sem querer alongar memórias tão doloridas, Luiz Campos recomendou a leitura de um de seus cordéis, “O Meu Caso é um Descaso”, que segundo ele, retratava também a falta de apoio aos artistas populares de Mossoró.
Eu ainda estou lembrando
Dos cantos que trabalhei;
Tertuliano Fernandes,
Eu ali fui um dos grandes
Fabricantes de sabão.
Hoje tô doente e pálido;
Quase cego, tô inválido;
Ninguém me presta atenção.
E a preça ado codó
Que ajudei a reformar?
Foi pra lhe ver Mossoró
Crescer e multiplicar.
Hoje a praça está aí
E eu também tô aqui
Um pouco distante dela,
Quando a vontade me pede
Chega a doença e me impede
De dar um passeio nela.
Casas, igrejas e pracinhas
Eu ajudei a construir.
Passe suas mãos nas minhas
Que dá pra você sentir
Os calos da ferramenta
Que na década de cinquenta
Eu trabalhei, mas pra quê?
Que você não reconhece,
Como que nunca eu tivesse,
Feito nada por você.
O professor e escritor Clauder Arcanjo escreveu sobre Luiz Campos: “(…) reomendo aquele abandono, só e solitário, e nada de sono. Os versos lhe invadem a mente, construindo cirandas de cordel, versos em forma de rosas. E a cidade, esquecida do Poeta, dorme hipocritamente”.
Mas o próprio poeta sentencia sua solidão em versos: “Meus olhos perderam a luz,/ Minhas pernas fracassaram. Meus colegas se afastaram/ Como o cão quando vê cruz…”.
A visão comprometida e o abandono são claramente influências na escrita de Luiz Campos… “E a luz do sol ficou opaca/ Muito mais que a falta de energia./ Eu quis escrever, mas não podia/ Com lápis e papel na minha mão/ Quis vingar-me da negra solidão/ Enfrentei o poder da desvantagem/ Quis morrer de amor faltou coragem/ Quis viver para amar faltou razão”.
Que o “país de Mossoró”, como citou uma vez para ficar pra sempre o ícone Vingt-un Rosado, não reforce a cegueira de Luiz Campos e enxergue seu talento, como de outros tantos para justificar o status de cidade cultural, para além dos autos, dos acontecidos heróicos e pioneiros. Mossoró tem muito mais a que se orgulhar.
FOTO: Blog Acorda Cordel.
O escritor, dramaturgo, encenador, poeta potiguar e policial federal aposentado Junior Dalberto faleceu na madrugada de hoje aos 60 anos. Faria 61 nesta sexta-feira não fosse a Covid-19.
Junior deixa vasto material publicado e encenado, mas principalmente a lembrança da gentileza e da generosidade. Sempre me presenteou com seus livros e com seu prestígio, seja como leitor deste blog, como plateia em mesas redondas ou com o mais valioso: com o respeito, que o dava de volta, ainda com o bônus da admiração pelo talenro e pela pessoa.
Tinha o espírito libertário, embora carregasse alguma timidez, alguma introspecção em seus gestos e palavras. Tudo despejado em forma de letras, em livros e peças teatrais.
É autor de 15 peças teatrais e dois roteiros musicais. Autor e encenador dos textos infantis “Um Robô no Mundo da Fantasia” no Rio de Janeiro, “Pinóquio e o Circo” e “A Trilha da Caveira que Ri”.
Se enveredou por outros ofícios. Foi formado em Ciências Contábeis pela UFRN e era policial federal aposentado. Mas a arte lhe puxou. Tenho comigo ainda os livros Pipa voada sobre bancas dunas (CJA, 2011), Cangaço e o carcará sanguinolento (CJA, 2013) e Blattodea (CJA, 2017). Mas publicou ainda Leveza Infinita (CJA, 2014), Reféns nos Andes (CJA, 2015), Titina e a fada dos sonhos (CJA, 2017), entre outros.
Junior Dalberto fez ainda a direção cênica da inauguração do Cine Teatro Parnamirim. Mais recentemente foi dramaturgo dos monólogos Boderline (com 6 anos em cartaz) e Inkubus.
O teatro e as letras potiguares têm um dia de luto. A senhora gentileza perde um soldado. E aos amigos, a certeza de uma alma boa entregue aos ventos, como uma pipa voada destas brancas dunas.
IMAGEM: Eva Potiguar
Entre uma pesquisa e outra aqui me deparei com o aniversário de nascimento de uma das poucas imortais femininas da nossa Academia de Letras: Anna Maria Cascudo. Nascida em 13 de outubro de 1936 e falecida aos 78 anos em 15 de janeiro de 2005. Completaria neste mês, portanto, 84 anos cheios de vida, como era da personalidade dela.
Estive com Anna Maria Cascudo por algumas ocasiões. Talvez umas cinco ou seis. E desde a primeira vez ela extirpou qualquer imagem pré concebida ou preconceituosa que eu pudesse vir a ter de uma pessoa dependente da imagem do pai.
Não. Anna Maria demonstrou personalidade própria, forte e criativa. Uma mulher independente e, mais do que isso, uma defensora e símbolo do talento feminino nas letras potiguares. Sem falar no pioneirismo na atuação judicial. Ou mais do que isso: uma mulher legal. Assim eu poderia resumir: Anna Maria era gente boa. Educada no trato, mas sem frescura. Longe da imagem de dondoca desenhada por muitos.
E mesmo com um leque de escritoras e poetas nas nossas letras, o encontro de Anna Maria com o mestre Cascudo em outra esfera deixa sim uma lacuna. A lacuna de uma mulher firme, pioneira e sempre defensora da cultura do Estado e do legado de seu pai, hoje perpetuado pela filha Daliana Cascudo, com mesma firmeza da mãe.
Se fosse feita uma montagem dos principais acontecimentos históricos do século 20, Murilo Melo Filho estaria na foto em boa parte deles. Entrevistou, conviveu ou esteve com De Gaulle, Kennedy, Fidel Castro, Che Guevara, Jânio Quadros, Juscelino Kubistchek, João Goulard, Carlos Lacerda, Café Filho, Nixon e Gamal Aber Nasser.
Cobriu as guerras do Vietnã e Camboja. Presenciou e até interferiu em momentos cruciais da história política brasileira. E até o dia hoje, data de seu falecimento aos 91 anos, vivia o descanso de um dos raros potiguares imortais da Academia Brasileira de Letras.
No primeiro trimestre de 2012, eu, o jornalista Albimar Furtado e os intelectuais Afonso Laurentino Ramos e Ticiano Duarte fomos à aconchegante casa de veraneio de Murilo, à beira-mar da praia de Cotovelo, litoral sul potiguar. Uma tarde mansa de longo papo para publicação na edição 17 da revista Palumbo.
A seguir, transcrevo alguns dos principais trechos da entrevista de 8 páginas inteiras. Excluí as perguntas e coloquei tópicos. As transcrições abaixo tentam traçar um panorama linear da carreira do jornalista Murilo Melo Filho. Foi muita história para contar:
“Eu trabalhava aqui na “República”, com 16 anos de idade, ao lado de Luiz Maranhão Filho, Aderbal de França, Rivaldo Pinheiro, Edgar Barbosa, Valdemar Araújo (…) Naquele tempo, aqui em Natal, os bondes paravam à meia noite. Nós estávamos morando no Tirol e então eu vinha da República, na Ribeira, até o Tirol a pé. Tomava muita chuva numa idade de crescimento, peguei uma bronquite nos pulmões, e me aconselharam a ir para Nova Cruz, por causa dos seus ares, bebendo leite ferrado com uma pedra quente e misturado com mastruço. Então me curei da bronquite. Foi assim que Nova Cruz entrou em minha vida.”
“Eu me considero muito feliz por ser natalense. E faço disso um galardão de minha vida. Ainda bem que construí essa casa em Cotovelo, para matar as saudades. Eu sinto muita falta de Hênio, meu irmão. Morávamos ali na rua Apodi, 558. Meu pai construiu lá uma casa em 1938. Era a única em todo o quarteirão. Tínhamos como vizinho apenas a igreja de Santa Terezinha, o palacete de Câmara Cascudo e o Seminário de São Pedro. Jogávamos futebol ali na areia da rua, com Marcelo Carvalho, Eider Furtado, Oldamir Soares, Moacyr Picado, Eider, Edgar e Etiene Reis e Renato Magalhães”
Transcorridos tantos anos, volta a meu pensamento às angústias e sofrimentos que enfrentei naquela assustadora megalópole. O moço tímido das peladas na areia do bairro Tirol via-se de um momento para outro aterrorizado ante os arranha-céus da cidade grande. Era vencer ou vencer. No Rio, enfrentei as madrugadas nas redações dos jornais, as aulas noturnas na Faculdade de Direito, geralmente dormindo sobre as carteiras, vencido pelo sono e pelo cansado, o escasso dinheiro para a média com pão e manteiga e para as passagens do bonde, as penosas marchas dos domingos, na infantaria do CPOR.
Faço um balanço sobre a maturidade e vejo, feliz, de que nada tenho a me arrepender: nem do casamento de 50 anos, celebrado com a mesma mulher, Norma, companheira admirável, nem dos três filhos que juntos tivemos, nem da religião católica, que professo até hoje com fervor, muito menos do jornalismo, a profissão que escolhi desde menino.
Estudei no Marista e depois no Atheneu. Foiram meus professores, entre outros, Câmara Cascudo, Clementino Câmara, Celestino Pimentel, Alvamar Furtado, Véscio Barreto, monsenhor Mata, cônegos Luiz Vanderley e Luiz Gonzaga do Monte, Esmeraldo Siqueira e Luiz Antonio dos Santos Lima, todos mestres admiráveis.
No jornalismo comecei aos 15 anos, em ‘O Diário’ de Djalma Maranhão e Rui Paiva. Eu era o irmão mais velho de 6 e resolvi ajudar nas despesas de casa. Mas Natal não tinha faculdade. Tinha que se recorrer ao Recife ou Maceio. Dei um pulo maior e fui ao Rio. Embarquei num catalina ali no Potengi, em frente ao Centro Náutico. Uma viagem de 48 horas.
O único jornal que me deu chance foi o Correio da Noite para uma reportagem marítima. Eu e mais cinco repórteres de grandes jornais pegávamos uma lancha da Polícia Marítima interceptar transatlânticos que chegavam do exterior e entrevistávamos passageiros importantes. O ano de 1950 coincidiu com as peregrinações do Ano Santo, e o Correio da Noite, como jornal católico, tinha o direito de indicar um repórter para acompanhar uma peregrinação daquele Ano, em Roma. Então nós saímos num cargueiro grego com o nome de Jenny, que no máximo poderia transportar 15 passageiros, mas naquela viagem transportava 300. Enviei várias reportagens pelos Correios sobre o Ano Santo e sobre a situação política da Itália e da França.
Carlos Lacerda leu minhas reportagens e me convidou a trabalhar no jornal que ele iria fundar, o Tribuna da Imprensa (…). Fui lá já encontrei Aluízio Alves, que era redator-chefe e a segunda pessoa, no jornal, depois de Lacerda. Entrei no caderno de Política. Cobri a Câmara Federal, sendo testemunha da fase áurea da democracia brasileira, entre 1946 e 1960.
Lacerda crescia na onda de desgaste de Getúlio (…). Haviam se frutado tentativas anteriores para matar Lacerda. No dia do atentado, 4 de agosto de 1954, Lacerda foi palestrar num colégio da Tijuca. Um grupo de lacerdistas desconfiou da presença, na plateia, de três capangas da guarda pessoal de Getúlio. Carlos voltou comigo, no meu carro Opel Olympia. No banco de trás, vinham o seu filho Sergio e o major Rubens Vaz. Quando chegamos na rua Toneleiros, 180, Carlos e o majojr saltaram. Carlos tentou entrar pela porta central, mas então viu que não tinha levado a chave. Despediu-se do major e desceu uma rampa para entrar pela garagem. Numa questão de segundos, o pistoleiro cruzou na rua Toneleiros e fuzilou o major Vaz, que ficou emborcado na calçada.
As 11h do dia 11 de agosto de 1954, eu estava na Tribuna da Imprensa quando Lacerda ligou para mim: “Estou precisando muito me encontrar com seu conterrâneo”. Ponderei: “Fui muito amigo de Café, quando ele era deputado federal. Faz mais de um ano que não o vejo, desde que ele se elegeu vice-presidente. Mas se você está precisando falar com ele, vou agir”. Fui ao Ministério do Trabalho (…) “Presidente, estou aqui numa missão do Carlos Lacerda. Ele precisa muito falar com o senhor”. Aí ele evitou: “Mas Murilo, estou evitando encontros meus que pareçam conspiração contra o governo do Dr. Getúlio (…) Mas Murilo, espere um pouco. Porque com o Carlos, eu me encontro. Tudo depende do local. Onde?”. Olhou pra mim e perguntou: “Não pode ser no seu apartamento?”. “Não, presidente, porque eu moro num apartamento muito modesto, pouco propício a um encontro tão importante”. A solução foi o apartamento do conterrâneo Olavo Medeiros, então hospedado no Hotel Serrador. (…) Levei o Carlos já com a perna engessada por causa de um tiro que tinha recebido na rua Toneleiros. Entrou pulando numa perna só e amparado em meu ombro.
Café e Lacerda conversaram por duas horas (…). Quando saiu do apartamento, sentado numa cadeira de rodas, Carlos foi me vendo e fazendo assim com o dedo, o gesto de “tudo ok”. Naquele dia, 11 de agosto de 1954, às 16 horas, Café entrava realmente na conspiração para derrubar o governo de Getúlio.
Fui para o apartamento de Café, em Copacabana. Cheguei lá, estavam vários líderes da UDN reunidos em torno de Café, que dizia: “Eu sou o vice-presidente que tenho de assumir a presidência vaga”. Então saímos num cortejo de três automóveis: um na frente levando Café, abaixado no banco para não ser reconhecido por aqueles exaltados manifestantes, outra, o meu carrinho, e o terceiro carro, que levava o Raimundo de Brito. (…) Quando chegamos ao Palácio das Laranjeiras, perguntei ao porteiro: “Você quer nos deixar entrar com o presidente Café Filho?”. O porteiro desconhecia o presidente Café Filho e pediu identificação. Entramos a muito custo. Café assumiu e começou a acumpliciar-se com as forças da UDN para evitar a candidatura de Juscelino, então governador de Minas.
Eu era chefe da seção política da Tribuna de Imprensa. Na segunda vez em que Juscelino foi a Brasília, convidou-me para ir junto (…). No dia seguinte, Juscelino estava batendo na porta dos nossos quartos e convidando: “Vamos ver as obras de Brasília” e nos levou, numa rural Wills, até o local onde hoje é a Praça dos Três Poderes. Apontava: “Aqui vai ser o Senado, aqui será a Câmara. Aqui vai ser o Palácio do Planalto, onde eu vou trabalhar e do outro lado será o Palácio do Supremo. Aqui defronte, vão ser os Ministérios”. Eu olhava e só via lama e poeira. Fiquei horrorizado, voltei pro Rio, reuni os Bloch e disse: “Vamos entrar nessa porque o homem é doido e vai construir Brasília”. Foi aí que a Manchete entrou na luta de Brasília. Eu ia todas as semanas com o fotógrafo Gervásio Batista.
Publiquei colunas na Manchete por 30 anos. Procurei inovar o colunismo com notas pequenas, o lado humano da notícia, o que o cara diz, faz ou falou com seu nome em negrito, para destacá-los aos olhos do leitor.
O jornalismo político me deu acesso a reis, rainhas, príncipes, ditadores, governadores, senadores, deputados, presidentes da República, chefes de Estado e de governo, homens poderosos. Em missões jornalísticas acompanhei Café Filho e Juscelino a Portugal; Jânio Quadros a Cuba; João Goulard aos EUA, México e China; Ernesto Geisel à Inglaterra e à França; João Figueiredo à Alemanha e ao Japão; José Sarney a Portugal, EUA e Rússia; Fernando Henrique à Itália e à Espanha. Cobri a Guerra do Vietnã em 1967 e fui o primeiro jornalista brasileiro a cobrir a guerra do Camboja.
Conheci os picos-gelados de Zermat na Suiça e as geleiras de Anchorage, no Polo Ártico, o frio de Londres e e Los Angeles, a neve de Kiev, de Leningrado e dos Montes do Ural, na antiga União Soviética, as nevascas de Oslo e de Helsinque, o calor da Galileia, do Mar Morto e as tórridas plantações de café na Costa do Marfim; a miséria dos bairros de El Kardac, no Cairo e do Brown Bovery, em Nova Iorque; o luxo de Hollywood e da Côte D’Azur; os templos budistas de Angfor e de Phnom-Penh, no Camboja, de Bangok, na Tailândia e de Kioto, no Japão; os lugares santos de Roma e de Jerusalém. Foram 18 viagens à Europa, 15 aos Estados Unidos, quatro à África e três à Ásia.
