a concha
que não quis ser tocada
seguiu
o destino das conchas
(que não são tocadas)
secou
sem conhecer a pérola
ai de vós
profetas
ai de vós
poetas
nem mesmo os vossos
vos ouvirão
A pele dela é noite
E o sorriso é lua
Vi o céu escuro
Quando a vi nua
E dentro daqueles lábios
Quentes era, como o sol
E a cada beijo meu gelado
Em silêncio, ela oceano
A pele dela é noite
E o sorriso é nua
Lhe despir pura
Fiz gemer, sua(r)
Ergue-te sertão florido,
Com tua gleba risonha,
Teu horizonte dourado,
Com que o poeta sonha.
Sertão, amado sertão,
Eu te amo loucamente,
Tua terra primorosa,
Teu panorama excelente.
Sertão dos dias bonitos,
Noites mais enluaradas.
Sertão do homem forte,
Da mulher mais animada.
Sertão das manhãs rosadas,
Das tardes mais sorridentes.
Sertão das noites de farra,
Das sertanejas contentes.
Adeus sertão dos meus sonhos,
Meu sertão das vaquejadas;
Das gorduchas sertanejas,
Faceiras, lindas e coradas.
Já li Saint-Exupéry
Aquele de Terra dos Homens.
Hoje tomo Augusto dos Anjos
Em doses homeopáticas.
Pois a morte é certa
Os dias incertos
E, sobretudo, não tenho pressa.
Nem tudo
foi
sem eles
EU PODERIA PASSAR AS NOITES SEM TEU CORPO
À sombra do meu olhar, aniquilado –
um coração maior
me perpassa os dias;
Me orienta para os eus esquecidos
– onde me perdi –
seriam vulvas negras –
manhãs de faces coloridas –
noites minhas –
boemias anoitecidas?
II
Na senda do teu olhar, eu vi manhãs
desprendendo coisas – meus corpos
jogados em camas brancas –
sem lençóis pregados ao colorido das manhãs.
Eu vi teus olhos galopando estrelas –
Eu vi teu corpo se contorcendo sobre as esteiras
de nossas almas –
almas jogadas na lama da vida,
ali, onde o corpo se renovava
no egoísmo comum
do homem que sempre fui,
do homem solitário de Deus,
do homem em meu corpo e só…
III
Eu poderia passar as noites sem teu corpo
– aquela brancura sobre o pano azul das almas
– o beijo jogado ao ar
– os olhos pequenos e singelos
– os cabelos pretos e finos
– a solidão em que me regenero.
Eu poderia passar as noites em teu corpo,
mas o teu corpo,
sozinho,
é apenas um…
– um corpo branco na noite de nostalgia
– um corpo a se contorcer em gozo e alegria.
Agora, teu corpo está em mim como uma lembrança
de uma noite de chuva e trovões
em que nossos corpos –
banhados de nadas –
sufragavam em distrações!
Eu poderia, sim, eu poderia,
passar as noites sem teu corpo,
sem a lembrança de uma manhã na praia fria,
de uma noite em ruas despidas,
de uma carreata e cânticos
sacros em nós.
Passar as noites sem teu corpo nesta cama fria,
prende-me às solidões das coisas,
às claridades em nós!
Eu poderia passar as noites com teu corpo
aqui, ao lado, ternamente…
Com teu corpo no meu – doce presença –
nas manhãs de bons-dias (diferentes).
IV
Existe, no teu corpo, uma essência
De noites e tardes e manhãs;
existe, no teu corpo, uma natureza
perdida em misericórdias infinitas.
O teu corpo é como as mil moradas
em que os homens antigos habitaram.
Teu corpo –
partido ao meio –
é minha divisa
entre a solidão
e a carne fria.
Foi no teu corpo branco onde sonhei
os dias de verões assinalados –
ondas do eu crivado
da bala de mim
noutro qualquer.
Existe, no teu corpo, uma morada –
uma coisa que em mim se diviniza –
algo que em nós nos demoniza!
No alto do teu corpo vejo o espectro
do outro que em nós
se desmorona.
Longe do corpo,
a alma é sombra…
Somente alma
na senda sozinha
do inferno de nós.
a) Há um homem em mim que me desafia
a desfilar no inferno das horas e dos dias.
Um homem a me surgir –
fugaz, efêmero –
homem de si –
apenas sereno.
