Olá, futebolistas cervejeiros, saudações rubro-negras para todos!
Hoje a coluna vai se dedicar a um tema polêmico, mas quem foge de polêmica é político do centrão. Aqui é raiz mesmo, é dedo na “cara” e gritaria, doa a quem doer.
Dizem, popularmente, que têm 3 coisas que não se discute: política, religião e futebol. Eu acrescentaria no rol dos temas problemáticos aos apupos dos mais sensíveis a cerveja também.
E sim, a cerveja é um tema transversal à política (quem nunca “condenou” Lula como bebum?), à religião (quem nunca viu um “crente” dizendo que cerveja é do Satanás?) e ao futebol (esta eu nem preciso explicar, mas irei, nos próximos parágrafos… acompanhe).
Então, sim, hoje falaremos de duas grandes paixões da humanidade: cerveja e futebol. E também da relação intrínseca entre ambas as coisas. Sigam-me os bons.
O texto de hoje não é técnico, não é intelectual e não tem análise sensorial. O texto de hoje é apenas paixão e transpiração. É a pura essência do futebol e da cerveja, é a emoção em sua forma mais pura.
O caro leitor pode não gostar de futebol, pode não gostar de cerveja, mas jamais será dotado da insensibilidade de dizer que esses dois elementos são passionais e dominantes em um contexto nacional geral.
Não há porque se explicar que se gosta de futebol, não é necessário também se dizer porque se gosta de cerveja, ou melhor dizendo, de uma boa cerveja. Ambos elementos são descritivos e explicativos por si só. Ama-se, e ponto final.
Melhor ainda quando essa paixão vem de forma combinada e entrelaçada, assistir ao jogo do seu time de coração com aquela bela cerveja que você também adora é uma sensação que beira o indescritível.
Certamente o leitor pode gostar apenas do futebol (e ser abstêmio) ou gostar apenas da cerveja (e dizer que o futebol é o “ópio das massas” – realmente, o tal do “Carlos Marques[1]” não estaria totalmente errado, mas esse não é o foco no momento), todavia, esses gostos em separado não anulam a relação intrínseca entre ambos: cerveja e futebol.
Não adianta eu tentar explicar o que não se explica, mas posso mostrar como se sente, quando se sente e porque se sente. E as duas paixões descritas são sensivelmente patentes em nosso cotidiano.
Caso o prezado leitor tenha chegado até aqui e não tenha discordado de um todo, vou forçá-lo ao seu limite. Cerveja e futebol se combinam sim! Eles se entrelaçam de uma maneira inexpugnável, eles são motores correlatos de uma mesma bomba motora de um coração (às vezes sofredor).
E isso não importa seu time, não importa sua cerveja, esses pontos são detalhes mínimos dentro da contextualização geral. Quem não concorda é clubista.
Ainda assim, Mammon, sempre ele, sabe que dá para juntar paixão com monetização (aliás, quem nunca pensou nisso não é? Até o próprio argumento do egoísmo econômico de Adam Smith se baseia, ainda que vagamente, nessa noção de paixão aliada à necessidade econômica). Um dos grandes exemplos disso foi quando a Brahma fez uma edição comemorativa com latas homenageando os times de futebol.
Quem acompanha as colunas semanais por aqui sabe o quanto eu sou crítico severo das cervejas de massa, e não poderia deixar de fazer minha crítica à Brahma sempre que posso, inclusive centrando esforços na figura folclórica do “tio botequeiro”, que só toma Brahma de Agudos.
Todavia, essa ação de marketing tem seu valor, tem seu apelo à paixão, e principalmente seu apelo à rivalidade. Quem não viu os anúncios dos supermercados com uma pilha de Brahmas com a homenagem no rótulo ao Clube de Regatas Vasco da Gama e os dizeres: “beba até cair”. Sim, até hoje só foi necessário seguir essa recomendação 4 vezes em toda a história do futebol brasileiro. Mais uma vez, SRN!
Futebol é justamente isso, é achaque, é zoação, é rivalidade, é provocação, é vitória, é derrota, é sofrimento, é êxtase. É preciso compreender como a cerveja serve de aditivo de alta octanagem para essa conflagração passional.
Óbvio que não estou defendendo atos de violência, como os praticados pelos integrantes de torcidas organizadas nem nada disso. A paz deve reinar, dentro ou fora dos estádios, ganhando o perdendo, não importa, não deve haver violência de maneira alguma.
Isso não quer dizer que o elemento lúdico e do frenesi associado à vitória ou à derrota deva ser limado do espetáculo futebolístico, algo similar ao que ocorre na liga americana de futebol americano, a NFL, que a cada dia se populariza mais aqui no Brasil.
Lá, sequer é permitido que um jogador que marque pontos, seja por meio de um touchdown (que vale seis pontos) ou de um field goal (que vale três pontos), possa comemorar seu feito em campo, sob pena de ser punido e até excluído do campo de jogo. Não se pode dançar, não se pode gritar efusivamente e não se pode “ir para a galera”, sob pena de ser punido por tais atos “desrespeitosos” de comemoração. Por isso que a liga recebeu até o apelido jocoso de No Fun League (ou seja, Liga sem Graça), ao contrário do que o acrônimo NFL realmente significa, que seria National Football League (traduzido por: Liga do Futebol Nacional).
Os louros da vitória a quem ganhou, ao perdedor que fiquem as lições, as gozações e toda sorte de brincadeiras saudáveis (como as incontáveis figurinhas de WhatsApp). Não adianta conter aquilo que se propaga de maneira tão autêntica e espontânea, de forma tão passional entre os apaixonados, pelo esporte bretão ou pelo nobre líquido sagrado, o suco da confusão, o extrato de cevada, água e lúpulo (ou qualquer outro adjunto que você queira por aqui).
Até já tentaram proibir a venda de bebidas alcoólicas nos estádios, mas essa é uma medida inócua, pois casos de violência continuam a ocorrer. Isso sem falar que por causa da pandemia do COVID-19, os jogos atualmente não têm torcida. Então, de casa, o futebol sempre casa com cerveja!
A comemoração do futebol com uma cerveja bem acompanhada pela vitória é o que há de mais genuíno, passional e estonteante na vida cotidiana. Por mais que o leitor fuja desse estereótipo, conhece sempre alguém quem se enquadra, ou talvez já tenha ele mesmo se enquadrado nessa formatação de torcida, de paixão e de comemoração.
Não há porque se envergonhar, todos ganham e todos perdem um dia, aproveite o seu sem reclamar.
A saideira de hoje não tem muito o que pontuar, já que o fim do Brasileirão atesta aquilo que é incontestável: o vencedor e o rebaixado, e vocês já sabem quem é quem. Então, pegue uma boa cerveja, relaxe, deguste e comemore (ou chore), já que ambas as opções são igualmente válidas.
Só não pode reclamar ou ficar de mimimi por causa disso, afinal, estamos em #otopatamar. E tenho dito, por fim, na saideira, mais uma vez, “Saudações Rubro-Negras”!
Eu até poderia tentar inovar, procurar uma música diferentona para recomendar, mas a melhor música que retrata o conteúdo do atual texto é o hit noventista da banda mineira Skank, com a canção É Uma Partida De Futebol.
Algo atemporal, imortal e eternamente passional, tal como cerveja e futebol!
“Mas se ele ganha não adianta
Não há garganta que não pare de berrar!”
E tenho dito!
Saúde!!
[1] Karl Marx (sic).
FOTO DE CAPA: kharlamovaa / Flick
Olá, cervejeiros, saudações!
Quem acompanha as postagens no blog há algum tempo percebeu que as últimas colunas foram direcionadas àqueles que estão iniciando no fantástico mundo das artesanais. Então, hoje, para fazer algo diferente, vou escrever um texto para aqueles que já estão em #otopatamar, digamos, intermediário/avançado.
Digo isso porque o tema de hoje aborda como muda (se é que muda) o nosso gosto por cervejas com o passar do tempo. Será que aquela cerveja artesanal que você achava o máximo assim que conheceu este mundo ainda é tudo isso? Será que hoje aqueles primeiros estilos que você provou ainda te fazem sentir aquele gostinho de quero mais ou viraram lugar comum e não conseguem mais empolgar tanto assim?
Certamente que, tomando por termos biológicos, não é nosso gosto que muda, e sim nossa capacidade de conseguir sentir certos sabores com maior ou menor intensidade que muda com a nossa idade (envelhecemos, deixamos de apreciar o doce e passamos a sentir mais o amargor – da nossa própria existência). Então, este não será o ponto de partida, isso seria muito simplório para desvendar todos os segredos desse tema.
Vamos partir de uma premissa mais “intelectual” por assim dizer e vamos deixar no ar a dúvida: seu gosto mudou ou não mudou, muda ou não muda?
Faremos brevemente uma introdução teórica sobre o tema para que seja possível aplicá-lo ao mundo da análise sensorial das cervejas. Quando falamos de “gosto” estamos falando de um julgamento que somos capazes de fazer sobre algo, no caso, sobre uma cerveja ou um estilo cervejeiro. Todo julgamento é tido como sendo um juízo, e no caso do juízo de gosto, por se referir às sensações, é um juízo estético.
Kant[1] fala que o juízo de gosto se refere a uma complacência, ou seja, diz respeito à adequação ao que se sente ao bem-estar causado por aquilo que é sentido. Este juízo também é reflexionante, pois o objeto que causa a sensação já é pré-determinado (ainda que você nunca tenha tomado aquela cerveja ou aquele estilo em específico, ele já esta posto diante de ti).
Todavia, esse juízo de gosto é necessariamente desinteressado, pois o prazer gerado pelo objeto (cerveja) é ocasionado pela faculdade da imaginação em acordo com o entendimento do sujeito, o que gera o conhecimento sobre aquilo que provoca o prazer.
O conhecimento advém de um livre jogo dessas faculdades e é um ato de síntese entre entendimento e sensibilidade, possibilitado pela imaginação. Ele também é um juízo sem determinação conceitual, não se determina a finalidade quanto ao objeto, ou seja, ninguém toma a sua cerveja para um fim em específico (e se você toma apenas para se embriagar está fazendo isso errado #bebemenosbebamelhor).
Há de se compreender que este juízo de gosto é universal, pois todo sujeito deve ser capaz de julgar da mesma forma, uma vez que as faculdades se harmonizam acerca do objeto e não de elementos subjetivos já dados, e também é um juízo necessário, porque todos devem poder concordar acerca da universalidade da abrangência de um juízo estético proferido.
Com base nessas premissas acerca do juízo de gosto, deve-se compreender que o gosto não muda, pois a sensação ocasionada pelo objeto não é variável, desde que o próprio objeto não sofra alterações.
O gosto por não ser conceitual também não estará atrelado as faculdades subjetivas do sujeito, como dito anteriormente, que são as biológicas, tais como idade, capacidade das papilas gustativas, dentre outras. O sujeito não interfere na sua capacidade de gostar do objeto colocado para seu juízo de gosto.
A partir dessa breve introdução teórica, podemos depreender que o juízo de gosto não muda, mas isso não quer dizer que o sujeito não posso se enganar sobre aquilo que ele formula em sua imaginação como sendo aquilo que ele gosta.
Dito de outra maneira, aquele seu tio botequeiro que só toma Brahma de Agudos jura que aquela é a melhor cerveja do mundo. Esse é um juízo de gosto válido? Certamente que não, pois o que está em jogo são as paixões de um botequeiro frente a uma cerveja de massa, que tem no seu currículo fatos como: ter sua qualidade duvidosa, materiais de segunda qualidade e instruções técnicas de ser tomada extremamente gelada.
Mas ele não erra porque quer. Para citar outro filósofo, desta vez um mais antigo, Platão[2], “não se erra por querer, apenas se erra por ignorância”; ou seja, seu tio erra porque não conhece outras cervejas ou outros estilos melhores.
Este é outro ponto fundamental, aquilo que costumamos emitir como sendo o nosso gosto atual, ou melhor, como sendo o nosso “bom gosto” atual, está e sempre estará limitado pela nossa capacidade daquilo que temos conhecimento até então.
No caso figurativo do tio botequeiro, se ele só conhece Brahma, Skol, Schin e Glacial. Dentro do universo dado, é possível emitir o juízo de gosto relativo ao que se tem como universo de amostragem (mas ainda teria minhas dúvidas se seria a Brahma de Agudos a melhor de todas…).
Confesso que algo semelhante aconteceu comigo em relação à Punk IPA da Brewdog, que por volta de 2015/2016 era o que se tinha de mais avançado em termos de IPA em Natal e era vendida por absurdos 34 auxílios emergenciais no Carrefour. Era o auge, mas hoje em dia, eu relutaria em pagar 15 ações da Petrobras num exemplar dela.
Por vezes, o que muda não é o seu gosto, caro leitor, e sim a própria cerveja, mas as cervejarias não te informam isso (com a devida clareza).
Explico melhor: por serem produções artesanais, nem sempre é possível se utilizar dos mesmos insumos de produção em todos os lotes de uma mesma cerveja. Ou, não é possível ter um controle tão rigoroso nos insumos e nos lotes (já que alguns elementos produtivos variam por safra). Por vezes trocam os lúpulos utilizados tentando manter as mesmas características de amargor e de sabor (cítrico, herbal, floral, etc.).
Assim, a safra de um ano de um determinado lúpulo pode ser melhor que a de outro ano, e por mais que o mesmo lúpulo seja utilizado em diferentes lotes de uma mesma cerveja, o resultado final pode acabar sendo alterado sensivelmente.
Quando existem essas variações de lotes, seja por causa dos insumos utilizados ou por causa das safras, o problema não é na sua capacidade de emitir uma análise sensorial ou um juízo de gosto pertinente, e sim, porque, por se tratar de um produto artesanal, essas pequenas variações são possíveis e (até certo ponto) plausíveis, sem que haja uma necessária depreciação no produto.
Um dos exemplos mais claros desta variação a cada lote e que pode ser notado a partir das fotos que servem de ilustração é a Dreamin da cervejaria Dogma. Foram 3 lotes até o momento.
O primeiro lote foi em outubro de 2019, era uma cerveja muito suculenta (juicy), com aparência turva (hazy), muito frutada, macia, sem harsh, com um equilíbrio bem acertado entre notas cítricas e herbais. Era realmente uma NEIPA muito bem executada e muito gostosa.
Lote 1
O segundo lote desta cerveja foi lançado pouco tempo depois, em fevereiro de 2020, e o resultado foi muito diferente do que se viu anteriormente. Uma coloração bem mais escura, com um perfil bem mais limpo, sem nenhuma turbidez, uma coloração opaca e sem brilho, lembrando cobre. A diferença, no entanto, não foi apenas visual. O perfil sensorial da cerveja foi totalmente alterado, ficou muito mais adocicada, perdeu muito de seu aroma, e até a carbonatação estava alterada. O resultado foi uma cerveja totalmente diferente, tendendo mais para um perfil de West Coast IPA que de NEIPA como foi apresentado no primeiro lote.
Lote 2
O terceiro e último lote da Dreamin foi lançado exatamente um ano após o primeiro, ou seja, em outubro de 2020. E comparativamente, em termos qualitativos, este seria o lote intermediário entre o primeiro e o segundo. Ou seja, não é tão ruim, mas também não foi empolgante como o primeiro. Estava visualmente bem no padrão NEIPA, próximo do que foi visto no primeiro lote, mas em termos gustativos carecia de harmonia, tinha um harsh altíssimo, dulçor desmedido, perfil herbal destoante e muito forte, ao passo que as notas cítricas acabaram encobertas no conjunto, o qual não ornou bem.
Lote 3
Este foi um caso clássico de uma cerveja que passou por transformações profundas de lote para lote, no qual houve um claro decaimento na qualidade do produto final, e que serve de exemplo como nosso (juízo de) gosto não muda, mas que as cervejarias alteram as composições das cervejas de lote para lote e dão a falsa sensação que nosso gosto mudou.
Nossas vivências cervejeiras, novas experiências, novos estilos sempre servem de incremento para o nosso universo de abordagem e de apreciação.
Por vezes, julgamos que gostamos de alguma cerveja ou de algum estilo, colocando-o como sendo o melhor, quando ainda não temos a devida apuração técnica para tanto.
Então, com embasamento teórico em Kant: não, nosso juízo de gosto não muda, nossa apreciação estética depende do objeto e não de nossas apreciações subjetivas.
Por isso que é sempre um juízo necessário e universal, sobre o qual todos possuem a mesma capacidade de concordar. Ou seja, gosto não se discute, bom gosto se aclama.
No entanto, não podemos esquecer também que, por motivos logísticos, de oferta e de capacidade de produção, por vezes, as cervejarias alteram as composições das cervejas, fazendo com que elas apresentem mudanças de lote para lote, de modo que se cria a falsa impressão que nosso gosto mudou (para pior ou para melhor), sendo que quem, na verdade, mudou, foi a cerveja, objeto de nossa análise, por consequente, altera-se o juízo de gosto.
E aí, o que acham? Nosso gosto muda ou não muda? O seu já mudou? Para exprimir essas possibilidades, vamos de Changes, um clássico do Black Sabbath.
Saúde!!
[1] KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade de Julgar. Trad.: V. Rohden e A. Marques. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 256.
[2] PLATÃO. Sofista, 229c1-9. São Paulo: Abril, 1972.
FOTO: publicada no site Revista Malagueta.
Hey, Kiddos, saudações!
O texto de hoje, ainda que já fosse uma ideia um tanto quanto perene em minha mente, foi aguçado e sugerido pelo ilustre Miguel Medeiros, mais conhecido em nossa cidade como “Miguel do Gela”, ou, simplesmente “Gela Natal”.
Ele fez recentemente um vídeo de divulgação sobre o tema, e antes de produzir seu conteúdo nós conversamos justamente sobre esse assunto: copos e taças ideais para cada tipo de cerveja e também sobre copos ou taças coringas, que podem ser utilizados para mais de um estilo de forma a ter um bom resultado gustativo.
Para minha surpresa, o vídeo de divulgação dele, publicado em um grande veículo jornalístico de influência política (no Instagram), ainda que patrocinado por uma rede grande de supermercados locais, teve grande repercussão. Muitas das pessoas que comentaram não entendem de cerveja e replicaram comentários dizendo que tudo aquilo era “nutelagem”, desdenhando, ou de alguma forma colocando essa pauta como desnecessária.
Fiquei triste em ver como as pessoas celebram a própria ignorância com tantos tons pejorativos, mas também me senti desafiado a trazer um texto explicativo, didático e substancial, para que as pessoas suplantem essas falsas noções de “nutelagem” ou “frescura” sobre o mundo especializado das cervejas (perdoai, Pai, pois não sabem o que falam), e aprendam mais um pouco sobre como cada copo ou taça pode contribuir para uma melhor experiência sensorial de degustação: esse é o meu desafio atual.
Então, vamos aos copos e as taças!
Para uma degustação cervejeira mais completa vários fatores precisam estar alinhados. De modo mais amplo, já falamos sobre algumas variedades de estilo, MAS nunca tenha tido nenhum texto específico a tratar de cada um dos vários estilos existentes, ainda que alguns tenham sido apresentados de forma mais aprofundada. Definir o estilo a ser degustado é o primeiro passo da degustação.
O segundo elemento primordial da degustação é a temperatura da cerveja, e esse foi um fator fartamente explorado neste espaço (clique AQUI). Onde me detive a explanar quais estilos requerem temperaturas mais baixas ou não tão baixas (até mesmo temperatura ambiente) para uma degustação mais proveitosa. Assim, compreendo que em termos de temperatura e de cerveja tal texto seja o bastante para uma boa degustação.
Ficou faltando apenas o terceiro ponto do tripé cervejeiro, a questão das taças e dos copos. E desta questão daremos cabo no presente texto, colmatando a lacuna que faltava para que os neófitos no mundo das artesanais possam ter uma degustação completa, combinando estilos, temperaturas e copos ou taças adequadas.
Por uma questão de limitação didática no tamanho do texto, abordaremos alguns copos e taças icônicos dos estilos principais, não sendo possível cobrir todos, indicando alguns copos versáteis aos demais.
Os copos de Weiss são os copos específicos para cervejas de trigo, sejam elas claras ou escuras. Geralmente, possuem a capacidade de 500 ml, possuem uma base mediana, encurtada no meio e com uma ampla boca alongada acima, ideal para concentrar a abundante espuma do estilo, o qual deve ser servido com uma leve mexida para levantar as partículas suspensas no fundo da garrafa.