(…) No nosso último dia em Havana, o embaixador do Brasil em Cuba ofereceu um coquetel para despedida de Jânio Quadros. Nós estávamos lá, na Embaixada, quando chegou Fidel Castro, que há pouco mais de cinco meses, tinha descido de Sierra Maestra e deposto o ditador Fulgêncio Batista. Ele chegou com “Che” Guevara e Raul Castro e começou uma estranha conversa (…). Nisso Fidel interrompe a conversa com Jânio e passou a uma sala onde eu estava com outros vários jornalistas e procurou esconder o seu revólver em cima de um móvel. Era uma peça bonita, com cabo de madrepérola, que ele havia ganho de presente de Anastas Mikoyan, ministro russo. Fidel tinha adoração por esse revólver. Ele deixou a arma lá e foi terminar a conversa com Jânio na sala vizinha. Eu então vi quando um colega jornalista roubou o revólver e o colocou na cintura, dentro do paletó.
Éramos convidados especiais do governo francês, que nos hospedou em hotel de luxo, o “George V”. Encontramo-nos em seu bar com o pintor Di Cavalcanti, que estava exilado em Paris e que presentou cada um de nós com dois quadros de sua autoria, hoje valiosíssimos. Participamos depois de uma coletiva concedida pelo presidente De Gaulle, no Palais d’Elysés.
Dom Eugênio amparou muitos perseguidos pela polícia na revolução de 64. Tem o caso concreto de um jornalista pertencente ao Partido Comunista, meu colega na Academia Brasileira da Imprensa. Ele me procurou chorando porque um filho seu tinha sido preso e tinham sumido com ele. Eu disse: “Só tem um homem capaz de ajudá-lo. É o cardeal Dom Eugênio Sales, contanto que você nunca revele a interferência dele”. Liguei pra Dom Eugênio, que prometeu interceder, junto ao general Sizeno Sarmento, comandante do I Exército, no Rio de Janeiro. Dom Eugênio tinha grande prestígio junto aos militares, sobretudo porque agia em rigoroso sigilo. No dia seguinte, o rapaz tinha sido localizado e já estava solto.
Como correspondente internacional cobri a Guerra do Vietnã, em 1967, em Saigon. Éramos eu, o Gervásio Batista e mais três jornalistas estrangeiros. Tenho uma foto minha, em pleno campo de guerra com o Gervásio e um major vietnamita. Estávamos hospedados no Hotel Le président, o único decente em Saigon, quando fomos convidados pelo comando americano a fim de vermos uma operação de guerra para recuperar a cidade de Hué. No dia seguinte à nossa saída do Hotel, o mesmo vietnamita que todas as manhãs entregava roupas lavadas e engomadas aos soldados e oficiais americanos, naquele dia escondeu nelas uma bomba que explodiu, matou vários deles e destruiu andares inteiros do Hotel.
De Saigon, ainda no Sudeste asiático, fomos a Vientiane, capital do Laos e a Phon-Pehn, capital do Camboja, onde estivemos na semana anterior ao banho de sangue comandado pelo ditador Pol Plot e pelo Khmer vermelho, com milhares de vítimas. Quando o nosso avião, na companhia de vários jornalistas estrangeiros, decolou no aeroporto de Phon-Pehn, vimos pela janela que atiradores disparavam lá de baixo contra ele, na esperança de derrubá-lo, o que certamente teria grande repercussão internacional.
Foi muito difícil. A Academia tem 40 acadêmicos eleitores. Quando abre uma vaga você precisa ter o voto da maioria desses 39 votantes. Juscelino me disse: “Quanto menores forem, mais difíceis os Colégios Eleitorais são. Eu tive o voto de cinco milbões de brasieiros, que me elegeram para a Presidência. Mas não consegui o voto de 20 acadêmicos, que não me elegeram para a ABL”. Ele perdeu ara um modesto escritor goiano, Bernardo Elis, apoiado pelos militares, que se considerariam humilhados se Juscelino fosse eleito. A Academia é uma entidade importante. Não raro as eleições são muito difíceis, com escolhas muito penosas e os acadêmicos tendo de sofrer pressões não raro, fortíssimas.
Enfrentei um senhor intelectual chamado Alberto Carlos e Silva. Firmamos compromisso de que o derrotado visitasse o vencedor no dia da eleição para cumprimentá-lo e que o derrotado teria o voto do vencido numa próxima eleição. Venci por 24 votos a 14.
São 33 andares, todos lotados. Seus aluguéis custeiam todas as nossas despesas. Sei porque já fui seu Diretor Financeiro e Diretor Secretário, além de outros quatro anos em que fui construtor e Diretor de sua Biblioteca Rodolfo Garcia (nome de outro potiguar). Já dei, portanto, minha cota de trabalho à Academia.
Não tínhamos o direito de recusar a eleição de Paulo Coelho, quando ele estava sendo saudado pelos intelectuais e pelas academias do mundo inteiro. Era o prestígio de um autor que já vendeu 130 milhões de livros, em 50 países. Então como explicar que tínhamos recusado este homem? Mas não gosto da literatura dele.
O amor ao jornal, à revista e à televisão ofereceu-me tudo isso, a que eu, a rigor, pelas minhas origens modestas, não teria direito em vida. Ele não me fez um homem rico, nem me deu faustos ou opulências, mas me proporcionou uma estabilidade profissional e financeira suficiente para dar à minha família uma vida digna, com conforto e bem-estar. Por tudo isso, nunca fui outra coisa na vida senão jornalista, tentando devolver à minha profissão, em dedicação e em trabalho, tudo quanto até hoje tenho recebido dela, que considero uma profissão fascinante e maravilhosa, quando exercida com correção, entusiasmo e dignidade. Por esse jornalismo, muito cedo começou a minha vida, quando menino ainda, entrei pela primeira vez na redação de um jornal, o Diário de Natal, para ganhar o salário de 60 mil réis, por mês. Por ele, sofri. Por ele, vivi. E por ele ainda hoje continuo vivo.
FOTOS de Murilo Melo Filho: Adriana Amorim (reprodução da revista) e acervo
São 10 anos da morte de uma das figuras mais folclóricas e sábias do Centro Histórico de Natal: José Helmut Cândido, que este editor convencionou chamá-lo de “filósofo das ruas” ou “o Carteiro de Cascudo”. Sim, ele entregava correspondências ao nosso folclorista, em tempos idos.
Helmut perambulava pelo Beco da Lama com cigarro na boca e DVDs de filmes clássicos na mão, comprados em camelôs. Lia compulsivamente os grande filósofos, inclusive em outras línguas. Por vezes me abordou oferecendo um guardanapo de bar com poesias escritas em troca de dois reais. Eram as moedas para mais uma talagada de cachaça, aparentemente o motor de sua disposição para andar, ler, fumar e beber tanto.
Abaixo republico entrevista que fiz com ele pouco mais de dois meses antes de sua morte, em 2 de maio de 2009. Modéstia à parte, um papo realmente interessante, claro, muito mais pela riqueza de vida e de conhecimento de Helmut e seu jeito ranzinza, sua conduta contracultural, marginal, de quem reconhecia no ser humano um projeto fracassado de mundo.
Morreu hoje um dos personagens mais enigmáticos desta cidade. José Helmut Cândido desafiou todas as regras da vida. Fumou e bebeu em demasia durante quase 30 anos. Era libertário como os chãos do Beco da Lama que tanto gostava. Em fevereiro o visitei no hospital da Unimed. Ele estava com câncer, mas não sabia. Nem queria saber. O amigo Abimael Silva até lembrou do clássico filme Viver, de Akira Kurosawa, como vocês podem ver mais adiante. Foi a última entrevista que Helmut concedeu. Ficam as lembranças de um homem, antes de tudo, livre.
A liberdade humana se revela na angústia diante da condenação da própria liberdade. É a condenação das escolhas e da responsabilidade opressiva perante elas. É assim que pensa o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. É assim que vive um dos personagens mais enigmáticos desta cidade: José Helmut Cândido, 76 anos. Claro, o livre arbítrio divino é dádiva entregue a todos. Mas Helmut escolheu diferente e talvez materialize com mais nitidez a filosofia sartreana de liberdade.
Helmut não ri à toa. Não vê motivos para festa. Não é eremita porque despreza penitência, religiosidade ou misantropia. Talvez seja pela solidão do muito saber. Escolheu a vida desregrada – se é que existe. Sartre explica. De costume fuma seis carteiras de cigarro ao dia. Bebe entre 20, 30 lapadas de cachaça ou outra bebida, até o arrebol sumir ou o dinheiro deixar. Caminha em viagens. Anda até Macaíba às vezes. Pium é matinê e roteiro definido.
Em Pium Helmut encontra a casa e os livros do amigo Abimael Silva. O Sebo Vermelho é a segunda ou primeira casa de Helmut. A outra é um quartinho próximo ao Memorial Câmara Cascudo, também na Cidade Alta. ”O que salva Helmut são as caminhadas”. Também a irmã, Ideuzuith, que controla a razoável aposentadoria de Helmut. ”A única preocupação dele é pegar os 15 reais do dia na casa da irmã. Se ela der mais ele gasta com cigarro e cachaça. Quando o cigarro acaba ele faz um brejeiro, com papel couchê de livro barato”, diz Abimael.
A vida classificada como normal, Helmut trilha há quase 50 anos. Vem de família nobre de Angicos. O tio, José Anselmo, foi diretor dos Correios nos anos 50 e empregou Helmut lá. ”Em 1962 houve a primeira bronca. Acho que foi de tanto ler. Helmut leu todos os filósofos”. A ”bronca” relatada por Abimael foi um desvio de comportamento; atitudes agressivas, amenizadas há 20 anos. Após aposentadoria forçada pelo Correio trabalhou de carteiro de Cascudo durante seis anos. Viajou muito e se isolou do mundo à sua maneira.
É comum ver Helmut embriagado pelas adjacências do Beco da Lama. Ele anota poesias e pensamentos em guardanapos e pede 2 reais por ela ou um copo de cachaça. Em bienais angaria até R$ 500. Por vezes carrega DVDs de clássicos do cinema. É outra paixão, como também a literatura ou as viagens aos interiores do estado para ver fachadas de correios. Certa feita, tomou o ônibus gratuito para idosos até o Rio de Janeiro para visitar parentes. Foi com 20 reais. Abimael conta que Helmut reclamou: ”Só tem ladrão. A cachaça que compro aqui a 50 centavos, lá é um e 50. Era só cafezinho e cigarro”. Diz Abimael que Helmut ainda chegou ao RJ com R$ 1,50.
Há 20 dias Helmut foi internado. Abimael notou a boca do amigo espumando. A irmã de Helmut disse que ele só pensa em sair do hospital e prefere desconhecer a gravidade da doença que o levou para lá. Na saída do Hospital, depois da entrevista e a despeito da negação de Helmut saber de sua efermidade, Abimael lembra do filme Viver (1952), de Akira Kurosawa. O longa conta a história de um burocrata com câncer no estômago, também sem querer saber o diagnóstico de sua doença, mas forçado a tirar o capuz de sua existência para encontrar algum significado para seus dias derradeiros.
O repórter chega às 9h de uma manhã igual às outras ao Hospital da Unimed. Quarto 310. O filósofo das ruas está sentado à beira da cama. Veste bata hospitalar. Parece bem. Vê de prima Abimael e gesticula apressado para o editor entrar. Se surpreende em seguida com a presença da equipe do jornal, mas logo demonstra altivez. A vaidade de Helmut é conhecida. Ele gosta de ser fotografado, de dar entrevista, embora seja travado com as palavras que tanto conhece. Se tivesse o dom da oratória e do desprendimento, a filosofia das ruas ou dos livros sairiam pelos poros direto para este jornal.
Helmut é um baú de conhecimentos. Teria muito a ensinar. Talvez até quisesse. As respostas curtas retratam a personalidade introspecta e a consequente dificuldade em proferir suas ideias e pensamentos. É meio ranzinza, impaciente. Na entrevista a seguir, feita semana passada, Helmut recorria ao apoio irrestrito do amigo Abimael Silva para complementar alguma resposta ou tirar dúvidas. Já ao fim, quando o repórter sinalizou a precisão de voltar à redação para escrever a matéria, alguma filosofia guardada naqueles porões escuros emergiu. Serviu como braço seguro para prender a equipe mais alguns minutos e olhar a pressa da rotina jornalística pela janela.
Helmut – Da rua; do movimento; do amigo Abimael.
Da Cidade Alta, por ali perto de Abimael.
A leitura. É o mais importante (e o cinema? – pergunta Abimael). Também. Minha coleção é vasta; muitos clássicos.
Difícil definir. John Ford…
‘No tempo das diligências’ (do mesmo John Ford). Mas não esquecer dos mais modernos; do Cinema Novo, que foi uma remoção das chanchadas, com Glauber; de Nelson Pereira.
Marlon Brando surgiu com estilo independente; com uma linguagem cênica diferente do que existia comumente em Hollywood. Ele apareceu moço, com 30 anos. Fez filme em todos os gêneros, geralmente como figura antissocial. Eram papéis que repudiavam a sociedade.
É
Pode anotar essa mensagem: filosofia se aprende na rua, por incrível que pareça.
A filosofia prática. A vida é prática.
O que se vê na rua se encontra nos livros, mas o que tem nos livros foi retirado da rua. O livro aniquila a maneira de se ver o mundo. A própria rua tem sua teoria. O alicerce do edifício é a rua.
O existencialismo de Sartre.
(pensa). Shakespeare é muito alto. Euclides da Cunha, não; ele era sociólogo. Pode ser Conan Doyle. Ele num extrai muito? – pergunta a Abimael.
Dostoiévski.
O primeiro.
Alvamar Furtado (Abimael lhe deu um livro do escritor a respeito do revolucionário José da Penha, combatente da oligarquia Maranhão, morto pelos cangaceiros de Padin Ciço, no Ceará e parente de Helmut).
A filosofia antiga.
Pré e pós-socráticos.
Pelos livros escolhi minha vida.
Comum, mas que se sobressai à vida cotidiana.
Depende da compreensão.
Meu canto é o mesmo desse cara aí (aponta para Abimael). Fico esperando na porta (do Sebo Vermelho) esperando ele chegar.
Quando cheguei aqui parei.
Talvez.
Alguns atropelos…
Já viajei bastante. Conheci quase tudo do Brasil. O importante foi perceber que todo canto é a mesma coisa. (Abimael pede para ele contar as temporadas dos cabarés próximos ao Porto de Santos). A diferença é que a sociedade não se entrosa com o cabaré. Acha um antro repugnante. Cabaré é um desvio social. Eu gosto. Começa pela casa, desmembrada do seio social.
Lá mesmo. O que se precisa é de cautela, num é Abimael? (o editor sebista já havia contado ao repórter que Helmut reclamava das raparigas larápias dos cabarés das Rocas).
Foi uma namorada que eu arrumei lá em Cascudo. Durou um mês. Era bem feita, esbelta.
Ando para desopilar, tomar ar, fazer exercício.
Meu estilo de viver é normal. Só precisa ser compreendido, sem a agressão da sociedade.
Que nada tenho de anormal. As pessoas é que me julgam diferente.
A Comissão de Educação Cultura e Esporte do Senado deve votar nas próximas semanas o relatório do senador Renan Calheiros que deu parecer favorável ao Projeto de Lei 1397/2019, do senador Styvenson Valentim (Pode-RN) onde propõe a inscrição do nome da educadora e poetisa potiguar Nísia Floresta no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.
“Gostaria de agradecer pelo reconhecimento da importância de Nísia Floresta que, num momento conturbado como no século XIX, teve coragem para liderar o movimento feminista e abolicionista, escrevendo vários livros e sendo referência na luta pela igualdade de gêneros. Ela inclusive deixou um livro para a sua filha cujo título é: Conselho para as Mulheres. O Rio Grande do Norte e o Brasil ganharão muito em conhecer mais sobre a história desta grande mulher”, observou o senador potiguar.
O relatório já foi lido na Comissão pelo senador Eduardo Girão (Pode-CE), que enfatizou a história da educadora, poetisa e defensora dos direitos das mulheres, dos índios e dos escravos, e uma das mais conhecidas filhas do Rio Grande do Norte.
“Tive a oportunidade de conhecer o município potiguar que leva o nome da nossa futura heroína e me chamou atenção o acolhimento do povo. Hoje estou tendo a honra de ler esse relatório que revela não haver nenhuma dúvida do merecimento de Nísia Floresta”, disse o senador cearense.
O livro dos Heróis e Heroínas da pátria se destina ao registro perpétuo do nome de brasileiros que tenham realizado atos em prol do país, com excepcional dedicação e heroísmo e está no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília.