No meu peito,
este homem
é um inflamado
às portas do inferno
do eu – um maltratado.
No meu peito morreu o primeiro homem –
o homem original de Adão Perdido –
o amante resignado e inibido
pela moral de si ou outro qualquer.
V
Longe do corpo –
meu coração, agora,
é apenas um reflexo
de mim em outro qualquer.
Longe do corpo –
nós –
no singular desprezo,
caminharemos em retas
pelos mundos desconhecidos
de nossas eras.
Há muitos risos lá fora –
uma multidão de pessoas
que nos espera
às portas de uma casa qualquer…
Toda a vida se esvai, assim,
pelas frestas de mim.
VI
Vinhas caminhando
pela senda amarga
e nas noites mais tristes
de minha existência,
entravas pela porta amena
de minha solidão (minha gota d’água).
Aqui, desprendida e sob a cama fria,
acompanhava-me na jornada do não-ser.
Quantas manhãs sobre teu corpo branco!
Entregues a um prazer mais que humano,
sonhei alegorias!
Minha vida toda foi uma ilusão de egos –
um desperdício de infâmias –
uma conjugação, uma estranha
Vontade de Potência e nada mais!
Em teu corpo percorri estradas –
minhas fronteiras
perdidas em horizontes –
minhas vagas!
São tantas distâncias não sabidas –
são tantas fagulhas
do meu eu –
enlouquecidas.
São tantas horas –
meu corpo sobre teu corpo nu –
na sombra que me guia
para além do sentido –
– teu beijo ao sul!
Por que tanta solidão
nesta noite de indizíveis eras?
Por que teu corpo
não me sacia
em meio à angústia
que me encerra?
VII
Eu sei que não mais virás.
Não transporás
os umbrais de minha casa –
longa habitação
(fuga sonhada).
Lhe escuto chegando entre o vento,
passando as dunas de agosto que voam,
lhe espero entre a ventaneira.
Procuro e agarro a contento,
em panos que te apoiam e adornam,
a buscar saúde na benzedeira.
Sumiste entre a areia e a paisagem.
Cheiro de coqueiros, cajus e mulungus
Imagino esconder-se pela gameleira.
O vento é alarido, combatendo areia e gemidos
as rochas são olhos negros, firmes e ariscos.
O imenso céu azul límpido leva nosso menino.
O mar enfeita o tempo entre ruídos.
Sou 1935, verdes ares e golfinhos.
Prazer, Genipabu esperando meus nativos.
À tarde,
do mais humano da calçada,
víamos mulheres com cântaros à cabeça.
A rodilha pairava na asa do tempo. Tenras certezas
a paz mineral fulgia. Animais em sua herdade. Mar
campestre, enquanto mulheres
cantam a segurança azul da água.
Um velho prendia-se à jovial corrente de ouro
e varava
o esquecimento.
As cordas do meu coração
vibram uma palavra
a cantar o indizível.
E em silêncio, ali escondida
sentimentos mil ecoa
embora adormecida
a gravidez da palavra desponta:
Uma melodia viva de empatia
tessituras mil,
os anseios do mundo.
Sons de pássaros voam longe e aqui
dentro de mim, nessa palavra absolta e gestante
a dar a luz
iluminando os sonhos das crianças,
e os desejos dos mais velhos,
traduzindo o perfume de flores raras que já dormem
pra germinar plantas novas.
Há uma palavra nas cordas do meu coração a encantar
e romper o vazio de meu ego
tornando linguagem plena,
a bradar e convencer
ali envolvente em mistérios
no átrio do meu peito:
o amor.
Essa estrangeira sem nome, sem rosto, sem riso
Disfarça, mas me olha, de dentro de seu abismo
Ela viaja comigo: sombra calada, monja
Meio fantasma, meio ferida
Sobrevivente de nada, queimada, ardida
Sob véus calcada, sob véus contida
Me prendendo também
Em sua cripta
João, Moisés, Mariozinho, José.
Quantos nomes. Quem são?
Desconhecidos em meio à multidão.
Invisíveis? É claro que não.
São crianças.
Todas têm nome, sangue, cores e coração.
Na escola, quase não vão.
Sentem fome.
Apenas de pão? Lógico que não.
Casa, eles têm? Moram com quem?