Essa mexida no final do serviço da cerveja gera uma maior produção de espuma, a qual tende a ser acomodada na parte superior do copo, daí a sua boca ser mais larga que os das demais, ajudando também na dispersão e na difusão de aromas frutados advindos justamente das partículas que se depositam no fundo da garrafa e são colocadas após o revolvimento da garrafa.
São copos bem bonitos e chamativos, com um bom local para serem segurados (na parte do meio, onde ele é mais fino), auxiliando nos movimentos de revolvimento e de dispersão de aroma, além na dinâmica de poder segurá-lo sem receio que derramar ou de cair.
As IPA’s já foram objetos temáticos da minha coluna neste blog por diversas ocasiões (Leia: “Ipa de Supermercado”). Elas realmente são as cervejas queridinhas do momento (já há algum tempo eu diria) e cada vez mais neófitos se interessam em conhecer mais sobre o estilo e degustá-las.
Pint, Caldereta e Ipa Glass
Como todo grande estilo, existem alguns copos adequados para a sua degustação. As primeiras IPA’s eram do estilo inglês, daí, a tradição sempre indicou que o pint’s eram o estilo de copo (na verdade, pint é uma medida de volume, mas que acabou ganhando alguns copos de formato padrão com esse nome também).
Neste particular, o pint de estilo nonic, com pequena nervura na parte médio-superior do copo ganharam popularidade entre os degustadores do estilo.
Com o avanço das IPA’s no novo mundo, as IPA’s passaram a ser degustadas em copos mais despojados, como a caldereta e em alguns que imitavam até copos de extrato de tomate.
No entanto, acabou-se criando o chamado “IPA Glass”, uma releitura do pint de outrora, com uma base circulada com gomos até quase a metade do copo, e com a parte superior mais alongada, com leve transbordo para a parte interna.
O IPA Glass é uma tanto quanto complicado de ser higienizado, pois sua base mais curta dificulta a lavagem, mas, para os degustadores, a sua maior inovação foi uma base menor, onde ele deve ser segurado, sem que o líquido esquentasse com tanta rapidez, conferindo-lhe dinamicidade e versatilidade no uso cotidiano.
Infelizmente, a tulipa é um formato de taça um tanto quanto que confundido, mistificado e popularizado de maneira equivocada no Brasil. Costumam chamar de “tulipa” os copos que se servem as cervejas populares no Brasil, inclusive os “chopps”. Algo bem comum é pedir uma “tulipa de chopp” nos botecos por aí afora.
Todavia, o que chamam de tulipa por aqui, são copos usualmente dedicados às Lagers de maneira mais genérica, copos com a base mais estreita do meio para baixo, e com uma boca mais alargada, algo que lembra vagamente um copo de Weiss, mas em uma dimensão mais enxuta, e não tão alargado na boca do copo.
São copos extremamente populares e comuns nos bares Brasil afora, que, de modo equivocado, foram nomeados de “tulipa” pelo imaginário mitológico (vamos descontruir TODOS OS MITOS, inclusive o “mito” que faz “arminha”) cervejeiro.
As tulipas são taças delicadas, com uma pequena curvatura para fora na sua boca. Possui um parte mediana mais robusta e com o bojo um pouco maior, o que favorece a expansão dos aromas ao mesmo tempo que contribui para a formação de uma espuma mais duradoura.
Os estilos belgas são os mais recomendados para que as tulipas sejam utilizadas, mas, por vezes, elas também assumem uma certa versatilidade, combinando com quase todos os estilos, exceto para Weiss, que demandam um suporte de volume maior, devido a sua espuma ser bem abundante, conforma já mencionado.
Os snifters são copos mais robustos e diferenciados, recomendados para cervejas de maior densidade e complexidade. Sua compleição física exige um bojo muito largo e uma boca mais estreita. A sua finalidade é poder reter aromas mais densos e pesados dos estilos aos quais ele se dedica, como as Russian Imperial Stouts e as Barley Wines.
São copos que rememoram vasos para outras bebidas destiladas, como, por exemplo, brandy e conhaque.
Em virtude de seu grande volume, alguns possuem quase 800 ml, é possível que o líquido não preencha todo o copo, algo adequado para os momentos de revolver o copo para a liberação de aromas, que tendem a ficar acondicionados em seu bojo. Assim, ao fazer os movimentos circulares para liberação de aromas, é possível que tais compostos voláteis fiquem por mais tempo no interior do copo e suas nuances possam ser percebidas com maior facilidade.
A sua fina e pequena haste usualmente não serve de suporte para os movimentos de degustação, recomendando-se que ele seja segurado pelo bojo mesmo, o que facilita ainda mais o aumento de temperatura, ideal para esse tipo de cerveja que demanda temperaturas de degustação levemente mais elevadas.
Não são todos os cervejeiros que possuem um “arsenal” de copos e taças adequados para cada estilo cervejeiro existente. Aliás, isso não é mandatório, cada um aprecia sua cerveja como lhe convém. As dicas fornecidas aqui apenas ajudam a incrementar a experiência da degustação.
Sabendo que nem todo cervejeiro é um colecionador, existem dois tipos de copos ou taças que podem ser consideradas “universais” para todos os estilos, atuando como verdadeiros coringas cervejeiros. Assim sendo, existem duas taças ideais para tal finalidade: a TEKU e a ISO.
A TEKU é um acrônimo do nome dos dois cervejeiros que a desenvolveram: Teo Musso (mestre cervejeiro da cervejaria italiana Baladin) e Lorenzo Dabove, mais conhecido como Kuaska. Daí as duas primeiras sílabas de TEo e KUaska formaram o TEKU.
Ela foi desenvolvida, inicialmente, para a cervejaria Birra Baladin, todavia, ganhou popularidade entre os degustadores, e sua fama se espalhou, tento sido reproduzida como modelo para várias outras cervejarias. Seu design único é propriedade intelectual da Rastal, uma empresa alemã que se dedica à produção de taças e copos cervejeiros.
Seu design é inovador, possui uma haste fina e longa, com um bojo triangular com bordas retorcidas para fora, uma verdadeira obra de arte em termos cervejeiros. Lembra o formato de uma tulipa com haste alongada e bojo de formas erraticamente geométricas, um deleite pós-moderno em termos estéticos e cervejeiros.
Sua forma faz com que ele seja muito original e permite uma experiência sensorial completa por capturar e libertar os aromas da cerveja na curva externa do vidro.
Ideal para vários estilos cervejeiros, desde os mais defumados, passando pelas IPA’s, e chegando até as Stouts e Barley Wines. Versatilidade é seu segundo nome e dinamismo é sua alcunha.
As taças ISO, por seu turno, são onipresentes no mundo das bebidas de maneira geral, sendo utilizadas tanto para fermentados (vinhos) quanto para destilados (principalmente, whisky). Sua demarcação volumétrica é estipulada normativamente em 150 ml, e equivale a 3 doses de destilado, servindo como padrão de serviço das bebidas que ela acondiciona.
Seu formato permite tanto uma difusão tremenda de aromas, mas também boa retenção de espuma e perfil visual de alto padrão de análise técnica.
As ISO’s são tão ou mais versáteis quanto as TEKU, e geralmente servem como padrão neutro de amostragem em festivais técnicos de julgamento de estilos e de padrão de análise técnica. São sempre fáceis de manusear e oferecem uma resposta de padrão de visualização sem igual. Por isso são tidas como versáteis e úteis para qualquer estilo cervejeiro.
Se você pretende ter uma taça coringa que sirva para quase qualquer estilo, a taça ISO é a pedida ideal para a sua coleção.
Análise técnica e degustação por vezes podem soar enfadonhas para o cervejeiro mais casual, mil estilos, vários copos tendo que casar com o estilo, temperatura, serviço e etc. todavia, apresento-lhes, também, copos e taças coringas, que servem para os mais variados estilos, sem ocupar muito espaço e exigir muito estudo especializado.
De modo derradeiro, espero que essa breve exposição didática não seja conferida como “nutelagem” ou “supérflua”, que ela ajude a quem deseja extrair o máximo de uma boa degustação, com as taças e copos adequados aos estilos propostos!
Por um lado, nos prendemos aos estilos, de outro, temos as taças coringas, que servem a quase qualquer estilo. Temos então, uma Freedom of Two, da banda finlandesa, versátil e dinâmica: 2 Wolves. Algo quase que impossível de classificar: é Doom? É Gothic? É Black Metal?
Não sei, só sei que é bom. Para degustar qualquer coisa, seja com ISO ou TEKU: “Freedom of Two”, da banda 2 Wolves.
Saúde!!
Hey, HopHeads, saudações!
Mesmo que você não seja um beer geek, fascinado pelo mundo das cervejas artesanais, e mesmo que não seja muito observador de modo geral, já deve ter percebido uma mudança, um tanto quanto recente, mas bastante expressiva nas gôndolas de supermercados.
Atualmente, as seções de cervejas “especiais”, “artesanais”, “premium” (ou qualquer que seja o nome que o supermercado dê a esses produtos) têm crescido de uma maneira bastante expressiva.
Este crescimento reflete uma expansão de todos os estilos cervejeiros que vêm ganhando destaque no gosto popular. Não apenas as “Pilsen” de massa ocupam os lugares de maior destaque nessas seções cervejeiras, vários outros estilos passaram a povoar essas gôndolas recentemente.
A maior exposição e maior oferta, naturalmente, deu-se em função da aquisição por parte da AmBev de várias cervejarias artesanais que passaram a integrar seu portfólio, mas este ponto talvez seja assunto para outro dia.
A questão é que um desses estilos, que também é um dos que estão mais populares ultimamente, são as IPA’s. As quais são cervejas mais lupuladas, mais amargas e mais marcantes que estão conquistando uma leva grande de apreciadores.
Todavia, a IPA que é geralmente colocada numa gôndola de supermercado possui alguns elementos distintivos, por isso mesmo que no título a chamei de “IPA de Supermercado”. Abaixo, vamos falar sobre essas peculiaridades.
Talvez a cena de uma IPA ser encontrada numa prateleira de supermercado não seja descrita como uma “cena chocante” para a maioria das pessoas. Todavia, este cenário prosaico, diz muito mais sobre a cerveja até do que pode estar escrito em seu rótulo.
Na verdade, uma IPA em uma prateleira de supermercado pode significar duas coisas: ou que o estabelecimento não tem a mínima noção de boas práticas cervejeiras, e isso inclui a ambientação e guarda da cerveja em um local adequado ao seu estilo; ou, o mais provável, que a cerveja é uma IPA pasteurizada, e, por causa deste processo químico, ela não necessita ser acondicionada em um local refrigerado e possui uma durabilidade bem maior que as demais não-pasteurizadas.
Quando eu digo que uma cena assim representa mais do que as própria informações do rótulo da cerveja é porque a maioria das cervejas que são pasteurizadas não possuem tal indicação clara e expressa na sua rotulagem. O que, ao meu ver, é um desrespeito com o consumidor, que sempre deve ter ao seu acesso, de forma rápida, clara e transparente, todas as informações necessárias para que ele possa formar o seu convencimento e decidir por comprar ou não aquela cerveja.
Eu, particularmente, não compraria uma IPA pasteurizada, exceto se ela estivesse em uma promoção de Black Friday imperdível, algo próximo dos 50% que às vezes é possível achar. Mas, nas CNTP (Condições Normais de Temperatura e Pressão), jamais compraria uma IPA de supermercado. Às vezes, é melhor economizar e beber água, apenas! Hidrate-se!
Assim, as cervejarias ao invés de informar claramente que seu produto é pasteurizado, apenas colocam o indicativo de “conservar em local seco e protegido da luz”.
Ao passo que as cervejarias que não pasteurizam costumam colocar frases indicativas mais chamativas, as quais usualmente dizem que se trata de “uma cerveja viva”, “não-pasteurizada”, ou que “requer refrigeração imediata”.
Então, se a IPA está na prateleira, algum desses dois eventos é prevalente, ou está mal acondicionada ou não é uma IPA pasteurizada, e logo requer refrigeração imediata. Caso esteja mal acondicionada, pode haver contaminação, e outros problemas dessa natureza. Caso seja pasteurizada é uma escolha sua levá-la ou não.
A pasteurização é um processo químico que tem como intuito esterilizar o meio para que possíveis micro-organismos indesejados não se proliferem, gerando alguns resultados não muito bons.
Para se pasteurizar a cerveja (ou qualquer outra bebida, como, por exemplo, o leite) se aquece o líquido por um breve período de tempo e depois o resfria de modo abrupto. Com esse choque térmico os micro-organismos porventura existentes não resistem e acabam morrendo e não influenciando o resultado final da cerveja.
É importante ter em mente que a pasteurização é um último recurso de uma cervejaria ou de um cervejeiro. Após passar por esse processo traumático a cerveja tende a perder grande parte de seu frescor e de suas propriedades organolépticas.
Pasteurizar, por um lado, significa dar uma maior estabilidade e maior durabilidade à cerveja, mas, por outro, também significa que a cerveja perderá muitas de suas qualidades olfativas e gustativas também.
Deste modo, recorrer à pasteurização ocorre quando a cervejaria quer dar uma maior durabilidade ao produto e sabe que ele terá que enfrentar condições adversas de transportes, como altas temperaturas, locais muito úmidos e expostos ao sol. Mesmo enfrentando essas intempéries, a pasteurização é capaz de conferir uma maior longevidade ao líquido das multidões.
As IPA’s que não são pasteurizadas costumam ser transportadas através de “cadeia fria” ou em invólucros de isopor que sejam capaz de manter sua temperatura baixa. Em baixas temperaturas, as bactérias porventura ainda existentes na cerveja não conseguem se reproduzir, o frescor da lupulagem é mantido intacto e não se corre o risco da refermentação durante o transporte e manuseio da cerveja até que ela chegue em seu destino final ao consumidor.
A outra motivação a optar pela pasteurização é quando a cervejaria ou o cervejeiro não possuem total controle sobre seu processo produtivo. Ou seja, eles não podem garantir que o seu líquido, caso não pasteurizado, acabará por refermentar na garrafa. Isto ocorre por dois motivos.
Primeiramente, porque pode haver açúcar (aliás, tende a haver) residual no vasilhame. E em segundo plano, porque pode haver micro-organismos (Brettanomyces, Acetobacter, Lactobacillus dentre outros).
Esses micro-organismos que estão presentes no resultado final da cerveja na garrafa (ou na lata, caso em que ela pode explodir), podem se aproveitar do açúcar residual existente para se alimentar, produzindo gases e outros compostos aromáticos e gustativos indesejados: acidificação, perfil acético ou lático, dentre outros possíveis.
Assim, caso não haja controle total sobre os processos e sobre sua esterilização, não pasteurizar a cerveja pode ser um risco altíssimo.
Calma, jovem padawan, nem tudo está perdido, a não ser a qualidade de sua IPA de Supermercado. Nesse caso, não recomendo que você pague o preço de tabela por uma IPA sem tantos predicados, pois seu frescor estará comprometido, sua lupulagem muito atenuada e aquele “sabor plastificado” será recorrente.
Infelizmente, algumas IPA’s clássicas, como, por exemplo, a Brooklyn East IPA e a IPA da Lagunitas, duas cervejas americanas acabaram ganhando uma versão nacional de “baixo custo” pasteurizada, uma derrocada para duas IPA’s bem conceituadas.
E quando se fala em vender de forma massificada e de baixo custo estamos falando em cortes drásticos de qualidade para que uma maior parcela do mercado seja atingida.
A versão nacional dessas cervejas não se parece em nada com a versão importada (que não é pasteurizada), mas, o acesso ficou bem mais fácil, e elas podem ser encontradas em quase qualquer prateleira de supermercado.
De maneira bem ampla, não compensa pagar por uma IPA de Supermercado, já que sua qualidade fica bem aquém de uma IPA não-pasteurizada, e o tira-teima pode ser feito com as duas marcas citadas. A diferença qualitativa entre elas é abissal, não há comparação.
A pasteurização é capaz de “sugar a alma” da cerveja, tornando-a “insossa”, insípida, um mero lugar comum, relembrando sempre o nosso conceito do Det Som Engang Var (clique aqui) para esses casos de perda salutar de qualidade do produto em função do seu tempo de produção.
Ademais, o valor dessas cervejas, apesar de mais acessível, não é absurdamente mais barato a ponto de compensar. Elas acabam custando bem mais que uma Heineken, por exemplo (se for para se ter uma cerveja de uma qualidade um pouco melhor, mas ainda assim, sem estar no patamar de preço mais elevado de uma artesanal padrão AAA).
Portanto, o custo benefício acaba saindo bem prejudicado, ou será que alguém em sã consciência cogita pagar 15 “liras do centrão” por uma Wäls Session Citra? Certamente que não! O preço mais do que justo por uma cerveja dessa é no máximo uns 4 Pfizers (e olhe lá…).
Diante do cenário de se beber uma IPA de Supermercado ou investir um pouco mais por uma IPA verdadeiramente artesanal, a segunda opção parece ter um retorno gustativo melhor.
Cumpre fazer a breve ressalva que alguns supermercados já possuem IPA’s de alto padrão refrigeradas, como manda figurino. Ou seja, nesse caso, por mais que a IPA esteja no supermercado ela não é uma IPA de Supermercado, pois sua qualidade é infinitamente superior a qualquer IPA que esteja exposta na prateleira.
Resumidamente, a pasteurização não é outra coisa que não um último recurso. Ela serve apenas como a última possibilidade de estabilização de um processo químico complexo e intrincado, mas que pode acarretar uma perda grande de sabor e qualidade. Assim, deixo como recomendação a música Last Resort do Papa Roach, pois a pasteurização é o Last Resort do cervejeiro angustiado.
Saúde!!
Hey, Growlerista, saudações!
Hoje vamos falar de um tema correlato ao mundo cervejeiro e não propriamente de cervejas ou de estilos. O papo cultural de hoje será sobre um item acessório no mercado cervejeiro que vem crescendo ultimamente, mas que, ainda assim, é um tanto quanto desconhecido do grande público. Vamos falar do growler (pronuncia-se “gráuler”).
E você, caro leitor, sabe o que é um growler? Sabe como usar? Como higienizar? E quais as vantagens de se ter um?
Vamos descobrir adiante.
Growler não é nada de outro mundo, é um recipiente, que pode ser feito dos mais diversos materiais, que serve para armazenar cerveja. Dito desta forma, pode parecer algo sem tanta utilidade ou soar deveras genérico.
Todavia, não é um simples receptáculo para o líquido sagrado das multidões, já que seu armazenamento, sua manutenção e suas finalidades podem ser bem variadas de acordo com o intento de cada um.
Para ser um pouco mais didático, o growler não serve para armazenar propriamente o que considera ser cerveja nos moldes mais coloquiais, ou seja, o líquido já engarrafado ou enlatado. Na verdade, o growler serve para armazenar e transportar o que usualmente é chamado de “chopp” aqui no Brasil.
Apesar de tecnicamente chopp não designar um estilo de bebida diverso da cerveja, temos no imaginário popular que quando ele é servido de um barril, através de uma torneira estamos tomando um chopp, mas se esse mesmo líquido está engarrafado ou em uma lata, chamamos de cerveja.
Também foi passada a falsa ideia que toda cerveja (em garrafa ou lata) é necessariamente pasteurizada (algo incorreto) e que por isso durariam mais do que o líquido em forma de chopp (apesar de imprecisa, podemos considerar, de modo geral, que essa assertiva é correta).
Assim, essa diferenciação entre cerveja e chopp, apesar de não ser dotada de nenhum critério técnico ou científico, acabou por ser propagada por todas as mesas de bares no Brasil.
Fazendo essa breve distinção, temos como resultado que não haveria serventia alguma abrir garrafas e latas e despejar em um growler (a não ser que o intuito fosse meramente concentrar uma maior quantidade de líquido para transporte, mas não parece ser uma das ideias mais brilhantes a se ter, já que, em maior ou menor medida, uma parte do frescor do líquido seria sacrificado nessa operação).
Assim sendo, o uso mais “tradicional” de um growler é de se ter uma porção menor de chopp (menos que um barril, e algo entre 1 e 2 litros e meio) armazenado para consumo de curto prazo.
Assim, sua utilização é das mais variadas possíveis, pode servir para poder beber por litro em locais que servem essa porção maior, ou até mesmo para ser retirado nos pubs e nos bares que servem essa quantidade, mas não permitem o consumo dessa quantidade no próprio local.
Por questões de políticas comerciais, alguns bares restringem esse tipo de consumo (que sai mais em conta para o consumidor) apenas para a retirada, então é necessário se ter um growler para fazer o transporte do líquido até a sua casa, ou para praia, para montanha ou para sua casinha de sapê.
