150 anos de Mossoró e uma (des)lembrança de Luiz Campos

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Hoje a maior cidade em área territorial do Rio Grande do Norte completa 150 anos. Mas se tamanho não é documento, o país de Mossoró ostenta também a alcunha de capital cultural do Estado.

Tem um nome com sotaque tão nordestino… Mossoró! Oriundo da antiga tribo Cariri dos Mouxorós, que habitaram a região até o século 18. Em 1772 foi erguida a Capela de Santa Luzia, que contribuiu para o povoado que daria início ao município.

Se Mossoró é mesmo tão cultural e orgulhosa das histórias de heroísmo quando botou Lampião pra correr, e de pioneirismo na libertação dos escravos, do primeiro voto feminino, etc, carece da lembrança de algumas de suas figuras mais talentosas.

Luiz Campos

O poeta Luiz Campos é nome de rua, no bairro Santa Delmira. Merecia nome de avenida, de escola, biblioteca, de alas no shopping etc. Seria o mínimo pelo mínimo que lhe foi oferecido em vida. Viveu e morreu pobre. De riqueza, apenas o talento como um dos maiores poetas populares do Estado.

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Luiz Campos, Sergio Vilar e Gustavo Porpino. Ano 2005

Em 2005 estive em sua casa. Eu e o colega jornalista Gustavo Porpino traçaríamos um panorama cultural de Mossoró para a revista Preá. E o título que dei à matéria já diz muito: “Um poeta abandonado e faminto”.

Morava na casa nº 2886, na avenida Rio Branco, bairro de Lagoa do Mato. Era de uma simplicidade que beirava mesmo o abandono. Sequer banheiro tinha! Em frente, ainda lembro, havia um pé de algodão do pará. Fachada colonial, desgastada.

Luiz Campos preferia mesmo eram as andanças nas redondezas, ainda que a vida tivesse lhe roubado 95% de sua visão. Na rua encontrava gente, porque apesar dos tantos filhos, morava só. Ele, seus 66 anos à época, sua viola e uma cama velha coberta por uma colcha de retalhos.

Poeta faminto

Mesmo tento viajado por 18 estados acompanhado de sua viola, brincou: “Num sou famoso, sou faminto”. Uma modéstia que deixa despercebido mais de 40 títulos escritos e gravados por compositores locais como Genildo Costa e outros famosos no Nordeste, como Amazan.

E se a vida caminhava difícil para Luiz Campos, a infância lembrada não distava daquela realidade. “Minha meninice foi muito sofrida. Só quando comecei a cantar tive mais mordomia. Ainda assim, pra ganhar dinheiro com cantoria era melhor antes”.

Um registro de sua mocidade está publicado numa de suas cirandas de cordel mais famosas: “Carta a Papai Noel”, editada pela coleção Queima Bucha:

“Seu moço eu fui um garoto/ Infeliz na minha infância/ Que soube que fui criança/ Mais pela boca dos outro./ Só brinquei cum os gafanhoto/ Que achava nos tabuleiro/ Debaixo dos juazeiro/ Com minhas vaca de osso/ Essas catrevage, sêo moço/ Que se arranja sem dinheiro”.

Sem querer alongar memórias tão doloridas, Luiz Campos recomendou a leitura de um de seus cordéis, “O Meu Caso é um Descaso”, que segundo ele, retratava também a falta de apoio aos artistas populares de Mossoró.

O Meu Caso é um Descaso

Eu ainda estou lembrando

Dos cantos que trabalhei;

Tertuliano Fernandes,

Eu ali fui um dos grandes

Fabricantes de sabão.

Hoje tô doente e pálido;

Quase cego, tô inválido;

Ninguém me presta atenção.

 

E a preça ado codó

Que ajudei a reformar?

Foi pra lhe ver Mossoró

Crescer e multiplicar.

Hoje a praça está aí

E eu também tô aqui

Um pouco distante dela,

Quando a vontade me pede

Chega a doença e me impede

De dar um passeio nela.

 

Casas, igrejas e pracinhas

Eu ajudei a construir.

Passe suas mãos nas minhas

Que dá pra você sentir

Os calos da ferramenta

Que na década de cinquenta

Eu trabalhei, mas pra quê?

Que você não reconhece,

Como que nunca eu tivesse,

Feito nada por você.

O professor e escritor Clauder Arcanjo escreveu sobre Luiz Campos: “(…) reomendo aquele abandono, só e solitário, e nada de sono. Os versos lhe invadem a mente, construindo cirandas de cordel, versos em forma de rosas. E a cidade, esquecida do Poeta, dorme hipocritamente”.

Mas o próprio poeta sentencia sua solidão em versos: “Meus olhos perderam a luz,/ Minhas pernas fracassaram. Meus colegas se afastaram/ Como o cão quando vê cruz…”.

A visão comprometida e o abandono são claramente influências na escrita de Luiz Campos… “E a luz do sol ficou opaca/ Muito mais que a falta de energia./ Eu quis escrever, mas não podia/ Com lápis e papel na minha mão/ Quis vingar-me da negra solidão/ Enfrentei o poder da desvantagem/ Quis morrer de amor faltou coragem/ Quis viver para amar faltou razão”.

Que o “país de Mossoró”, como citou uma vez para ficar pra sempre o ícone Vingt-un Rosado, não reforce a cegueira de Luiz Campos e enxergue seu talento, como de outros tantos para justificar o status de cidade cultural, para além dos autos, dos acontecidos heróicos e pioneiros. Mossoró tem muito mais a que se orgulhar.


FOTO: Blog Acorda Cordel.

 

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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