Se tivéssemos de erigir um panteão em honra dos mais ilustres mossoroenses (natos e adotivos), na área cultural, não poderíamos deixar de incluir nele o jornalista e escritor Jaime Hipólito Dantas.
Pelo seu amor a Mossoró, bem como por tudo que fez em prol de sua terra de adoção, Jaime Hipólito merece alinhar-se junto a outros vultos memoráveis, como Martins de Vasconcelos, Vingt-Un Rosado, Dorian Jorge Freire e Raimundo Nonato da Silva.
Pena que Jaime Hipólito tenha preferido gastar no jornalismo o seu enorme talento, deixando só um pouco para a ficção. Ele é um senhor contista. Dos cinco maiores do nosso Estado. Mas, produziu apenas 16 contos, sendo que um destes renegou. Dos 11 enfeixados em seu primeiro livro, “O Aprendiz de Camelô” (Rio de Janeiro: Instituto Cultural do Oeste Potiguar – Coleção Mossoroense – Serviço Gráfico do IBGE, 1962), dez foram reescritos e atualizados, passando a integrar, junto com cinco novos, a coletânea “Estórias Gerais” (Fortaleza: Imprensa Universitária da UFCE – Coleção Mossoroense, 1986).
Dono de um estilo ágil e leve, Jaime explora com extrema concisão e acuidade os veios de um realismo renovado. Às vezes, lembra Nelson Rodrigues, tamanho o dramatismo de algumas de suas narrativas. Mas, não se iluda, caro leitor, ele é sempre ele.
Do seu punhado de histórias curtas, destaco duas, verdadeiramente antológicas. Uma – “Conto de Ninar” – consta de três antologias, a outra “Às Suas Ordens, Sargento” impressiona pelo espírito de síntese e pela criatividade nos diálogos. É uma obra-prima. Digna de Hemingway. O Hemingway de “Os Assassinos”, por exemplo.
Muito interessante, também “O Regresso”, em que o escritor potiguar “alinha-se dentro das modernas pesquisas de um Butor”, como bem observou o crítico Fausto Cunha. (Jornal de Letras, Rio de Janeiro).
Os outros trabalhos mantêm-se no mesmo nível dos mencionados, excetuando-se “Noite de Eulália” e “Luciana”, apenas sofríveis, a meu ver.
Além de contista, Jaime Hipólito Dantas exerceu, esporadicamente, a chamada crítica de rodapé.
Já no fim da vida, reuniu em livro diversos escritos de sua autoria, publicados em jornal, sobre temas de interesse literário. O livro (Mossoró: Edições Queima-Bucha –1992) recebeu título muito simples, que diz tudo: “De Autores e de Livros”. Quando do lançamento, escrevi nota crítica, publicada em O Poti (Natal, 02/08/1992), da qual transcrevo o seguinte trecho:
“Jornalista e homem de letras, Jaime Hipólito professa a crítica tendo em mira o grande público leitor de jornal. Simplicidade – sua marca registrada. Longe dele o formalismo da complicadíssima crítica universitária, tão em moda.
“Para expressar-se, Jaime não precisa senão da linguagem corrente; dispensa aquela terminologia intrincada, cabalística até, muito do agrado da maioria dos críticos e professores de literatura, hoje em dia. Sem ostentar conhecimentos técnicos, ele vai fundo nos assuntos que escolhe, criteriosamente. E diz tudo aquilo que um crítico ultra-sofisticado poderia dizer, só que nunca se utiliza do indefectível jargão pseudo-científico.
“Neste “De Autores e de Livros” vai com a mesma segurança, de um estudo da poesia concreta aos discursos parlamentares de Carlos Lacerda; de Gide a Mauro Mota; de Hemingway a Veríssimo de Melo e muita coisa mais, inclusive notas quase didáticas sobre D. H. Lawrence, Ezra Pound, etc. e oportunas observações acerca dos “nossos poetas e prosadores”. Tudo muito interessante.”
Em 1972 publicou a plaquete “O Livro da Velhice de Grieco”, estudo literário (Separata da Revista Oeste, órgão do Instituto Cultural do Oeste Potiguar – Mossoró).