Existem growlers de todos os tipos, tamanhos, volume, estilos, materiais e para todos os bolsos também. Tal como o mercado cervejeiro é amplo em seus mais variados estilos, os growlers também o são.
Os principais tipos de growler são o growler pet, o de vidro, o de cerâmica e o de alumínio. Mas não estranhe se por acaso você achar um growler banhado a ouro e cravejado com cristais da Swarovski, existe ostentação para tudo nesse mundo, e o que não falta é beer geek querendo pagar de “diferentão das tapiocas”.
O growler pet é o que há de mais acessível no mundo dos recipientes cervejeiros. Na verdade, é apenas uma garrafa pet comum, não utilizada previamente, que se vale para colocar cerveja e depois é lacrada com uma tampa de vedação.
É o mesmo mecanismo utilizado para conservar e transportar refrigerantes, por exemplo. Este é o tipo de growler mais barato, custando entre dois e cinco reais (caso Mammon ainda não tenha dado o ar da graça e tenha tido a brilhante ideia de inflaciona-los também) e são facilmente encontrados em lojas de conveniência, bares e pubs.
Praticamente qualquer local que encha growler vai ter um desse modelo para disponibilizar ao consumidor, dada a sua praticidade, custo e facilidade no manuseio. Talvez você já tenha visto algum perto de você.
Um dos pontos negativos nesse tipo de growler é que por ser feito de plástico, ele possui uma vida útil bem reduzida, isto é, são descartáveis e sua reutilização não é nada recomendada.
Ademais, alguns também dizem que a vida útil do líquido nos pet growlers é menor, essa assertiva por si só, não é plenamente verdadeira, pois outros elementos podem também influenciar nisso, como a forma de preenchimento e a vedação utilizada.
Os growlers de vidro também são bem comuns e possuem um custo relativamente baixo, transitando entre 20 e 40 reais para os mais comuns, e algo entre 50 e 70 reais para os mais elaborados, com arte ilustrativa e fechamento flip-top.
Por falar em formas de fechamento, existem duas formas usuais de fechamento, com rosca e presilha ou com flip-top. Os que fecham com rosca e presilha parecem aqueles remédios de antigamente, que fechavam na pressão. Já os com fechamento flip-top acabam tendo uma vedação melhor em virtude do mecanismo físico utilizado para imprimir mais pressão na boca da garrafa.
Os growlers de cerâmica possuem mais ou menos a mesma dinâmica de armazenamento e fechamento dos de vidro, sendo suavemente mais caros. Todavia, há quem argumento que os growlers de cerâmica conservam a bebida por um tempo superior aos de vidro, devido a menor interação desse material com a cerveja.
Os growlers de alumínio/aço são de longe os mais caros, mais bonitos, mais sofisticados e com mais recursos também. São aqueles growlers “top” e que precisam de bolsos mais recheados, já que os mais baratos e simplórios começam custando a partir de 70 mensalinhos e os mais caros podem vir a custar quase o valor de um deputado do centrão para reforçar sua bancada, chegando a absurdas 700 laranjadas (preço dos exemplares que vêm inclusa a torneira ajustável e também com injetor de CO²). Coisa para parlamentar mesmo.
Para o tópico por ora levantado, simplesmente não existe uma resposta objetiva e concreta, então, a melhor resposta para esses casos é: depende. Existem alguns fatores que vão influenciar a qualidade do líquido armazenado, podendo fazer com que ele dure mais ou menos.
Como já brevemente antecipado, o material de que é feito o growler já dá um leve indicativo de quanto tempo a sua cerveja durará e por quanto tempo ela manterá o frescor em seu ápice.
Certamente, uma cerveja em um growler pet não vai durar o mesmo que a mesma cerveja mantida em um growler de alumínio que tem injetor de gás carbônico. Esse paralelo equivale a comparar um Fusca com uma Ferrari, simplesmente não dá. Assim, pode-se considerar que o material do qual o growler é feito já afeta a durabilidade do líquido.
Além disso, outro fato que será determinante para a durabilidade da cerveja a ser armazenada é a forma como o growler será enchido. Ele pode ser enchido diretamente no bico da torneira ou com a técnica denominada de contrapressão.
Diretamente no bico da cervejeira, o rendimento será menor, a quantidade de espuma será infinitamente maior, e a durabilidade do líquido será deveras reduzida. Até mesmo a pressão sob a qual o líquido virá a ser mantido será menor, logo, menor será seu tempo de vida útil.
Quando o growler é enchido na contrapressão todos esses elementos são invertidos, tem-se menos espuma, maior pressão e um rendimento bem superior.
Com esses dois fatores combinados, temos o resultado que a durabilidade do líquido dependerá do material de que é feito o recipiente e também como ele foi enchido. Recomenda-se, de modo geral, que a cerveja seja consumida em até 7 dias corridos.
No entanto, a depender dos fatores citados, é possível que esse prazo seja estendido, e quiçá, até mesmo, dobrado sem alteração significativa de aroma ou de sabor.
Um dos argumentos mais fortes em prol do uso e da disseminação dos growlers é o fato de ele ser um produto ambientalmente sustentável. Isso porque ao invés de se utilizar de insumos descartáveis, como garrafas e latas (exceto no caso do growler pet), os growlers acabam sendo retornáveis, basta fazer o asseio mínimo que ele estará ponto para ser utilizado e reutilizado quantas vezes quiser, aumentando a vida útil do recipiente e poupando o meio ambiente de toneladas de dejetos.
Foto: My Growler
Todavia, para tanto, é necessário fazer o devido asseio e higienização dos growlers, que, apesar de simples, é algo que nem todo mundo atenta.
Apesar de algumas pessoas indicarem apenas água corrente ou água e detergente neutro para a higienização, o mais correto é utilizar álcool 70% líquido ou ácido paracético 1% com água para fazer a correta assepsia. E depois deixar o vasilhame secar por inteiro.
Esse processo pode ser efetuado também com água quente para que se tenha uma maior eficiência no combate às bactérias. Lembrar apenas que se for utilizada água quente o growler não pode ser colocado em uma superfície fria sob o risco de haver choque térmico e rachar.
Além disso, os demais acessórios do growler como presilhas e tampa devem ser igualmente lavados e limpos.
Os growlers ainda não têm seu uso tão disseminado no Brasil, principalmente em Natal. Muitas pessoas que começaram a se interessar por cervejas artesanais recentemente ainda não os conhecem e nem os usam. Por isso é importante trazer essas informações ao grande público e disseminar mais essa peculiaridade da cultura cervejeira.
A grande vantagem de se ter um growler é poder adquirir sua cerveja em uma quantidade maior e pagar um preço menor por isso, além da facilidade de transportar e levar sua cerveja bem fresca para onde você quiser. Temos, portanto, praticidade e economia em um único acessório.
Hoje não teve nenhuma cerveja específica para ser degustada ou algum estilo para ser analisado, mas isso não quer dizer que não há música recomendada. Pelo contrário, a recomendação de hoje vale para que você coloque qualquer cerveja boa no seu growler e se delicie.
A recomendação é a música Song to Say Goodbye. A versão (cover) em single foi lançada em 2021 pela banda alemã Harakiri For The Sky, que, na verdade, é um clássico da banda britânica Placebo.
Qualquer boa cerveja que você já bebeu em lata ou garrafa pode ficar muito melhor em uma nova roupagem no growler, tal como essa ótima música, um hino do Britpop que foi revisado sob a égide do Post-BM.
Cheers! Ein Prosit!!
Hey, kiddo, wassup?
Prezados cervejeiros de plantão, vamos falar hoje de um assunto básico no universo cervejeiro, mas que, para alguns, e para os iniciantes de modo geral, pode ser algo bem apropriado ao se adentrar nesse novo universo das cervejas, principalmente as artesanais.
O assunto de hoje é sobre tipos de fermentação, englobando as duas categorias mais comuns: as leveduras Lager (Saccharomyces pastorianus e ocorre em temperaturas baixas, que ficam entre 5°C e 14°C) e as leveduras Ale (Saccharomyces cerevisiae e ocorre em temperaturas mais altas, entre 15º e 25ºC).
Vamos inicialmente aprendendo a pronunciar: Lager se lê “lággê” (g com som de g e não de j); e Ale se lê “éll”.
Então, vamos desvendá-las?
Uma das confusões mais comumente feitas, e ajudadas principalmente pela divulgação midiática das cervejarias de massa, é entre Pilsen e Lager.
Certamente que toda Pilsen é necessariamente uma Lager, pois se vale de uma fermentação dessa categoria. Todavia, o inverso não é verdadeiro, tal qual aprendemos no ensino médio: “toda gordura é lipídio, mas nem todo lipídio é gordura”. Esse adágio também é válido quando se trata de Pilsens e Lagers.
Antigamente, todas as cervejas de massa, como Brahma, Antarctica, Skol e similares da nossa queridíssima AmBev traziam em seu rótulos “cerveja Pilsen”, ou algo semelhante, que servia como um imenso instrumento de marketing para divulgar tais cervejas.
A nomenclatura ajudava, já que “Pilsen” denotava ser uma cerveja de grande qualidade, um processamento primoroso, e qualquer outra besteira que os comerciais dessas marcas quisessem passar, além de mulheres seminuas ou siris, caranguejos e tatuís computadorizados e falantes.
Esses instrumentos de marketing acabaram incutindo no público em geral que uma cerveja qualquer de massa era uma “Pilsen” (e não eram) e que esse nome carregava por si só algo grandioso e de muita qualidade (outra falácia de Mamon para vender cerveja no verão e nas praias lotadas de tempos pré-COVID-19).
Resumidamente, todas as Pilsens são um estilo específico, seja na sua variante tcheca ou alemã, fermentadas a baixas temperaturas que usam leveduras do tipo Lager, embora comumente popularizadas como sendo as cervejas de massa, a maioria (para não dizer todas) não são exatamente Pilsens.
A maioria das cervejas de massa, apesar de Lager, são outros estilos, como Premium American Lager (como a Heineken) ou Standard American Lager, ou North-American Adjunct Lager, como Brahma, Skol, Antarctica, dentre outras similares, desde que não seja a versão “puro malte” delas.
Quem tem o costume de assistir filmes e séries legendadas, principalmente as de época ou medievais (quem assistiu Game of Thrones deve lembrar de algumas cenas de tabernas parecidas essa a ser descrita) já deve ter ouvido algum dos personagens pedido uma “Ale” no lugar de usar a palavra “Beer” (que seria de modo mais amplo: cerveja).
Ale não é qualquer tipo de cerveja, embora algumas cenas cinematográficas ilustrem o contrário do que acontece aqui no Brasil, a popularização da cerveja pelo tipo de levedura utilizada na fermentação, lá na Europa as Ales nos idos medievais eram mais comuns que as Lagers (ao menos nos domínios não-germânicos), dada a maior facilidade da produção e seu menor tempo de fermentação.
No entanto, aqui no Brasil, com o avanço do mercado artesanal, as Ales assumiram um posto bem mais significativo, haja vista que a maioria esmagadora das cervejas artesanais usa leveduras desse tipo, principalmente para os estilos que acabam se tornando mais populares como IPA (India Pale ALE) e também para Sours e Stouts.
Todavia, essa expansão mercadológica talvez não tenha vindo acompanhada das devidas explicações didáticas ao público sobre o que se trata o assunto, explicando com maior clareza as diferenciações entre Lagers e Ales, deixando tudo um pouco obscuro, diferenciando apenas as de massa como Pilsen e as artesanais como todas as demais (ainda que sejam Ales, a explanação não foi bem didática por assim dizer).
Além da diferenciação em termos de fermentação, tempo e duração do processo produtivo, seus custos e demais elementos econômicos de sua manufatura, as Ales e as Lagers possuem diferenciações em sua análise gustativa, embora, no final, a maioria das pessoas reconheçam ambas apenas como “cerveja” (isso não está propriamente errado, é apenas uma imprecisão técnica).
As cervejas Lagers costumam ter uma interação mais neutra, não possuindo esterificação (ou quase nenhuma esterificação). Elas apresentam, portanto, uma expressão sensorial mais limpa, sem adocicado pungente (na maioria dos estilos, sendo as Bock uma exceção) e um perfil “crisp” bem definido, e comumente bem refrescantes.
As Lagers também tendem a possuir um perfil “metálico” mais acentuado, sem que isso represente uma oxidação do líquido.
Outro elemento usualmente presente nas Lagers, ainda que em pequenas quantidades geralmente observáveis é a presença de diacetil, dando uma certa característica “amanteigada” à cerveja (PotterHeads, atenção! Calma fãs do bruxo mais célebre de todos os tempos, não se trata da bebida famosa na literatura fantástica denominada de “cerveja amanteigada”, a qual, nem é cerveja tecnicamente), algo que em grande quantidade pode ser considerado um off-flavor, e em pequenas quantidades se torna aceitável em alguns estilos de Lager.
Já as Ales possuem uma compleição cervejeira bem diversificada (eufemisticamente, já que não seria nenhum absurdo dizer que as Lagers são, normalmente, mais “simples”). Seu principal elemento característico diz respeito à esterificação, produzindo cervejas frutadas e também fenólicas em alguns estilos mais famosos.
Assim, as Ales possuem uma interação bem menos neutra. Quando se traça um comparativo com as Lagers, são cervejas que possuem uma pujança bem mais significativa causada pela própria interação com o fermento utilizado, algo bem secundário nas Lagers, que se focam em sua neutralidade de interação.
Assim, as Ales possuem elementos de dulçor e de caramelado muito mais acentuados que nas Lagers, não tendem a ter perfis metálicos ou de diacetil em grandes quantidades, exceto se houver oxidação ou alguma outra forma de contaminação no processo produtivo dessas cervejas.
Por mais que os parâmetros e os limites entre uma Ale e uma Lager pareçam ser bem definidos, como sendo: família Lager, fermentação de longa duração e baixa temperatura; e família Ale, fermentação de curta duração e de alta temperatura; tais fronteiras não são tão estanques. Isso porque existem muitas cervejas vendidas como sendo “LAGER”, mas, que na verdade são fermentadas com uma levedura da família ALE que é capaz de enfrentar baixas temperaturas.
A polêmica dada diz respeito ao fermento Nottingham Lallemand, um verdadeiro coringa em termos de produção e fermentação cervejeira. Ainda que ele seja da família das Ales, tal levedura é uma estirpe inglesa conhecida por sua alta capacidade de desempenho e versatilidade gerando cervejas muito límpidas. É uma cepa conhecida por sua neutralidade de aroma e largo espectro de temperatura de fermentação (podendo se encaixar em temperaturas tanto de Ales quanto de Lagers).
Com essa levedura é possível se produzir uma gama variada de estilos, desde Pale Ale, Amber, Porter, Stout, e Barleywine, até mesmo cervejas estilo Lager, como Kölsch, e Pilsen. Ela é extremamente versátil, produzindo cervejas do estilo inglês, alemão e americano, das Lagers às Ales. Ela só não é recomendada para a produção de estilos belgas. Ainda assim, a sua capacidade mimética é algo salutar e sua popularidade em virtude disso é altíssima, já que ela é praticamente onipresente para quase todos os estilos possíveis.
Todavia, o questionamento que se levanta é: uma pretensa cerveja Lager (uma Pilsen, por exemplo) feita com essa levedura Nottingham pode ser comercializada com esse rótulo de Lager? Por mais que o método de produção seja similar ao de uma levedura tipicamente Lager, por ela ser uma Ale, não haveria propriedades organolépticas diferenciadas no resultado obtido? E de toda maneira, seria ético fermentar com Ale e colocar Lager no final?
Essas são respostas difíceis de serem encontradas, afinal, pouquíssimos conseguiram distinguir essas sutis diferenças apenas por meio da degustação, sem saber que sua Lager, na verdade, foi feita com uma levedura Ale (a Nottingham). De toda maneira, ficam os questionamentos para debate sobre as fronteiras desse tema.
No imaginário popular, cerveja boa é Pilsen, seja ela Ale ou Lager, e quanto mais gelada melhor. Todavia, com critérios didáticos, essa mitologia cervejeira pode vir a ser desfeita. O importante é termos em mente os conceitos elementares e suas classificações. Enfim, cerveja é cerveja, saúde!
Ainda que o tema de hoje seja a contraposição de Lager e Ales, deixo como sugestão de música para degustação a canção da banda de folk metal finlandesa Korpiklaani denominada simplesmente Beer, Beer!
Saúde para todos, seja com Lagers ou Ales!
Ps. O texto de hoje foi livremente inspirado por um bate papo com o Mestre-Cervejeiro Igor Spínola, no grupo do Whatsapp da Black Metal Brasil, em um dos nossos devaneios etílicos.
Foto de capa: Amiera06/Pixabay
Hello, Hop “fucking” heads! Do you wanna terp, kiddo?
Na coluna em tela gostaria de falar sobre uma novidade no mundo cervejeiro, algo que vem fazendo a cabeça dos lupulistas de plantão, que é a adição de “terpenos” nas IPAS.
Então, o que são terpenos? Onde vivem? O que comem? Como se reproduzem? Hoje, no Papo Cultura!
Ps. Esse texto NÃO é uma reportagem e eu não sou o Sérgio Chapelin.
Certamente, o intuito do texto não é soar científico nem técnico (embora algumas colunas minhas possuam esse viés). Porém, para uma melhor compreensão do que são terpenos, uma breve descrição técnica é válida.
Assim, pode-se dizer que terpenos são compostos orgânicos, óleos essenciais, produzidos naturalmente pelas plantas, resultados de seu metabolismo secundário.
Esses metabólitos secundários são mecanismos de defesa dos vegetais (soa freudiano não é?), produzem resinação e outros elementos de proteção à planta. Em virtude destes processos metabólicos, os terpenos acabam sendo responsáveis pela produção de odores e aromas nas plantas.
Estes compostos são secretados por glândulas, como a tricoma, e conferem uma gama bem ampla de sabores e aromas aos vegetais, como pinho, hortelã, frutas vermelhas, cítricas, e até mesmo são responsáveis por odores indesejáveis, como, por exemplo, o de mercaptana (sulfúrico) da jaca.
Os terpenos possuem diversas classificações de acordo com a quantidade de cadeias orgânicas que possuem, a partir da ligação de uma estrutura denominada isopreno (C5H8).
O mínimo necessário para ser um terpeno é ter duas estruturas de isopreno interligadas, o qual é chamado monoterpeno.
As combinações são infinitas, mas os principais terpenos adicionados ou encontrado nas cervejas são: Mirceno (aroma terroso, pouco cítrico e meio amargo), Limoleno (aroma de casca de tangerina e laranja), Pineno (resina e pinho) e Linalol (doce e apimentado).
Passando essa breve descrição mais técnica, é importante destacar que naturalmente através do lúpulo é possível encontrar os mais diversos terpenos nas cervejas, principalmente os mencionados no final da seção anterior.
Ou seja, por meio dos óleos essenciais contidos nos lúpulos, os terpenos já se mostram em sua exuberância aromática e de sabor, dando todo o “condimento” às cervejas artesanais, principalmente nas IPA’s e suas variantes, que possuem uma carga lupulada bem mais expressiva.
Todavia, o que vem ganhando um uso razoavelmente significativo no mercado cervejeiro artesanal nos últimos tempos é a adição de terpenos nas cervejas.
Ou seja, além dos terpenos encontrados naturalmente nas cervejas através do lúpulo, alguns cervejeiros estão utilizando compostos químicos isolados, em que o terpeno é encontrado de uma forma mais concentrada e mais específica, na qual ele pode escolher qual aroma e qual sabor potencializar.
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Essa cultura de buscar pelos terpenos e pelos seus mais diversos aromas e sabores já era originária do cultivo e consumo de Cannabis, em que os usuários buscam as mais variadas cepas com terpenos específicos com os sabores e aromas que almejam encontrar em seu joint.
Culturalmente, o mercado das cervejas artesanais se parece um pouco com o mercado na maconha (nos EUA, onde ela é legalizada – esse texto não contém nenhuma apologia ao uso de drogas ilícitas). De modo que a busca por terpenos acabou sendo algo em comum entre os consumidores desses dois produtos e essa é a explicação histórica pela busca e pela fascinação recente por compostos terpenóides.
Algumas empresas se dedicam exclusivamente a produzir compostos terpenóides específicos, buscando ressaltar características naturalmente presentes nas plantas, mas que, na produção cervejeira e na interação do lúpulo nesse processo, acabam ficando um pouco obscurecidas ou em um plano de pouco destaque no produto final.
Buscando potencializar essa produção, os cervejeiros tem se valido de terpenos isolados (que podem até vir a ser combinados na receita final da cerveja) para dar o destaque que eles acham merecidos a tais elementos.
