Um passeio sobre Siena e Florença, dois berços da arte mundial

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SIENA

Turistas brasileiros, em excursão pela Itália, deixam fora do roteiro a cidade de Siena. Não sabem o que estão perdendo. Eu mesmo cometi o pecado de subestimá-la. Ao contrário do que comumente faço, fui conhecê-la sem dispor de qualquer informação prévia sobre a terra e a gente. Tudo surpreendeu-me, é óbvio. E a primeira e boa surpresa está na Praça do Campo, em pleno centro histórico, onde realiza-se o Pálio, evento folclórico remanescente da Idade Média, que apaixona a população local e atrai milhares de turistas europeus. A praça se abre em leque, como anfiteatro, em cujo “palco” eleva-se, majestoso, o Palácio Público, de estilo gótico, com a sua torre-pescoço-de-girafa.

Demoro-me por ali, bom pedaço, num dos inúmeros cafés ao ar livre. Imagino como isso deve ser em dia de Pálio, a praça cheia de gente, todo mundo torcendo pelos seus cavaleiros, em torneio disputadíssimo.

Mas, já agora vou por uma ruela medieval a caminho da Sé. Numa esquina deparo-me com o oitão do grande templo, que não me causa impressão, e prossigo para ver a fachada principal. Eis quando, meio distraído, dou com o olhar numa das coisas mais lindas que já vi. O sol da tarde, batendo de chapa, acendia os mosaicos dourados da fachada, toda ela um esplendor em filigrana de pedra lavrada. Para definir essa maravilha, acode-me inevitável lugar-comum: é uma joia. O gótico, aqui nestas terras menos frias, tornou-se exuberante, diria até mesmo sensual, sem aquela severidade ascética das célebres catedrais alemãs e francesas. Na face desta catedral de Siena, a variedade do estilo é uma festa de cores e formas. Beleza igual eu só iria encontrar em Florença, não muito longe dali.

FLORENÇA

Cortada pelo Arno – rio vilão –, Florença estende-se aos pés dos montes Apeninos. Quem espera vê-la cidade-anciã, quebra a cara; é, na aparência geral, jovem e incaracterística. Mas, em seu centro histórico, aí sim, está a Florença que se idealiza e espera.

Berço da Renascença italiana, ainda hoje é um dos principais pólos culturais, em todo o mundo.

Do alto da Piazzale Michelangelo – espécie de mirante – lanço olhar sobre a cidade, e uma coisa, desde logo, me chama a atenção: não há nem sequer um edifício com mais de cinco andares. (Que isto sirva de lição a Natal, cidade do mesmo porte, porém com a mania de querer ser Manhattan). Parece que nenhuma edificação ousou altear-se mais do que a cúpula do Duomo, a catedral…

Ah! l Duomo! Expressão mais alta (sem trocadilho) do gótico florentino, a catedral é um poema em mármore… Branca, verde e rosa! Quando a vejo de perto, fico literalmente extasiado; convenço-me de que nada no mundo a suplanta em beleza e grandiosidade.

Mal refeito dessa impressão, dou de cara com o Batistério, outra beleza atordoante. Mas (tudo tem um mas) quem danado mandou construí-lo ali, bem defronte, tomando a visão da catedral? Vá ser obtuso assim no inferno de Dante.

David

Do Duomo saio em busca da Academia, onde está o “David”, de Miguel Ângelo. Pergunto aqui, pergunto ali, e não consigo achar a Academia. Tem nada não, fica pra outra vez. Contento-me em ver cópias daquela obra-prima da escultura renascentista: uma na Piazzale Michelangelo e outra na Piazza della Signoria.

A propósito do “David”, do qual tanto se gaba a perfeição anatômica, alguém já reparou como são enormes, desproporcionais as suas mãos?

Diante do Palazzo Vecchio, revejo-o, reverente, enquanto aguardo a vez de entrar na Galeria dos Ofícios.

Enfim, depois de vencer três lances de escada, estou no mais importante museu de arte italiano. Reflito: por que fica lá em cima? Será precaução ante as enchentes periódicas do rio Arno? Pode ser que sim.

O palácio, obra de Vasari (1560), por si só já despertaria grande interesse aos amantes da História da Arte. Esses mosaicos do piso – imagino – guardam os passos de Lourenço, o Magnífico.

Sensação única, esta da gente quando se vê face a face com quadros célebres, culminâncias da Pintura universal, que a gente tanto conhece de reproduções. Por exemplo, “O Nascimento de Vênus”, de Botticelli e “Retrato de Leão X”, de Rafael. Nenhum porém me entusiasmou tanto quanto “A Sagrada Família”, de Miguel Ângelo. Detalhe interessante: as figuras parecem em terceira dimensão. Presença, talvez, do grande escultor que foi Miguel Ângelo.

Caminho de sala em sala, minhas pernas já reclamam… Tomo um porre de arte. Agora, um lanche no café do museu, bem na varanda sobre a Piazza della Signoria. A dois passos, o Palazzo Vecchio me olha, carrancudo, com o seu ar de castelo ou fortaleza, sua torre espetando o azul verânico.

Despeço-me da Florença histórica. Vão comigo, “penduradas nos meus olhos” (*), estas e outras imagens de que não dei notícia.

– Arriverdeci


(*) Alusão a um verso do poema “Noturno do Recife”, de Zila Mamede.

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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