Redinha Velha: Carnaval de tradições e alegrias (parte 12)

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Este texto integra uma ampla matéria jornalística sobre a história da praia e bairro da Redinha Velha, que será dividida em 10 partes. A reportagem foi premiada no edital Auxílio à Publicação de Livros, Revistas e Reportagens Culturais, na categoria Reportagens Culturais. Tem recursos da Lei Aldir Blanc, e patrocínio do Governo do Estado do Rio Grande do Norte através da Fundação José Augusto, e Governo Federal através da Secretaria Especial da Cultura e do Ministério do Turismo.

A farra carnavalesca é uma manifestação espontânea e cultural do povo.   No Brasil, desde o século 19 alternando ciclos (Velhos Carnavais, Carnaval de Clube, Blocos de Elite, Escolas de Samba, Troças, Papangus, Índios, Corços…) esses festejos são os mais animados do mundo.

O Rio Grande do Norte tem uma tradição carnavalesca estabelecida em praias diversas, onde se constata essa evidência, carregando traços distintos; características diferenciadoras: papangus, pinturas, índios, clubes ou o chamado carnaval de rua.

Embora o carnaval hoje se resuma a espetáculos para turistas, projetados em padrões culturais de uma elite, a Redinha ainda se mantém como foco de resistência aos trios elétricos que invadiram os carnavais de Natal a partir da década de 80.

Os blocos d’As Rapariga, do Siri, o Baiacu na Vara, A Corda e o Redinha dos Meus Amores, Fiés do Gaivão, além de seu bloco mais conhecido: Os Cão, fazem hoje a festa dos foliões, sempre com irreverência, fantasia e tradição.

Mas há também os bloquinhos menores: Tubarão, Aviões, Gami, Benzinho e Baiacuzinho, Os Bem Amados, Pinto de Fora, Só Nois, Seu Boga, Caranguejo de Coco, Cobra Coral, Vice e Versa, Zé Priquito, Us Papangus da Redinha, Vai pra Peia, Só Vai Quem Tem Coragem, Zambuê, Caju Maluco, Unidos da Ponte, Cata Corno, Povão da Praia, Folia Mirim, No seu Buraco, Siri na Lata, Tampa de Furico, Perereca da Redinha e outros.

Carnaval em Natal

A história do carnaval em Natal só começou em 1877, ano em que foi encontrado o primeiro registro de uma movimentação carnavalesca, segundo o pesquisador Gutenberg Costa, autor de livro sobre a história do carnaval em Natal.

Na praia da Redinha, somente nos idos da década de 1930, quando da chegada de seus veranistas, o primeiro “cordão” de carnaval – naquela época, os “blocos” eram chamados de cordões – passou pelos arruados de areia da praia.

As ideias de criação dos blocos quase sempre fluíam nos alpendres das casas da costa marítima. Assim nasceu o bloco Chiquitas Bacanas, composta por homens vestidos em roupas femininas percorrendo as principais ruas da praia, ao som de músicas executadas por instrumentos percussivos e de sopro.

O segundo bloco de veranistas e moradores da Redinha foi o Dois de Ouro, seguindo-se de Jacu no Pau.

Na década de 1960, o carnavalesco Hélio Rocha marca época fazendo prévias, criando e financiando sua própria bandinha. Percorria ruas “assaltando” bares e amigos. Vieram, então, Os Brasinhas e os Índios Tabajaras.

Os Cão 2005
Dilton e Diogo Barros e Sergio Vilar (2004).

Em 1962, precisamente em uma terça-feira de carnaval, um grupo de amigos, moradores da Redinha, saiu bebericando nos bares e mercados da praia, quando o jovem José Gabriel, vulgo Zé Lambreta, desapareceu retornando horas depois com lama no corpo, trazendo chifres e rabo, aproveitados de galhos de mangue. Lançava-se ali o bloco mais famoso da Redinha: Os Cão.

Saiba a história completa do bloco Os Cão clicando AQUI.

Os cordões eram manifestações carnavalescas ainda oriundas do pastoril. Seus integrantes eram bem organizados em uniformes coloridos e sons. O baliza ficava à frente e, com os instrumentos em mão, era quem controlava o ritmo dos foliões.

O bloco Dois de Ouro, por exemplo, além da Redinha, também apresentava-se no centro de Natal, nos bairros de Pajuçara e adjacências.

Dodô, um dos fundadores do bloco Os Cão, lembra das histórias contatas pelo pai. “Meu pai dizia que era muito bonito. Vinha gente do Pajuçara, Jenipabu e a Redinha toda participava”.

Ao comentar sobre as cores do bloco, Dodô foi repreendido pela senhora que se encontrava na casa vizinha, sentada em uma cadeira de balanço, que desde o começo escutava a conversa, vendo aquele tempo arrastado da Redinha passar. Era sua irmã, Maria Ferreira de Brito, 11 anos mais velha, que o corrige: “Não era amarela e branca, era amarela e verde a fantasia, de um cetim muito bom. No percurso, eles iam para a Estiva, a Boca da Ilha, Pajuçara. Papai passava três dias sem chegar em casa”.

O som que puxava o bloco, lembra Maria, vinha de um pandeiro, um cavaquinho e dos instrumentos que o “baliza” empunhava. “Papai era o baliza, o cara que ficava na frente, segurando uma mão de pilão de madeira, com várias fitas amarelas amarradas. Tinha também o estandarte. Lembro que era amarelo. Mas era tão lindo!”, completa Maria de Brito, tomada pelo saudosismo.

De acordo com Dodô, o pesquisador João Alfredo, também morador da Redinha, tem uma versão diferente sobre o primeiro bloco de carnaval da praia. Segundo ele, o bloco Vassourinhas foi o primeiro a desfilar pelo bairro. “Mas o primeiro foi mesmo o Dois de Ouro. Esse Vassourinhas era de Recife, não tem nada a ver com a Redinha”, retruca Dodô.

Um outro bloco antigo que pertenceu à memória carnavalesca da Redinha e que, segundo as lembranças de Dodô, foi o segundo bloco a desfilar por lá, foi o Malandros do Morro, fundado em 1963. Dessa vez, Dodô foi mais convicto ao lembrar das cores do bloco e não sofreu interferências da irmã, que ouvia atentamente. “Era uma calça preta e uma camisa amarela; roupa de malandro mesmo!”. Dodô lembra ainda que no bloco tinham cerca de 15 componentes e que foi fundado por Pedro Ferreira de Brito, no Buraco do Tatu, onde hoje é a avenida desembargador José Medeiros Filho.

A memória prodigiosa de Dodô guarda segredos de histórias que nem mesmo os jornais antigos ou livros registraram. Gutenberg Costa passou longos cinco anos em intensa pesquisa em arquivos de jornais, livros, documentos, relatos e registros por mínimos que fossem para incrementar sua obra. No entanto, o pesquisador, embora tenha conversado algumas vezes com Dodô, desconhecia o bloco Malandros do Morro.

ADENDO DO EDITOR: Há um livro semipronto sobre a história da Redinha e, claro, sobre cada um dos seus maiores blocos carnavalescos. Todo esse material publicado nesta série é um resumo do livro, que será acrescido ainda de outros capítulos e em breve será lançado.


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Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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