É como se a cerveja fosse a gasolina (que já possui naturalmente elementos terpenóides advindos do lúpulo), mas virasse uma gasolina aditivada ao ter a adição desses terpenos isolados quimicamente.
A potencialização de aromas e sabores é exponencial quando isso é feito, e algumas características acabam ganhando o primeiro plano, sejam aromas e sabores mais usuais, como cítrico, com laranja, limão, toranja e maracujá, até mesmo outros menos comuns, como aromas de incenso, amadeirado e sabor de frutas vermelhas (framboesa e groselha), frutas escuras (ameixa, amoras e cassis), perfil mentolado e refrescante, e vários outros pouco usuais a serem encontrados nas cervejas.
Todavia, nem tudo são flores ao se falar de terpenos, tanto em sua vertente natural advinda unicamente do lúpulo posto na produção da cerveja, ou também quando se trata de um componente adicionado a ela.
Por mais que tenham o intuito primordial e bem claro de potencializar o líquido que comove as massas, os terpenos (quando adicionados, principalmente) podem ter alguns efeitos colaterais indesejáveis, dentre eles, o harsh (não confunda com hype, para saber mais clique aqui), o mentolado (quando esse não é o maior intuito da adição dos terpenos) e a artificialidade.
O harsh é ocasionado pelo excesso de matéria vegetal, é uma certa picância e um certo ardor ocasionado pelo excesso mencionado. Naturalmente, o harsh é descrito como um incômodo rascante (que arranha a garganta) pelo uso do lúpulo, quando ele não consegue atingir um nível de saturação ideal no composto da cerveja, e assim, apresenta as duas características mencionadas.
centralbrew.com.br
Já é bem comum que se encontre em todas (ou quase todas, para não soar tão categórico) as IPA’s algum nível de harsh, por mínimo que ele seja, e por mais avançada que seja a técnica de saturação que a cervejaria use.
Todavia, quando se acrescenta muito terpeno, e quando o lúpulo utilizado já possui um potencial baixo de saturação (alguns lúpulos possuem essa característica, como, por exemplo, o Hallertau Blanc, que tem aromas e sabores que lembram uvas verdes, mas é capaz de dar muito harsh), é possível que o resultado seja uma cerveja quase que intragável de tanto harsh travando na boca. Cervejas com adição de terpenos podem vir a apresentar esse harsh de maneira desagradável.
O mentolado é uma outra sensação que pode vir a ser considerada como um efeito colateral adverso da adição de terpenos. Em alguns casos, o mentolado é um efeito desejado na cerveja, todavia, em excesso, tal qual acontece com o harsh, uma adição muito grande de terpenos pode deixar sua IPA parecendo que alguém esqueceu um pacote de Hall’s preta dentro dela, com aquele ardor de hortelã e mentol muito forte. Isso seria algo indesejado de se ocorrer.
O terceiro efeito adverso da adição dos terpenos, que não ocorre naturalmente na cerveja que possui apenas os terpenos advindos do lúpulo, é um certo caráter artificial.
A descrição mais próxima que se pode chegar na artificialidade ao se degustar uma cerveja com adição de terpenos é como se ela tivesse gosto de essência de frutas utilizadas em balas, pirulitos e doces em geral (quem fez aquela visita à fábrica da Sam’s na época do colégio vai lembrar do que estou aludindo).
Esse caráter de essência acaba conferindo um frutado um tanto quanto artificial às cervejas, que já podem ter um frutado próprio e característico originário do lúpulo.
Derradeiramente, podemos dizer que os terpenos, de modo amplo, são essenciais às cervejas, conferindo os mais diversos aromas e sabores frutados e próprios de plantas.
Todavia, a sua adição de forma isolada e concentrada em cervejas podem acarretar em alguns efeitos colaterais indesejados. Cervejas terpenadas (quando há a adição) são uma novidade, mas devem ser analisadas, degustadas e observadas com cautela e sem frenesi. Algumas são ótimas, e outras nem tanto.
Portanto, ainda que representem uma inovação, seu uso deve ser feito com parcimônia para que uma boa cerveja acabe tendo algumas arestas a serem aparadas.
E deve-se sempre atentar que, adicionar terpenos, por si só, não é um pré-requisito para se ter uma IPA fantástica, às vezes, pode ser apenas (mais) uma jogada de marketing (ALL HAIL MAMON!)
A melhor analogia entre cerveja e a adição de terpenos que pode existir é a da gasolina aditivada, como se a cerveja fosse a gasolina e o terpeno fosse o aditivo, conferindo-lhe alta octanagem.
Então, como sugestão de degustação fica a música Fuel dos imortais do Metallica.
“Gimme fuel,
gimme fire,
gimme that which I desire”!
Então, muita gasolina para vocês!
Saúde!
Gostaria de começar a coluna dessa semana fazendo um mea culpa. Parece que a mensagem da coluna da semana passada foi um tanto quanto mal compreendida.
Soou, para os leitores mais “desatentos”, que eu estava criticando o puro malte como se quisesse a volta das cervejas com adjuntos, isto é, como se eu fosse um defensor apaixonado do xarope com alto teor de maltose (High-maltose syrup) (utilizado antigamente para dar aquela cor amarelo palha bem clarinha na cerveja), e com isso quisesse que o leitor trocasse a sua “cerveja santificada pelo selo do puro malte” por um lixo xaropado qualquer.
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Pelo contrário, o intuito foi difundir as cervejas artesanais em detrimento das demais, tanto das puro marketing (ops, puro malte) e das cervejas de massa com adjuntos. Isto porque ambas são produtos com pouco valor agregado e que podem ser substituídas por algo melhor (as artesanais em geral).
Superando esse detalhe que rendeu bastante (obrigado, haters), o assunto de hoje é a temperatura em que a cerveja deve ser degustada.
Certamente, os skolzeiros mimimistas de outrora são useiros em “degustar” sua cervejinha naquela temperatura abençoada que todo dono de bar pé de chinelo gosta de ostentar: a famosa “canelinha de pedreiro”, também conhecida como “cerveja mofada” e chamada por alguns também de “véu de noiva” (péssima alcunha para chamar uma cerveja de “boa”. Pense bem, se casar fosse bom, o bar deveria estar vazio e a mulherada estaria em casa – já dizia a letra de alguma música esquecível de algum sertanejo universitário genérico qualquer).
De forma bastante assertiva, essa temperatura em que a cerveja chega a congelar, ainda que parcialmente, não é indicada para nenhum estilo. Eu não recomendaria nem para as de massa, nem mesmo para as puro malte se você ainda for insistir nessa derrota.
Uma cerveja nas condições acima descritas oculta todos os aromas e sabores possíveis que ela possa conter, sejam eles bons ou ruins. Ademais, se a finalidade é apenas matar a sede, eu recomendo que você beba água mineral e não cerveja. Essa é mais uma lenda do marketing usada para vender cerveja (e Coca-cola também).
Para poder descobrir os aromas e sabores que cada cerveja oculta, e que cada estilo é capaz de reproduzir é necessário atentar para alguns procedimentos de como servir adequadamente esse líquido precioso, e o principal deles é a temperatura.
Cada estilo possui uma temperatura adequada, na qual a cerveja deve estar pareada para que a degustação seja a mais proveitosa o possível e para que todos os seus sabores possam ser alcançados em uma análise sensorial.
Inicialmente, eu recomendaria que nenhuma cerveja, por pior que ela seja (uma Glacial, Lokal ou Bavária, por exemplo), seja servida abaixo dos 5°C.
Isso porque abaixo desse limiar de temperatura ocorrerá a aniquilação completa da percepção sensorial nas papilas gustativas na boca, e obnubilará totalmente o sabor, trazendo apenas a sensação de gelado (ou de refrescância que a maioria procura ao tomar uma Skol estupidamente gelada – nesse caso, a palavra estupidamente não está sendo empregada no sentido figurado, saliente-se).
Ademais, nessa temperatura, os aromas também são muito prejudicados, não tendo como se dizer que sequer serão perceptíveis.
A primeira faixa de temperatura de degustação varia entre 5 e 7°C. Nessa faixa mais gelada podem ser degustadas as cervejas de trigo claras (Weiss e Witbier), as cervejas de larga escala (puro maltistas, essa é a faixa de vocês) e Lambics frutadas e Geueze (estilos belgas bem particulares).
Para as Weiss e as Pale Lagers em geral, essa temperatura ainda oferece refrescância, mas o aromas e sabores maltados já conseguem ser identificados sem grandes problemas.
Numa segunda faixa de gradação de temperatura, menos gelada que a anterior, incluem-se as APA’s (American Pale Ales); as IPA’s (India Pale Ale) e suas variantes WCIPA, NEIPA, Mountain IPA, Sour IPA dentre outras.
E ainda as cervejas de trigo mais escuras (Dunkel Weizen), que geralmente possuem aromas e sabores mais pronunciados que as claras; as Porters, Vienna, ESB, Rauchbier, Brown Ales, Sours, Wild Ales, Golden Ales e Single Bock.
Essa faixa de temperatura permite que as cervejas possam exalar seus aromas, que são um pouco mais complexos, sem, contudo, perder o foco total da drinkability (exceto nos casos da Rauchbier e da Bock, que já possuem uma drinkability mais limitada).
Ou seja, esses estilos possuem alguns aromas e sabores que necessitam dessa faixa de temperatura um pouco mais elevada, mas, ainda retém uma facilidade de beber maior, caso mantidos nessa temperatura indicada. Acima disso, elas perdem essa característica de poder serem bebidas em maiores quantidades sem que acabem parecendo um pouco enjoativa.
Essa terceira faixa representa um leve resfriamento para algumas localidades do sul do Brasil, da Europa e dos Estados Unidos, mas, em locais mais quentes, como o Nordeste brasileiro, e, em específico, Natal, essa temperatura já pode ser considerada “fria”.
Uma ampla gama de cervejas devem ser incluídas nessa faixa de temperatura, como a maioria das belgas (exceto as Witbiers e Lambics, como já mencionado anteriormente), como, por exemplo, Dubbel, Quaddrupel e Trippel; e também as Stouts (Irish, Sweet, Dry, e Pastries Stouts); e as Bocks mais fortes da escola alemã, como as Doppelbock e a Eisbock.
Todas essas cervejas possuem como característica comum o maior teor alcoólico e um maior dulçor. Esses dois elementos as gabaritam para ter elementos mais voláteis no aroma (que se desprende com maior facilidade em maiores temperaturas, já que os gases são mais solúveis em temperaturas mais baixas – isso explica porque uma cerveja trincando de gelada espuma bem menos que uma em temperatura ambiente) e o dulçor acaba sendo ressaltado (como requerido pelos estilos) quando as temperaturas são mais elevadas.
Uma terceira característica dessas cervejas é estarem inseridas em estilos com uma drinkability menor. Esse fato por si só é intensificado com a degustação feita nessa faixa de temperatura, mas, há de se atentar que o objetivo nesses casos não é beber em maior quantidade, e sim, conseguir descobrir os aromas e sabores que esses estilos conseguem ofertar (destacando sua qualidade), algo que é alcançado justamente nessas temperaturas.
Existem dois estilos que eu recomendo degustar em temperatura ambiente (mas se for em Natal é aceitável que sejam brevemente resfriadas): Russian Imperial Stout (aliás, as RIS que sejam raiz, e não as Pastries nutella) e as Barley Wine.
Em ambos os casos, o alto teor alcoólico e a alta carga de malte ajudam para que a degustação seja efetuada nessas condições um tanto quanto impensáveis para os cervejeiros de boteco.
Todavia, a complexidade desses estilos (algumas Barley Wine sequer são carbonatadas, sendo essa uma particularidade ímpar em termos de complexidade) só é totalmente alcançada caso elas sejam degustadas nesta faixa de temperatura mais elevada.
Seus aromas mais ricos, mais maltados e por vezes o envelhecimento em barris, acabam por ser sobrelevados quando a degustação acontece nesse patamar superior de temperatura. Todas as nuances mais sutis dessas cervejas acabam sendo percebidas e denotadas a partir de sua adequação à essa temperatura, revelando sabores sutis, ricos e complexos.
Todas as bebidas possuem uma temperatura adequada de degustação. O mesmo, por exemplo, mutatis mutandis[1], vale para o café, que não deve ser degustado extremamente quente pelos mesmos motivos que uma cerveja não deve ser bebida muito gelada: suas papilas gustativas perdem a capacidade sensorial com temperaturas extremas.
Quem já foi a Europa ou conhece alguém que já foi pode ter feito ou ter escutado o comentário que os “europeus bebem cerveja quente”. Em uma escala simples de comparação com o Brasil, essa assertiva está correta. Todavia, o mais correto seria dizer que os “europeus costumam degustar suas cervejas em temperaturas mais adequadas aos estilos servidos”.
Certamente, esse não é um guia definitivo sobre temperaturas e cervejas, e ele pode ser adequado ao clima local (quanto mais extremo, para o frio ou para o calor, a adequação é mais recomendada).
Todavia, fica o convite para que o leitor teste alguns dos estilos às faixas de temperatura proposta e depois compare com o seu costume anterior, para ver se os aromas e sabores realmente mudam, e o que pode ser percebido e aprendido a partir daí.
Eu, particularmente, começo a degustar todas as cervejas (exceto as Barley Wine e as RIS) a partir da terceira faixa e as finalizo em temperatura ambiente. Fica a dica também.
Deixo como música de degustação a icônica música do Vanilla Ice chamada Ice Ice Baby, um ícone da “breguice” norte-americana dos anos 90, mas que certamente deve ser cantado por cada cervejeiro cada vez que uma cerveja é servida muito abaixo da sua temperatura adequada:
“Ice, ice baby
Ice, ice baby
Alright, stop!
Collaborate and listen”
Saúde!
[1] Brocardo latino que significa: “com as devidas proporções”.
OBS: Cumprimentos especiais para os puro maltistas, Sommeliers de buteco e demais skolzeiros “raiz” de plantão! Vocês fazem a minha alegria com seus comentários, comentem mais, por favor!
FOTO: Leonardo Aversa
Hey, Kiddos!
É bem provável que em alguma mesa de bar com os amigos alguém já tenha soltado a inexorável assertiva: eu só bebo puro malte! Talvez, bradado algo similar: puro malte é melhor que as demais. Ou qualquer outra bravata semelhante.
O texto de hoje parte do questionamento: puro malte é sinônimo de qualidade? Ou seja, ter estampado no rótulo da cerveja em letras garrafais, em negrito, em itálico, cintilando e com uma plaqueta em neon: PURO MALTE, garante algo a mais para a cerveja?
Vamos descobrir logo abaixo.
As definições de puro malte remetem a uma “pureza” propriamente dita, que seria de um dos componentes básicos da cerveja: o malte, o qual, somado ao lúpulo, à água e à levedura (fermento), compõem esse líquido que apaixona as multidões.
De uns anos para cá (talvez 3 ou 4, quiçá um pouco mais), os deuses do mercado cervejeiro (será Mamon agindo?) resolveram lançar no mercado algumas cervejas com o rebranding de puro malte. Ou seja, cervejas de massa, como, por exemplo, Bohemia e Devassa (dentre outras), passaram a estampar uma nova composição, nomeada “marketeiramente” de “puro malte”.
Antes essas cervejas não eram “puras”, ou seja, continham alguns adjuntos (na maioria delas, milho, mas na Budweiser, a maior proporção de adjunto, até hoje, é de arroz), além do malte de cevada (o elemento básico já mencionado). Daí depreende-se que essa mistura de malte (de cevada) com outros cereais era a receita base dessas cervejas populares até então.
A Reinheitsgebot (não tentem pronunciar isso em casa sozinhos, pode ser que a loira alemã do banheiro apareça para te carregar), usualmente traduzida do alemão como “Lei de Pureza” da Cerveja, foi uma lei tributária bávara promulgada pelo duque Guilherme IV da Baviera, em 23 de abril de 1516.
Essa lei estabelecia que a cerveja só poderia conter: água, lúpulo e cevada (e fermento, obviamente). Apesar de seu escopo ser o de uma norma indutora de comportamento (seu cerne era uma determinação tributária para que não faltasse trigo para fazer pães no inverno), ela foi absorvida no imaginário popular recente (e por parte da “cultura cervejeira”) como sendo uma “regulamentação de um padrão qualidade”, coisa que ela nunca se pretendeu ser, nem no passado muito menos no presente.
Nem em sua gênese no século XVI o intuito era criar um regramento de qualidade, e sim, apenas garantir que o trigo não fosse utilizado na cerveja, e sim na fabricação dos pães. Muito menos hoje em dia essa “determinação legislativa” é “válida” para fins qualitativos (tampouco “vigora”, isso sem falar que o Brasil não é regido por leis alienígenas de outros países).
O que o mercado cervejeiro de massa fez foi “traduzir” essa lei para termos mais modernos e a “promulgou” sob a nomenclatura de “puro malte”.
Quando se fala de lucros, provavelmente, a qualidade está em segundo plano (isso se não estiver em terceiro, quarto ou quinto…), o importante, no caso citado, é tentar trazer uma aura “gourmetizada” para algo que não melhorou, muito em termos de qualidade e/ou de receita. Tenta-se agregar valor (ou mais valor) a algo por meio do adágio: puro malte.
As cervejas de massa puro malte, após a mudança na receita, passaram, de fato, a não contar mais com os famigerados adjuntos já mencionados.
Todavia, isso não representou um salto qualitativo expressivo, em parte porque os demais insumos são de qualidade duvidosa, e em parte também porque nunca foi o objetivo mudar tanto assim o conteúdo, já que o “brasileiro médio” adora sua cerveja estupidamente gelada, cor de palha, suave e refrescante; ou seja, o malte não precisa aparecer tanto assim no resultado final do gosto cervejeiro popular nacional.
Por causa dessa necessidade de se manter o mesmo padrão gustativo, e, ainda assim, “inovar” no marketing do puro malte, as mudanças efetuadas foram mínimas, talvez apenas aquele seu tio que só toma Brahma de Agudos (o famoso Sommelier de Buteco) seja capaz de asseverar a diferenciação das versões antes (com adjuntos) e depois (puro malte).
Vamos dar o desconto que as “puro malte” costumam ser ligeiramente mais doces e terem o corpo um pouco menos leve que as com adjuntos, mas para a finalidade as quais elas servem (ou seja, “litragem” alta a baixo custo) esses detalhes não são nenhum tour-de-force, isto é, não são nenhuma proeza.
De modo que não há ganho significativo de qualidade, tampouco estampar os dizeres PURO MALTE significa algo de concreto, qualitativamente falando. Deve servir para gourmetizar algo massificado, ou para que aquele seu amigo do início do texto possa bradar algo que ele julga peremptório, mas em termos de análise sensorial, é algo despiciendo.
Ou seja, o “puro malte” é só um afago psicológico em quem acha que está bebendo algo realmente bom (mas, de fato, está bebendo um produto qualitativamente semelhante ao que já bebia).
É engraçado perceber que nem mesmo na Alemanha essa antiga lei é representativa. Muitos dos estilos clássicos alemães (alguns deles foram até ressuscitados) não seguem essas determinações restritivas nos elementos utilizados, vide a Gose, que tem adição de sementes de coentro e sal marinho, dentre outros estilos locais menos conhecidos ainda. Aliás, a própria Weiss leva trigo não-maltado em sua composição, em clara ofensa contra legem ao que Guilherme IV legislou.
Isso sem se falar que tal dispositivo legal vigorou apenas na “Alemanha” (que nem era um Estado propriamente dito na época, tal como conhecemos hoje), e muitas outras escolas, principalmente a belga, sempre fizeram questão de ignorar tal premissa legalista, usando muitas frutas, condimentos e outros elementos e métodos nada convencionais em suas cervejas.
Por causa dessa variedade enorme, hoje em dia, é pouco comum que se veja uma cervejaria artesanal (que seja séria) estampando os dizeres “puro malte” em seu rótulo, simplesmente porque essa “lei” sequer faz sentido hoje em dia (não precisamos poupar o trigo para fazer apenas os pães) e também não agrega nenhuma qualidade intrínseca às cervejas que são produzidas de acordo com esses ditames.
Palavras e frases de efeito são bem persuasivas, e são um belo atrativo de marketing! Essa é a premissa (falsa) por trás da ideia de que “puro malte” significa algo de melhor qualidade ou algo (pretensamente) gourmet.
Entre beber litros de uma “puro malte” de massa qualquer, e umas poucas artesanais, ainda que com um valor superior, a segunda alternativa é bem melhor e denota uma qualidade muito mais apurada. Fica a dica!