Dionísia Gonçalves Pinto, adotou o pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira Augusta e conquistou reconhecimento internacional pelo pensamento de vanguarda numa época em que as mulheres sequer eram ouvidas.
Nascida em Papari, cidade que ganhou o seu nome, Nísia Floresta morou por mais de 20 anos na Europa, onde conviveu com grandes pensadores.
Também se destacou no jornalismo e protagonizou diversos movimentos sociais. Ativista dos ideais abolicionistas, republicanos e principalmente feministas, influenciou a educação brasileira, dialogando com ideias europeias e rompendo limites do lugar social destinado à mulher.
Aos 22 anos Nísia Floresta publicou seu primeiro livro – Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens – que a colocou entre as pioneiras do feminismo no Brasil.
O projeto completo está disponível na página do Senado Federal.
Acreditamos que boa parte dos moradores do bairro Potengi, na Zona Norte de Natal, quando passam pela Avenida Governador Antônio de Melo e Souza não tenham conhecimento da imensa contribuição que esse homem deu para a política e a literatura do Estado. Pensamos dessa maneira, pois é evidente tanto no meio político como no cultural o descaso com que é tratada a memória desse grande brasileiro que foi também sinônimo de honestidade no serviço público, algo raríssimo na conjuntura atual.
Antônio de Souza, como era conhecido, foi um intelectual de primeira linha, possuía uma das maiores bibliotecas do Rio Grande do Norte, lia em francês e outras línguas. Começou sua brilhante carreira ainda moço, como jornalista, usando o pseudônimo Polycarpo Feitosa, que iria marcar toda a sua trajetória literária.
Antônio José de Melo e Souza nasceu em 24 de dezembro de 1867 no Vale do Capió, antiga Vila Imperial de Papari, hoje chamada Nísia Floresta. Estudou em vários colégios recifenses, inclusive o Ginásio Pernambucano, e formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife, em 1889.
Foi, por duas vezes, governador do Rio Grande do Norte, senador e procurador do Estado, durante a República Velha. No seu segundo mandato como Governador criou a Escola Normal de Mossoró; a Faculdade de Farmácia de Natal (Lei nº 498, de 02 de dezembro de 1920), a Diretoria Geral de Agricultura e Obras Públicas e o Instituto de Proteção e Assistência à infância, atual Hospital Infantil Varela Santiago.
Houve durante a sua administração, um enorme crescimento do acesso das mulheres à educação, que passaram a frequentar a escola na mesma proporção que os homens. Diversos cursos eram oferecidos, nos quais as mulheres aprendiam, inclusive, bordado, crochê, corte e costura, numa época em que as habilidades domésticas eram valorizadas pela sociedade.
No início de sua carreira, Antônio de Souza era redator do jornal A República e já participava da vida cultural; fundador do Grêmio Polimático, sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e também fundador da Revista do Instituto. Nomeado Promotor Público da Comarca de Goianinha (RN), e aí permaneceu de 1890 a 1892.
Sempre atuante no meio literário da capital, escrevia para jornais, fazendo resenhas, editando periódicos literários, ao lado de outros grandes nomes da época, como Henrique Castriciano. Todavia só começou a publicar livros, na maturidade. No auge da sua carreira literária, foi incluso na antologia “Panorama do Conto Brasileiro” de R. Magalhães Júnior.
Como intelectual, além de jornalista, foi também poeta, memorialista, contista, e destacou-se sobretudo como romancista. Escreveu, Flor do sertão (1929), Gizinha (1930), Alma bravia (1934), Os Moluscos (1938), e Gente Arrancada (1941), romances; Jornal de Vila (poesia), Encontros do Caminho (contos) e Dois Recifes (memórias).
Seu único romance reeditado, Gizinha, foi relançado ainda na gestão do governador Aluízio Alves, em 1965. Narrativa ficcional que se passa na década de 1920, representou, aqui no Estado, um avanço para as mulheres na sociedade com suas lutas e conquistas: mais acesso ao ensino, através da implantação de novas escolas, conquistas dos diretos políticos e civis. Gizinha, expressa muito dessas mudanças no comportamento feminino para a época.
Adalgiza, nome abreviado de Gizinha, era uma espécie de melindrosa, uma transgressora, com atitudes modernas para seu tempo, seus modos ousados chocavam a sociedade natalense. No entanto, ela acaba seguindo os padrões sociais e abdicando dos seus desejos. Casa-se e percebe que o seu casamento não era o que ela esperava, decepcionando-se com o marido, mas aceitando essa situação.
Gizinha chegou a ter uma terceira edição, em formato de bolso, publicada em 2005, pela AS Editores.
Curiosamente Antonio de Souza, só estreou em livro aos 61 anos, com Flor do Sertão (1928).
Na obra O Tempo e eu (1968) Câmara Cascudo dedicou uma crônica à figura de Antônio de Souza, descrevendo-o como uma pessoa sisuda: “Alto, pálido, carnadura sólida, os cristais dos óculos aguçando o olhar penetrante e míope, quase surdo, arredio, alheado a qualquer vínculo social, amando a solidão, as leituras intermináveis, desconfiando do desinteresse humano, inimigo de cerimônias oficiais…”
Em outro trecho, Cascudo continua a descrever Antônio de Souza, como resistente às mudanças que vinham ocorrendo na cidade do Natal: “Era, naturalmente, cheio de idiossincrasias, restrições, antipatias. Implicava com as danças modernas daquele tempo, ragtime, two-steps, tango argentino”.
Além dos cargos mencionados, que ocupou com honradez e competência, Antônio de Souza, já no período pós-Revolução de 30, atuou como substituto do Interventor, por diversas vezes. Aposentou-se em 1935, nas funções de Consultor Jurídico do Estado. Faleceu, praticamente anônimo e solitário na cidade do Recife no dia 05 de julho de 1955.
Em 2016, o escritor Manoel Onofre Júnior, em edição do Selo Caravela Cultural e a 8 Editora, publicou ensaio, dentro da Coleção Presença, Polycarpo Feitosa – O Excêntrico Dr. Souza, espécie de livro de bolso que resume um tanto da vida e obra desse ilustre potiguar. E pelo que nos parece não foi suficiente ainda, até o momento, para que os potiguares redescubram Antônio de Souza ou Polycarpo Feitosa, um brasileiro esquecido.
Se tivéssemos de erigir um panteão em honra dos mais ilustres mossoroenses (natos e adotivos), na área cultural, não poderíamos deixar de incluir nele o jornalista e escritor Jaime Hipólito Dantas.
Pelo seu amor a Mossoró, bem como por tudo que fez em prol de sua terra de adoção, Jaime Hipólito merece alinhar-se junto a outros vultos memoráveis, como Martins de Vasconcelos, Vingt-Un Rosado, Dorian Jorge Freire e Raimundo Nonato da Silva.
Pena que Jaime Hipólito tenha preferido gastar no jornalismo o seu enorme talento, deixando só um pouco para a ficção. Ele é um senhor contista. Dos cinco maiores do nosso Estado. Mas, produziu apenas 16 contos, sendo que um destes renegou. Dos 11 enfeixados em seu primeiro livro, “O Aprendiz de Camelô” (Rio de Janeiro: Instituto Cultural do Oeste Potiguar – Coleção Mossoroense – Serviço Gráfico do IBGE, 1962), dez foram reescritos e atualizados, passando a integrar, junto com cinco novos, a coletânea “Estórias Gerais” (Fortaleza: Imprensa Universitária da UFCE – Coleção Mossoroense, 1986).
Dono de um estilo ágil e leve, Jaime explora com extrema concisão e acuidade os veios de um realismo renovado. Às vezes, lembra Nelson Rodrigues, tamanho o dramatismo de algumas de suas narrativas. Mas, não se iluda, caro leitor, ele é sempre ele.
Do seu punhado de histórias curtas, destaco duas, verdadeiramente antológicas. Uma – “Conto de Ninar” – consta de três antologias, a outra “Às Suas Ordens, Sargento” impressiona pelo espírito de síntese e pela criatividade nos diálogos. É uma obra-prima. Digna de Hemingway. O Hemingway de “Os Assassinos”, por exemplo.
Muito interessante, também “O Regresso”, em que o escritor potiguar “alinha-se dentro das modernas pesquisas de um Butor”, como bem observou o crítico Fausto Cunha. (Jornal de Letras, Rio de Janeiro).
Os outros trabalhos mantêm-se no mesmo nível dos mencionados, excetuando-se “Noite de Eulália” e “Luciana”, apenas sofríveis, a meu ver.
Além de contista, Jaime Hipólito Dantas exerceu, esporadicamente, a chamada crítica de rodapé.
Já no fim da vida, reuniu em livro diversos escritos de sua autoria, publicados em jornal, sobre temas de interesse literário. O livro (Mossoró: Edições Queima-Bucha –1992) recebeu título muito simples, que diz tudo: “De Autores e de Livros”. Quando do lançamento, escrevi nota crítica, publicada em O Poti (Natal, 02/08/1992), da qual transcrevo o seguinte trecho:
“Jornalista e homem de letras, Jaime Hipólito professa a crítica tendo em mira o grande público leitor de jornal. Simplicidade – sua marca registrada. Longe dele o formalismo da complicadíssima crítica universitária, tão em moda.
“Para expressar-se, Jaime não precisa senão da linguagem corrente; dispensa aquela terminologia intrincada, cabalística até, muito do agrado da maioria dos críticos e professores de literatura, hoje em dia. Sem ostentar conhecimentos técnicos, ele vai fundo nos assuntos que escolhe, criteriosamente. E diz tudo aquilo que um crítico ultra-sofisticado poderia dizer, só que nunca se utiliza do indefectível jargão pseudo-científico.
“Neste “De Autores e de Livros” vai com a mesma segurança, de um estudo da poesia concreta aos discursos parlamentares de Carlos Lacerda; de Gide a Mauro Mota; de Hemingway a Veríssimo de Melo e muita coisa mais, inclusive notas quase didáticas sobre D. H. Lawrence, Ezra Pound, etc. e oportunas observações acerca dos “nossos poetas e prosadores”. Tudo muito interessante.”
Em 1972 publicou a plaquete “O Livro da Velhice de Grieco”, estudo literário (Separata da Revista Oeste, órgão do Instituto Cultural do Oeste Potiguar – Mossoró).
Dos jornalistas mossoroenses, em todos os tempos, Jaime Hipólito foi um dos mais inteligentes e atuantes. Ainda adolescente, começou escrevendo crônicas que logo chamaram atenção. Combativo, polêmico, tornou-se, com o correr do tempo, uma figura emblemática. Marcou época nos jornais O Mossoroense e Diário de Mossoró, dos quais foi, respectivamente, redator e redator-chefe. Mantinha uma coluna, em que abordava os mais variados assuntos – da Política à Literatura. Na Rádio Tapuyo, de Mossoró, o seu “Prato do Dia” fez sucesso, certa época.
Fora de Mossoró atuou sempre como colaborador (jornais Tribuna do Norte, Diário de Natal, O Poti, O Galo, de Natal, e Diário de Pernambuco, do Recife).
Desde cedo, Jaime viu que não poderia viver bem com o pouco que ganhava no jornal. Procurou, então, outros meios de vida. Exerceu o magistério, primeiramente na Escola Técnica de Comércio União Caixeiral (a mesma em que concluíra o 2º grau); depois, na Escola Normal de Mossoró e, por último, na Universidade Regional de Mossoró – Instituto de Letras e Artes (Cadeiras de Literatura Norte-Americana e Literatura Inglesa), Curso de Direito (Direito Penal) e Curso de Administração (História do Pensamento Econômico).
Nos idos de 1954, foi nomeado diretor de Divulgação, Ensino e Cultura da Prefeitura Municipal de Mossoró, funções estas que desempenhou por algum tempo.
Em 1958 fez uma incursão pela política partidária, disputando, pela legenda do PTB, um lugar na Câmara Municipal de Mossoró. Não se elegeu, mas ficou na primeira suplência. Ano seguinte, recebe o diploma de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito de Natal. Em 1960, nomeado Promotor de Justiça da Comarca de Areia Branca (RN), inicia sua carreira no Ministério Público do Rio Grande do Norte. Foi promotor (Comarcas de Umarizal, Upanema, Augusto Severo (hoje Campo Grande), Mossoró) e Procurador de Justiça, cargo em que se aposentou (1985).
Por volta de 1979, tive a satisfação de trabalhar, ao lado de Jaime, na 2ª Vara da Comarca de Mossoró, ele Promotor de Justiça, e eu Juiz de Direito. Não se dedicava ao cargo, pois a sua verdadeira vocação era o jornalismo e a literatura, mas cumpria a contento os seus deveres funcionais.
Lembro-me que, certa vez, atuando em um processo criminal, ele pediu a absolvição de uns trabalhadores rurais famintos, que haviam se apossado, para consumo próprio, de alguns gêneros alimentícios e pequenos objetos, se bem me lembro, guardados num armazém da fazenda onde prestavam serviços. Fundamentou o seu pedido na excludente de ilicitude “estado de necessidade”. Em vários outros casos procedeu com o mesmo senso de equidade.
De setembro de 1966 a julho de 1967, cursou Administração e Política Social, na Universidade de Swansea, País de Gales, como bolsista da OEA. Diplomou-se com a tese “Some Aspects of Regional Development Planning in Brazil”.
Dessa sua estada no velho continente, bem como de outras vezes em que lá esteve, resultou a obra “Cartas da Europa” (Mossoró: Editora Queima-Bucha, 2008), de publicação póstuma, organizada pelo seu sobrinho Gustavo Luz. Leitura indispensável para o conhecimento do autor e do seu tempo.
Quando todos já o consideravam um solteirão empedernido, casou-se com Marília Paiva, de tradicional família mossoroense. A cerimônia realizou-se no dia 31 de março de 1969.
Quatro filhos: Emílio Jaime, Eduardo José, Raimundo Hipólito Neto e Sara.
Jaime Hipólito Dantas nasceu em Caicó (RN), a 1º de dezembro de 1928, filho de Raimundo Hipólito de Medeiros e Eufrásia Dantas de Medeiros. Com apenas 4 anos de idade, foi com os pais para o Maranhão e, de lá, após estadia de dois anos, para Mossoró, cidade onde viveu a maior parte de sua existência.
Faleceu no dia 22 de março de 1993, em Natal, onde morava, com a família, desde 1985.
Mossoró tem para com ele uma divida de gratidão.
Lenine Pinto deveria dispensar apresentações. Mas Natal é incansável em desvalorizar suas referências. Então, um brevíssimo parágrafo para resumir a grandiosa contribuição deste pesquisador e escritor para a história potiguar.
Lenine foi um dos historiadores locais pioneiros em pesquisas referentes à participação do RN na Segunda Grande Guerra. Também tem ótimas pesquisas relacionadas à história da Redinha, com relato único sobre o Cemitério dos Ingleses.
Entre outros trabalhos, também pesquisou sobre a história do remo, a história do xadrez em Natal, mas se notabilizou mesmo pela pesquisa e tese de que o Brasil foi descoberto (ou redescoberto) no Rio Grande do Norte, com inúmeros livros publicados.
Tive uma única oportunidade de conversar com Lenine, eu ainda repórter do Diário de Natal. Foi em sua casa no Pium. Nem lembro o tema, mas lembro que a pauta ficou esquecida e colhi outros motes para várias reportagens. Lenine era um arcabouço de conhecimentos.
Lamento ter estancado minhas pesquisas sobre a Redinha. Meu livro incompleto ficaria mais rico com seu depoimento, de quem pesquisou e frequentou a “praia bonita” de Cascudo. A última vez que o vi foi na última edição do Encontro de Escritores, na Ribeira. Estava bem.
Lenine, imortal da Academia Nore-riograndense de Letras, morreu hoje aos 89 anos, às 3h no Hospital São Lucas, onde estava internado há alguns dias decorrente de complicações causadas por uma pneumonia. O velório será na rua São José, às 10h. A cerimônia de cremação será segunda (24), restrita aos familiares.
Arruda Sales foi personagem destacado no meio social e artístico natalense na década de 80. O livro Spleen de Natal, de Franklin Jorge, publicado em 1996 com produção de Danielle Brito, traz, entre outros perfis de figuras notáveis da história sócio-política potiguar, um retrato íntimo e ousado de José Antonio de Arruda Sales, morto na última sexta-feira aos 64 anos. Um papo entre amigos. Revelações íntimas, seus casos amorosos com políticos, padre, jogador de futebol… Sua carreira artística, ilusões e desilusões e uma insistência na temática do sexo. Um recorte sincero de uma época ainda glamourosa de sua vida. O texto foi transcrito na íntegra por este editor, sem modificações; apenas com o adorno de fotografias inexistentes no livro.