Alguns preferem a rua, outros a Lua que os faz sonhar.
Lá na Lua, não tem fome, nem frio, nem chuva, nem vento.
Só o pensamento.
Da Lua prá cá, a fome vai passar.
Basta fechar os olhos e sonhar.
AINDA ERA CARNAVAL
me convidaram ontem
pro bloco dos felizes
não pude ir
não consegui achar
a minha velha fantasia
A alegria é bicho
de estimação.
Esqueci quase
tudo de ti. Caras
desejos
sabor. Tua risada
entretanto, as
vezes pula no
meu colo e me
enreda com seus
novelos de luz
O beco estreito
da velha cidade
guardou os deleites
dos grandes amantes.
O beco estreito
da velha cidade
guardou uma pedra
de diamantes.
O beco estreito
da velha cidade
guardou as memórias
dos navegantes.
O beco estreito
da velha cidade
beco da troca,
beco da trama.
O beco estreito
da velha cidade
foi beco da dama,
o Beco da Lama.
Rosy Nascimento é mais uma artiste multifacetada escolhida para figurar no ‘Um Poeta Em Cada Esquina’. Um quinto episódio do projeto para falar de zines, literatura, a necessidade de preencher papéis em branco com inúmeros rabiscos e as dificuldades em trabalhar com audiovisual em um momento de tanta censura e muito mais.
Poeta, produtore, pesquisadore, cineasta, Rosy passeou pelas palavras com a desenvoltura de quem ultrapassou alguns limites impostos pela sociedade ainda racista para falar de racialidade neste podcast abaixo e também nos projetos cinematográficos que participou, a exemplo da Mostra Macambira.
Desenvoltura de quem é não apenas resistência, mas resiliência, é poesia pouco romanceada, é coragem, é densidade forjada pela sensibilidade e pelo preconceito, pelo “Desvio“, pelo desejo de falar, expressar, gritar. Mas antes do bate-papo, curtam um tiragosto de apenas 1’28” para sentirem a força e a fragilidade de Rosy Nascimento.
“Um poeta em cada esquina” é um projeto de Gessyka Santos e Gonzaga Neto, realizado com recursos da Lei Aldir Blanc Rio Grande do Norte. Fundação José Augusto, Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal.
FOTO: Edinho Alves
A poesia é uma asa.
É a pena desprendida do pássaro
soprada pelo vento,
e flutua sob nossos olhos
carregada de boas sementes.
E florida a asa, a pena solta,
penetra em nossos olhos,
toca nossa pele,
enfeita-nos o coração.
E quando menos se espera,
se vê, de repente,
flores e frutos na alma
a nos envolver docemente.
A poesia é a asa
de um pássaro contente.
Como quem sonha um pássaro
como quem prende um suspiro
como quem caminha nu
transpirando luz e lírio
como ao orvalho da dor
eu te respiro
sonhos quebrando além de mim mesmo
arrastando torrentes de saudades
buscando o voo de luas
caminho comigo e te ouço
teus passos me seguem
tua pele distante
me queima e afaga
teus olhos de mistérios deslizam
em mim
e neles mergulho minhas todas saudades
sonhos
dias
anseios
flores
esperas
e tantos aindas…
Sei.
Concentras no teu sexo
o leite, o sal, o mel
que há na framboesa silvestre
do teu beijo
Longe de ti meus pulmões padecem de maresia e firmamento.
De manhã é sol, brisa, assobios, cana, caju, ginga e tapioca.
No almoço cioba, cavala ou serra fritado no óleo, tomate e cebola.
Suco de umbu, caju ou graviola. Coco, cerveja e cocada.
Açaí não é daqui, por favor leve para longe de mim.
Caminhada partindo do mercado, praiando, conversando e andando.
É sol na moleira, picolé de caicó e pensar doideras.
Lembro dos bêbados espirituais: Chimbal, Babau, Cícero Bucha e Serginho.
É passinho e vou passeando pelas ruas: Cruzeiro, Beberibe, Bauru e Guimarães.
Encontro no youtube o canal Árvore de Cordel rimando Redinhares e mares ancestrais.
Rio Doce lhe partiram ao meio, lhe encontro cancioneiro buscando o mar.
Descanso no posto salva vidas, não é mais velha é nova a subida.
Padeço de cansaço, decido boiar em nossas águas, descanso e flutuo na beirada.