Em síntese, puro malte não é sinônimo de qualidade, ou de um “algo a mais” cervejeiro de maneira alguma. É apenas mais uma forma de vender cerveja para as massas.
Como recomendação musical de hoje, já que falamos de Reinheitsgebot, deixo como indicação a música Du Hast, da banda alemã Rammstein, uma das mais representativas do seu país (e de muito mais qualidade que qualquer “puro malte”).
Saúde!
Hey, Kiddos!
Certamente, é uníssono se dizer que o ano de 2020 foi igual o nome do ator que interpreta o protagonista do filme Matrix, no particular modo de dizer do saudoso “Mumu da Mangueira”: Keanu Reeves! Difícil contestar que não, pelos motivos que todos sabemos…
De toda maneira, buscando entrar no clima de final de ano, vamos montar um top 5 das melhores cervejas do ano, pareadas com um álbum musical (e uma música representativa dele), atribuindo notas e justificando as notas dadas.
No final, será apresentada a “decepção”, a contraposição dialética hegeliana do top: o fundo do poço – eu sei que vocês estavam com saudade, eu estive bonzinho demais nas últimas publicações.
O requisito de análise do top 5 é: a cerveja foi lançada em 2020 (e o álbum também), e degustada (ouvido) ainda em 2020. Perdoem a maior extensão de hoje, não foi fácil resumir tudo isso.
Ainda que tenha “Finale” no nome, é a Gran Finale abre a enumeração das melhores do ano. No meu Untappd, foi a única cerveja a atingir nota 5/5, numa escala de 100 pontos, eu daria 100 pontos também. Trata-se de uma English Barley Wine Barrel Aged, maturada em Barris que anteriormente continham vinho do porto (Ex-Port).
O estilo, por si só, já é um deleite, e ele foi trabalhado de forma majestosa pelo cervejeiro, conferindo notas amadeiradas, doces e de muitas frutas vermelhas, uma cerveja com o barril bem integrado e de alta complexidade. Uma experiência única, que realmente mereceu uma coluna dedicada quase que inteiramente a ela (clique aqui).
Incrível ver o patamar (#otopatamar) que uma cervejaria potiguar foi capaz de alcançar com esse petardo! Parabéns aos envolvidos!
Na minha lista geral de avaliações musicais (ainda que inicialmente dividida por estilo), o top 1 foi para o álbum Só Quem Viu o Relâmpago a Sua Direita Sabe de Kaatayra, one-man band de Brasília, formada por Caio Lemos.
O destaque dessa obra prima é o fato de ser um álbum de Black Metal totalmente acústico (e ainda assim ser Black Metal, afinal, uma palhetada em tremolo é perceptível mesmo no violão) e cantado inteiramente em português.
Além disso, inseriu de forma magistral elementos diversos, como field recordings (sons da natureza), vocais limpos e rasgados, e misturou ritmos regionais brasileiros, desde a bossa nova e samba até o xaxado e o baião. Alcançou 98 pontos numa escala de 100.
A música de degustação é: Desnaturação de Si-Mesmo, com direito a um interlúdio de samba (a partir de 7:00 minutos de execução).
Odyssēa 2020 é uma Russian Imperial Stout envelhecida em barris Ex-Bourbon da cervejaria Trilha. Uma cerveja complexa, com o barril bem presente, corpo altíssimo, parecendo petróleo, licorosa, alcoólica e muito potente.
Eu me arriscaria em dizer que ela é o mais próximo que uma cerveja nacional conseguiu chegar do arquétipo cervejeiro de uma KSB da Founders!
No aroma, Bourbon está muito bem colocado em evidência, muito chocolate, torra alta. No sabor, mais barril dando a presença, mais cacau, café leve, Bourbon, aquecimento, nozes. Corpo alto, carbonatação boa, excelente!
Ela atingiu 4,75/5 no Untappd, numa escala de 100 pontos, recebe facilmente 97 pontos.
Para acompanhar uma cerveja de alta complexidade, brindo-vos com o segundo álbum mais bem avaliado (atingiu 97 pontos numa escala de 100), da banda alemã de Epic Doom Metal, Lord Vigo, um álbum conceitual cyberpunk, inspirado no filme Blade Runner.
Destaque para os vocais barítonos surpreendentes, baixo pulsante, teclados tech-noir e bateria sincopada. A música de indicação é At The Verge of Time.
Trata-se de uma NEIPA feita em collab entre a Dogma e 3 Sons Brewing Co.na série small batch, exclusiva do Brewpub da Dogma em São Paulo.
A Lover-Licious foi uma IPA que se destacou pelo frescor e pelo alto padrão, notas frutadas intensas e um corpo sedoso, despudoradamente juicy! Sem harsh algum. No Untappd, ela alcançou 4,75/5, numa escala de 100 pontos, atinge facilmente 95 pontos.
Seu pareamento musical se encontra com o álbum After Hours do artista canadense The Weeknd, que atingiu 97 pontos, com seu pop/R’n’B com toques de synth pop oitentista, e a música a ser recomendada não poderia ser outra que não Blinding Lights, com seu refrão chiclete que lembram os bons tempos de Michael Jackson.
O Brasil é um país que é necessário dizer o óbvio, e o óbvio é que a Dogma é a melhor cervejaria nacional, e por esse motivo, emplacou mais uma no top 10.
A Morning Gringo, uma RIS com adição de Maple (xarope de Bordo) e café, já vai no seu terceiro lote. Ela foi lançada inicialmente em 2018, e eu tive o prazer de degustar todos os três.
O lote de 2020 mantém o sarrafo lá no alto, atingindo 4,75/5 na escala do Untappd, e 93 pontos numa escala de 100.
No aroma, Maple bem acentuado, café proeminente, chocolate amargo perceptível. No sabor, o dulçor e o Maple predominam, café em segundo plano, ainda assim, bem evidente, chocolate mais suave. Corpo denso, amargor alto, bem oleosa.
Como acompanhamento musical temos o heavy metal progressivo da banda britânica Haken, que atingiu um total de 95 pontos na escala de 100 com seu sugestivo álbum nomeado de Virus.
Um álbum complexo, com momentos jazzy e às vezes um pouco funky, alguns solos de baixo e batidas eletrônicas programadas. Como música de degustação deixo a também sugestiva: The Strain.
Para fechar nossa retrospectiva das 5 melhores do ano, temos mais uma NEIPA, dessa vez da Croma. A Kiwi Brother foi uma das quatro cervejas da Croma da série Brother, que contava também com a Aussie Brother, Yankee Brother e Max Brother. No Untappd, ela foi agraciada com 4,75/5, e numa escala macro de 100 pontos ela atinge 92 pontos.
A Kiwi Brother é uma Juicy IPA com os lúpulos neozelandeses Nelson Sauvin e Motueka. No aroma, ela possui uma explosão frutada, com kiwi, caju e jaca logo de cara. No sabor, um adocicado médio-alto, amargor zero, uvas verdes de média intensidade, um corpo bem juicy, e uma percepção bem sedosa, em um corpo médio-alto, dotada de herbal muito sutil, com mais frutas, especialmente o Kiwi que nomeia a cerveja.
O pareamento musical dessa cerveja é com o álbum Útgarðr dos veteranos do Enslaved, um dos camaleões da história do Black Metal Norueguês, que evoluíram da second wave dos anos 90, passando por uma fase de Viking Metal, para uma sonoridade bem mais progressiva e um pouco eletrônica.
Útgarðr atingiu 94 pontos na escala de 100. Como música de destaque que resume bem a nova sonoridade da banda, para degustação, fica a sugestão de se ouvir Urjotun.
A Decepção: as cervejas do projeto All Together
“De boas intenções, o inferno está cheio” diz o ditado popular. De forma mais sofisticada, Sartre diz: “o inferno são os outros” na sua peça Huis Clos (Entre quatro paredes, na tradução brasileira).
A prova desses adágios foi o projeto cervejeiro mundial All Together. All Together foi uma cerveja elaborada pela cervejaria americana Other Half Brewing, a qual disponibilizou duas versões dessa cerveja: uma New England IPA e outra West Coast IPA.
As receitas estão abertas ao público e o objetivo é que cervejarias, no mundo inteiro, fabriquem a All Together e doem parte dos recursos gerados pelas vendas.
O site do projeto mostra em sua interface um mapa com a localização de 855 cervejarias participantes espalhadas por 53 países diferentes; 16 delas funcionam no Brasil (no total foram bem mais, que sequer constam no site).
Em teoria, uma ótima ação social, uma cerveja renomada mundialmente cede duas receitas e parte dos lucros auferidos deveriam ser doados para ajudar a reparar a crise econômica do COVID-19, destinando os valores às pessoas do meio cervejeiro que ficaram em dificuldade por causa dele (garçons, ajudantes, dentre outros).
O que poderia dar errado? (Quase) tudo eu diria… difícil é dizer o que deu certo, muito em virtude do silêncio sepulcral no mundo cervejeiro, afinal nenhuma cervejaria fez o mea culpa publicamente.
Tive o desprazer de provar aproximadamente 12 cervejas desse projeto, de cervejarias renomadas como Salvador, Dogma, Trilha, Everbrew, Octopus, HopMundi, até cervejarias mais simplórias, como Locals Only, Dom Haus e Cia Hop. E a classificação dessas cervejas pode ser dividida em: ruins, péssimas e impróprias para o consumo humano.
O que mais se viu foram alterações nas receitas dadas (uso de lúpulos de safras antigas e/ou barateamento de insumos), cervejas oxidadas, cervejas fora de estilo, cervejas com clorofenol (a famosa CloroquIPA que o gado adora, com aquele gostinho de água sanitária – aliás, algumas dela foram direto para o ralo e funcionaram melhor que Coca-Cola como desentupidor) e outros off-flavors inaceitáveis.
Em síntese, um show de horrores, não havia um padrão mínimo de qualidade a ser oferecido ao consumidor. 90% das cervejas desse projeto deveriam ter sido recolhidas e quem comprou deveria ser ressarcido. Esta é a verdadeira boa intenção que fracassou.
Quanto ao repasse de parte dos lucros, vi algumas cervejarias prestando contas e outras não – seria Mamon agindo? Então, se não há accountability (responsabilização pelo que foi feito) o projeto por si só é uma decepção.
O que se promete deve ser cumprido. Nota 0 para as cervejas e para o projeto no geral (para a execução, não para a ideia, que, aliás, é ótima).
Musicalmente, se eu fosse recomendar uma decepção a ser escutada (o que, obviamente, eu não faço, pois só dou boas dicas musicais a vocês) seria o álbum mais recente do Ozzy Orbourne, chamado Ordinary Man. Talvez o título indique o que o álbum é: ordinário. Coitado do Ozzy, está meio obsoleto, vai ter que ganhar o título Det Som Engang Var do ano.
A música menos ruinzinha é a faixa título (Ordinary Man), a qual o sir Elton John ajuda a salvar, tocando piano e cantando em dueto com o Madman. Numa escala de 100 pontos, ela ganha, com muita boa vontade, 20 pontos.
Certamente que esse foi um dos textos “mais autorais” já publicados nessa coluna (já dizia Kierkegaard: “a subjetividade é a verdade”[1]), e de certa forma um universo cervejeiro peculiar foi criado, com a difusão de termos como Det Som Engang Var para se referir a algo que já foi bom, ou o termo particular da ansiedade por lucros do nosso “querido” Mamon, as críticas ao Hype mercadológico, além de algumas outras pitadas “semi-filosóficas” aqui e ali.
Derradeiramente, o intuito foi fazer um apanhado de um ano todo, de mais de 400 cervejas degustadas e mais de 200 álbuns musicais ouvidos. Apresento-vos, portanto, a retrospectiva 2020: a nata da nata, ou o crème de la crème, em termos cervejeiros e musicais de 2020.
Este foi o TOP 5 do ano. E o seu qual seria? Concorda com esse? Tiraria alguma indicação? Acrescentaria alguma? Comentem se gostaram.
Desejamos um feliz 2021 a todos (vem vacina!)! E nos vemos de novo no ano que vem!
Saúde!
[1] KIERKEGAARD, Søren. Post Scriptum no científico y definitivo a “Migajas filosóficas”. Trad. Javier Teira e Nekane Legarreta. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2010. p. 151.
“Hey, Kiddos! Ya wanna a balloon?”
Existem várias formas de degustar cervejas (e essa dica de hoje talvez sirva também para vinhos), maneiras mais ou menos complexas de se degustar que se encaixam com alguns propósitos pré-definidos.
Assim, há formas menos compromissadas, situações que pedem uma session, algo sem muita pompa ou predicados sofisticados. Outras vezes, podem existir degustações temáticas, apenas com IPA’s ou apenas Stouts, ou seguindo algum outro parâmetro como apenas Single Hops com algum lúpulo em específico. Há uma infinidade de possibilidades de se pensar uma degustação temática.
Hoje vamos falar de uma modalidade específica de degustação temática chamada de degustação vertical, e a cerveja escolhida para essa finalidade ilustrativa foi a barrel aged DIPA da cervejaria potiguar HopMundi, a Wynwood.
Para que se faça uma degustação vertical é necessário que se possua uma diferença significativa entre os lotes de uma mesma cerveja a ser degustada. Assim, é comum que se escolha cervejas que usam anos para identificar a “safra” designada. A expectativa com essa metodologia consiste em uma dupla abordagem.
Em primeiro plano, por se tratarem de cervejas barrel aged na maioria dos casos, espera-se avaliar e observar a evolução da integração entre as notas que o barril conferiu à cerveja e se essa integração acabou por se arredondar com o passar do tempo.
Essa mesma premissa vale para cervejas que não são envelhecidas, mas que possuem alguma particularidade na fermentação, e neste caso a levedura é capaz de se mostrar diferente ano a ano. Este é o caso da cerveja trapista Orval, que a cada ano possui uma particularidade em sua fermentação após a sua produção, sendo comum se fazer uma degustação vertical de 5 anos diversos.
Em segundo plano, a degustação vertical tem como objetivo elementar observar diferentes interações de barris de madeiras diferentes ou barris que continham destilados diversos, e que foram usados em “safras” diferentes, conferindo notas e sabores que variam ano a ano. Assim, é possível identificar como uma mesma cerveja base passa por diferentes interações a depender do barril que lhe serviu de guarda em sua maturação.
A cerveja escolhida para a degustação vertical da vez foi a Double India Pale Ale (Double IPA) da cervejaria HopMundi, uma cerveja que já existia desde a época de cervejaria caseira (que na época era maturada com chips embebidos em um famoso Tennessee Whisky que costumam beber misturado com Coca-Cola).
A receita foi aperfeiçoada e integrada ao portfólio profissional da cervejaria, e em novembro de 2019 foi lançada a primeira versão da Wynwood.
Ainda que não nomeada oficialmente de blended ou regular, essa versão passava por um processo de Dry Hopping (adição de lúpulo na etapa fria da produção da cerveja, que tende a conferir um perfil aromático mais intenso) e era “blendada”, adicionava-se uma parte de cerveja não maturada a uma proporção que havia sido envelhecida em barris de carvalho ex-Bourbon (ou seja, barris que anteriormente continham o destilado americano).
A opção por blendar e por fazer o Dry Hopping certamente consistia em dar uma maior drinkability à cerveja, ou seja, torna-la mais acessível, sem notas tão fortes do destilado.
A segunda versão da Wynwood ainda é “safrada” como 2019, ainda que já tenha sido lançada no auge da pandemia do COVID-19 em 2020, e ela recebeu o epíteto de “unblended”, ou seja, diferente da versão anterior, ela continha apenas o líquido previamente maturado nos barris ex-Bourbon, sem misturas.
A apresentação era simplesmente linda, com a arte gravada direto na garrafa e vedada com cera, um espetáculo. Nesse caso, a escolha por não blendar era ter uma cerveja mais próxima de todo o potencial que o barril era capaz de oferecer, um amadeirado mais intenso, um corpo menos intenso, mas notas bem mais marcantes.
A terceira versão profissional da Wynwood foi lançada recentemente e foi “safrada” como 2020. Diferentemente das versões anteriores, não foi envelhecida em barris ex-Bourbon, e sim, em barris ex-Whisky Japonês, uma escolha ousada, exótica, e diferente, que por si só já confere um caráter ímpar a essa cerveja, afinal de contas, não é algo que se vê todo dia, uma cerveja envelhecida em barris que um dia contiveram Whisky Japonês (que por si só já é um destilado incomum de ser encontrado no mercado brasileiro).
Conseguir realizar uma degustação vertical com as três versões da Wynwood não é apenas um prazer, é um privilégio. A princípio, porque guardar a Wynwood 2019 blended (ou regular) não foi uma das tarefas mais fáceis. Na época ela esgotou um tanto quanto rápido apesar de ter sido a cerveja do clube no mês em questão (novembro de 2019).
Ademais, não se sabia se haveria uma continuidade da série e tampouco poder-se-ia estimar se ela envelheceria bem em um ano, afinal de contas, IPA’s de um modo geral não seguram tão bem por tanto tempo assim, e por ser blendada o risco de que ela não envelhecesse tão bem e oxidasse bastante era alto. De toda forma, ela foi bem conservada e cumpriu seu propósito.
Guardar a versão unblended da Wynwood 2019 também não foi tão fácil porque sua produção foi bem limitada, ainda que algumas garrafas tenham até mesmo sido enviadas para comercialização em São Paulo e Minas Gerais. De toda maneira, era uma cerveja de acesso um tanto quanto limitado.
Com relação à sua durabilidade e resistência, foi um período bem menor que o enfrentado pela versão regular e ela estava bem melhor protegida pelo invólucro de cera (ainda que haja quem diga que isso é apenas “misticismo cervejeiro” e que a cera em nada protege ou influencia em uma menor oxidação).
A versão 2020 ainda se encontra disponível à venda no momento que vos escrevo. Para complementar a degustação, foi inserido um plus, uma dose de um Whisky Japonês Single Malt, o Suntory Yamazaki 12 anos, de tripla maturação em barris de carvalho americano, sendo eles: ex-Bourbon, ex-Sherry (Xerez); e em barris de uma madeira japonesa chamada Mizunara (dizem os críticos que barris de Mizunara confere notas de amargor e ressaltam notas de cevada no whisky).
Ao abrir as três cervejas ao mesmo tempo foi fantástico perceber como cada uma evoluiu de maneira diversa.
A versão 2019 regular manteve um perfil cítrico muito destacado, um corpo um pouco mais volumoso que a sua correlata 2019 (umblended, lançada em 2020), notas amadeiradas muito distantes, e o perfil ex-Bourbon bem contido, poucas notas de baunilha e coco.
No aroma, muito cítrica, com um perfil forte de laranja lima, o barril já pouco prevalece. No sabor, leve coco, maltado mediano, cítrica, tonalidades herbais bem amainadas, resinoso de baixa prevalência. Amargor baixo, corpo mediano.
Já a Wynwood 2019 unblended teve uma evolução com o barril mais singular, ainda reteve boa parte do amadeirado no aroma, um funky destacado, agregando notas levemente selvagens.
No sabor, um perfil caramelado mais destacado, amadeirado bem prevalente, muito coco e baunilha (se comparada com a outra versão), uma leve acidez, algo bem discreto e bem integrando, com um corpo mais baixo.
Denota-se a partir dessa análise como o barril acabou se integrando bem ao conjunto, e arredondando-se nesse espaço de tempo desde o seu lançamento.
A Wynwood 2020 por sua vez, também é um blend, mas com uma proporção maior de cerveja maturada em barris que a sua correlata de 2019 e sem Dry Hopping.
Por ter sido envasada recentemente, das três analisadas, ela é a que tem notas do barril em maior relevo, amadeirado mais intenso, e notas frutadas em primeiro plano.
Possui um amargor mais intenso também, e um dulçor maltado menos evidenciado, ainda que notas de baunilha e de coco sejam perceptíveis logo de imediato, combinadas com notas de cereais, em um corpo de intensidade médio-baixa.
Degustando-a de modo pareado com o mencionado Suntory Yamazaki 12 anos, percebe-se como o whisky agregou com notas frutadas, de baunilha e de cereais à cerveja, um espetáculo.
Degustações verticais costumam parear várias cervejas, então recomenda-se que elas sejam compartilhadas, sob pena de total incapacidade civil ao final da aventura, afinal, o teor alcoólico se avoluma e a ressaca é iminente.
É um privilégio poder fazer uma degustação como essa de uma cerveja do mais alto nível, que trabalhou de forma singular o envelhecimento nos mais diversos tipos de barril.