9 horas.
Arruda vem sorrindo. Óculos escuros. Jeans colados no corpo. Cabelo atrevido. Camiseta branca. Tem 32 anos.
– Nossa entrevista pode apimentar – recomenda.
E rimos.
– Você, que é o entrevistado, é que tem que apimentar. Não dormi com os rapazes.
A entrevista, descontraída, recorrente e afiada:
– Não dormiu também porque não quis – dispara.
Acervo – Tribuna do Norte
Arruda foi menino de engenho. Nasceu em São José de Mipibu, numa família da aristocracia rural, em 1955. Rapazinho em Natal, sua estreia leonina, impulsiva e afetuosa, começou a brilhar, nas artes plásticas, na segunda metade dos anos 70. Realizou numerosas exposições, dentro e fora do Estado, mas o seu destino era o show-biz, o teatro com o seu misterioso brilho, a gaiola das loucas, a noite excessiva de ventura.
– A última entrevista, Franklin, foi o maior frisson. Teve o pessoal que aplaudiu e o que virou a cara…
Mas enquanto os cães ladram, Arruda viaja. Entrou em um navio e se deu bem. Desmentiu o rock.
Começou a “pintar precocemente o sete”.
Gostosas gargalhadas.
– Nunca fui hipócrita. No meu tempo de estudante no Marista, troquei muitos beijos com o meu professor de religião, que me dava sempre, por isso, a nota oito…
Era padre, mas Arruda, por discrição, preserva o nome.
– Digo apenas que o ano era o de 1965…
Arruda está em verdadeira guerra santa com a hipocrisia de uma igreja que condena o aborto e o homossexualismo. Não esconde o seu estarrecimento diante da interferência da igreja brasileira na campanha anti-aids.
– Não fui ainda discriminado pela igreja, mas tomei as dores dos que sofrem – acrescenta, debruçando-se sobre a carta de vinhos.
Pela janela aberta descortina-se o mar natalense.
– Eu continuo uma meninota conservada em maresia -, ri. Meu grande amor em Portugal foi um diácono. Lá os diáconos casam. Ele está no livro de memórias que escrevo. Alto, parecia um árabe. Cara de pediatra. Conheci-o num bar. Nossos encontros foram num lugar tranquilo, a igreja. E com a proteção dos santos…
A conversa transcorre num restaurante à beira-mar, dois dias antes da viagem de Arruda a Portugal. De férias em Natal, antecipou seu regresso, chateado com o suburbanismo da cidade que, na sua opinião, retroagiu culturalmente debaixo do vendaval dos novos tempos.
– Aqui as pessoas continuam a nos cobrar muito. O tédio aqui é tão grande que, quando a gente sai à noite, volta sempre aborrecido para casa. Foi o que eu senti dessa vez…
A permanência de Arruda Sales em Natal, de férias do navio onde vive embarcado desde que deixou a tribo, foi marcada por um frisson que abalou os salões e as rodas de conversas nos cabeleireiros de primeira classe. Embora muito jovem, ele anunciou que está escrevendo um livro de memórias…
.
Acervo – Tribuna do Norte
Tudo começou com a questão do “dom artístico”.
– Por conta do dom artístico, na escola eles achavam que todo papel cabia em mim. E eu adorava.
Na Escola Técnica Federal, começou a carreira artística:
– Num desfile de sete de setembro, fui o mártir da independência…
No ano seguinte, foi Santos Dumont. Não lembra as datas.
– Fazia, então, a linha mais fina. As roupas de época. Copiei até os gestos afeminados de Santos Dumont, o que não me exigiu maior esforço… Não fui Anita Garibaldi porque abandonei o curso.
O humor de Arruda, vivo. Mais vivo que vivíssimo de melo.
.
O seu livro vai ter “orelha” e “brinco”. Exigente, explica:
– Mas não quero essas orelhonas acadêmicas ao gosto de Manoel Onofre Junior…
Arruda faz suspense quanto ao título. Por fim, revela:
– Pincel, Paetê e Panela… Tudo o que começa com a letra P eu gosto. Tirando o Papa, porque condenou o homossexualismo.
Arruda divide sua ventura de lobo do mar.
– Você escreve muito lentamente. Estou quase certo de que o livro se fará com estas entrevistas…, provoco-o.
– Não quero apressar o parto – diz Arruda, sentado à minha frente, os óculos escuros sobre a mesa.
– Você poderia adiantar alguma coisa do livro para os nossos leitores…?
– Poder, posso, pois não estamos numa “nova república”? Mas prefiro fazer suspense para vender mais. Aprendi com o Jesiel Figueiredo que a gente tem que vender o peixe… Só posso adiantar que não citarei nomes. Apenas comento os fatos sem revelar a identidade dos santos…
– Comenta-se que você vai criar uma nova hagiologia para nenhum bispo apócrifo botar defeito…
Arruda reage:
– Não pretendo derrubar nenhum senador. Ainda quero voltar à Natal.
A popularidade de Arruda é enorme e não poucas pessoas se detém, diante da mesa, para cumprimentá-lo. Um hoteleiro muito distinto, que soube de sua passagem pela cidade através da crônica social, recrimina-lhe a falta de notícias e reclama sua presença. Quer saber, numa rápida e bem humorada troca de informações, se Arruda, de fato, teve algum caso amoroso com um conhecido figurão de nossa vida administrativa.
– Calúnia. Fomos apenas bons amigos.
Perseguido pela letra P. Os padres do Marista eram uma tentação.
– Nunca quis saber de catecismo. Eu fazia tudo para me comportar mal.
Nunca foi de viver ajoelhado. O sonho do Cardeal, parente da família, era fazê-lo padre:
– Teria sido mais um Frei Boff na vida – ironiza.
Acervo – Tribuna do Norte
As blagues de Arruda são deliciosas. Mais rebelde que Frei Boff, Arruda prega a sua teologia da libertação.
Em 1968, José Antonio de Arruda Sales entrou para a Escolinha de Arte Cândido Portinari, “pensando que ia aprender alguma coisa”.
– Os cursos, dirigidos por Newton Navarro, eram muito bitolados, e eu sou muito impulsivo. Quando tenho uma ideia, quero realizá-la sem demora. Por isso, mesmo sem saber português, resolvi escrever esse livro…
Em 1970, depois que abandonou as aulas de pintura, defasadas em muitos anos, pois Navarro nunca se reciclou, como a maioria dos medalhões potiguares, Arruda fez um teste e entrou para um grupo de teatro, trabalhando com o ator e diretor Jesiel Figueiredo na peça Por causa de Inês, drama lírico do padre João Mohana. Sempre os padres na vida de Arruda.
– Foi uma experiência muito dura. Eu imaginava fazer uma tragédia e acabei fazendo uma comédia. Mas foi bom, afinal, porque comecei no teatro de trás pra frente, como tudo o que faço na vida, embora as pessoas continuem insistindo em não acreditar…
– Eu me lembro de você dançando e representando em diversas peças. No balé você estava sempre um passo adiante ou atrás…
– Ousadia nunca me faltou – diz, categórico. Só não pude fazer o papel de príncipe em peça de Jesiel…
– Mas o que aconteceu?
– Ora, meu querido, nunca tive caso com a Cacilda…
– Vocês sempre foram bons amigos.
– E ainda somos. Ele tem idade de ser minha avó. Naquela época, quando me iniciei no teatro, eu era uma meninota na frente de Jesiel e ouvia muito de suas teorias e orientações. Depois descobri o meu caminho…
.
Órfão aos seis anos, o pai ainda era um homem bonito quando morreu de enfarte aos 45 anos.
– As pessoas idosas me atraem. Acho que sempre estive à procura do pai. Mas sem precisar de analistas e complicações, viu?
Fino psicólogo, Arruda acredita que o sexo traz o remorso para algumas pessoas.
– O problema não é de cavidade ou de protuberância. O problema está na cabeça. Como dizia Rogéria, o grilo está no grelo… Às vezes, a gente se realiza mais num papo do que na cama.
Foi convivendo com políticos de todas as cores ideológicas que Arruda desenvolveu sua capacidade analítica. “Mas nunca deixei transparecer que os analisava…”
Arruda diz que na política tem mais buchichos do que no teatro. Mas os dois mundos se assemelham.
– Só muda o plenário e o guarda-roupa. O buchicho é forte aqui e lá.
– Me fale mais sobre isso…
– Você não quer que eu volte à Natal?
– Me fale então dos rapazes. Como você encontrou, dessa vez, a rapaziada natalense?
– O pré-sexual desses garotos foi muito mal feito. Conheço rapazes em Natal que, mesmo estando acompanhados de namoradas ou mesmo de aliança no dedo, ainda reparam nos garotões.
Transar por transar nunca fez a cabeça de Arruda:
– Nunca fiz michê, mas nunca deixei de receber – ri. Adoro receber, e aqui não vai nenhuma segunda intenção. Se isso era michê, eu adorava…
Os buchichos sempre acompanharam os seus passos. O escândalo é chique.
– Eu não tenho vergonha de falar. Minha vida é, por assim dizer, um livro aberto…
Modesto, explica:
– Aqui dizem que eu consegui tudo na cama…
– Maldade dessas bichas perigosas…
– Eu consegui muita coisa, é verdade, mas não tanto quando dizem. Depois eu já tenho muitas horas de voo e de navegação e a experiência sempre ajuda…
Sempre sorrindo, Arruda revela que “teve uma fase lésbica” em sua vida. Foi quando namorou muitas mulheres. Uma delas, conhecida socialité, apaixonou-se de tal forma, que ele se viu obrigado a abandonar a cidade, fugindo das exigências dessa paixão outonal. Foi quando entrou de gaiato no navio, que o levaria por mares nunca dantes navegados.
– Era uma mulher fantástica, casada, insatisfeita como a maioria das mulheres…
– Como é que foi isso?
– Eu fazia a linha de consultoria sentimental junto às mulheres. Eu sempre gostei de mulheres, mas as pessoas, em geral, não acreditam nisso. Acabei tendo essa fase lésbica e, noutra ocasião, quase fui pai. Engravidei uma amiga sua…
– Eu sei…
– Foi preciso que eu falasse energicamente em favor do aborto. Eu disse a ela que não daria certo uma coisa dessas, porque o pai… bom, o pai faz shows… Gosta de lantejoulas… Já a futura mãe, como você sabe, não curtia homem tanto assim…
– Eu não sei de nada. O entrevistado é você.
Em ambos os casos, Arruda prefere manter o anonimato dessas mulheres apaixonadas. Diz apenas que foi uma fase maravilhosa, com os inevitáveis contratempos.
– Há tantas mulheres insatisfeitas, Franklin, casadas com machões grosseiros… Comigo, elas desopilavam e opilavam ao mesmo tempo.
Muito volúvel, Arruda nunca quis ter um caso na vida.
– Gosto mais do avulso… No começo de qualquer caso a convivência é ótima. Mas, em poucos dias, eles estão disputando os nossos amantes e querendo dividir, ao mesmo tempo, os nossos vestidos e batons…
Crédito: Estúdio 473
Entre quatro paredes as pessoas se revelam muito.
– A atmosfera romântica, no começo, é muito gostosa. Todo caso é gostoso quando começa…
Arruda observa que os rapazes daqui, agora, estão curtindo melhor o corpo.
– A pior invenção dos 80 é o uso da camisinha. A camisinha não deixa espaço para o romantismo.
Nunca se envolveu com rapazinhos porque, na escola, a concorrência era forte:
– Havia a Zairinha Flexeira, a Flavete, a Lalá, a Carlota…
Eram “as amigas” diligentes, conhecidíssimas na Escola Técnica.
– Não sobrava nada para mim -, confessa.
Da Escola Técnica, como do Marista, Arruda tem várias histórias. O malvado professor de educação física mandou Arruda “correr atrás da bola”.
– Quando, na verdade, eu queria mesmo era correr atrás dos jogadores…
– Uma vez, eu fingi que desmaiava para ser carregado pelos rapazes.
Arruda andou, então, lendo Shakespeare. Lançou uma maldição sobre a escola.
– Desejei ver os alunos da Escola Técnica dançando balé…
Riso. A maldição se cumpriu.
– Qualquer dia desses, eu me transformo em vidente e passo a me chamar Madame Carmem…
Um rapaz interrompe a entrevista para pedir algumas informações ao repórter. Arruda:
– Toda vez que você está me entrevistando aparece um rapaz… Bom sinal, bom sinal.
.
Certa vez, uma estrela do ABC, clube de futebol, dormiu no apartamento de Arruda, voltando para a concentração de madrugada.
– Ele jogou mal no dia seguinte e foi um escândalo. Acho que ele era um centroavante ou lateral… Tem homem que diz que come, mas na hora H, dá como se fosse uma princesinha…
Arruda não se refere, especificamente, ao jogador abecedista, claro.
Recorda o caso que teve com um advogado fetichista:
– Ele sempre me pedia que levasse meu guarda-roupa do teatro para o motel. Me fazia vestir e desvestir a noite inteira todos aqueles vestidos e adereços. Ele curtia essa fantasia, mas o homem da história era eu mesmo… No frigir dos ovos, homem gosta mesmo de homem -, arremata do alto de sua experiência.
Acervo – Tribuna do Norte
Nas festas em boates, Arruda causava sempre a maior confusão. Os rapazes o tiravam para dançar pensando – ou fingindo pensar – que se tratava de uma mulher.
Arruda admite que colaborava nesse equívoco.
– Eu usava umas roupas pouco sérias que criavam a dúvida.
Em 1980 decidiu-se por interpretar papéis femininos no teatro. Ingressou no elenco do Vivace Café Concerto, uma casa de espetáculos que fez época em Natal.
– Eu acabava de vir da Europa. Criei coragem e fui em frente…
A experiência, porém, durou apenas um mês e quinze dias.
– Parti, então, para fazer o Frenezzi, minha própria casa, na Ribeira, o bairro boêmio. Foi emocionante.
Arruda manteve a casa funcionando durante um ano e oito meses.
– Fechei-a porque achei que não fazia mais sentido, embora a casa vivesse cheia e a clientela me prestigiasse.
Sentia-se, então, muito cansado e decepcionado com o comportamento antropofágico das pessoas em relação ao investimento que fizera.
– Certas pessoas investigavam a minha vida, procurando descobrir quem estava por trás de mim no empreendimento, sem pensar que tudo aquilo era fruto do meu esforço…
No Frenezzi, instalado num casarão na rua Doutor Barata, Ribeira, Arruda escrevia e produzia os próprios textos, ajudado por amigos. Aprendeu que é mais fácil fazer chorar do que rir, além de cuidar pessoalmente dos figurinos e cenários. A casa atraía uma clientela eclética. Sua popularidade era tanta, que Arruda acabou recebendo convite, de um político de prestígio, para disputar uma cadeira de vereador.
.
Solidário, assumiu em primeira mão a defesa dos aidéticos, promovendo no final do ano passado, no Teatro Jesiel Figueiredo, um grande show em benefício dos pacientes do Hospital Gizelda Trigueiro, especializado no tratamento de doenças infecto-contagiosas, então desamparado pelo Governo do Estado.
A promoção alcançou um grande êxito, e, por sua militância na área, Arruda ganhou o apelido de Liz Talhada, em alusão à atriz Elisabeth Taylor, ilustre participante da luta anti-aids.
– Quando eu morrer, pede, não botem, por isso, o meu nome em nenhuma rua. Não quero servir de esquina para cachorro mijar…
O teatro e a noite não roubaram Arruda Sales às artes plásticas, outra de suas inúmeras paixões além da cozinha. Continuou pintando suas figuras inspiradas no imaginário popular.
Parecia, então, onipresente, participando ativamente da vida artística e social da cidade. Formava uma trinca famosa com Getúlio Soares e José Oliveira que, naqueles anos, não se metera ainda pela crônica social, nem assessorava a coluna de J. Epifânio.
– Um dos nossos programas: a gente se produzia e saía de carro pela cidade, sem objetivo determinado. Certa vez, faltou gasolina na frente do Comando Naval e um soldado veio nos dizer “moça, aqui é área militar, não é permitido estacionar nessa faixa”… Daqui que a gente explicasse que não éramos moças…
Arruda somente sofreu oposição da família quando resolveu fazer balé.
– Eles não achavam a coisa séria…
Em seguida aderiu ao samba e entrou para a Escola Balanço do Morro, a princípio, “fazendo a linha discreta, mas sonhando sair na ala das baianas”.
Preocupado com a crise econômica que se abateu sobre o país, Arruda atribui sua causa ao desmoronamento do edifício político.
– Você sempre circulou muito entre os políticos… Deve conhecê-los bem.
– Eles são bons de promessas… mas não de cama. Prometem tanto que, na hora H, não têm mais nada a oferecer…
– Você teve caso sério com algum desses políticos?
