Olá, devotos cervejeiros, saudações a todos!
Hoje, dia 17 de março, comemora-se o dia do santo mais esperado pelos cervejeiros em todo o mundo, e este santo católico não é como a lenda de São Arnulfo (quando todo dia é dia de se abrir uma cervejinha, quem nunca recebeu essa corrente de um tiozão do zap). São Patrício, de fato, existiu, foi canonizado e faleceu no dia 17 de março de 461.
Ele só não era irlandês, mas foi responsável pela conversão de muitos pagãos naquela região onde atualmente é a Irlanda, e de fato serve, simbolicamente, como lembrança dos irlandeses espalhados pelo mundo de sua terra natal. E se tem uma coisa que irlandês gosta de fazer, para comemorar algo, é beber cerveja.
Daí, atualmente, pode-se dizer que o St. Patrick’s day (dia de São Patrício, ou Lá Fhéile Pádraig, na língua original, em gaélico irlandês) é o feriado religioso de maior repercussão alcoólica no mundo e, sem dúvida, o mais comemorado atualmente.
Apesar de ser recente, já que os folguedos se iniciaram apenas em 1996, atualmente, nas áreas mais habitadas por irlandeses nos Estados Unidos da América, como Nova Iorque e Boston, as comemorações pelo dia deste santo podem durar até 5 dias. Isto explica a grande repercussão do feriado, inclusive aqui no Brasil, onde, antes da pandemia da COVID-19, haviam comemorações substanciais em sua homenagem.
Vamos então aproveitar o ensejo para falar um pouco sobre esta paixão irlandesa pelo seu santo padroeiro e também conhecer dois estilos irlandeses bastante icônicos: a Irish Red Ale e a Dry Stout.
St. Patrick’s e a religiosidade dos irlandeses
O dia de São Patrício acabou virando uma verdadeira ode aos antepassados. Serviu como uma forma de integrar a comunidade irlandesa que vivia no estrangeiro em torno de algo representativo de sua cultura.
Tal ponto é fundamental para entender como um santo católico é atualmente o responsável pelo maior festejo religioso cervejeiro do mundo, talvez perdendo apenas para a Oktoberfest em termos de magnitude como festival cervejeiro, mas esta última não tem nenhum caráter religioso intrínseco, tal como possui o St. Patrick’s Day.
Diferentemente dos demais países vizinhos que formam a Grã-Bretanha e também de modo diverso da maior parte da população dos Estados Unidos, os irlandeses são um povo majoritariamente católico, e seus vizinhos bretões e os demais conterrâneos norte-americanos são notoriamente protestantes.
Esse dissenso religioso posto foi motivo de diversas disputas político-religiosas, como a que se arrastou por muito tempo na nação-irmã, a Irlanda do Norte, e é algo profundamente arraigado na cultura irlandesa. Eles são muito orgulhosos de serem católicos e atribuem este fato à garra do Santo em questão, São Patrício, em espalhar a fé cristã na terra dos celtas pagãos de outrora.
São Patrício foi enviado pela Igreja Católica Romana para promover a conversão dos pagãos que habitavam a ilha hoje conhecida como Irlanda. Então, mesmo não sendo irlandês de nascimento, ele é a representação da fé e da perseverança católica na região, daí ser conhecido e lembrando como “o santo irlandês”.
Os irlandeses e a cerveja
Não há registros se São Patrício era adepto do consumo regular de cerveja e ele não pertencia a nenhuma ordem católica conhecida por seus dotes cervejeiros (que são bem posteriores ao falecimento do santo em apreço), como o são as ordens belgas, holandesas, americanas ou espanholas responsáveis pelas cervejas trapistas. Então não se pode fazer nenhuma ilação direta entre o santo e a cerveja, mas essa ligação é uma outra ponta da cultura irlandesa a ser denotada.
Todavia, uma “pecha” (um tanto quanto pejorativa) do comportamento dos irlandeses que emigraram para os Estados Unidos, principalmente para a região da Nova Inglaterra, é a que eles adoram confusão e bebem muita cerveja. Talvez um comportamento seja decorrente do outro, bebem muita cerveja e arrumam confusão ou arrumam confusão porque bebem muita cerveja. A ordem desses fatores não altera o produto: eles são conhecidos justamente por tal fama.
Para fazer jus à fama, o St. Patrick’s Day, que inicialmente era uma festa reservada e deveras religiosa, passou a ser convertida em uma verdadeira parada, com desfiles e demais artefatos de festejos de grande porte em 1996, nas citadas cidades da região da Nova Inglaterra. E para incorporar algo genuinamente irlandês às comemorações, litros e mais litros de cerveja foram atreladas às comemorações alusivas à cultura irlandesa.
Juntamente com o mascote do Leprechaun (uma espécie de duende sapateiro mitológico irlandês) e sua icônica cartola, a cor verde (inicialmente era o azul de São Patrício, mas como ele também costumava carregar um trevo que representa a trindade cristã, houve essa mutação do espectro fotômetro), alusões à grandeza da mãe-terra, a Irlanda, a cerveja é a principal protagonista da festa do dia de São Patrício.