Notar a particularidade de cada uma e a sua evolução (afinal, cada uma delas já havia sido degustada anteriormente) é uma tarefa de grande acuidade, vendo também como o barril se integrou em cada um desses conjuntos, um grande esmero cervejeiro.
Finalizando, a dica musical para uma degustação pareada fica a música “Ressaca sem Fim” da banda Matanza, afinal é provável que esse seja o resultado de uma degustação vertical mais “intensa”.
Saúde!
Hey, Kiddos!
Hoje é dia da seção mais técnica da coluna, quando eu visto minha fantasia de Lulinha paz e amor (versão 2002) e falamos de algum estilo específico de cerveja. Geralmente algum estilo não tão conhecido, buscando trazer novas informações para os meus queridos leitores.
O estilo que será abordado e explanado hoje é conhecido como American Wild Ale, um estilo de cerveja ácido, selvagem (ui!), complexo, e, frequentemente, com adição de frutas.
Como regra geral, pode-se dizer, de modo bem básico, que é um tipo de Sour (ou uma variação turbinada dele), que, apesar de assemelhado com as Lambics (que é uma Denominação de Origem Controlada – DOC da Bélgica) e as Ouds belgas, delas se diferencia por motivos de métodos de produção e variação na fermentação.
O importante é denotar que as American Wild Ales estão ganhando cada vez mais espaço no mercado e mais cervejarias brasileiras se aventuram nesse estilo. Então, vamos se dedicar exclusivamente a ela na coluna de hoje.
A tradução direta do nome do estilo (American Wild Ale) para o português seria: “cerveja americana selvagem”.
No entanto, por mais que, por selvagem queira se indicar a fermentação espontânea (em detrimento das Lagers ou das demais Ales), o termo em comento não se orienta necessariamente para essa variação de fermentação (como as Lambics se direcionam, por exemplo), e, sim, pelo uso de outros micro-organismos no processo de fermentação, que não sejam do gênero Saccharomyces (no caso, para as Ales, a da espécie cerevisiæ).
De toda forma, a denominação American Wild Ale inclui uma miríade de cervejas que não se enquadram em outras classificações (usualmente europeias), e acabam sendo abarcadas por esse denominação mais ampla.
Assim, a cerveja base utilizada para a produção de uma American Wild Ale pode ser uma Berliner Weisse, uma Saison (Farmhouse), eventualmente, até mesmo uma Blonde Ale, de modo que a cerveja base é trabalhada, por meio da fermentação e da maturação em barris (ainda que essa etapa não seja obrigatória), até que se chegue à American Wild Ale.
Para que se alcance o elemento selvagem (Wild) dessa cerveja alguns tipos de levedura podem ser utilizados, como, por exemplo, a Brettanomyces bruxelensis, mais conhecida como Bretta, mas não é incomum que também se utilizem Pediococcus e Lactobacillus, leveduras iguais a usadas na clássica bebida da infância, o Yakult (que contém Lactobacillus vivos).
Tudo vai depender das características que se quer dar à cerveja. Com a Bretta se consegue um funky mais destacado, com notas cítricas, tonalidades esterificadas de abacaxi, e uma acidez sutil. Com Pediococcus obtém-se um azedume mais intenso, até mesmo um avinagrado (acético). Com os Lactobacillus se alcançam notas láticas mais proeminentes.
Essas são as características selvagens que esse estilo busca alcançar. Ainda que muitas outras leveduras diferentes dessas também possam habitar os barris onde a cerveja é maturada.
Esse estilo de cerveja vem crescendo bastante entre os beer geeks e, de modo geral, na cultura cervejeira.
No Brasil, várias cervejarias começam a se dedicar ao estilo, tendo pelo menos duas grandes cervejarias no cenário nacional, a Zalaz e a Cozalinda, que se dedicam exclusivamente a esse estilo, ainda que outras grandes, como a Dogma, também se aventurem nele, ainda que esporadicamente e sem uma recorrência tão grande como as outras duas citadas.
A Zalaz, por mais que tenha uma produção mais ampla e não totalmente focada nas American Wild Ales (pode se estimar que aproximadamente 80% de sua produção é nesse estilo), é uma das que mais vem se destacando, principalmente com a sua série Ybirá, que costuma blendar (caso não recorde o termo, clique AQUI e leia mais) e misturar várias cervejas já produzidas, aumentando ou diminuindo o teor wild em cada uma de suas produções a partir dos seus blends, com cervejas maturadas com outras não maturadas em barris, e também misturando os tipos de madeira utilizadas nos barris ou o líquido que anteriormente eles abrigavam.
A Zalaz orgulhosamente diz possuir um terroir próprio em suas cervejas, ou seja, uma denominação organoléptica de sabor e aroma que remetem instintiva e naturalmente às suas cervejas, em virtude das técnicas de produção e de fermentação de seus produtos.
Ainda que talvez soe um pouco prematuro em se falar em terroir próprio (uma associação sinestésica complexa, entre solo, métodos de produção, clima, leveduras e insumos de modo geral), é certo que a produção da Zalaz é de alto nível e suas cervejas, principalmente as American Wild Ales, são formidáveis.
A Cozalinda, diferentemente da Zalaz, não produz outro tipo de cervejas que não sejam American Wild Ales. A produção deles está em franca expansão e seus processos de blends são realmente valorosos e muito bem executados, haja vista que algumas de suas cervejas levam até dois anos maturando nos mais diversos barris que eles possuem em seu rol produtivo.
Eles também são conhecidos por experimentar bastante, usando barris compostos de diversos tipos de madeira, várias tostas diferentes na mesma construção material do barril, dentre algumas outras nuances associadas ao processo de envelhecimento que eles utilizam.
Eles não possuem uma distribuição muito forte em todo o Brasil, principalmente no Nordeste, onde raramente ela chega, mas isso não impede que a Cozalinda rompa os horizontes cervejeiros e a faça criações inusitadas de American Wild Ales.
Apesar de já terem uma parcela consolidada no mercado cervejeiro americano, as American Wild Ales começam agora a se desenvolver (lentamente) no Brasil, em parte porque a sua produção de fato é mais lenta (como citado, algumas cervejas da Cozalinda demoram 2 anos maturando) e demoram mais a chegar até o consumidor final.
Também por ser algo desconhecido e com características que afugentam o grande público à primeira vista (por seu caráter azedo, acético, às vezes, caprílico, com notas de estrebaria, por exemplo) sua aceitação ainda é reticente. Todavia, pode-se dizer que essa barreira também vem sendo quebrada, aos poucos.
No cenário local, podemos destacar a série Botanique, da cervejaria potiguar HopMundi, que, nesta série, dedica-se a criar American Wild Ales.
A série conta, atualmente, com 4 rótulos já lançados: Péche (com adição de pêssego), Vierge (American Wild Ale base, sem adição de frutas, apenas maturadas em barris de microflora própria), Rouge (maturada junto com mosto de vinho tinto feito com a varietal Cabernet Sauvignon), e Blanc (maturada junto com mosto de vinho branco feito com a varietal Chardonnay).
Uma ousada produção local e de alta qualidade de um estilo em franca expansão.
Importante destacar que o estilo, quando envelhecido (maturado) em barris não deve apresentar como característica predominante, nem no sabor nem o aroma, tonalidades amadeiradas. Isso seria considerado um desvio ao estilo padrão. Afinal o que se tenta extrair dessa maturação e desse envelhecimento é aquilo que a microflora do barril pode oferecer em termos de transformação bioquímica da cerveja, e não uma mera transposição do caráter terciário que o barril é capaz de imprimir (através da madeira – ou seja, um perfil amadeirado, com notas de coco e baunilha, por exemplo, comum a outros estilos de cerveja envelhecidas em barris).
Como todas as seções da coluna de hoje foram trechos da música Wild Child da banda americana de heavy metal W.A.S.P., deixo-a como recomendação de degustação para uma boa American Wild Ale:
“I’m a wild child, come and love me
I want you
My heart’s in exile I need you to touch me
‘Cause I want what you do”
Saúde!
Mudei esse texto em cima da hora, eu ia falar de algo ligeiramente correlato, que também tangenciava o conceito de Hype (se não sabe o que é ou não lembra bem do que se trata, clique AQUI). Mas decidi fazer uma breve retrospectiva estilística que, de certa forma, também tem a ver com estilos (mais ou menos) hypados.
E nesse resgate (afinal, é final de ano, todo mundo adora uma retrospectiva), vamos passar por dois estilos modinhas, um que já morreu (Brut IPA) e outro que vem perdendo sua força paulatinamente (graças a Deus! – Pastries Stout e Sours).
Quando pensamos em junções que não podem dar certo, usualmente pensamos em Romeu e Julieta (tanto o romance quanto a “sobremesa”, ugh!), Vasco e Flamengo ou (P)MDB e PT…
Mas quem pensou que poderia juntar as Brut beer (um estilo frisante de cerveja, mais próximo ao espumante que ao conceito de cerveja tradicional) com as já estabelecidas IPA’s está de parabéns! Porque dessa improvável união não teria como vingar nada mesmo.
As Bruts parecem muito mais um espumante que uma cerveja. Quem já teve a oportunidade de degustar algo no estilo pode avalizar essa informação com garantias.
Aos mais desavisados, em um teste cego, se não for um grande conhecedor dos espumantes ou se nunca tiver sequer provado o estilo da Brut, uma passa pela outra desavisadamente, como se fossem um líquido da mesma classe, gênero ou espécie. Tomaria um pelo outro tranquilamente, em caso de desconhecimento.
Assim, percebe-se que Brut já não é um dos estilos cervejeiros mais acessíveis (no Brasil devem ter sido comercialmente feito, no máximo, umas 5 cervejas nesse estilo em toda a História) e muito menos um dos mais próximos ao que se tem ao arquétipo de “cerveja” (por mais que você seja acostumado a degustar estilos menos usuais e não tão próximos dos estilos de massa – American Lagers, por exemplo).
A ideia mercadológica era juntar a refrescância e o caráter frisante das Bruts com a lupulagem assertiva das IPAS, atendendo ao mantra comercial do: é tudo IPA!
Todavia, para o bem, o “deus” Mamon[1] (no original em hebraico: מָמוֹן), o “deus” (ou melhor dizendo, entidade demoníaca) da usura, da ganância e do mercado (aquele miraculoso ser invisível que aumenta sorrateiramente as margen$$$ dos produtos quando os intrépidos bons cervejeiros vão descansar após um dia árduo de trabalho), não foi tão bem sucedido em sua empreitada diabólica.
Algumas grandes cervejarias até tentaram, como a Dogma, lançar um produto como esse, mas a aceitação de um estilo que fosse ao mesmo tempo frisante e lupulado (cítrico e amargo) não caiu nas graças dos reis do camarote do untappd (pun intented). Para o bem de todos e felicidade geral da nação, esse estilo já foi sepultado e devidamente exorcizado, amém!
O movimento mercadológico mais “recente” e também mais agudo foi na direção das Pastries, ou como o nome alude, às sobremesas em forma de cerveja.
Coloquei como “recente” porque, tecnicamente, o uso de qualquer adjunto que remonte a uma sobremesa pode dar azo a se pensar em uma Pastry, e, nesse sentido, por exemplo, a cervejaria Tupiniquim já fazia sua série “Manjar” há uns 5 anos aproximadamente, adicionando quantidades generosas de coco e de chocolate à sua Stout. Na época, parecia ser algo inovador, ainda que bastante isolado. O resultado era ótimo, mas a história não se desenvolveu tão bem assim.
Certamente que, caso se compare as Pastries com as Brut IPA, o fracasso dessa última é retumbante, enquanto que as primeiras conseguem se manter no mercado já há algum tempo, e com alguns exemplos, até conseguem entregar boas cervejas.
Todavia, de uma maneira mais ampla, é correto dizer que as Pastry Stouts já não estão mais no seu auge, como aproximadamente um ano atrás, quando realmente eram febre.
Um dos motivos para que as Pastries não tenham sido calcinadas como as Brut IPA’s reside, principalmente, no fato de que a ideia da qual elas se originam não é algo atroz, na verdade, é até uma boa ideia, adicionar adjuntos para fazer com que as antigas RIS (Russian Imperial Stouts) ganhassem uma nova roupagem, fossem menos torradas, corpo mais alto ainda, dulçor mais proeminente e até mesmo adição de lactose para dar aquele tchan.
Os elementos constitutivos das Pastry Stouts são bons em sua “essência”, o problema é na execução. E a palavra “essência” ganha um significado além do posto por Sartre ao justificar seu existencialismo ao dizer que “a existência precede a essência” [2].
No caso das Pastries, a maioria dos adjuntos (ou seria a totalidade? Fica aí mais um questionamento filosófico) é colocado na forma de essências: de avelã, de baunilha, de coco, de cereja, do que quer que seja para agregar o caráter de sobremesa ao líquido sagrado.
O grande problema é que essas essências costumam dar um aspecto artificial e plastificado à cerveja. Seu uso, ainda que contido e comedido, deixa uma marca indelével nessas Stouts, que parecem ter sido dosadas por um robô, retirando boa parte do sabor natural que as cervejas poderiam ter.
Em síntese, a execução da maioria das Pastries acaba recaindo no mesmo problema: cervejas que são sugar bomb para matar diabéticos, essências artificiais e aquele mais do mesmo que já estamos acostumados. Next!
Felizmente, parece que a demanda por mais Pastry Stouts parece estar na descendente. Isso não quer dizer que todo dia seja lançada uma nova cerveja nesse estilo, mas que estão sendo mais comedidos, e tomara que isso ajude a maneirar no uso das famigeradas essências.
No entanto, Mamon é ardiloso (e pelo visto adora um doce!). Tanto que circulam algumas cervejas nomeadas de Pastry Sour, ou sobremesas azedas/ácidas (seja lá o que isso signifique em essência).
O ponto é que com o arrefecimento de se buscar mais e mais Pastry Stouts, o mercado se guiou para desenvolver a modinha das Sours alinhando-as àquela pegada Pastry (“doce doce, viver no planeta doce!”, cantaria Jô Soares).
Daí surgem cervejas carregadas na lactose, bem doces, e com alguma inserção de fruta para agregar à acidez típica das Sours, com um corpo mais elevado e com uma graduação alcoólica superior, para dar vazão à quantidade elevada de dulçor.
Por enquanto, as Pastries Sours ainda não vingaram, nem tiveram um desempenho semelhante ao das suas irmãs em doçura, as Pastry Stouts, ainda que estejam engatinhando sua entrada no mercado.
De toda maneira, não parecem ter uma ideia tão boa quanto foram as Pastry Stouts no começo, mas, há de se dizer, também não soam como uma aberração cervejeira, tal qual as Brut IPA sempre foram.
Oh Mamon! “deus” de tanta criatividade e perspicácia ímpar para inventar modinhas e demais apetrechos de hype! Por que nos trouxeste as Brut IPA? Não que alguém sinta falta delas. Trouxe também as Pastries, mas parece que esse afã também já está de passagem (para bem longe, tomara!).
E dizem que a próxima modinha a hypar vai ser a das Lagers… Bohemian, Czech, Vienna, Helles e demais Lagers mais leves (sem vez para as Bock, DoppelBock, Schwarzbier e assemelhadas… nessas Mamon não vai investir, sorry!).
Vamos rezar a Deus (mas para o Deus certo dessa vez) que essa nova modinha não vingue… e torcer para que os pajés, druidas, xamãs, videntes e magos cervejeiros não acertem seus sortilégios e previsões sobre a nova modinha das Lagers.
E como o papo hoje foi doce (Pastry até demais, eu diria), deixo de sugestão musical o clássico oitentista que embalou parte da trilha do especial infantil Plunct Plact Zum, na voz do versátil Jô Soares, vamos de “Planeta Doce”!
Cheers!
[1] Vide Lucas 16:13 e Mateus 6:19-24.
[2] SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Trad. Vergílio Ferreira. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 5.
Quem nunca caiu num Black fraude que atire a primeira pedra! Será que seremos para sempre reféns de promoções mequetrefes ou do Celso Mussolini (Russomano) para fazer valer nossos direitos de consumidor? Triste constatar que Black Friday é algo que não existe, tal como Papai Noel ou paulistano que não adora um Tucanistão.
Brasileiro é um espécime engraçado mesmo, sofre de uma síndrome de vira-lata e adora importar coisas, seja capinha de celular da China pelo AliExpress ou festividades que não são suas, como o Black Friday norte-americano (nesse caso, esqueceram de importar também o feriado que a antecede, o Thanksgiving, ou, dia de ação de graças).
O ponto é que importamos certas “culturalidades” de uma maneira bem chinfrim, subalterna, mal feita e pela metade. Enquanto os americanos se empanturram de comidas, tendo como a base o peru, na quinta-feira que antecede à liquidação de estoque, nós apenas pagamos o pato de aceitar qualquer produto encalhado pela metade do dobro, e isso vale principalmente para os produtos cervejeiros.
Nessa última Black Friday eu vi de quase tudo: vi grandes cadeias de supermercado local aplicar 30% de desconto em cima do valor cheio de um produto que já estava quase 70% mais barato na véspera (e dizem que quem morre de véspera é o peru, mas, nesse caso, foi o desconto).
Vi site de entrega nacional tirando seu lucro (ou melhor, mantendo as suas margens) aumentando o valor do frete. Vi o Bro’s beer “bugando” pela milionésima vez em tempos de promoção. Vi cervejaria argumentando que não tinha sobra para pôr em promoção e pedindo “ajuda” para que os clientes comprassem pelo preço “normal”.
Vi aquelas manjadas publicações de cervejarias locais falando do “custo Bra$il”, que cerveja não é só lucro, é insumo, é imposto… é blah blah blah e mimimi também!
Só não vi mesmo foi promoção de verdade estilo Made in USA, algo entre 70-90% de promoção nas gôndolas da Macy’s. Isso eu não cheguei a ver.
Ou seja, o difícil mesmo foi ver promoção, eu até vi algumas boas, às vezes o frete não compensava, às vezes a cerveja era ruim mesmo e não valia a pena, às vezes era venda casada (teve cervejaria que condicionava o desconto ao consumidor ter que levar 6 unidades iguais da mesma cerveja! Que absurdo!).
Sempre tinha algum complicador, afinal de contas, a vida de quem vive de comprar suas próprias cervejas, ao invés de ganhar como alguns desses mega influencers nacionais, não é fácil.
Teve uma única Black Friday que, de fato, salvou-se, foi a da cervejaria Invicta, ainda que com um frete razoavelmente dispendioso. Essa promoção de Black Friday concedia o desconto igualitário de 50% em todo o portfólio da cervejaria e de algumas cervejarias parceiras que produzem como ciganas na planta da fábrica da Invicta, como a 2 Cabeças e a All Beers, para citar algumas das participantes da promoção.
Em virtude desse desconto expressivo, algumas das cervejas mais populares da linha de produção ativa da Invicta acabavam saindo por algo em torno de 7,50 covas rasas, sem o frete. Rótulos como a Hellbeirão, a Pilsen deles, ou a Damiana, uma “german IPA”, feita com o lúpulo tedesco Mandarina, eram uma dessas opções mais em conta.
O frete certamente era um elemento complicador, mas, a saída para esses casos são as compras coletivas, em que se reúnem muitas pessoas, 5 ou 6 geralmente, para dividir os custos do frete. Às vezes, como no caso da Salvador Brewing, o frete sai grátis (e elas chegam encaixotadas no isopor e com cooler). No caso da cervejaria Trilha, acima de um valor “X”, o frete passa a ser fixo.
Não foi o caso com o frete da compra da Invicta, mas, o valor de aproximadamente 3 reais de frete por cerveja foi algo salutar, dada a pujança da Black Friday feita, concedendo descontos de 50% de modo nivelado em todas as cervejas, não apenas aquelas que estavam encalhadas ou perto de vencer.
Esse é um dos subterfúgios ou estratagemas mais comuns às cervejarias: desovar o que não se consegue vender ou se livrar de produtos que estão com a data de vencimento muito próxima. Ainda bem que esse não foi o caso com a liquidação feita pela cervejaria Invicta.
Promoção é algo bom e todo mundo gosta. Promoção nacional ou importada, tanto faz. O problema é quando essas promoções dão azo a fraudes e enganações. Ou quando, por exemplo, impõem compra mínima ou venda casada (artigo 39, inciso I, do CDC neles Celso “Muçulmano”!). Brasileiro gosta mesmo é de ser enganado, e o que não faltou foi enganação, pseudo-descontos ou tudo pela metade do dobro.
Nesse vale tudo, quem sempre sai perdendo é o consumidor cervejeiro! Afinal, o que mais se viu foi aqueles descontos mambembes de 10 a 20% que não fazem nem cócegas nas margens reais de lucro que giram entre 200 a 300%… me engana mais que eu gosto.