– Coisas ligeiras, mas variadas, desde o vereador até o deputado, passando pelo chefe do executivo…
Em matéria de ideologia, Arruda define-se como um franco atirador eclético.
– O melhor de tudo é que nunca fui fiel a nenhuma bancada…
O sociólogo, literato e professor Antonio Candido afirmou no seu livro “Literatura e Sociedade”: “Se não existe literatura paulista, gaúcha ou pernambucana, há sem dúvida uma literatura brasileira manifestando-se de modo distinto nos diferentes Estados”.
Ao mesmo tempo que nos alegramos, refletindo com a brilhante afirmação do mestre Candido, reconhecemos que, infelizmente, muitas vezes, essa constatação é ignorada, simplesmente pelo fato de estarmos distante dos grandes centros culturais do Brasil. Na maioria das vezes, nossos escritores são injustamente subestimados, sobretudo por residirem em um país com dimensões continentais, como o nosso.
Quando passamos um olhar pelas regiões periféricas do território nacional, vemos no Rio Grande do Norte, uma espécie de barreira intransponível, construída por um injusto pensamento provinciano, menosprezando o que é feito pelo seu povo, valorizando apenas o que vem de fora.
Enfim, refletimos sempre sobre essa questão, para tentar compreender porque determinados trabalhos literários, dos mais variados gêneros e autores, produzidos aqui no Estado, não conseguem ultrapassar a barreira cruel desse muro imaginário. Dentre inúmeros casos que já citamos, temos mais um: o livro de poemas “Pulsar” (Scortecci Editora, 2017) da escritora seridoense Valdenides Cabral.
Antes que o leitor faça qualquer julgamento precipitado, achando que o título pode parecer clichê, a palavra pulsar, empregada como denominação do livro, não significa apenas algo breve e repetido a intervalos regulares. Aqui o Pulsar está ligado às estrelas, as pequeninas estrelas, com seus pulsares excepcionalmente densos, resultados de explosões extraordinárias. E está provado em alguns dos versos do livro, que a real intenção da poeta é de expressar, simbolicamente, esse fenômeno.
Natural de São José do Sabugi (PB), Valdenides Cabral de Araújo Dias, foi criada em Parelhas (RN), e atualmente divide-se entre as cidade de Recife e Natal, todavia sempre visitando seu Seridó de nascença e criação. Poeta, escritora e professora, Valdenides Cabral faz parte da geração que traz consigo uma tradição literária, que vem das bandas do Seridó, desde Zila Mamede e José Bezerra Gomes, passando por Luís Carlos Guimarães, Nei Leandro de Castro, Moacy Cirne, Nivaldete Ferreira, e mais recentemente Humberto Hermenegildo de Araújo, Iara Maria Carvalho, Ana de Santana, Maria Maria Gomes, Theo Alves, Jeanne Araújo, Muyrakitan Kennedy Macedo, Wescley J. Gama, Antonio Fabiano, Luma Carvalho e vários outros valores.
Graduada em Letras (UFRN), com mestrado e doutorado em Teoria da Literatura pela UFPE, a escritora foi durante anos professora do Curso de Letras, da UFRN, no Centro Regional de Ensino Superior do Seridó. Valdenides Cabral tem vários livros organizados e publicados, dentre eles, “Pulsações”, (1999); “Poesia Menor”, (2009); “Pontos de Passagem”, (2011), “O Retórico Silêncio”, (2013), todos de poesia, e mais recentemente lançou “Pulsar” (2017). Atualmente é professora adjunta da UFRN, lecionando no Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem.
Tendo lançado seu primeiro livro de poemas há exatos vinte anos, tornou-se uma autora bastante conhecida no nosso contexto literário. Suas obras já foram lidas por escritores e leitores das mais variadas formações, em diferentes situações de tempo e lugar. Arriscamos dizer algumas palavras, evidentemente sem o rigor analítico da crítica, mas apenas a opinião de um curioso leitor de poesia, tentando esclarecer a possíveis novos leitores sobre os bons versos que constituem “Pulsar”.
Vejamos o poema a seguir:
Eu
Uma náufraga,
salva
pela palavra
É lugar-comum dizer que a poeta diz muito com poucas palavras, sugerindo amplas possibilidades, numa poesia concisa, enxuta, como no referido poema. Diferente de uma possível vítima perdida no mar, o eu lírico talvez infeliz, decadente, foi salvo pela poesia, pela magia simbólica da escrita.
É de se ver que, cada poema do livro de Valdenides Cabral nos traz uma possibilidade de leitura, cabe ao leitor criar ou melhor recriar o sentido deles. Evidentemente, quanto maior for o seu universo de conhecimento literário, melhor e mais apurada será a sua leitura, e poderá notar várias alusões a poetas como Drummond, Fernando Pessoa, Manoel Bandeira etc., o que fica bem claro, em relação a este último no seguinte poema:
Uma outra estrela
Não quero ser a estrela da manhã.
Não. Não busco a estrela da manhã…
Busco uma estrela-bandeira
da vida inteira.
(…)
Se “Pulsar” está ligado de certa forma às estrelas, há em alguns dos seus poemas, evidentes alusões, não apenas à estrela de Bandeira, mas, também a Maiakovski, por exemplo, e seu famoso poema “Estrela”: “Escutai, pois! Se as estrelas se acendem é porque alguém precisa delas”, ou até mesmo a outra estrela de Bandeira: “Vi uma estrela tão alta/Vi uma estrela tão fria!
O lirismo expresso com clareza é uma grande marca da poesia de Valdenides, só alguns dos seus versos não são fáceis de decifrar, quase herméticos, logo da primeira vez, mas isto pode tornar a leitura ainda mais rica. Não há como negar que são poemas bem construídos e possuem certa musicalidade, que nos cativa. Encontramos também intenso lirismo em outros poemas de sua autoria como no “Acalanto ziliano”.
Passagens belíssimas, que enriquecem essa obra, resultam da vivência do eu lírico na cidade do Recife. Vários dos poemas são dedicados à capital pernambucana, demonstrando a interação da autora com a cidade: sentimentos, memória, amor, além de menção a lugares, rios, ruas, favelas, o mar. Destacamos abaixo o poema: Recife nº 6
Recife se decompondo
dentro de mim
com todo esse mar
por trás dos meus olhos.
(…)
Conseguindo chegar a um bom nível lírico, Valdenides nos transporta para a cidade mauricia através da sequência de poemas dedicados a Recife, nos faz viajar por Recife, como Alceu Valença em “Pelas Ruas que Andei” e, ao mesmo tempo, nos faz lembrar um escritor esquecido injustamente, na verdade ,cruelmente esquecido nesse pais de tempos tão estranhos, Gilberto Amado (1887-1969), memorialista dos mais eruditos da nossa literatura, um verdadeiro estilista da palavra, autor de “Minha Formação no Recife”, livro de memórias, engenhosa criação literária do autor sergipano, que estudou na tradicional Faculdade de Direito da capital pernambucana.
Além de poeta, Valdenides é grande leitora de poesia e dialoga muitas vezes com os poetas que leu, por exemplo, João Cabral de Melo Neto, que está lá, no “Pulsar” com seu “O Cão sem Plumas” ou “Poesia da Composição”, afora outros grandes nomes como Manuel de Barros e Zila Mamede, também presentes nas entrelinhas do texto para um leitor mais atento observar…
Evidentemente, se “Pulsar” não chega ao ápice da sofisticação linguística ou formal, atinge claramente o seu propósito, dentro do seu universo luminoso, pulsante, formado por símbolos, sons, ritmos e imagens.
Com este livro, Valdenides Cabral, afirma-se como poeta de valor, pelo zelo com a palavra, o cuidado com a temática e a busca pela universalização dos versos, e claro, merece destaque dentro da nossa tradição literária, que conta com poetas do porte de Anchella Monte, Rizolete Fernandes, Carmen Vasconcelos e Iracema Macedo.
Ainda vale exaltar a dedicação da professora Valdenides Cabral, para com a literatura produzida no Rio Grande do Norte. Sua luta, em prol das nossas letras, ajudou a formar toda uma geração, que, hoje, lê, divulga, produz e escreve sobre nossa produção literária.
No entanto, Valdenides ainda não recebeu o reconhecimento, que bem merece.
Em momentos tão sombrios, como os que vivemos atualmente, não custa nada perguntar, por que o menosprezo por tantos autores de valor? Infelizmente, isso acontece em países emergentes, como o Brasil, sobretudo na conjuntura atual, onde nós, alunos universitários teríamos que ir limpar o chão da universidade federal por sugestão do Ministro da Educação. Todos padecemos os males da incultura.
Municípios potiguares são ricos de histórias, lendas e personagens. Poetas populares crescem em cada recanto. A geografia, as tradições e as influências do tempo-hoje parecem moldar cada localidade com personalidade e culturas próprias. Em Santo Antônio do Salto da Onça não é diferente. Lá, a marca maior é a lenda do ‘salto da onça’, que empresta até o sobrenome ao município, mas uma figura popular se destaca pela simplicidade e pela grandiosidade poética: o poeta Xexéu, falecido hoje aos 81 anos.
José Gomes Sobrinho, o Xexéu, nasceu em 14 de maio e viveu na comunidade de Lajes, nos arredores de Santo Antônio. O caminho até sua casa de taipa, construída por ele 40 anos atrás é uma sucessão de lombadas pela estrada de terra. O acesso é complicado. Visitei sua casa em alguma data de 2013. Por lá ele ainda escrevia e ainda trabalhava na roça – atividade que desenvolveu desde criança. Além de versos que compõem mais de 400 cordéis, também era exímio tocador de rabeca e de viola.
Xexéu conheceu os maiores nomes da cultura nordestina: Patativa do Assaré, Luiz Gonzaga e Ariano Suassuna. Este último se declarava fã do poeta popular. Xexéu fumava e bebia, e pelo menos naquele ano, quando contava 75 anos, tinha filhos com menos de 5 anos, feitos “já com água por cima da boca”, como disse. Foram 20 ao todo, mas nove tinham morrido. Disse não ter feito “a matemática” de quantos netos tinha. Mas guardava na memória versos de dezenas de estrofes. E ainda se emocionava ao recitá-los.
O Rio Grande do Norte perde um verdadeiro patrimônio artístico e imaterial. Xexéu tem cacife para figurar entre os grandes poetas populares da história potiguar. Ainda não sei a causa de sua morte, apenas que morreu no hospital, em Santo Antônio. Que haja as reverências possíveis em seu sepultamento.
Um dos maiores poetas populares do mundo é brasileiro; e, para nossa felicidade, nascido em solo potiguar. Mossoroense, Antonio Francisco talvez seja a melhor revelação da poesia popular surgida no Rio Grande do Norte, desde Fabião das Queimadas, famoso escravo cantador de rabeca, que comprou sua própria alforria ganhando dinheiro através dos seus versos.
Filho de Francisco Petronilo de Melo, um ex-jogador de futebol das décadas de 1940 e 50, e Pêdra Teixeira de Melo, Antonio Francisco nasceu aos 21 de outubro de 1949; mas, somente após os 40 anos, tomou gosto pela poesia, pelo menos como autor, tornando-se um poeta popular. Múltiplo, fez-se também historiador (bacharel em História, pela UERN), xilógrafo e compositor.
Esportista, dedicou bastante tempo ao ciclismo, fazendo passeios de bike por toda região Nordeste; daí, talvez, a razão de sua estreia tardia nas letras. “Meu Sonho”, seu primeiro poema, traz versos impressionistas e surrealistas, onde o autor recorre à fantasia para demonstrar sua inquietação com a interação entre o homem e o meio.
O reconhecimento da qualidade da sua produção levou-o a ser eleito, em 2006, para a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), onde ocupa a cadeira de número 15, cujo patrono é o poeta cearense Patativa do Assaré. Por falar nisso, alguns estudiosos do cordel o consideram uma espécie de Patativa de Assaré da nova geração.
Um dos seus livros mais conhecidos, Dez cordéis num cordel só (2001), representa, sem dúvidas, um marco na poesia popular brasileira; nele, o poeta mossoroense retrata inúmeras situações e imagens da vida cotidiana do homem nordestino, sempre costurando, ao longo dos seus enredos, um fundo de reflexão social e espiritualidade. A linguagem utilizada é a do homem comum, na fala simples do cotidiano nordestino.
Sua poesia de alto nível vem sendo estudada em universidades e escolas públicas e privadas do Rio Grande do Norte. Além da valorização local, instituições de ensino de outros estados, como São Paulo, Pernambuco e Ceará, adotaram os cordéis de Antonio Francisco.
Seu nome é unanimidade entre os estudiosos e pesquisadores do cordel. Crispiniano Neto, Luiz Antônio, Rubens Coelho, Clotilde Tavares, Caio César Muniz, Geraldo Maia, Marcos Ferreira, Kyldelmir Dantas, Cid Augusto, Francisco Martins, Manoel Cavalcante e Nildo da Pedra Branca, todos se referem aos seus versos com as melhores palavras.
Antonio Francisco já recebeu inúmeras homenagens, como, por exemplo, aquela que lhe foi prestada pela Prefeitura Municipal de Areia Branca, através da Secretaria de Educação, tendo em vista o seu trabalho em prol da cultura nordestina e potiguar. Foi homenageado por diversas outras instituições, e distinguido com o título de cidadão honorário das cidades de Natal e de Icapuí (CE).
Antonio Francisco foi um dos que carregaram a Tocha Olímpica, quando dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, em 2016, durante a passagem desta pelo Brasil, como reconhecimento pelo seu trabalho de divulgação e elevação do nome da cidade de Mossoró nacionalmente. Em todas as apresentações que o carismático poeta realiza pelo Brasil, faz questão de enfatizar que é mossoroense e destaca que nasceu e sempre morou na Lagoa do Mato, bairro popular da cidade.
Por falar na terra que tanto ama, a Câmara Municipal aprovou, ano passado, a inclusão do Dia do Poeta Antonio Francisco no calendário oficial de eventos de Mossoró. Antonio já foi homenageado no espetáculo Chuva de Bala no País de Mossoró; e, este ano, já está confirmada grande festa em homenagem aos 70 anos do artista múltiplo.
Recentemente, no programa “Encontro” com Fátima Bernardes, da Rede Globo, foi ovacionado pelo público e pelo escritor cearense Bráulio Bessa, que diz ter se inspirado no mossoroense. “É o maior poeta do mundo”, afirmou Bessa na TV.
Nascido e criado na Lagoa do Mato, o poeta tem fortes laços com a sua terra e sua gente. Seus pais tiveram 17 filhos, sendo 14 criados. “O milagre era diário. Onde faltava dinheiro, sobrava felicidade. Os pré-natais de minha mãe eram lavando roupa no rio”, asseverou o poeta em uma entrevista.
Com o passar dos anos dedicados à poesia, vieram livros valorosos, que orgulham não só o povo mossoroense, como toda a cultura do Nordeste: Por motivos de versos; Veredas de sombra; Sete contos de Maria são bons exemplos. Em 2012, com incentivo da Petrobras, alguns dos seus livros foram transformados em uma coleção, que conta ainda com dois CDs, em que o autor recita seus poemas.
A projeção de Antonio Francisco extrapola os limites dos seus versos; o poeta teve a sua obra ‘Os animais têm razão’ trabalhada dentro de um projeto pedagógico em várias escolas. Por sua vez foi homenageado em Rap, com a música “Brazambique”, dos artistas Shot B e Mossoró RAPentista, mossoroense radicado em Lisboa.
Em um desfile de 7 de setembro, em sua cidade, Antonio Francisco desfilou em carro aberto e foi muito aplaudido pelo imenso público. O momento mais aguardado ficou reservado para a passagem do artista em frente ao palanque oficial, quando ele recitou o cordel ‘Os animais têm razão’.
Homem simples, do povo, sempre reconhece suas raízes, suas origens, e os que o incentivaram no início da caminhada poética, como, por exemplo, Crispiniano Neto, Nildo da Pedra Branca, Luiz Campos e Aldacir de França.
De vez em quando, encontro com ele por aí, vejo-o de longe, ao lado do jornalista Rilder Medeiros; os dois já têm uma parceria de longa data. Por sinal, a Editora Comunique, gerenciada por Rilder, acabou de publicar o novo livro de Antonio Francisco, ‘Um caroço de manga’, e os dois andam viajando por todo o Estado no projeto “Casa das Palavras”, divulgando tal trabalho.
Às vezes, vejo-o com o poeta pauferrense Manoel Cavalcante, que afirma sempre que tem Antonio como principal fonte de inspiração de sua poesia, e se orgulha de haver recebido um telefonema dele.
Antonio Francisco tem sintetizado e divulgado a cultura nordestina por todo o Brasil, fazendo algo muito parecido com o que Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, fazia, conseguindo enorme sucesso entre as massas; e, ao mesmo tempo, tendo seu talento reconhecido pela intelectualidade e pela crítica.