Dos jornalistas mossoroenses, em todos os tempos, Jaime Hipólito foi um dos mais inteligentes e atuantes. Ainda adolescente, começou escrevendo crônicas que logo chamaram atenção. Combativo, polêmico, tornou-se, com o correr do tempo, uma figura emblemática. Marcou época nos jornais O Mossoroense e Diário de Mossoró, dos quais foi, respectivamente, redator e redator-chefe. Mantinha uma coluna, em que abordava os mais variados assuntos – da Política à Literatura. Na Rádio Tapuyo, de Mossoró, o seu “Prato do Dia” fez sucesso, certa época.
Fora de Mossoró atuou sempre como colaborador (jornais Tribuna do Norte, Diário de Natal, O Poti, O Galo, de Natal, e Diário de Pernambuco, do Recife).
Desde cedo, Jaime viu que não poderia viver bem com o pouco que ganhava no jornal. Procurou, então, outros meios de vida. Exerceu o magistério, primeiramente na Escola Técnica de Comércio União Caixeiral (a mesma em que concluíra o 2º grau); depois, na Escola Normal de Mossoró e, por último, na Universidade Regional de Mossoró – Instituto de Letras e Artes (Cadeiras de Literatura Norte-Americana e Literatura Inglesa), Curso de Direito (Direito Penal) e Curso de Administração (História do Pensamento Econômico).
Nos idos de 1954, foi nomeado diretor de Divulgação, Ensino e Cultura da Prefeitura Municipal de Mossoró, funções estas que desempenhou por algum tempo.
Em 1958 fez uma incursão pela política partidária, disputando, pela legenda do PTB, um lugar na Câmara Municipal de Mossoró. Não se elegeu, mas ficou na primeira suplência. Ano seguinte, recebe o diploma de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito de Natal. Em 1960, nomeado Promotor de Justiça da Comarca de Areia Branca (RN), inicia sua carreira no Ministério Público do Rio Grande do Norte. Foi promotor (Comarcas de Umarizal, Upanema, Augusto Severo (hoje Campo Grande), Mossoró) e Procurador de Justiça, cargo em que se aposentou (1985).
Por volta de 1979, tive a satisfação de trabalhar, ao lado de Jaime, na 2ª Vara da Comarca de Mossoró, ele Promotor de Justiça, e eu Juiz de Direito. Não se dedicava ao cargo, pois a sua verdadeira vocação era o jornalismo e a literatura, mas cumpria a contento os seus deveres funcionais.
Lembro-me que, certa vez, atuando em um processo criminal, ele pediu a absolvição de uns trabalhadores rurais famintos, que haviam se apossado, para consumo próprio, de alguns gêneros alimentícios e pequenos objetos, se bem me lembro, guardados num armazém da fazenda onde prestavam serviços. Fundamentou o seu pedido na excludente de ilicitude “estado de necessidade”. Em vários outros casos procedeu com o mesmo senso de equidade.
De setembro de 1966 a julho de 1967, cursou Administração e Política Social, na Universidade de Swansea, País de Gales, como bolsista da OEA. Diplomou-se com a tese “Some Aspects of Regional Development Planning in Brazil”.
Dessa sua estada no velho continente, bem como de outras vezes em que lá esteve, resultou a obra “Cartas da Europa” (Mossoró: Editora Queima-Bucha, 2008), de publicação póstuma, organizada pelo seu sobrinho Gustavo Luz. Leitura indispensável para o conhecimento do autor e do seu tempo.
Quando todos já o consideravam um solteirão empedernido, casou-se com Marília Paiva, de tradicional família mossoroense. A cerimônia realizou-se no dia 31 de março de 1969.
Quatro filhos: Emílio Jaime, Eduardo José, Raimundo Hipólito Neto e Sara.
Jaime Hipólito Dantas nasceu em Caicó (RN), a 1º de dezembro de 1928, filho de Raimundo Hipólito de Medeiros e Eufrásia Dantas de Medeiros. Com apenas 4 anos de idade, foi com os pais para o Maranhão e, de lá, após estadia de dois anos, para Mossoró, cidade onde viveu a maior parte de sua existência.
Faleceu no dia 22 de março de 1993, em Natal, onde morava, com a família, desde 1985.
Mossoró tem para com ele uma divida de gratidão.