Como o clima é de pesar, a recomendação musical tinha que ter Black no nome: o clássico Black Metal do Venom!
Cheers!
FOTO principal: www.mariacevada.com.br
Com o intento de apresentar mais um estilo não muito conhecido do grande público, e que também não possui tanto apelo nem entre os iniciados do meio cervejeiro, na coluna de hoje vamos abordar o estilo de origem inglesa denominado Barley Wine.
Etimologicamente, o termo remete ao vinho (Wine), podendo ser traduzido de maneira livre como “vinho de cevada”.
Por mais que historicamente tenha sua relevância, não creio que seja o mais adequado, já que, nem toda Barley Wine, necessariamente, lembra um “vinho”, ainda que esse termo comporte muitas acepções em sua variabilidade intrínseca.
Como já mencionado, a origem desse estilo é inglesa, e ele acaba se parecendo com outros estilos que possuem uma alta carga maltada, como, por exemplo, a old ale e a wee heavy.
Todavia, existem traços distintivos marcantes entre eles, e no geral, as Barley Wine sejam as mais conhecidas (dos 3 estilos mencionados).
Com o desenvolvimento cervejeiro do estilo, acabou-se criando uma variação das Barley Wine, denominada de American Barley Wine, sendo o estilo inicialmente concebido posteriormente chamado de English Barley Wine.
Foto: brutusbeer.com.br
A diferenciação básica entre esses dois ramos seria os tipos de lúpulos utilizados para a criação de cada uma, sendo as American Barley Wine feitas com lúpulos mais cítricos e por vezes de um herbal mais característico das cervejas americanas.
Ao passo que as English Barley Wine se caracterizam por uma lupulagem mais “tradicional”, puxando para o terroso, resinoso, e na maioria das vezes, até mesmo inerte, para que os maltes possam ser os protagonistas nesse estilo.
Particularmente, gosto mais da escola inglesa nesse caso, já que possuem uma solidez mais robusta em termos de produção desse estilo, com sua maltagem diferenciada e bem destacada, trazendo notas potentes e vibrantes, com bastante álcool e um corpo de características médio-alta.
Usualmente, os estilos com maior carga de maltes e menos carga de lúpulo tendem a envelhecer melhor. O potencial de guarda é medido a partir desses fatores e também combinados com a questão da gradação alcoólica da cerveja. Quanto mais ela dispuser de uma farta carga de maltes e um potencial alcoólico maior, mais recomendada é a sua guarda e mais longeva será a cerveja.
Obviamente, que nesse cálculo não se leva em consideração questões como armazenamento e oxidação, que poderão influenciar fortemente as possibilidades de guarda.
De toda forma, essas características, que estão bem presentes nas English Barley Wine, fazem com que elas sejam ótimas candidatas ao envelhecimento. Ou melhor dizendo, a um bom envelhecimento, que é aquele que potencializa as boas características da cerveja e que não sofre um decréscimo (exponencial) com uma eventual oxidação ou redução de suas características de lupulagem.
A partir daí, o envelhecimento em barris (maturação em barris, de maneira mais técnica) também surge como uma boa opção para agregar mais valor a um estilo de cerveja já bastante complexo. Como dito no primeiro texto dessa coluna, o trabalho de envelhecimento em barris é algo bastante delicado e complexo, e que pode gerar resultados bem expressivos quando aplicados a boas cervejas.
Aproveitando-se da exposição técnica do estilo Barley Wine, aproveito para fazer a análise sensorial de uma das melhores cervejas já tomadas no estilo, e certamente uma das melhores, se não a melhor, cerveja já feita em terras potiguares (ela entra até no meu top 5 nacional).
Trata-se da Gran Finale da Artorius. Infelizmente, como o nome alude, essa é a produção final da cervejaria em relevo, é o Swansong ou canto do cisne[1] (metaforicamente falando) dessa cervejaria que viveu pouco, mas produziu bastante.
A Gran Finale é uma English Barley Wine maturada em barris que anteriormente haviam armazenado vinho do porto. Não cheguei a provar a base, antes da maturação em barril, mas posso asseverar seguramente que já se tratava de um caldo de cevada bastante complexo. E após o embarrilhamento, a certeza é que a complexidade foi elevada a níveis absurdos.
O resultado foi simplesmente fantástico. Espetacular! Tudo muito equilibrado. No aroma, bem maltado, com o barril muito bem inserido, notas de vinho, castanhas e amadeirado elegante, leves tons de xerez. No sabor, muito mais xerez, maltado altíssimo, caramelado, frutas secas, cerejas, uvas passas, corpo médio e uma percepção alcoolica baixa, apesar dos 9,5% de ABV.
O nível de complexidade atingido pela Artorius é algo salutar, a Barley Wine degustada é dotada de várias camadas de sabores, muitos tons e de variância ímpar.
O barril confere notas bastante complexas, realmente lembrando um vinho do porto, com seu dulçor característico de vinho de sobremesa, leve oxidação, e corpo inconfundível. Quem já teve a oportunidade de degustar um bom vinho do porto logo identificará as notas semelhantes entre esses dois líquidos sagrados. Méritos para o cervejeiro que conseguiu tornar essa experiência sinérgica e única.
Esse exemplar foi adquirido diretamente com a cervejaria, ao valor de 40 Paulus Jegues comemorando o dólar a (mais de) 5 reais. No entanto, em virtude de ser um lote único e de produção limitada já está esgotado para a venda direta, podendo ainda ser encontrado no mercado a preços menos convidativos.
Contudo, dada a complexidade e o alto calibre dessa cerveja, e também seu potencial de guarda de mais de 10 anos, é certo que vale cada centavo, caso você ainda a encontre, mesmo que por um preço um pouco mais elevado.
Barley Wine é um estilo não muito popular, talvez pelo seu elevado teor alcoolico ou também por sua alta complexidade, não é o tipo de cerveja que se degusta na beira da piscina ou se bebe em doses cavalares numa dipsomania[2] apocalíptica como se todos os geradores de transmissão de energia da Cosern tivessem acabado de explodir (como aconteceu com a empresa privada do Amapá, a Isolux).
É um estilo que se recomenda degustar com parcimônia, com calma, em temperatura ambiente, sem nem precisar gelar muito (ou melhor, nem precisa gelar), para que se possa alcançar todas as notas mais complexas.
Derradeiramente, a Artorius parece estar encerrando suas atividades, o que é lastimável. Em virtude de ser seu Gran Finale, ou como dito anteriormente, seu Swansong, deixo como registro musical uma música do álbum “Swansong” da banda inglesa Carcass, chamada “Keep On Rotting in the Free World” (que seria a versão death metal da música do Neil Young, Keep on Rocking in a Free World, ainda que não seja um cover propriamente dito).
A curiosidade é que o Carcass chegou a acabar em 1996 (quando lançou esse álbum de despedida), mas retornou em 2013 e hoje permanece na ativa. Tomara que o mesmo ocorra com a Artorius, e um dia retorne para continuar fazendo cervejas fora da curva como a Gran Finale.
Cheers!
[1] Antes de morrer, o cisne “canta” uma última vez, conforme a fábula de Esopo, “O Ganso e o Cisne”
[2] Dipsomania é um estado de compulsão patológica por bebidas alcoolicas. Para se aprofundar sobre o tema recomendo a leitura de um artigo científico de minha autoria, denominado “Dipsomania: conceituação, direitos humanos e repercussões laborais”. Disponível AQUI.
FOTO de capa: www.hominilupulo.com.br
O objetivo primordial dessa coluna é informar e, também, trazer conteúdo sobre análises que envolvam o universo cervejeiro e suas mais diversas ramificações, sejam elas técnicas, sociais, econômicas, e até mesmo políticas, por que não? Então, o que esperar: análises imparciais (não passo pano para ninguém e elogio só quem merece) e ironia cortante (nem todo mundo alcança).
Reclamam que eu só escrevo para “criticar”, como se a “crítica” fosse algo “ruim” ou “pejorativo” – perdoai-vos Kant, os infiéis sequer sabem o que é uma “crítica”, talvez não tenha lido nem a Crítica da Razão Prática, nem a Crítica da Razão Pura (Magnum Opus) e muito menos a Crítica do Juízo (deveras relevante, já que nessa obra se fala o que é um “juízo de gosto”).
Para além dessa breve digressão introdutória, os ares de agora se focam no “oposto da crítica”, uma evolução tremenda para quem pede a “crítica da crítica” (SIC – seja lá o que for isso…). Vou me debruçar a desvelar um projeto bem legal da cervejaria potiguar HopMundi, que lançou uma série de Single Hops denominada de “I’m…”.
Eu particularmente sou um grande fã de Single Hops, especialmente quando elas servem a um propósito maior de trazer um conjunto de lúpulos e de agregar uma experiência mais didática a quem degusta as cervejas. Single Hops, para os neófitos é quando em uma cerveja se emprega apenas um único lúpulo, ou seja, single = único (singular) e hop = lúpulo.
Não é propriamente uma técnica, e sim uma escolha do cervejeiro em realçar determinadas características que aquele lúpulo em específico pode trazer, isolando-a, sem “blendar” (ou seja, misturar com outros lúpulos) para que suas características mais marcantes sejam mais nitidamente ressaltadas.
Quando se faz algumas cervejas Single Hop em série, tenta-se, ao mesmo tempo e usando a mesma base maltada (neutra) e mesma levedura, destacar as características de alguns lúpulos (geralmente recém lançados no mercado) e também dar certa unidade a uma degustação pareada das cervejas produzidas.
De um modo bastante interessante, se agrega características singulares dos lúpulos, mas, também dá uma maior possibilidade para que as cervejas sejam degustadas concomitantemente, e, assim, extraia-se uma experiência mais rica em demarcação de aromas e sabores, como também de suas aproximações.
A cervejaria natalense HopMundi foi responsável por 3 grandes Single Hops memoráveis lançadas esse ano.
Por mais que não seja algo inovador por si produzir Single Hops, tanto que a série Lover da Dogma foi o marco inicial do boom das NEIPAS no Brasil em 2015, a HopMundi teve o grande mérito (palmas!) de trazer alguns lúpulos ainda (quase) desconhecidos no Brasil.
A cervejaria também se utilizou pioneiramente do lúpulo Strata, já que foi a primeira Single Hop de Strata do Brasil na época de seu lançamento (março de 2020 – por mais que a Koala San Brew ignorasse esse fato e tenha, erroneamente, anunciado que sua Stratacaster era a primeira Single Hop de Strata).
A série I’m… é composta pela I’m Strata, I’m HBC586 e I’m HBC 692, cada uma sendo Single Hop do respectivo lúpulo. HBC é o acrônimo da empresa (Hop Breeding Company) que produz os lúpulos e ela simplesmente os nomeia numericamente, antes de conferir-lhes um nome comercial, daí se chamarem provisoriamente HBC 586 e HBC 692. Todavia, esse último já foi renomeado comercialmente como Talus.
I’m Strata foi a primeira a ser lançada, e trouxe o hypado lúpulo que apresentava características de muito “dank” (em uma tradução literal seria “úmido”, mas trata-se de uma percepção muito singular e de difícil descrição) e aromas próximos ao da Cannabis sativa (o lúpulo e a planta polêmica em questão são “primos”), algo que aumenta ainda mais o hype em torno do lúpulo em tela.
Na avaliação, a I’m Strata não decepcionou, com leves toques de frutas vermelhas, como morango e goiaba, citricidade mediana-baixa, e com grande destaque para tons herbais e florais, ela lembrava vagamente a planta adorada pelos Rastafáris, e sua complexidade absurda era o ponto alto.
A I’m HBC586 seguia a mesma linha inovadora da sua antecessora, e possuía um frutado intenso, com bastante frutas regionais como caju, seriguela, pitomba, mangaba e umbu. Seus tons herbais e florais eram tímidos, já que sua proposta era ser frutada. Era detentora de uma acidez contida e elegante, corpo mediano e amargor baixo, destacando-se precipuamente pela miscelânea de frutas (pouco usuais) em uma NEIPA.
A terceira e última da série foi a I’m HBC692 (nee Talus). Na análise técnica dela, tinha-se no aroma, frutado em primeiro plano, muito caju, seriguela e muito coco, herbal secundário. No sabor, leve picante, corpo juicy, frutado alto, com muito caju, carambola, leve tons de jaca, herbal e floral com pouco destaque, sendo seu amargor mediano.
Nessa cerveja, além de frutas pouco comuns, como a jaca, há um grande destaque para a percepção de coco, em específico, o coco verde, recém aberto, ou como alguns chamam, a “lama do coco” bem fresca, algo bastante singular e bastante inovador.
Já que toda postagem tem que ter sua polêmica (#ChoraHater), há de se dizer que na época em que foram lançadas cada cerveja saiu a aproximadamente 20 Bolsoringas, contando com as extras, um preço bem razoável outrora e não mais praticado hodiernamente – os experts vão dizer que é culpa do “custo Brasil”, já que aqui tem direitos trabalhistas demais…
Espero que não demore muito e os preços voltem a ser o que eram antes, sem que seja necessário que Boulos “invada” e estatize todas as fazendas de lúpulo do vale do Yakima[2] (contém ironia, ele não vai sequer “invadir” nem sua casa de 32m² do “Minha casa minha vida” que você comprou no Guajiru, quanto mais fazendas de lúpulo no noroeste americano).
A série “I’m…” foi marcante no desenvolvimento do cenário cervejeiro potiguar, diria que colocou a HopMundi em “otopatamar” para citar o grande “filósofo” rubro-negro Bruno Henrique #27.
A satisfação com esse projeto de Single Hops foi tão grande que em parceira com o professor Dr. Marcos Nascimento[3] (UFRN) fizemos uma análise técnica gráfica das 3 cervejas, quantificando de 0-10 os seguintes elementos: Citricidade, Dankness, Herbal, Floral, Acidez, Malte, Corpo e Amargor. O resultado dessa análise sensorial técnica pode ser conferido a seguir.
A boa notícia final é que a HopMundi já planeja mais uma série de Single Hops para o ano que vem, ou seja, mais coisa boa a caminho.
Por fim, já que o texto trata de uma parente da Cannabis, deixo como sugestão musical de degustação a minha música preferida do Bob Marley: “Iron Lion Zion”, já que não sou (nem nunca fui) usuário e acho o Planet Hemp bem simplório, musicalmente falando.
Chill out bro e Saúde!
[1] Se você é novo por aqui, entenda o que isso quer dizer vendo a primeira publicação dessa coluna.
[2] Maior região produtora de lúpulo dos Estados Unidos, responsável por 75% do plantio dos lúpulos americanos, localizada no Estado de Washington, noroeste dos EUA.
[3] Registro aqui o meu agradecimento ao prof. Marcos que gentilmente cedeu os gráficos de nossa análise para a publicação.
Hoje vou iniciar a coluna com alguns questionamentos que chegaram em um e-mail de marketing do e-commerce cervejeiro chamado Bros Beer: “de onde vem o hype de uma cerveja?” […] “Estaria o hype associado à qualidade da cerveja? Ou a sua limitação e escassez? Ou a sua nota no Untappd? Ou, ainda, ao fato de todo mundo a sua volta estar falando sobre ela? Talvez um pouco de cada coisa?”. Em uma resposta simples: sim, um pouco de cada coisa, mas, ainda, algo mais.
A origem do hype é algo que não se explica por si. A busca por algo “exótico” ou que todos querem é algo que não se limita apenas às cervejas. Isso é algo bem óbvio, mas em um determinado meio, no caso, o dos beergeeks ou cervejeiros nerds, por assim dizer, essa ânsia pelo novo transcende alguns limites.
De modo sociológico, o hype nada mais é do que o próprio fetiche pela mercadoria – sim, o grande Carlos Marques, vulgo, Karl Marx, está certo sim, amiguinho; você vai pagar caro por algo que não precisa e que nem vale tudo aquilo só porque foi alienado do resultado da sua práxis – já que o valor de troca supera em muito o valor da mercadoria (são margens de 200% ou mais).
Ou será que alguém acha razoável pagar 50 coronavacs (ou quase 10 bidens) numa NEIPA? Não existe malabarismo ou ginástica hermenêutica que justifique esse valor, nem a qualidade nem a performance justificam isso. E nem caiam na ilusão que “você não está pagando pela cerveja, você está pagando (CARO!!!) pela experiência”. Alguém ainda cai nesse engodo? Espero que vocês já tenham superado esse marketing de pseudo-coach-quântico-de-internet.
Existe outro argumento que tenta dar murro em ponta de faca dizendo: tal cervejaria é hypada porque usa melhores insumos, coisa importada, lúpulo fresco plantado nas planícies do Idaho ou no pé da montanha que filmaram o Senhor dos Anéis na Nova Zelândia (o lúpulo de Mordor deve ser o melhor).
Aí você pesquisa mais um pouco, e tem cervejaria local vendendo NEIPA mais caro que (Pastry) Russian Imperial Stout. Enfim, a hipocrisia (já que sai exorbitantemente mais caro fazer uma RIS meia boca que uma NEIPA ótima). Então qualidade não é um critério.
Os filhotes do livre-mercado costumam dizer que cada um é livre para escolher a cervejaria que quiser, e que se tal cervejaria é cara e hypada, que se escolha outra. Adoro o elitismo de quem lucra com isso, mas, deixando a ironia de lado, não é uma simples questão de escolher uma outra mais barata e sim promover um verdadeiro cancelamento das hypadas.
Em síntese, não basta simplesmente não comprar tal cerveja de tal cervejaria hypada, e aqui, vamos dar nome aos bois: Koala San Brew e Spartacus Brewing, duas cervejarias hypadas, caríssimas, e que pouco estão ligando para acessibilidade de seu produto.
Engraçado que ambas são de Minas Gerais e se orgulham de ter técnicas inovadoras, usar lúpulos super frescos, etc etc. Todo aquele discurso marqueteiro que todos conhecem e que não justifica o preço excruciante que elas praticam. Talvez MG tenha sido anexada aos EUA e ainda não nos comunicaram, já que os valores praticados por elas são destoantes com o restante do mercado. Inclusive sua concorrente direta pelo posto de melhor cervejaria nacional, a Dogma, pratica valores bem mais abaixo, algo entre 10 a 15% (há um tempo atrás chegava a ser até 25% mais barata). Mas, como sempre, o hype justifica tudo (para quem acredita nele).
Poderia citar outras cervejas do mesmo talante das mineiras, como a Salvador, que dá frete grátis e tem um produto similar a R$ 34,75 a lata, com envio refrigerado (às vezes a lata ainda chega gelada, e olhe que eles mandam lá do Rio Grande do Sul).
Enfim, alternativas existem, o que é necessário fazer é cancelar cervejarias como a KSB e a Spartacus que praticam preços absurdos e até mesmo incentivam o hype para se locupletar, e já tiveram o despautério de ir às redes sociais de alguns consumidores questionar certos reviews que não lhe conferiam o valor que elas achavam devido. Em outras palavras, consumidores que não embarcaram no hype.
Não vou embarcar na modinha neoliberal de alguns beer influencers que souberam Von Mises, Hayek ou Hoppe ontem indicados por algum vídeo de Youtube do “Olavo de Cavalo” e querem justificar tudo pela escassez. Aliás, algumas cervejas hypadas chegam até a encalhar, o exemplo mais recente é a “No Brainer” da KSB, que entrou em “promoção” em alguns e-commerce, ou seja, a limitação e a escassez não são o elemento prevalente no psicologismo do hype. Talvez a falsa sensação de que o produto é limitado contribua para isso, mas é apenas mais um joguinho mental de quem quer te cobrar mais caro pelo produto vendido.
De outra banda, temos o Untappd, um aplicativo que serve para avaliar cervejas, e os usuários podem deixar suas notas, impressões gerais e até foto da breja consumida.
Eu, particularmente, sou um entusiasta da ferramenta, até costumo pesquisar nela antes de adquirir alguma cerveja, mas a nota em abstrato não me representa muita coisa. Procuro me guiar mais por comentários e avaliações que tendam a ser mais técnicas, sejam de amigos ou dos demais usuários.
O hype se arvora nas notas dadas no Untappd, isso é algo facilmente perceptível, haja vista que o próprio site do Bros, mencionado no início, já fez propaganda da Spartacus (olha, mas que coincidência), dizendo: “Spartacus FWIW | Lançamento em 1ª mão | Limitado 4un por pessoa | rating 4,65 [de um máximo de 5]. Olha só o nível dos feedbacks:” e após isso colava alguns check-ins do Untappd.