Pois é, caro poeta Antonio Francisco, como no xote de Gonzagão: “De Itaboca a Rancharia, de Salgueiro a Bodocó, você é o maior!”
Para quem está habituado aos supermercados e shoppings da capital, com todas as comodidades proporcionadas pela modernidade, ao chegar na bodega de Bastião, diante do típico cenário tradicional do comercio de interior, que vai da velha balança no balcão, mortadela pendurada, papel de cigarro, fumo de pacote, café, lâmina de barbear, “vitamilho” e outras mercadorias postas nas velhas prateleiras, logo, o visitante terá a impressão de que o tempo parou nesse recanto potiguar, fincado na cidade de Lagoa Nova.
É nesse lugar que Sebastião Martins, “Bastião Ribeiro”, que nesta última sexta-feira (3/8), comemorou 90 anos de idade e mais de 60 de bodega, trabalha. Bastião é um homem cujo o sobrenome do padrasto João Ribeiro de Carvalho (In-memória), ficou impregnado na memória popular, como uma espécie de codinome, devido a convivência e o costume interiorano.
Como o mais antigo bodegueiro da cidade, ele continua como as atividades do pequeno comércio de secos e molhados, atendendo seus clientes, alguns deles, apreciadores de aperitivos, que passam para trocar algumas prosas ao pé do balcão, como nos velhos tempos se faziam em outras cidades da Serra de Santana, onde existiam confiança nas palavras empenhas, com amontanhados cadernos, cheios de compras confiadas para pagamentos no final de cada mês.
Há até fregueses de mesma família, em que a preferência passa de uma geração a outra. Aconteceu dessa maneira com José de França, o “Zezão”, hoje com 74 anos, que relata que permanece tomando umas e outras no local, atendendo um pedido de seu falecido pai, Felino Neto, que próximo da despedida final, em nome da amizade de ambos, disse que não era para deixar o proprietário sozinho.
Apesar de ter sido, ao longo de alguns anos, banqueiro de jogo de carteado, Bastião diz que seu único vício é trabalhar e, atualmente, dividiu os quinze alqueires do sítio com os filhos. Pelas condições de saúde e a idade avançada, não pode mais exercer sua paixão pela agricultura. Mesmo assim declara: “Até dormindo sonho limpando mato e plantando milho e feijão”.
Fachada da bodega tradicional, que curiosamente nunca possuiu letreiro (Foto: JR)
Sobre a garra do pai, a filha Benedita Martins, “Didita”, diz que ele conseguiu criar cinco filhos com muita luta e, sobretudo, aprendeu a ler, escrever e contar sozinho.
O empreendimento iniciado por volta de 1965, na avenida Dr. Sílvio Bezerra de Melo, 113, na década de 70 mudou para um anexo vizinho e, poucos anos depois, quando faleceu a sua mãe, fixou-se onde funciona até hoje, na mesma avenida.
Os produtos comercializados, inicialmente, eram rapadura em carajaus, montados com paus finos, cordas e revestidos por folhas de cana, cachaça brejeira em barril, jabá, peixes salgados, vendidos em esteiras de carnaúbas, sabão em barras, embrulhados em papel, farinha medida em cuias e potinhos de óleos e outras miudezas.
A bodega de Bastião é parte integrante da alma lagoanovense e, por que não dizer, da geografia sentimental da cidade, que com toda a sua carga de memória, que também passa por esse tradicional ponto de encontro de freguês a várias décadas, como é o caso de Cícero Lopes, “Pelé”, morador do bairro Jesus Menino, frequentador do local há mais de 40 anos.
Jogo de baralho, entre Bastião, Milton e a Muda de Antônio Tito, no início da década de 90 (Foto da família)
Contrastando com o marketing de massa de hoje, o qual é instrumento de divulgação de marcas e produtos, coisa que não existia na cidade, sendo assim, as informações eram transmitidas no boca a boca, haja vista que, sequer a bodega ostentava letreiro na fachada de entrada e, por incrível que pareça, essa condição não impediu o progresso do negócio, que no passado, segundo narra a família, foi bem maior e contava com ajudante de nome Malaquias Batista da Silva (in-memória).
Por esta quadra de tempo, o proprietário da Bodega promovia cantorias de violas aos sábados, com os poetas Pedro Henrique, Aurélio Carneiro e outros. Realizavam jornadas de três noites de folias de Boi de Reis, que duravam um fim de semana inteiro. Na época, chegou a possuir várias casas na rua em que mora, todas construídas pelo Terto Ferreiro, seu sogro. Possuía também uma camionete C-10, com a qual, se dedicava a vendas na zona rural e o abastecimento de festas de casamentos.
No final dos anos 50, no bairro Jesus Menino, Bastião possuiu casa e uma pequena venda, no entanto, não tinha a fisionomia da que vemos na atualidade. A vida do bodegueiro nonagenário, conforme ele mesmo conta, não foi fácil. Nasceu em Lagoa Nova mesmo, em 8 de março de 1929. Seus pais eram os agricultores Cícero Martins e Luíza Maria da Conceição, que tinham mais três filhos além dele: José, Luzia (In-memória) e Francisco “Chicó”.
Ficou órfão de pai aos 9 anos, daí como não havia pensões, dona Luiza, sua mãe, não tinha como criar todos os filhos sozinha, e a duras penas, doou dois para que amigos em melhores condições pudessem cria-los. Situação que obrigou então o menino Bastião, indo morar no Bom sucesso, em Currais Novos/RN. Não suportando a saudade de casa, voltou para a companhia da mãe.
Bastião
Por outro lado, irmão Chicó, teve melhor sorte, ao ser adotado pelo fazendeiro Antônio Cândido (In-memorian) e a senhora Teodora Alves (In-memória), que lhes asseguraram melhor formação escolar e sustento.
Em seguida sua mãe se casa com João Ribeiro, homem de posses, porém, muito rude e mesquinho com os filhos da esposa. Da segunda união com João, nasceram mais duas filhas Francisca e Maria (In-memória), que alcançaram melhores condições de vida no sítio Canta Galo. Bastião, no começo da juventude, não tinha alternativa senão sair de casa e trabalhar alugado na enxada para outros proprietários rurais. Nessa posição social modesta, permaneceu até ser ajudado pelo sogro e a sogra. Só depois, no comércio, veio melhorar de vida.
Foi casado durante mais de 50 anos com Maria Frazão Martins, mulher querida e acolhedora, que sobreviveu a uma paralisia, que a impossibilitara de locomoção e falar durante mais de trinta anos, muito embora sua memória tenha permanecido, com impressionante lucidez até o fim da vida. Bastião tem cinco filhos, quatro netos e quatro bisnetos.
Desde de 2015 está viúvo. Como cavaleiro aguerrido, ele não se rende aos obstáculos impostos pela velhice, preferindo seguir a vida, trabalhando e lutando contra diminuição da audição, visão e problemas circulatórios nas pernas. E faz poucos anos, quase por milagre, superou um princípio de “transe cerebral”.
“Contemporâneo”. Alerta ao leitor: haverá repetição da palavra ao longo do texto. Nada proposital. A justificativa é auto-explicativa pela temática abordada – a arte contemporânea. E também pela reprodução fiel às palavras do entrevistado: Marcelino William de Farias, conhecido no Beco da Lama e em 15 países europeus como Marcelus Bob, um artista plástico contemporâneo de vanguarda.
A mistura de adjetivações, esta sim, é propositada. É que Marcelus Bob é múltiplo e suga ainda outras classificações indefectíveis à sua personalidade de cidadão possibilista.
Dos grandes nomes das artes plásticas potiguares, Marcelus senta no bagageiro da frase do colega Fábio di Ojuara de que “toda merda agora é arte” para contestar gestores e “público”, mas ao seu modo: “toda arte agora é merda”.
Marcelus Bob é um artista às antigas. Gosta de afirmar e reafirmar que se move tão somente pelo trinômio “tela, tinta e pincel”, sem aderir às tendências artísticas da dita arte urbana ou outros vieses das artes visuais contemporâneas.
Mas é com a tela, a tinta e o pincel que Marcelus Bob já produziu mais de 5,5 mil obras de arte e 30 séries temáticas espalhadas aqui e alhures. Não à toa já recebeu da revista alemã Neve Blatter o status de entre os 100 maiores artistas de vanguarda do mundo.
E se alguns “artistas de photoshop” o chamam de atrasado, pela falta de empreendedorismo ou atualização, ele responde: “Contemporâneo é viver o período e, mesmo com arte milenar propor temáticas novas. Mas nada de gambiarras que nem a Cosern aguenta mais. É preciso habilidade com o pincel. Meu sorriso é desprezo por teorias; quero ver a prática”.
E completa: “Não entendo de arte contemporânea, mas sou contemporâneo. Vivo da minha arte há 36 anos. Isso é ser contemporâneo. Duchamp botou um pinico na galeria para fundar a arte contemporânea e os artistas natalenses agora querem colocar seus piniquinhos nos salões para se qualificarem contemporâneos”.
Marcelus disse contar nos dedos os artistas pintores do Estado. “Hoje se vê artistas multimeios. Quando existia vanguarda era legal. A gente avançava com produções de qualidade. Hoje a arte está se autodegenerando”.
O artista potiguar é um artista cansado. Estafado de tantas lutas inglórias. Atrasos de cachês, falta de incentivos, de amparos… E o artista cansado, mas genuíno, se transforma, por necessidade, em artista produtor, preocupado não só em criar sua arte, mas de vender também. Mas isso não é possibilista ao olhar de Bob.
“Toda e qualquer ramificação artística precisa de um produtor. É o cara que negocia. Mas se você encontrar artista negociando por aí, saia de perto dele porque é alguém perigoso”.
Foto: Flavia Chianca
E diz mais: “É difícil articular essas coisas. Meu lance é tela, tinta e pincel. Você chega no gabinete, cumprimenta o gestor, diz: ‘Tudo bom?’ E a primeira coisa que o cara diz é: ‘Tudo bem, só não está melhor porque não tem dinheiro’. e começa aquele papo de otário. É ridículo. Não tenho a ver com esse tipo de coisa não, sabe cara? Dá pra mim não. Não suporto esse tipo de orgia cooperativa”.
Marcelus Bob é uma matraca solta. Esse texto poderia ser preenchido apenas com aspas: “Artista no Rio Grande do Norte paga pra trabalhar. Jesus não abria a boca para falar besteira; ele não era otário, e ele dizia que o trabalhador é digno do seu salário. Aí a gente tem que pagar pra trabalhar, cara? Quem sustenta as instituições culturais são os artistas, porque só vem verba para os gabinetes para produzir arte, se tiver artista”.
Mais um safanão: “Falta o investimento dos gabinetes. Ficam esses filhos da $%&@ com bundas gordas sentados no sofá e não se vê uma coisa quentxura, profissional, como tinha antes; só acontecem coisas mínimas. Mas citando Câmara Cascudo: ‘o Rio Grande do Norte é um elefante sem memória’, mas de acordo com a ciência, o animal que mais tem memória é o elefante”.
No MMA se fala que ou o lutador tem punch ou nada adiantar treinar para conseguir, é algo nato. E a sensibilidade para apreciar arte também é para poucos.
“Geralmente quem mais aprecia obras de arte são pessoas de menor renda, que mesmo sem grana compra apertando as goelas. Esses cabras estribados, mesmo, não chegam junto não. É herança coronelista”.
Exemplo? “Não se vê uma obra de arte nas paredes dos tantos prédios, dos tantos apartamentos. Bancos bilionários e não se vê uma obra de arte; só charges tiradas de computador tirando chinfra com a cara dos clientes. Poderia ter uma poesia de Zila Mamede ilustrada por fulano de tal, uma obra de Fernando Gurgel com a legenda biográfica do artista ou da obra. Não se vê porra nenhuma disso, cara. Só você fodido com a senha na mão pagando imposto pra esses filhos de rapariga”.
Num ambinte pequeno de aproximadamente oito metros quadrados em sua casa em Mãe Luíza, Marcelus Bob montou seu ateliê. Palhetas, recortes e quadros, além do violão do roqueiro líder do Grupo Escolar se misturam a vinis e cds de rock (em maioria). É neste ambiente que o artista, sem hora ou compromisso, produz sua arte.
Foto: Anastacia Vaz
“Pinto quando me vem a mensagem. É como um anjo mandando eu trabalhar. Recebo a mensagem e transmito para a tela. Se recebo encomenda, desenvolvo a encomenda. se tomo uma a mais e fico lombrax, prax e hendrix, já coloco algumas impressões alteradas. O grande lance é o registro do que ocorre, que no meu caso é via pincel”.
Um trabalho nobre, cansativo e com ritmos diferentes: “Às vezes baixa o santo e trabalho a madrugada todinha; no outro dia to só o bagaço porque trabalha muito a mente, né? Trabalho acadêmico não é tão difícil não, mas quando se tem que criar sua menção honrosa pictórica é foda”.
E obras de arte possuem muita musicalidade; cada uma tem seu ritmo. “Então, se você tá pintando algo mais pulsante, coloco um rock in roll e cai massa. Se for uma coisa mais paisagística, mais repousante, bucólica, aí rola uma música clássica. A única música que não tem a ver com nenhum tipo de arte, pelo menos da que eu produzo, é negócio de pop. O pop não diz porra nenhuma”.
A marca maior em 36 anos de atividade artística de Marcelus Bob são os humanóides – personagens sempre presentes em qualquer obra de Bob. Eles ganharam vida nos muros da cidade no início dos anos 80. À época Marcelus foi o único autorizado pela prefeitura a grafitar em muros – os cenários das telas de Marcelus detém, claramente, influência da arte do grafite.
Achei o humanóide nesta tela
Antes de estrear nos muros pintou duas ou três telas para aperfeiçoar o personagem ainda hoje presente em esquinas de Natal. A face dos humanóides são em maioria encobertos pela sombra do capuz. Como explica Marcelus, evoluíram com os anos e mostraram o “fucinho”, depois a face inteira. Mas ainda guardam o enigma do capuz.
“Eles podem ser bonitos, feios, gordos ou magros. É um possibilista”. Todos esboçam expressões sérias, tristes ou angustiadas. Segundo Marcelus é porque ainda estão desentrosados com a sociedade. “Quando estiverem mais ambientados eles vão sorrir. Por enquanto não há motivo”.
Marcelus disse que expôs um dos seus humanóides na Bodega do Deda, em Mãe Luíza e perguntou aos clientes o que viam na figura. “Recebi os mais diferentes depoimentos, desde pastor de ovelhas à coisa do demo. Até membro da Ku Kux Klan. É o efeito do personagem encapuzado da sociedade”.
E se os humanóides ganharam vida nos muros da cidade nos anos 80, no novo século a herança de Marcelus permanece. Não mais com seus personagens, mas com seu filho Lennon Lie. Ele é um dos artistas que encabeçam o movimento Murais do Sol, coordenador por Novenil Barros e que tem pintado os muros de Natal com incentivo do Programa Djalma Maranhão.
Coletivo Murais do Sol
“Não tenho muita capacidade para falar dessas tendências novas, por motivos superiores, até. Mas tem alguns com potencial e outros paliativos. Mas há grandes possibilidades na área. Se – eu disse SE, como adjunto adverbial das dúvidas – fosse menos preguiçoso, eu destacaria Lennon Lie; ele bota pra foder no desenho; tenho até medo que ele tome meu emprego, sabe? Ele tem uma precisão no traço muito grande e pode ser um artista fodendo mesmo”.
Preguiçoso ou não, Lennon Lie já é artista multifacetado, mais identificado com as produções na arte do grafite, mas hábil também na aquarela, no manuseio das telas com carvão, na tinta acrílica, ou na caneta. “Mas falta eu me tornar artista no sentido de viver disso. Por enquanto sou acadêmico de ciências biológicas”.
O coletivo Murais do Sol já iniciou pintura de muros de Mãe Luíza (na escadaria nova), Praia dos Artistas (em frente ao Chaplin) e Ribeira (Rua Chile, já finalizado). Todos com cerca de 30 metros de cumprimento.
Marcelus Bob foi personagem onipresente nas festividades do Centro Histórico, do Beco da Lama. Até sete anos atrás seu ateliê e morada figuravam numa casa de arquitetura neoclássica na Rua Gonçalves Ledo. Mas nos últimos anos voltou às origens, em Mãe Luíza.
Nascido no Passo da Pátria em 1958, Marcelus Bob foi criado no morro de Mãe Luíza. Se existe autodidata dada as essências do existencialismo ou de Piaget, Marcelus Bob é um deles, mas recebeu influências do pai repentista e escultor, e da mãe, instrumentista de corda.