Redinha dos meus amores és uma malhada, você é Redinhares sua danada!
Sigo cantando Litorânea e beiradas, é Aquário, casas e mulungos.
Brisa da tarde na Verdes Mares, atrás do Portal já operei milagres.
Escrevo na areia o meu nome.
A água vem e apaga.
Escrevo na areia o nome do meu amor.
A água vem e apaga.
Onda teimosa,
nada entende de nomes.
Nada entende de amor.
Antes de ilustrador, de professor e Letras ou mesmo de poeta preto de terreiro, Canniggia Carvalho é um ser de expressão. Não importa o meio, mas a busca pelo dizer da forma mais perfeita possível, seja pelo desenho, pela poesia ou pelo falar. E incentivado por Clarice Lispector ou por uma barata, por macabéias nas esquinas.
Este poeta. este professor que leva sua cor, sua história ancestral e sua vontade de educar, de falar às salas de aula, foi o convidado do projeto ‘Um Poeta em Cada Esquina’, conduzido pela também poeta Gessyka Santos. Todo o papo está disponível em formato de podcast e com o bônus de um vídeo-poema como sobremesa.
“Um poeta em cada esquina” é um projeto de Gessyka Santos e Gonzaga Neto, realizado com recursos da Lei Aldir Blanc Rio Grande do Norte. Fundação José Augusto, Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal.
Apenas deságue em mim
e faça surgir
um coração
em meu ventre.
Um ser em transição entre o caos dos sentimentos e os delírios da razão.
Uma somatória de traumas que causam problemas corriqueiramente.
Como vou te explicar o que acontece na minha mente?
Um ser que sente e que se pudesse escolher não pensaria duas vezes, escolheria não sentir.
Como forma de proteção, como forma de salvar o coração.
Imperfeito
Sou feito de defeitos
De medos
E de alma.
Meu peito exala meus sentimentos mais íntimos.
Imperfeito
Me rendo aos padrões e descubro que não preciso de sugestões,
Sou perfeito por admitir ser imperfeito.
toda vez que a lenha estalava no fogo
o cheiro do café gritava,
acordando todo mundo
De frente ao nosso reflexo,
Somos escravos do vidro.
Aparência acovardada:
dignidade só estragada.
Aparência não é vivência
sem nenhum gás de essência.
Espelhos de horas verticais,
outras: luzes horizontais.
Fractais de bits artificiais.
Sempre Moore e consumo demais,
escravos de vícios digitais.
Aves ardem
portos barcos muros.
O sol
cancioneiro
veleja em hábil azul.
Jaz.
E, baixo, desliza
o pomo do seu gasto sossego.
Amém Ore. Nome estranho, mesmo para poetas. E Amém como Deus do Egito, embora o poeta desacredite em tudo. Portanto, há uma crença na descrença. O Ore é uma sigla: orgulho, raiva e ego. Uma autocrítica. E Amém Ore não só fala, declama e vence por duas vezes o slam de poesia potiguar, mas também ouve, se ouve para declamar, protestar e se reconhecer.
Poeta que domina o ritmo da poesia, marginal ou não, da música, de protesto ou não, Amém Ore foi o convidado do terceiro episódio de ‘Um Poeta em Cada Esquina’, projeto conduzido pela poeta Géssyka Santos, disponível em podcast no youtube e com o bônus de vídeos-poemas belíssimos, que vocês conferem ambos logo abaixo.
As expressões da poética na voz, na escrita ou na música. O poder da poesia nessa tríada, seja para alívio da alma ou provocar o espírito, além de um EP intitulado IRA, com quatro faixas e indicado a quatro categorias do Prêmio Hangar, entre outros assuntos correlatos, foram temas dessa conversa descontraída com Géssyka. Oremos pela poesia!
“Um poeta em cada esquina” é um projeto de Gessyka Santos e Gonzaga Neto, realizado com recursos da Lei Aldir Blanc Rio Grande do Norte. Fundação José Augusto, Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal.
Vi lua no mar
Quem disse que lua é coisa de céu?
Só sei que lua é coisa de mar
Enche de cor a água salgada
Que molha o cabelo da menina
Se transforma em espelho d’água
Para ela se olhar
Lua não é coisa de céu
Lua é coisa de mar
E-mail: Sergiovilarjor@gmail.com
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