No entanto, até aquele momento, a cerveja sequer contava com 60 check-ins, um número estatisticamente irrelevante para se traçar qualquer julgamento com base apenas na nota. Então, podemos concluir que essa publicidade era mero hype ancorado no Untappd.
Sim, o hype é real, precisamos conhecê-lo e até mesmo fugir dele. Todas as cervejarias em maior ou menor escala tentam hypar seus produtos, sejam elas nacionais ou locais. Sejam de MG ou do RN. O hype é onipresente. A saída é o cancelamento (foi assim que procedi com a Spartacus e a KSB a preços “normais”).
Para finalizar, deixo como sugestão musical para degustação de uma cerveja não-hypada o clássico do System of a Down, “Fuck the System”. O hype é o sistema, não olvidem.
FOTO: facebook da KSB
Vamos inaugurar hoje uma nova seção temática nessa coluna, denominada Conhecendo Estilos. Na coluna inaugural falaremos da Yam Beer, também conhecida como “Pumpkin Spice Beer” (no Brewers Association Guide) ou “(Pumkpin) Autumn Seasonal Beer” (No BJCP), ou simplesmente, Pumpkin Ale.
A Pumpkin Ale, ainda que não muito difundida no Brasil, é mais apreciada nos EUA, onde o Halloween é um “feriado” (data festiva eu diria) mais popular, com sua decoração, seus folguedos populares (Trick or Treat? Doce ou Travessura?), e também, sua cerveja.
FOTO: Ethan Calabrese
O Halloween, a corruptela de All Hallows Eve, ao pé da letra, a “noite de todos os santos”, popularmente conhecida por nós como “Dia das Bruxas”, comemorado no dia 31 de outubro, uma reminiscência do antigo Samhain (sendo que sua data é em 30 de abril), que também é um rito de passagem.
Para os “não-pagãos”, como eu, um existencialista cristão, a data de 31 de outubro, também simboliza a Reforma Protestante advinda das 95 teses de Lutero (os “protestantes raiz” também são adeptos de uma boa cerveja para suas comemorações festivas, ainda que mais relacionadas aos estilos alemães).
Mas, se você é terrivelmente evangélico (como diria o mentecapto do Poder Executivo), esse texto não é para você, já que nem uma Yam Beer (do Halloween), nem qualquer outra cerveja (Ein Prosit der Wiederherstellung – Um viva à Reforma) lhes será adequada, retroceda.
A Pumpkin Ale não tem como regra necessariamente conter abóbora (Cucurbita pepo) em sua composição. Por mais que seja um ícone do Halloween (eternizada nos Jack-o’-lantern – abóbora iluminada feita como enfeite para o Dia das Bruxas), esse ingrediente pode ou não estar presente na composição das cervejas desse estilo.
Na verdade, a obrigatoriedade do estilo é outra: a cerveja deve ser necessariamente condimentada. Os condimentos também não seguem nenhuma regra muito rígida de receita, e tendem a incluir, geralmente, canela, gengibre, noz-moscada, cravo.
Dadas as infinidades de condimentos possíveis de serem utilizados, não raramente são encontrados alguns exemplares de Pumpkin Ale com coentro, cardamomo, sálvia, pimenta-do-reino e até casca de laranja para dar um toque diferenciado na cerveja.
Seu aspecto tende a ter uma coloração mais alarajanda, variando em tonalidades, desde as mais claras até algumas bem escuras. No geral, são cervejas bem equilibradas, sem nenhum destaque maior ao maltado ou ao lupulado, usualmente tendente ao terroso ou ao resinoso em alguns casos, mas sempre tentando manter uma tendência mais neutra, para que os condimentos possam ter seu lugar de brilho.
No Brasil, abóbora é conhecida como jerimum em alguns estados, inclusive no Rio Grande do Norte. Em virtude dessa particularidade, e para comemorar o Halloween com uma cerveja no estilo apropriado, a Jerimoon, da cervejaria Bier Hoff, foi a escolhida para tal evento.
Ela é uma cerveja bastante condimentada, como o próprio estilo pede em suas credenciais. Na receita, ela leva abóbora e aroma de canela, cravo, gengibre, noz moscada e pimenta da Jamaica.
É uma cerveja de fácil acesso, encontrada em grandes redes de supermercado, a qual já tive a oportunidade de degustar por seis vezes. Tem um valor relativamente acessível, na casa dos 10/15 reais.
Apesar de uma quase infinidade de condimentos utilizados, ela consegue ser bem equilibrada, fazendo com que nenhum deles ressalte tanto (talvez a noz-moscada ganhe algum destaque a mais, mas nada que interfira nos demais elementos). Isso faz com que todos os adjuntos possam ser percebidos e apreciados com o seu devido valor. Inclusive, até o jerimum, ou melhor, algo parecido com doce de abóbora pode ser percebido no sabor, dando um leve dulçor agradável ao conjunto, complementado por uma finalização levemente terrosa da lupulagem.
Derradeiramente, podemos concluir que Yam Beer não é algo muito usual, já que culturalmente não estamos tão ligados assim ao Halloween, nem aos costumes que a ele são remetidos historicamente. Todavia, é um estilo bastante interessante, pouco usual, equilibrado, e não tão difícil de ser encontrado até mesmo em uma gôndola de supermercado.
Assim, não posso deixar de recomendar que, caso encontre uma Pumpkin Ale, por um preço acessível, não deixe de se aventurar por essa bebida “típica” do Halloween, ao menos para os cervejeiros que a degustam.
Como recomendação musical para esse dia de Halloween e para degustar uma cerveja apropriada para esse dia, não poderia deixar de indicar uma banda que o próprio nome faz jus à festa: a banda alemã Helloween. E a música indicada não poderia ser outra: Halloween do segundo álbum lançado pela banda alemã de power metal, em 1987, nomeado: Keeper of the Seven Keys Part 1.
“Ah! It’s Halloween
Ah! It’s Halloween… tonight!”
Saúde, e bom Halloween a todos!
Boo!!!
Gostaria de começar o texto de hoje com uma pergunta recorrente, entre amigos, seguidores, e do público que consome cerveja em geral: clubes de cerveja valem a pena? A resposta curta e simples é: não. Mas, vamos chegar até o porquê desse não.
Existem clubes de cerveja de todas as envergaduras e para todos os gostos. Existem clubes nacionais e clubes locais.
A ideia básica de todos eles é fazer uma seleção mista de cervejas, tentar baratear o frete para o assinante e também conceder alguma benesse, seja desconto no portfólio do site, brinde, ou copos e outros colecionáveis ao assinante.
As opções variam em função da quantidade de cervejas, se elas se repetem ou não dentro da assinatura mensal e se o frete concedido realmente é grátis. Essas são as premissas básicas de todos os clubes
Eu já fui sócio do antigo Clubeer, que depois virou Wbeer e por fim foi incorporado ao Clube do Malte, que também já tinha seu próprio clube (e eu fui assinante também), concomitantemente aos outros citados.
O Wbeer/Clubeer era relativamente bom, tinha frete grátis, a seleção das cervejas não era espetacular, mas no período da copa do mundo de 2018, os assinantes do clube tiveram acessos à ótimas cervejas por um preço muito baixo (na época compensou demais pagar 9 reais numa Perigosa da Bodebrown), cancelei pouco antes de o Clube do Malte o adquirir.
Já o Clube do Malte, por alguns apelidado jocosamente de Clube da Fraude, sempre foi bem ruim, péssima seleção de cervejas do mês, muito caro, frete alto, e ainda vinha com uns copos de imitação de cervejas gringas, ou seja, uma lástima. Cancelei há tempos.
Ultimamente, estava assinando apenas o clube da Wäls, chamado de MadLab, o clube local da HopMundi, chamado de HopMundi Experience, e o Barrel Club da Trilha, que até esse ano era exclusivíssimo, pois eles sequer enviavam para fora de São Paulo.
O MadLab sempre foi bom (cervejas realmente exclusivas), mas foi abruptamente encerrado unilateralmente pela Wäls no início da pandemia, sem qualquer aviso prévio ao assinante, algo que não surpreende, já que a lida com o cliente por parte da Wäls é horrenda.
Ainda permaneço como assinante do HopMundi Experience e com o da Trilha. Para além desses citados, em âmbito nacional, existe também o do Boxer Beers, que segue a mesma fórmula, mas eu nunca assinei, posso apenas opinar abstratamente.
Em regra, os clubes de cerveja não dão a possibilidade de escolher as cervejas do mês. Dentro dos planos oferecidos, o assinante pode opinar pela quantidade total de cervejas, e, por vezes, pode optar se são cervejas mais “básicas” ou mais “premium”, dentre algumas nuances.
Mas, a regra é não se optar o que se está adquirindo, ou seja, isso acaba sendo por terceirizar a escolha do consumidor. O problema nessa terceirização (e em qualquer forma de terceirização eu diria) é que se perde o controle do que está sendo feito. Você não sabe exatamente o valor que se está pagando por cada cerveja, ou quanto pagaria se a adquirisse por fora do clube, delegando a escolha a outrem e pagando um valor bem alto por esse tipo de serviço.
O valor pago acaba não compensando, principalmente, se, unitariamente, o próprio consumidor fosse atrás das cervejas, por estilo que mais lhe apeteçam, ainda que pagando frete.
Um dos clubes que ainda mantenho é o da HopMundi Experience, na modalidade anual (12x iguais, ganhei uma taça ISSO da marca), com 4 cervejas iguais, saindo por R$ 18,75 cada.
Ainda o mantenho por comodidade, porque certamente não há mais a exclusividade de outrora, nem quanto ao recebimento (parte da produção é em São Paulo), nem quanto às próprias cervejas, já que a maioria delas é vendida nos PDVs locais (Clube da Gela, Minha Cantina, Premium Express) por preços muito semelhantes (por vezes, mais barata até).
Quando os lançamentos não são prioritários para os membros do clube e as vantagens financeiras não são expressivas, o consumidor se sente preterido e o clube passa a ter pouco sentido.
Algo semelhante pode ser dito sobre o Barrel Club da Trilha, mas ainda não tomei a decisão de cancelar ou não, já que a oferta deles ainda é bem limitada.
Por hoje, não haverá análise sensorial de nenhuma cerveja, mas há de se encerrar que a melhor opinião é sempre a sua própria. Em certo sentido, esse é o conceito primordial de autonomia.
Então, ao invés de delegar a escolha a um clube de cerveja, adquirindo cervejas de não tão boa qualidade por um preço não tão atrativo, melhor você mesmo pesquisar e montar a sua carta do que beber durante o mês.
Recomendação musical para a análise dos clubes, um trecho profundo dessa letra, que serve para muitas outras coisas na vida: “So, is knowledge a friend or a foe? ‘Cause you don’t suffer from what you don’t know”: Vintersorg – The Essence.
Saúde!
Foto: Luís C. Kriewall Filho/Especial
Seria um lugar comum dizer que cerveja artesanal é um produto caro. Mas é desse lugar comum que eu gostaria de partir hoje. É uma obviedade ululante: cerveja artesanal não é barata. Nunca foi, não é, e nunca será. Se há um não ser cervejeiro, é não ser barata.
Isso contribui para um certo elitismo, algo que é dado mesmo entre as cervejas mais comuns, ditas de massa. Ou quem nunca participou de uma discussão de mesa de bar para provar que Skol (ou Heineken ou insira o nome de sua cerveja de massa favorita aqui) é superior/melhor que Schin, Itaipava ou Glacial (para citar três odiosos exemplares). Mais um lugar comum nessa análise.
Mas, gostaria de trazer o exemplo inverso, de quando uma cerveja artesanal não sai (tão) cara assim. E sem fazer propaganda diretamente, mas já fazendo de modo involuntário, temos no dia de hoje, sendo vendida em uma grande rede de supermercados da cidade do Natal, o nordeste no aumentativo, a “Sofie”.
A Sofie é uma Farmhouse Ale (ou Saison – pronuncia-se “cêzôn” –, como queiram) da Goose Island, cervejaria que integra o portfólio da AmBev, por singelos R$ 7,99, menos que uma nota de arara.
Tudo bem, é o segundo ensaio e pela segunda vez eu menciono a AmBev, e mais uma vez tenho que dizer que a Goose Island também não perdeu qualidade ao ser adquirida pela megacorporação, e não se enquadra no conceito de Det Som Engang Var (se você não conhece esse conceito, volte duas casas e leia o meu ensaio anterior).
Mais que isso, pelo preço pelo qual ela está sendo vendida, ela é uma verdadeira barganha. E a Sofie está sendo vendida por esse valor porque está próxima ao vencimento, que a rigor, no rótulo é 03/12/2020, já que essa é a versão de 2015.
Todavia, vencimento no Brasil é algo meramente legalista e formal, não reflete o potencial de guarda ou duração de uma cerveja (uma NEIPA pode ficar ruim antes do prazo de vencimento, ao passo que uma cerveja como a Sofie pode durar vários anos “após vencer”, ou seja, depende do estilo, do armazenamento, transporte, etc.).
Uma cerveja como a Sofie é um verdadeiro investimento de longo prazo porque certamente ela aguenta sem grandes percalços de aroma e sabor pelo menos mais 5 anos, quiçá mais tempo.
Levando-se em conta o enquadramento econômico de crise global pela pandemia do Covid-19, e que o dólar está custando exatamente 5,65 notas de beija-flor dentro da cueca de um senador na cotação do dia, a Sofie está custando $ 1,41 unidades de Trump perdendo a eleição. Um preço que talvez nem seja encontrado caso se tente comprar em um supermercado norte-americano. Em Chicago, IL, onde ela é produzida, a unidade deve custar em torno de $ 1,60 dólares no 6 pack.
O contexto dado revela que, nem sempre, uma cerveja artesanal de uma qualidade altíssima como a Sofie vai custar um valor inacessível. Pelo contrário, eu recomendo que, quem puder, estoque essas cervejas, pois, daqui a 5 anos, $ 1,41 dólares certamente não valerá menos que 20 reais (que é o preço regular, pelo qual ela era vendida no supermercado em questão).
Ou seja, esse é o verdadeiro hedge cervejeiro como forma de proteção diante da desvalorização cambial.
Para finalizar, gostaria de fazer uma breve análise sensorial da Sofie. Acho sempre válido ter em mente o que as cervejas podem oferecer em termos gustativos.
Então, no aroma, percebe-se claramente tons cítricos, alaranjados, complementados por uma condimentação característica do estilo (notas de cardamomo e coentro), levemente apimentada.
No sabor, destaca-se seu corpo frisante, lembrando vagamente a aparência gustativa de um espumante, leves notas amanteigadas e de baunilha, fechadas por uma leve salinidade na finalização, acompanhada de mais tons cítricos.
A nota final é um espetacular 9, levando-se em conta o custo-benefício imbatível dessa cerveja, bem como toda a carga representativa de um estilo não tão difundido e também a sua acessibilidade, tanto em termos de valor nominal de venda, como de local para ser adquirida.
Recomendação musical para a degustação: Jessie J – Price Tag.
Diz a letra “Money can’t buy us happiness”, mas se você buscar bem, compra boas cervejas, sem precisar ser elitista!
Saúde!
Ps. Certamente, R$ 7,99, não é exatamente barato, mas, é o equivalente a quase 2 Heinekens, é só fazer a troca. Beba menos, mas beba melhor!
[1] Hedge é um instrumento que visa a proteção dos riscos oferecidos pelas oscilações do mercado financeiro.
Falar de cervejas, em específico, das artesanais, ou especiais, como preferirem, é sempre um desafio, e também um prazer. Falar de modo livre e abrangente, até certo ponto, é algo mais fácil, por possibilitar que as ideias fluam de uma maneira mais natural, por assim, dizer.
No entanto, em todas as degustações que eu faço sempre tento ter algum foco na análise. Algo que faça com que as cervejas e/ou a comida que as acompanham (que “harmoniza” com elas) tenha alguma combinação em especial.
Portanto, tendo esse norte, apresento-lhes uma das duas cervejas degustadas no último final de semana. Na verdade, trata-se da mesma cerveja, a “Niobium”, uma West Coast IPA da cervejaria Wäls do mega grupo da AmBev.
Os mais puristas dirão que a Wäls não é nem sombra daquilo que um dia ela foi (eu também gosto de usar esse termo, o qual sempre me lembra a música icônica do grupo de Black Metal Norueguês Burzum, chamada “Det Som Engang Var”, que, traduzida ao pé da letra, quer dizer: “aquilo que um dia foi”).
Todavia, a Niobium, em especial ela e a sua variante barricada degustada em paralelo, não entram no meu conceito de cervejas ou cervejarias “Det Som Engang Var”, pelo contrário, possuem as mesmas características que um dia a tornaram especial (tomando-se por base que nos meus alfarrábios do Untappd, aplicativo que eu uso para registrar minhas degustações, a primeira vez que degustei a versão “regular” e não barricada da Niobium foi em 8 de agosto de 2015).
Pois bem, indo direto ao que interessa, a degustação em apreço foi pensada para que se pudesse observar a variação que o barril foi capaz de conferir à versão envelhecida da Niobium, exemplar exclusivo do clube de assinatura da própria Wäls, chamado “MadLab”, nomeada de “Niobiumdemissouri”, degustada pela primeira vez em 8 de fevereiro de 2019, dois meses após seu lançamento.
A princípio, ela estava com o barril muito acentuado, ou seja, notas de madeira muito fortes, o que me levou a deixá-la guardada por pelo menos mais um ano e meio, ainda que seu “vencimento” tenha se dado em janeiro de 2020, um mero requisito legal, já que uma cerveja dessa não “vence” no sentido comum do termo. E não ficou imprópria para consumo, por mais que já estejamos em outubro.
O intento, portanto, metodologicamente, era ter um exemplar da versão barricada mais amaciado, em contraposição a uma Niobium regular ainda sem que tenha se vencido, para que uma demonstrasse a versão mais crua e mais lupulada da cerveja (a versão regular ainda no vencimento) e a outra fosse a versão barricada amaciada, um pouco mais envelhecida, e menos agressiva em seu amadeirado.
A hipótese de fato se concretizou, ainda que não por inteiro. A Niobiumdemissouri ainda apresentou notas amadeiradas muito evidenciadas. Se eu esperasse mais dois anos para abri-la não seria nenhum exagero, tenho plena certeza.
No entanto, ela realmente deu uma amaciada com o tempo, o barril, ainda que intenso, não estava agressivo, ainda que notas comuns de barris ex-Bourbon, não estivessem tão sobressaltadas, tais como coco, baunilha e notas assemelhadas.
O que se viu, foram notas herbais bem definidas e evidenciadas, notas de boldo, erva-mate, anis e erva-cidreira foram o tom mais preponderante, após o amadeirado evidente, é claro. E a contraposição feita à Niobium regular, com seus leves tons cítricos, maltado caramelado destacado e seu herbal presente, ainda que sem notas fortes de ervas que remetam a chá, foi de grande valia.
A Niobium regular tendia mais ao pinho e ao resinoso, enquanto que a sua versão envelhecida trazia essas notas de ervas mais evidenciadas, principalmente o boldo, algo não tão comum em IPA’s. Aliás, não tão comum em cervejas no geral, sendo uma experiência bastante singular conseguir encontrá-las nesse exemplar envelhecido.
Certamente, pode-se dizer que a diferença entre as duas é gritante, e isso era algo sabido desde o início da degustação. A nota a elas atribuídas não pode ser dada em um comparativo direito, e sim em uma analogia evolutiva de uma mesma cerveja, que recebeu um tratamento diferenciado para se tornar o que ela é após o processo de envelhecimento.
Assim, sendo, certamente que a versão regular da Niobium é bem “simplória” em um comparativo direito, mas, para os fins por ora perseguidos, ela serviu perfeitamente, sendo o ponto de partida essencial para a comparação.
É sempre uma ótima experiência essas impressões comparativas entre versões diferentes de uma mesma cerveja. Mesmo sem pertencer ao mesmo lote (e exigir isso realmente seria de um rigor científico infactível para um degustador profissional, quiçá para o mero mortal que vos escreve), são capazes de mostrar nuances que aproximam e que também se distanciam de um mesmo ideal de uma WC IPA bem executada, ainda que com propósitos diferentes.
A nota final é 7,5 para a versão regular da Niobium e 8,5 para a versão envelhecida, a Niobiumdemissouri. Caso alguém ainda tenha a versão barricada, recomendo a degustação pareada, embora ela seja algo difícil de se conseguir, já que sua produção foi limitada ao clube do MadLab.
Recomendação musical para a degustação: Buzum – Det Som Engang Var, para mostrar que a Niobium nem a Wäls se enquadram no conceito proposto.
Saúde!
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