Redinha Velha: O Redinha Clube e a Festa do Caju (parte 7)

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

Este texto integra uma ampla matéria jornalística sobre a história da praia e bairro da Redinha Velha, que será dividida em 10 partes. A reportagem foi premiada no edital Auxílio à Publicação de Livros, Revistas e Reportagens Culturais, na categoria Reportagens Culturais. Tem recursos da Lei Aldir Blanc, e patrocínio do Governo do Estado do Rio Grande do Norte através da Fundação José Augusto, e Governo Federal através da Secretaria Especial da Cultura e do Ministério do Turismo.

REDINHA CLUBE

Em 1924, os limites da Redinha iam até a costa sul do Estado e ao cabo de São Roque. Por essa época foi edificado, todo de madeira, na proximidade do mar, o Redinha Clube, que viria a se tornar a sede única de diversão para veranistas durante décadas.

Sua construção foi a única tolerada pelos moradores e veranistas naquela linha de frente para o mar. O desejo do vislumbre da paisagem à frente, dos paquetes deslizando pelo mar, sem construções ou concreto para atrapalhar a vista fazia-se, naquela época, o papel de plano diretor da Redinha, elaborado pelos próprios entusiastas da praia.

Gil Soares opinou que, “talvez por se tratar de terreno de marinha, de vez em quando aparecia quem pretendesse construir casas próximas à beira da praia. Mas, a reação dos veranistas era imediata e unânime. O próprio mercado teve de ficar do lado do rio, junto ao novo ponto de desembarque de passageiros de botes e lanchas”.

Se Gil Soares afirma que a construção da primeira sede do Redinha Clube foi em 1924, uma placa alusiva à sua construção está fixada no interior do clube, com a cronologia da edificação do lugar. Segundo ela, o Redinha Clube foi erguido no ano de 1922, em madeira. E apenas em 1935 ganhou a atual estrutura de pedra de praia, tal qual a Igreja de pedras pretas, distante poucos metros.

O prédio abrigou as maiores comemorações da Redinha desde o seu início, depois promovidas pela Associação de Veranistas, sendo algumas folclóricas, como a Gato no Pote, quando se amarrava uma nota de dinheiro no rabo do gato para ver quem pegava. E ainda corrida de jegue, corrida de saco, pau de sebo, parque de diversão com roda gigante, gincanas, torneio de pingue pongue. E, claro, a tradicional Festa do Caju, realizada entre a década de 1960 até 1978.

Mas como se dividisse de mesma alma, o Redinha Clube acompanhou a decadência da praia e quase virou ruína quando a Redinha passou a estampar apenas manchetes negativas nos jornais. Durante toda a década de 80 o prédio serviu apenas de banheiro público e depósito de lixo a céu aberto. Na década de 90 até o teto caiu e a areia praticamente encobriu o que restou.

Para ganhar novo fôlego após mais de 15 anos inutilizado, uma comissão de veranistas formada por João Alfredo, Sérgio Góis, Igor Ribeiro e Cândido Medeiros agendou audiência, em 1995, com o então prefeito Aldo Tinôco para conseguir o recurso da restauração da cobertura do Redinha Clube, já que as reformas do serviço de bar a própria Associação tinha iniciado.

Redinha Clube-2002
Carnaval no Redinha Clube, em 2002. Rodrigo Vilar, Sergio Vilar, não-identificada, Anax e Sergio (filho de Véscio).

Sérgio Góis lembra que o primeiro contato com o prefeito se deu por acaso no Mercado da Redinha. Na oportunidade foi comentada a necessidade de reconstrução do histórico prédio em frente. E, segundo Sergio Góis, Aldo Tinôco enalteceu a importância do Redinha Clube para a praia e para a cidade e, num guardanapo de bar, deixou autorizado um convênio junto à Prefeitura para iniciar as obras.

O valor enxuto de R$ 6 mil, conseguido junto à Prefeitura de Natal bastou para reparos desde instalações elétricas às sanitárias. Para elevar o teto e conter as rachaduras foi feito um radier de concreto com 420 metros. E apesar das janelas novas, as suas arcadas conservaram o mesmo estilo colonial de quando foi construído em alvenaria no ano de 1935. Da antiga associação de veranistas só ficaram mesmo as paredes, erguidas com pedras de arrecifes, e o piso de pedra de Parelhas em toda a sua área externa.

A reinauguração do Redinha Clube se deu apenas em 27 de janeiro de 1996 e reativou o equipamento depois do longo período de total inatividade. Na placa alusiva à reinauguração, as palavras do eterno entusiasta da praia, João Alfredo: “Sonhar é melhor do que adormecer vencido pelo desencanto de não ter lutado. Redinha Clube é realidade”.

FESTA DO CAJU

A Festa do Caju embalou gerações de veranistas. Começou na década de 1960 banhada pelo espírito irreverente que marcaria os tempos áureos da Redinha, com embates de quem trazia o maior caju. O “campeonato” mobilizava um número cada vez maior de veranistas, sempre regado a bebidas e fuzarca. E a proporção da disputa cresceu ao ponto de se tornar celebração anual, com data marcada na terceira semana de janeiro – uma tradição prolongada por quase duas décadas.

Em bilhete de texto curto e lírico, escrito a mão pelo advogado, jurista e acadêmico João Medeiros Filho, endereçado ao jornalista Woden Madruga e datado de 18 de dezembro de 1978, nominava o “fundador da Festa do Caju”. Assim constava no bilhete:

Woden Madruga:

Um abraço.

Estou novamente na Redinha, em residência permanente. Enfrento assim o provincianismo que entende só admitir a praia no veraneio. Suponho que a Redinha é hoje um bairro de Natal, perdendo aquela fisionomia tradicional de praia rústica, do tempo de Zerôncio. Aliás, minha rua foi por mim batizada de José Herôncio de Melo, o fundador da festa do Caju. Vou fazer da minha residência na orla marítima o meu universo, o meu reino.

Aguardo sua visita.

João Medeiros

Natal, 18/12/78”

O evento, promovido no Redinha Clube, tinha um cunho elitista. Participavam, além dos veranistas, convidados da alta sociedade natalense, sem presença dos nativos. Conjuntos musicais da época, como Impacto Cinco e Banda Xodó tocavam para um salão lotado, até migrar para a quadra ao lado, com maior espaço para palco e plateia, enquanto o salão era tomado pelo serviço de bar.

A idade avançada daqueles veranistas, o desprestígio crescente da praia e, nos últimos anos de celebração, a violência, são motivos apontados para o fim da Festa do Caju. A última edição aconteceu em 1979.

O fim da Festa do Caju também coincidiu com o abandono do Redinha Clube. Somente com a reinauguração do prédio, após ampla reforma, houve uma tentativa de retomada da tradicional Festa, já em 1996, mas sem continuidade.

Em 2014, a atual administração de Sérgio Gois tem procurado reviver os tempos áureos e já contabiliza três anos consecutivos da Festa, ainda com presença de antigos veranistas acompanhados de filhos e netos, embora o glamour e a alegria contagiante da celebração tenham ficado mesmo nos braços seguros do passado.


LEIA TAMBÉM

Redinha Velha: mar de tradição e boemia (parte 1)

Redinha Velha: Dos franceses ao povoado dos reis (parte 2)

Redinha Velha: Barões, serestas e poesia (parte 3)

Redinha Velha: Cemitério dos Ingleses (parte 4)

Redinha Velha: Início da ocupação e boemia (parte 5)

Redinha Velha: E o progresso indesejado invade a praia (parte 6)


FOTO: Redinha Clube, anos 70. Acervo Fábio Lima.

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

3 Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidos do mês