Pergunto sobre Mãe Luíza. E uma gargalhada aberta brota instantaneamente do rosto sisudo. “Mãe Luíza é a glória! O Oceano Atlântico com Netuno, sereia e Yemanjá, a Mata Atlântica com direito a Saci Pererê. E aqui fica no alto, mais perto do céu. Mãe Luíza é a mãe que mais tem filho no mundo, né? Deve ter chibiu de aço para aguentar tanto filho”.
Quando publicou seus primeiros poemas no “Livro de Bolso” (Natal, edição do autor, 1980) João Batista de Morais Neto (João da Rua, como se assinou nos anos 80), talvez não tivesse uma real noção da sua relevante contribuição para a literatura produzida no Rio Grande do Norte.
Poeta dos mais atuantes na chamada geração mimeógrafo, João Batista estreou, na verdade, um ano antes, em 1979, numa obra coletiva denominada “Buraco de Muro”.
João Batista de Morais Neto nasceu em Natal, no início dos anos 60, e participou ativamente da cena cultural na capital, sobretudo entre os anos de 1970 e 1980. Colaborou como organizador do Festival de Artes de Natal. Nessa época participou de vários mimeógrafos como “Liquidação de Poema”, “Buraco no Muro”, “Vibrações Panfletárias”, além de colaborar em suplementos literários e culturais de vários Estados.
João da Rua. Acervo de Antônio Ronaldo
Para efeitos didáticos, explicamos que essa geração em que João Batista surgiu como poeta, ficou conhecida pela frequência com que os seus escritores recorriam ao mimeógrafo para reproduzirem seus textos. O método quase artesanal era um procedimento alternativo de criação, produção e distribuição do poema, que substituía os meios clássicos de circulação das obras, como editoras e livrarias.
Vendidos ou doados, de mão em mão, os trabalhos eram comercializados a um valor simbólico, na maioria das vezes restrito aos que frequentavam eventos relacionados com a própria cena cultural alternativa, apelidada também de marginal, conhecida dessa maneira por estar fora dos chamados cânones literários.
Evidentemente o movimento, que teve uma espécie de boom, no país, revelou importantes nomes como Paulo Leminski, Waly Salomão, Francisco Alvim, Torquato Neto e Chacal. No Rio Grande do Norte, pelo menos três importantes livros abordam a temática, “Geração Alternativa” de Jota Medeiros, “Poesia Submersa” de Alexandre Alves, e mais recentemente, “Delírio Urbano” de Afonso Martins e outros. Evidentemente, existem outros trabalhos e pesquisas na área.
Entretanto, é bom dizer que João Batista de Morais Neto, não se limitou apenas à experiência informal dessa fase, e deu um salto significativo em sua produção literária contribuindo de modo acentuado para nossa literatura, sobretudo ao publicar a novela “Temporada de Ingênuos”, em 1986, espécie de romance fragmentado, combinando aforismos, reflexões, prosa poética, dialogando com a literatura universal e fazendo uma espécie de balanço daquele período, antenado com o que acontecia no universo das artes. Tudo com um estilo moderno para a época, aqui na província, que via surgir seus primeiros espigões, como cantou Zila Mamede em seu famoso poema “Rua Trairí”.
Nos anos seguintes João Batista de Morais Neto continuou a contribuir com a nossa cultura publicando vários outros trabalhos como, por exemplo, “A Canção e o Absurdo Revisitados” (Natal: Edições Sebo Vermelho, 2001); “Revendo Itajubá” (Natal: Sebo Vermelho Edições, 2007); “Caetano Veloso e o Lugar Mestiço da Canção” (Natal: IFRN editora, 2009); “O Veneno do Silêncio” (Natal: Edições Sebo Vermelho, 2010), além de ser autor de dezenas de ensaios críticos e literários.
Graduado em Letras, João Batista fez mestrado na Universidade Federal da Bahia e doutorado em Estudos da Linguagem pela UFRN. Atua profissionalmente como Professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no IFRN de Natal. Mais recentemente, lançou o livro de poemas “Bissexto” (Editora Gageiro Curió, 2018). O livro traz uma amostra, em dezesseis poemas, da sua recente produção artística.
Ao ler os versos de João Batista rememoramos o mestre Mário Quintana, que disse, certa vez: “Esquece todos os poemas que fizeste/Que cada poema seja o número um”. Compreendemos através dos versos do genial escritor gaúcho a sugestão de criar, de se surpreender, de se espantar com novos textos.
Rememoramos Quintana após termos lido “Bissexto” percebendo bem o amplo potencial de criação, o poder intrigante e transformador da poesia. Seja pela mobilização da fantasia, seja para aliviar uma dor, pelo simples prazer da leitura ou até mesmo para desvendar os homens, a poesia, nos deixa nus diante da existência; é uma arte essencial ao ser humano e, como tal, revela muito do que somos e como somos hoje e sempre.
Encontramos na leitura dos versos de João Batista de Morais Neto uma espécie de intimismo que está ligado ao fato de que, sendo este um dos principais atributos de sua experiência poética, traz consigo também uma tensão, que transparece em versos como, por exemplo no trecho seguinte:
Meu bem,
Sejamos sublimes
Não deixemos
Que nos invadam
As almas pequenas
(…)
Interessante compreender também, que “Bissexto” não se trata de uma obra de poesia de vanguarda, dessas que parecem receita de laboratório, mas é moderno, e ao mesmo tempo alcança certos efeitos linguísticos e estéticos, cuja análise pode ser aprofundada em estudos futuros.
O inconformismo com os moldes literários impostos pela “academia” e com a chamada “cultura oficial” brasileira, responsável por deixar à margem toda produção cultural que estiver fora dos padrões, foi a propulsão para escritores como João Batista, assaz criativos subverterem o lugar comum ao propor uma constante inovação poética, tudo sem “forçar a barra”, mas de maneira interessantíssima.
Em nossa compreensão, embora João Batista tenha nascido artisticamente e participado de forma ativa da geração mimeógrafo no Estado, sendo uma das suas principais figuras, atualmente ele ganhou um destaque maior, e justo, de poeta, escritor e pesquisador consciente de seu oficio e da sua produção.
O livro “Bissexto” inaugura a mais nova editora do Estado, Gageiro “Curió, do também poeta e livreiro Oreny Júnior, que faz com o titulo homenagem ao grande Newton Navarro e sua novela publicada em 1974, “De Como se Perdeu o Gajeiro Curió”.
A mescla entre romance e realismo vivida pelo pescador Santiago consagrou O Velho e o Mar, de Hernest Hemingway. E se a arte imita a vida, aqueles mesmos mares literários do velho Santiago, que também já viram o capitão Ahab contra a grande baleia branca de Melville, deságuam em cada beirada de praia, onde pescadores da vida real lutam contra os dissabores do cotidiano. No caso de Edson Ferreira Machado, o mar sempre foi berço, herança e sustento. O apelido Pernambuco chegou depois, quando se acomodou ao Canto do Mangue. E nisso se vai mais de meio século de um velho e seu mar.
Pernambuco – o Estado – ficou na lembrança e no nome, incorporado ao dia-a-dia na Praça do Sol. Também ficou para trás a infância, no município de Goiana; o tresmalho usado na pesca desde os sete anos; o sol a pino como teto da jangada do pai; a família de oito irmãos mais novos e a vida dura de menino-homem, de filho e neto de pescador. “Naquela época, em Goiana, a gente trocava peixe por café, farinha e açúcar porque não tinha a quem vender. Era uma ou duas casas de taipa e outras poucas mais adiante”, lembra. Hoje, Pernambuco passa o dia de costas para o mar. É assim há 63 anos, desde quando chegou a Natal.
Se todos esses fatos permanecem na lembrança de 92 anos de vida, um elemento esteve sempre presente: o peixe. Pernambuco cresceu comendo e pescando peixe. Era elemento de troca, sustento da família e foco final da atividade diária. Pescava, tratava, vendia, salgava, estocava, comia. “Desde aquela época eu sonho com peixe; desde menino-moleque nunca tive o lazer de comer em uma mesa, sossegado. Era sempre comendo peixe em pé por conta do trabalho”, acrescenta. Mas o tresmalho, a vida no mar ou mesmo a família ficaram para trás. Também os três anos no exército, até a pesca lhe recrutar de volta à jangada do pai, que morreu aos 50 anos.
“Há uns 60 e poucos anos vim de ônibus a Natal visitar um amigo. Nos três dias que passei aqui construí uma barraquinha com tábua de madeira na beira da praia, fiz peixe frito e tapioca pra vender e não parei mais”. À época era ele e mais uns três, apenas. A areia era alva e contrastava com as águas escuras do Rio Potengi. Nas Rocas da década de 60, extensos manguezais dominavam a área. Iam até as imediações de onde hoje está fincada a Feira das Rocas. Tinham poucas casas e famílias residentes. Pernambuco alugou morada na Avenida 10, no Alecrim, aproximou-se mais do trabalho quando veio à Cidade Alta, até adquirir residência na Rua Santo Amaro, nas Rocas.
Seu Pernambuco, aos 90 anos
Daquela época todos morreram, diz Pernambuco: os amigos das barracas vizinhas, os patriarcas daquelas poucas famílias das Rocas ou os pescadores mais antigos. Mas Pernambuco se mantém firme aos 92 anos e mantém a rotina de mais de seis décadas: acorda às quatro horas da madrugada, toma café e espera o sol raiar perto das 6h para caminhar dois quarteirões até seu box, no Canto do Mangue. É quando olha o rio e renasce para o dia. Das 6h às 20h, de domingo a domingo, atende clientes com peixe fresco, lagosta e ginga com tapioca – os pratos mais pedidos. “Isso é minha vida. Já durmo pensando em voltar pra cá”, diz o velho pescador, nos poucos momentos de relaxamento.
Pernambuco almoça por ali mesmo. Ele é quem prepara o arroz, o feijão e o peixe para ele e o único funcionário. Quem faz quase tudo aqui sou eu. Pago a esse menino, mas ele vem quando quer; tem os dias de preguiça. Pernambuco estima uma média de 30 peixes fritos ao dia, com picos em fins de semana e baixa entre segunda e quarta-feira. A rotina é pesada mesmo para um jovem. “Volto pra casa cansado. Tem vez de eu parar no hospital com pressão alta. Mas chego lá sou logo atendido porque todos me conhecem”, se orgulha. A boa forma, ele acredita, se deve ao peixe. Há mais de 60 anos Pernambuco só come peixe.
De peixe em peixe Pernambuco enche o papo e vê o tempo passar no ritmo lânguido do Canto do Mangue. Parece preso à rotina – um cárcere no qual encontra a liberdade desejada, sem sobressaltos. O estresse diário vinha no trato com os peixes. Pernambuco possuía oito dos cerca de 100 barcos ancorados no Canto do Mangue. Um afundou, outro pegou fogo e ele vendeu cinco. O único barco restante traz os peixes servidos no Bar de Pernambuco. “É tudo peixe fresco. O barco sai sexta e volta segunda com o peixe, que dura até quarta ou quinta. Aí sexta eu compro aqui pertinho, também fresquinho”.
Pernambuco paga as despesas de óleo e manutenção do barco e divide ao meio, entre ele e os pescadores, o resultado da pesca em alto mar. “Eles entram só com a coragem”. A outra despesa é com o box e as taxas de luz e de água. O resto é com a mulher e a filha de apenas 15 anos. “A energia do corpo vem do peixe”, brinca. E haja energia. Pernambuco tem 22 filhos e 70 netos “espalhados em tudo que é Estado: ‘Sunpaulo, Pernambuco, Campina Grande, pras bandas do Amazonas…”. Nenhum seguiu a lida do pai junto ao mar. “Nunca quis isso pra eles. Nunca vi pescador morrer no mar, mas já vi muito vindo morto no barco. Essa semana mesmo morreu um por aqui”.
A Prefeitura do Natal construiu o Bar de Pernambuco de costas para o Rio Potengi, na urbanização do local, em 2008. O pescador acredita ter encontrado a tranquilidade, mas esperou quase um ano para a reforma, sobrevivendo de uma aposentadoria da qual prefere não comentar. E mesmo um dos pores do sol mais bonitos do país, reconhecido por turistas estupefatos com a beleza, Pernambuco sente falta mesmo é de um banheiro. Tinha só no antigo ponto, construído por ele mesmo décadas atrás. Hoje precisa deslocar seus 92 anos ao banheiro do Mercado do Peixe, cerca de 200 metros do seu ponto. E fora do horário entre 8h e 18h, só no leito do rio. E é pra lá onde Pernambuco encaminha clientes. “Vou fazer o quê?”.
De seu recanto, Pernambuco nunca viu sequer discussão. Se deixa perder em olhares ausentes quando descansa na cadeira ao lado do box, por alguns instantes, até o próximo pedido do cliente. É o seu trono momentâneo. Depois é o preparo de um peixe saborosíssimo e sem segredo guardado. Diz que nunca compra peixe congelado porque fica sem gosto, aguado. O peixe fresco ele deixa mergulhado em molho feito com um quilo de tomate, um quilo de cebola, vinagre e coentro triturado no liquidificador. A posta inteira pode ser cioba, arabaiana, cavala, serra e outros da região. Sob o pedido da clientela, o peixe, já apurado no molho é fritado no óleo. O toque final é o dendê e uma salada de tomate e cebola frescos, seguido da recomendação de acompanhamento com a tapioca feita no côco.
Essa fórmula de preparo atravessou um tempo que parece estancado no cotidiano arrastado do Canto do Mangue. Mas já foi mais parado, tal qual os idos da Belle Epoque natalense. Tempos líricos, desapressados, de uma boemia ritmada à boemia da intelectualidade local. Época também da Peixada da Comadre. Em ambos os recintos o peixe carregava o sabor da simplicidade e atraía os intelectuais da província. Pernambuco não lembra ou sabe citar os nomes. Na recordação descompromissada de quem se importa com o cliente independentemente de quem seja. Mas Cascudo, Newton Navarro e Celso da Silveira eram clientes assíduos do velho bar, ainda na beirada do rio. Perguntado a respeito, Pernambuco desconversa, meio envergonhado pelo desconhecimento dos nomes.
Na mente descansada de Pernambuco moram os peixes do dia, a rotina consolidada de horários fixos e a lida pesada. Para ele pouco importa o que Cascudo discutiu, Navarro pintou ou Celso da Silveira bebeu e poetizou. Pernambuco valoriza o acordar e o encontro com o peixe, com seu bar/doce lar. O trajeto percorrido é quase uma liberdade condicional que o velho pescador cumpre como pena de um dia ter matado seus sonhos de criança para viver a mesma vida demasiado realista de Santiago, o herói de Hemingway, sem aquele espaço para a arte que ainda ameniza a dureza dos dias.
* Matéria originalmente publicada na Revista Palumbo e atualizada neste blog
FOTOS: Sergio Vilar
Essa matéria abaixo, de autoria deste editor, foi publicada em 27 de novembro de 2011, no semanário O Poti. Foi provocada pela eminência do lançamento do livro biográfico do músico Waldemar de Almeida, pelo professor Claudio Galvão. Não só esse livro foi lançado, mas outros mais, no decorrer desse tempo, como o mais recente, sobre o lado musicista de Câmara Cascudo. Então, a reprodução desse título já está defasada.
Mas há uma razão para eu republicar esse texto. Recebi email do professor Felipe Morais, de Língua Portuguesa e Literatura do IFRN Campus Pau dos Ferros. Em 2016 ele recorreu ao Arquivo Público do Estado para concluir sua pesquisa doutoral. Lá, teve contato com Claudio Galvão, então diretor do órgão. E dessa conversa, ele lembrou o seguinte:
“Ele me disse uma coisa que não me saiu da cabeça: que, ao terminar minha tese, fizesse uma cópia e deixasse no Arquivo Público, inclusive como registro das serventias que esse arquivo a todos nos dá. Completou, ainda, que muitos utilizavam os tesouros da casa, mas poucos voltavam para a ela dar algum retorno”.
Concluída a tese, o professor procurou Claudio Galvão no Arquivo Público, no Alecrim, mas soube que não só o Arquivo mudou de endereço, mas que Claudio havia deixado a direção do centro. Foi quando, à procura de algum contato de Claudio, Felipe encontrou essa matéria abaixo, que escrevi, e resolveu me enviar o email para afirmar que atendeu o apelo de Claudio e deixou uma cópia de sua tese no Arquivo Público.
Quem quiser conferir a tese do professor Felipe Morais, sob o título ‘Nas trilhas da escrita: reedição e análise grafemática das cartas oficiais norte-rio-grandenses (1713-1950)’, pode conferir AQUI também.
E abaixo, segue a matéria sobre Claudio Galvão. E percebam o tamanho da importância deste pesquisador para a história do nosso Estado.