Costuma-se ter o (mau) costume de se servir cerveja verde nesta comemoração. Para conseguir essa famigerada coloração alusiva ao trevo e à roupa do Leprechaun, adiciona-se corante sem-sabor ou corante saborizado de menta para conseguir o efeito visual. Há quem adore tomar um “chopp verde” em homenagem ao santo, mas há quem perceba o crime em se adicionar menta ou uma coloração verde à cerveja. De toda forma, o importante é agradar o santo.
Irish Red Ale
Nem só de cerveja verde e saborizada vivem os irlandeses. Na verdade, existem dois estilos que foram aperfeiçoados pelos irlandeses que eu recomendo de serem degustados: a Irish Red Ale e a Dry Stout. Vamos a seguir falar um pouco sobre cada um deles.
A Irish Red Ale é uma derivação da English Bitter, como são conhecidas as Pale Ales inglesas. O estilo foi reinterpretado pelos irlandeses com uma subtração dos lúpulos, principalmente em questão de amargor e de caráter floral, e com uma adição de maltes tostados, conferindo-lhe a coloração que nomeia o estilo da cerveja, ou seja, uma tonalidade mais próxima do avermelhado, e também, além de notas tostadas, e também um perfil mais seco em sua finalização.
Por ter uma diminuição nas quantidades de lúpulo e um maior foco no malte, as Irish Red Ale tendem a ter uma percepção leve a moderada de grãos, um perfil tostado mais aparente, com notas de caramelo e toffee medianas, em um corpo médio-baixo e um amargor muito suave, com o dulçor variando de leve a médio.
Como ressaltado na primeira seção, os irlandeses gostam de beber em grandes quantidades, então essa readaptação do estilo britânico foi para conferir-lhe uma drinkability maior ainda, deixando seu corpo ligeiramente mais baixo e sua finalização mais seca, para que o gole seguinte fosse ainda mais prazeroso.
Dry Stout
Falar de Dry Stout é sinônimo de falar em Irish Stout (vide o BJCP – 15B. Irish Stout), daí ambos os termos serem mutuamente intercambiáveis. Este estilo também é uma evolução da escola inglesa, advindo a Dry Stout das Porters inglesas (especificamente das londrinas), que faziam muito sucesso na época.
Quando se fala em Dry Stout não há como não lembrar do ícone irlandês cervejeiro da Guinness, mais especificamente em sua versão Draught, que é a do “latão” que vem com uma “bolinha” que libera nitrogênio, conferindo aquela carbonatação única, espuma duradoura e facilmente identificável por sua cremosidade.
Seu aroma possui notas de malte torrado bem perceptíveis, lembrando fortemente café, e secundariamente chocolate amargo. No sabor, o café também é o protagonista em termos de percepção organoléptica, com notas torradas evidenciadas, chocolate e leve amendoado.
Ainda assim, pode-se dizer que a cremosidade da espuma da Guinness, e das demais Dry Stouts (em barril ou carbonatadas com nitrogênio adicional), é o seu ponto forte. O amargor e o dulçor são bem baixos, igualmente ao seu corpo, geralmente denotado como “aguado” por alguns, mas este já é um ponto chave das cervejas irlandesas, pouco corpo para aumentar a quantidade!
E viva São Patrício!
Saideira
O dia de São Patrício é uma comemoração cervejeira e religiosa de amplas dimensões, tanto que aqui em Natal já houve alguns eventos em sua homenagem, principalmente quando o melhor bar de cervejas que essa cidade já teve estava na ativa, justamente um bar que em sua homenagem homenageava o santo do dia, o Paddys Emporium/Pub.
Paddys é justamente o diminutivo de Patrick, e nomeava o bar que teve duas unidades na cidade, já chegou a contar com 18 taps (torneiras de cervejas) simultâneas e fazia grandes eventos cervejeiros, como era o St. Patrick’s Day, em homenagem ao santo do dia. O feriado, ainda que religioso, também é cervejeiro, então pegue sua Guinness e comemore!
Música para degustação
Certamente, eu não sou grande conhecedor nem da cultura nem do cenário musical irlandês, mas uma música que sempre me lembra a cultura irlandesa é Shipping up to Boston (principalmente seu riff inicial na gaita de foles), da banda Dropkick Murphys, banda de celtic punk formada por descendentes de irlandeses na região da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos da América.
Ela foi a música tema do filme “Os Infiltrados”, que também tinha como temática a questão da máfia irlandesa e seus arranjos políticos. Também recomendo ver o filme e apreciar sua trilha sonora.
Então, pegue sua cerveja (se quiser, adicione um corante verde) e brindemos ao santo do dia.
Sláinte mhath! Como dizem os irlandeses!!!
2 Comments
[…] Mais uma vez, como já dito nas seções pretéritas, isoladamente, a coloração da cerveja não diz muita coisa, nem para o bem nem para o mal. De maneira quase que instintiva a cultura popular coloca as cervejas escuras (ou as chamadas cervejas pretas) como tônicos ou bebidas para mulheres grávidas (leia mais aqui); da mesma maneira como corante verde é geralmente colocado nas cervejas comemorativas do St. Patrick’s Day (leia mais aqui). […]
[…] Cervejas Especiais irá festeja o tradicional Dia de São Patrício ou Saint Patrick’s Day (leia mais sobre isso AQUI). O santo padroeiro dos cervejeiros e dos irlandeses abençoará os copos dos cidadãos e cidadãs […]