Ah! que saudades tenho da Natal de minha juventude! Corriam os anos 60 do século passado. Não desfrutávamos das comodidades que hoje temos: internet, celular, shopping center, supermercado, tv de alta definição, etc. , etc. , mas, toda a cidade era, absolutamente, tranquila, podíamos andar na rua com total segurança a qualquer hora do dia ou da noite, no centro, nos subúrbios, em qualquer lugar.
As casas não tinham grades nas portas e janelas; os ladrões, que se contavam nos dedos, tornavam-se, a bem dizer, figuras folclóricas. Havia um cujo nome não recordo, que cometia pequenos furtos, sempre semi-despido e lambuzado de óleo para não ser agarrado… Bons tempos aqueles.
Eu me pergunto por que uma cidade pacata, como era a nossa, tornou-se tão violenta. Campeã nacional em se tratando de homicídios. 24 carros roubados por dia. Assaltos mil. Drogas. Uma estatística aterradora. No centro, onde não se vê um único PM em patrulhamento, campeiam assaltantes.
Um bom criminalista, que também seja versado em sociologia e outras ciências humanas e sociais, talvez possa explicar as causas disso tudo.
Creio que vivemos uma crise moral e ética sem precedentes não só nesta cidade, é claro, mas em todo o país. Elementos situados nas camadas menos favorecidas da sociedade não têm mais vergonha de transgredir, já que as elites dão mau exemplo. Políticos inescrupulosos apropriam-se do dinheiro público, com a maior desfaçatez, e nem sempre recebem a punição devida. “Se eles roubam, por que não nós?” – é o raciocínio, errado mas previsível, de muitos ladrões pés-de-chinelo.
Por outro lado, o crime organizado age a todo vapor, tornando-se, muitas vezes, um poder paralelo ao poder instituído. Não me surpreenderia se me dissessem que chefões de facções criminosas e seus asseclas julgam-se no “direito” de delinquir, porque alguns “chefões” do lado da lei e da ordem também são malfeitores.
Pobre Brasil! Até quando persistirá esse deplorável estado de coisas? Quousque tandem…?
Polícia desaparelhada e carente de recursos humanos; sistema penitenciário falido e uma legislação penal e processual-penal demasiado branda – são problemas sem solução a curto prazo. Mas, ainda que tais problemas venham a ser resolvidos, restarão imensas implicações de natureza econômica e social, causas determinantes da criminalidade. E estas, como todos nós sabemos, têm raízes muito profundas, dificílimas de arrancar.
DO BUCÓLICO À SELVA DE PEDRA
Das capitais nordestinas, Natal foi a que mais demorou a crescer na vertical. Até meados dos anos 60 do século passado, tinha somente uma meia dúzia de prédios com mais de cinco andares. Depois, foram surgindo, ao longo das décadas, edifícios de escritórios – o “21 de Março”, na Praça Pe. João Maria, o Sisal, etc. e já alguns residenciais, na Av. Deodoro.
Construção do Ducal
O Hotel Ducal, em pleno Grande Ponto, lado a lado com o pioneiro “Amaro Mesquita”, marcou época. Enorme cilindro envidraçado, tornou-se como que o ex libris do Grande Ponto. No seu andar mais alto havia um restaurante panorâmico de onde se contemplava a cidade – telhados, quintais, fruteiras e um ou outro edifício em harmonia com a paisagem quase bucólica.
Na década de 1990 foi que começou a selva de pedra. Empresários da construção civil, em face do novo Plano Diretor, lançaram-se a levantar espigões. Havia quem os comprasse. Natal desenvolvia-se, tornando-se uma cidade turística. Perdia a inocência. Já não era nem um pouco daquele “vale branco entre coqueiros”, dos versos de Ferreira Itajubá. Assaltos, arrombamentos de casas começavam a virar rotina. A classe média papa-jerimum, assustada, refugiava-se nas torres de concreto e vidro que iam poluindo a paisagem.
A sorte da cidade dos Reis Magos estava lançada: seria mais uma imitação de São Paulo, a megalópole-selva-de-pedra, que, por sua vez, imita Manhattan. Entre parênteses: digo Manhattan e não Nova York, pois esta, com exceção da famosa ilha e do bairro do Brooklyn, é mais horizontal que vertical.
Natal fadada a ser uma São Paulo em ponto menor e dotada de balneários. Merecia melhor sorte.