Os ofícios de historiador, pesquisador e escritor se confundem muitas vezes. Saber o espaço onde cada um começa e termina é tarefa hercúlea. E para definir o trabalho de Cláudio Galvão é preciso diagnosticar essa linha divisória ou eliminar de vez todas elas. O autor de 18 livros, cujas temáticas resgatam histórias mais das vezes desconhecidas da cultura potiguar, preenche esses campos com a maestria incansável de quem nunca abandonou as páginas emboloradas dos jornais e documentos antigos. E emprega recursos literários às histórias relatadas após minucioso trabalho de pesquisa.
Aos 74 anos, Cláudio Galvão pesquisava nos arquivos do Diário de Natal informações para novo livro quando foi abordado para entrevista. O músico macauense Waldemar de Almeida será o biografado da vez. A linha musical predomina entre suas pesquisas. Cláudio é músico e estudioso da arte. Publicou livro onde resgatou 300 modinhas antigas cantadas em Natal no início do século passado. Também trouxeà tona a vida do maestro potiguar Oswaldo de Souza, de fama internacional e pouco reconhecido em seu chão, e detalhou a vida do autor do clássico Royal Cinema, Tonheca Dantas.
Para escrever A Modinha Norte-rio-grandense (2000), pesquisou a existência de descendentes e velhos seresteiros, e entrevistou cada um acompanhado de gravador e violão. Enquanto ouvia a cantoria, anotava as notas, tocava no violão e gravava. Em casa, transcrevia tudo em formato de partitura de música – conhecimento restrito a músicos eruditos. “Não havia copista à época. Havia uma máquina datilográfica no Rio de Janeiro capaz dessa transcrição para partitura, mas custava um salário e meio do meu ordenado. Não dava”.
Em viagem à Europa, em 1992, Cláudio Galvão procurou um programa de computador com essa finalidade. Espanha, França… “Só na Holanda me informaram que existia esse programa, mas na Alemanha. Não havia mais tempo. Um colega que me acompanhava comprou e trouxe depois a Natal. Era na base do DOS. Desconheço quem tenha feito essa transcrição à época”. Quando Cláudio já contava mais de 100 modinhas transcritas, surgiu o fenômeno criado pelo gênio Bill Gates. “O Windows inviabilizou meu trabalho e precisei refazer tudo”.
O legado literário deixado por Cláudio Galvão é tão importante quanto as temáticas e personagens dos seus livros. Mesmo quando passeia pela literatura, a música emana quase por osmose. Foi assim quando escreveu Príncipe Plebeu (2010) – uma biografia do poeta Othoniel Menezes. O livro veio acompanhado de CD com poemas musicados do autor-letrista de Serenata do Pescador (Praieira); ou quando publicou Cancioneiro de Auta de Sousa (2000), fruto do trabalho de pesquisa, textos e também grafia musical. Ou ainda o livro Modinhas Baianas no RN (1991).
Quando largou a chefia do Departamento de Artes, Cláudio elaborou projeto para um laboratório de restauração de documentos manuscritos e impressos na UFRN. “Entreguei ao diretor do Centro de Ciências Humanas da UFRN, Jardelino Lucena. Quando a professora Esther Bertoletti, do Ministério da Cultura, visitou Natal para microfilmagem dos jornais antigos do Instituto Histórico e Geográfico, meu projeto chegou às suas mãos”. Dias depois Cláudio recebe uma correspondência com aprovação do projeto pelo Programa Promemória. “Acredito ter sido Zila quem indicou o projeto ao MinC. Sei que recebi uma bolada pra tocar o projeto”.
O espaço foi conseguido no prédio de Ciências Humanas da UFRN. Migrou depois para a traseira da Biblioteca Central Zila Mamede e hoje descansa em pequena sala no Departamento de História. Nos primeiros anos, o laboratório foi responsável pela restauração de pilhas de jornais do IHGRN e dos dois primeiros anos de jornal do Diário de Natal (1939 e 1940). Tudo encadernado em folha japonesa e com produtos químicos para evitar decomposição. “Saí de lá só em 1998. Durante anos procurei substituto. Por ser trabalho voluntário e muito trabalhoso, ninguém aceitou. Então eu saí”.
Aposentado desde 1991 pela UFRN, e com mais tempo para se dedicar a outras atividades, recebeu um empurrão do acaso: “Em viagem ao Rio de Janeiro para contatos com a Funarte, uma moça perguntou de Oswaldo de Souza – um dos principais músicos do país em orquestra de câmara – estava vivo e se eu não toparia escrever sua biografia. Topei. E não parei mais”.
O último livro publicado de Cláudio Galvão foi a segunda edição de O Gracioso Ramalhete, relançado há dois meses pela Editora da UFRN. Traz poemas inéditos de Ferreira Itajubá. Esses poemas foram publicados no jornal O Torpedo – produzido por uma espécie de associação de literatos na primeira década do século passado – e assinados pelo pseudônimo de Estela Romariz. Além do contexto da época, da história do periódico e dos poemas, a veia determinada do pesquisador também trouxe mais ineditismo à obra:
“Imagine o alvoroço na cidade quando seis navios de guerra dos Estados Unidos ancoraram no Rio Potengi em 1967. Consegui as fotos inéditas desses navios, a muito custo. Estavam em um livro em homenagem ao fotógrafo franco-brasileiro Marc Ferrez (1843-1923), esquecidas no Rio de Janeiro. Mas é uma coisa que pouco se noticia, pouco se dá valor”, lamenta. De fato, o livro passou praticamente em branco pela mídia. Como também a vida do macauense Waldemar de Almeida, responsável pelo maior movimento pedagógico da música potiguar.
Waldemar de Almeida (1904-1975) marcou época em Natal com o curso de piano entre as décadas de 30 e 50. “Foi um trabalho inigualável até hoje”. Algumas senhoras natalenses se notabilizaram a nível nacional ao piano após o curso no instituto criado por ele, a exemplo de Eliana Caldas Silveira. Passou a morar em Recife quando governantes reduziram a verba para manter o Instituto. Sua biografia figura hoje em diversos dicionários musicais na Argentina, México, Espanha, Estados Unidos e em compêndios da história da música brasileira.
Antes de morrer, o músico produziu uma espécie de livro de memórias relatando vivências na Natal da Belle Époque nas primeiras décadas do século 20. Paisagens, brincadeiras infantis, costumes, tudo anotado e hoje nas mãos de Cláudio Galvão. “Essa autobiografia iniciará o livro, com rodapés escritos por mim para explicar algumas situações. A história de Waldermar em Natal termina em 50. Estou mais ou menos na década no ano de 47. Depois viajo a Recife onde mora um filho dele, médico (o outro é violoncelista em Los Angeles, EUA), para outras pesquisas”, adianta Cláudio.
Cláudio Galvão cursou o ginásio no Sete de Setembro, o científico no Atheneu e História na então Faculdade de Filosofia (depois também de Ciências e Artes). O primeiro emprego, já aos 17 anos, foi de controlador de som na Rádio Nordeste. Foi também corretor de propaganda da Rádio Rural, onde também comandou o programa O Mundo da Música. “Tocava música erudita. Muitas vezes visitava o instrumentista, gravava e transmitia na rádio. Fiz até com Candinha Bezerra, então estudante de piano”, lembra.
Envolvido no curso de história, largou a rádio e se iniciou no magistério. “Dava aula onde aparecia espaço. Às vezes chegava em casa sem voz”. Em 1963 foi convidado a ministrar aula de História Medieval e História da Arte na Faculdade de Filosofia. Em 1971, cursou pós-graduação na Europa. “Sairia o primeiro doutor de Natal, mas a bolsa que pensei ter dava direito apenas à gratuidade do curso. Já estavacasado e sem condições de me manter lá, voltei antes de concluir”.
Em Natal, fundou e chefiou o Departamento de Artes da UFRN entre 1974 e 1981. Tentou implementar, em vão, várias experiências adquiridas na Europa, a exemplo de um laboratório de paleografia (leitura de documentos e escritas antigas). “Na monografia na Europa analisei uma pintura datada de 1420. A imagem no microscópio eletrônico parecia a visão da janela do avião quando se vê uma cadeia de montanhas. Era muito minucioso. Não quiseram implantar esse laboratório aqui”.
Mas no período, trouxe um casal de bailarinos argentinos aposentados pelo maior teatro da América do Sul, o Colón. “Com orientação deles, criamos o salão de balé”. Também fundou a primeira orquestra de alunos do Brasil. “E não tocavam sambinha, não; era música erudita”. A Escola de Música foi montada na então erma Cidade da Esperança, em convênio com a Secretaria Estadual do Bem-Estar Social. O Instituto Nacional de Música doou os instrumentos. “Infelizmente, quando Diógenes daCunha Lima assumiu a reitoria, eu saí, por incompatibilidade de gênios, e nada foi mantido”.
Debates e conversas sobre o parto humanizado vêm ganhando repercussão nos ciclos sociais. Mulheres foram, por anos, condicionadas a vivenciar situações de violência e constrangimento devido à assistência centrada na atuação médica e não nas necessidades e escolhas naturais da mulher. É nesse contexto, em razão de uma experiência pessoal da diretora Catarina Doolan, que “A Parteira” surge. O filme, que foi contemplado pelo edital Cine Natal 2016, terá sua estreia na quarta-feira, 30/01, às 19h30, no Festival Cine Verão, em Ponta Negra.
“De início percebia o filme com um viés político. Buscava ilustrar a retomada do protagonismo da mulher em suas escolhas na hora de parir, e estimular a reflexão sobre o caráter natural e fisiológico do parto, em oposição à natureza hospitalar que lhe foi atribuída com o tempo. Entretanto, com o tempo, convivendo com Donana, percebemos que esse não é um filme sobre parto, sobre a política que envolve a luta pela humanização, mas um retrato de uma mulher com quem muitas mulheres podem se relacionar e que é, sim, dona de suas próprias escolhas”, conta Catarina Doolan, diretora, roteirista e produtora executiva do documentário.
A partir daí, surgiu o gancho de um filme de personagem, com o propósito de retratar uma mulher: filha, mãe, madrinha, mãe de santo, parteira, curandeira, enfermeira. Que não se permite levar pelos julgamentos da sociedade para viver a vida que escolheu para si. Ana Maria Valcácio da Silva (Donana) é uma figura excêntrica e apaixonada pelo seu ofício de parteira o qual desenvolve desde os 16 anos de idade. Hoje, aos 65 anos, com meio século de profissão e mais de mil partos, Donana representa a Associação de Parteiras de São Gonçalo do Amarante. “Todas as mulheres podem olhar para ela e se identificar ou se inspirar de alguma forma”, completa Catarina.
Para a gravação de “A Parteira”, a equipe de produção, toda formada por mulheres, teve o objetivo de tornar o set mais íntimo e frequentou rodas organizadas pela Associação Potiguar de Doulas, a fim de se familiarizar com a temática e o universo do partejar. Paralelo a isso, o filme agregou um propósito profissional para o cenário do audiovisual potiguar: oportunizar a formação de mulheres especialistas em áreas técnicas do audiovisual, no mercado potiguar, tais como diretoras de fotografia, técnica de som e operadoras de câmera.
Além do lançamento oficial, o filme também será exibido na sexta-feira, para melhor acolher as famílias com crianças, 01/02, no Espaço Moara, em Ponta Negra, às 19h, com roda de conversa com a diretora após a exibição. Uma terceira exibição está sendo programada para a comunidade de Donana, em São Gonçalo do Amarante.
“A Parteira” é uma produção da Prisma Filmes, com patrocínio da Ancine, FSA – Fundo Setorial do Audiovisual, BRDE – Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul e Prefeitura do Natal, por meio do edital Cine Natal 2016.
Exibições de “A Parteira”
Festival Cine Verão, “Mostra Poti” – Quarta-feira, 30/01, às 19h30. Ponta Negra.
Espaço Moara – Sexta-feira, 01/02, às 19h. Endereço: Rua das Conchas, 2199, Ponta Negra.
Direção e Roteiro: Catarina Doolan Fernandes
Produção Excutiva: Catarina Doolan, Assis Carlos Fernandes e Dênia Cruz
Assistente de Direção e Direção de Produção: Diana Coelho
Produção Logística: Kinohaus
Direção de Fotografia: Giovanna Hackradt Rêgo e Sarah Wollermann
Operadoras de Câmera: Giovanna Hackradt Rêgo, Sarah Wollermann e Catarina Doolan
Som Direto: Marina de Lourdes
Montagem e finalização: Camila Fernandes
Colorização: Bruno Sarmento
Mixagem: Ricardo Félix
Trilha Sonora: Joana Knobbe
Designer: Gabriela Barbalho
Social Media e Assessoria de Comunicação: Atena Marketing – Andressa Vieira
Assessoria jurídica: Ana Flávia Ferreira
Assessoria contábil: Maria Auxiliadora Barreto
Audiodescrição e Legendagem descritiva: Beth Garcia e Rafael Garcia
Locução da audiodescrição: Rafael Garcia
LIBRAS: Cultura de Valor
Intérprete de Libras: Timótheo Machado Henrique
Natal ainda é uma cidade pequena. Mas se torna imensa quando exporta uma figura reconhecida no mundo como o violoncelista Aldo Parisot, solista nas maiores orquestras do planeta e talvez o mais ilustre potiguar vivo. E para celebrar seus 100 anos, 100 renomados músicos internacionais e nacionais desembarcarão em Natal próxima semana para quatro dias de programação que culminará com concerto gratuito, às 20h desta quinta-feira, no auditório do Holiday Inn, em frente ao Arena das Dunas.
No mundo, Aldo Parisot está para Natal como Tom Jobim está para Ipanema. Sua biografia foi publicada recentemente na Inglaterra pela professora Susan Hawkshaw. Natalense nascido em 1918, ele foi solista de algumas das maiores orquestras do mundo como a Filarmônica de Berlim, de Nova Iorque e de Viena. É o último colaborador ainda vivo próximo de Villa-Lobos, que lhe dedicou duas peças para violoncelo e orquestra. Durante mais de 60 anos foi professor catedrático da Yale University, nos EUA.
Para homenageá-lo, 100 violoncelistas convidados, incluindo a ex-aluna de Parisot, Kim Cook, professora da Penn State University, e o vice-reitor da Estonian Academy of Music, Henry-David Varema, além de musicistas das mais reconhecidas universidades brasileiras irão compor a sétima edição da Mostra de Violoncelos de Natal. No concerto serão apresentadas obras emblemáticas da carreira do músico potiguar como a Bachiana 5 de Villa-Lobos, além de peças de Oriano de Almeida, Bach e Piazolla.
Os 700 ingressos para assistir ao concerto serão distribuídos na Escola de Música da UFRN (Emufrn) a partir desta segunda-feira (12), das 9h às 12h e das 14h às 18h. Também há a opção de reservar já a partir de agora pelo Sympla, clicando AQUI. Quem não conseguir pegar o seu, também pode tentar na hora do Mostra.
A regência do concerto com nada menos que 100 cellos será do violoncelista carioca Fábio Soren Presgrave, professor da Escola de Música da UFRN, com mestrado na Julliard School of Music, nos EUA e pós-doutorado pela Westfaelische Wilhems-Universitaet Munster, na Alemanha.
A música instrumental talvez seja a música mais identitária do Rio Grande do Norte, como o frevo em Pernambuco ou o axé, na Bahia. E o violoncelo, em particular, contribuiu muito para essa identidade. O início dessa história remonta ao quase lendário violoncelista italiano Thomaz Babini – um dos músicos de concerto mais importantes do século 20. Thomaz desembarcou em Natal provavelmente em 1907 para construir uma história pouco conhecida do público potiguar e de desdobramentos vividos até os dias atuais.
Seu filho, o potiguar Ítalo Babini, foi professor de Aldo Parisot – residente famoso da Ribeira, ali próximo ao hoje Buraco da Catita. Há relatos que recontam a história de Natal, do som advindo do violoncelo de Parisot por quem passasse pelo já movimentado bairro da Ribeira naquela época. Portanto, Natal herdou de um dos maiores gênios da música do século 20, Thomaz Babini, uma tradição continuada no violoncelo, que passou por seu filho Ítalo Babini, Aldo Parisot e hoje é comandada por Fábio Presgrave na UFRN, com vários de seus alunos premiados internacionalmente.
VIII Mostra de Violoncelos de Natal
Onde: Holiday Inn (avenida Salgado Filho, 1906, quase em frente ao Arena das Dunas. Fone: 3344-7333)
Quando: Quinta-feira (15)
Hora: 20h
Acesso gratuito
Distribuição de senhas:
– Na Escola de Música da UFRN, das 9h às 12h ou 14h às 18h, a partir desta segunda (12)
– Sympla – clicando AQUI
– No dia do evento
E-mail: Sergiovilarjor@gmail.com
Celular / Zap: (84) 9 9929.6595 Fale Conosco Assessoria Papo Cultura