Saudações, Hopheads!
A cultura das cervejas artesanais (ainda) é um nicho bem específico, (ainda) pouco desbravado para os olhos da maioria, e que possui alguns termos e denominações estranhas ao grande público.
Em vista desses fatos, faz-se imperioso trazer, de modo didático, algum deles, explanando brevemente sua origem técnica, explicando como ocorrem, falando dos efeitos que eles causam nas cervejas e qual o resultado final de sua persistência.
Os dois termos escolhidos para debate na coluna de hoje são: harsh e trub. Eles não foram escolhidos ao acaso, e sim, porque a ocorrência de ambos se encontra geralmente entrelaçada. Quando um ocorre é bem provável que o outro também ocorra em concomitância.
Para quem começou recentemente no universo das cervejas artesanais, ambos os termos podem soar desconhecidos e estranhos, ainda que os efeitos da ocorrência de ambos já possam até serem sido sentidos, sem que, necessariamente, pudessem ser corretamente “nomeados” como harsh ou trub. Como se verá mais adiante, eles são relativamente comuns de ocorrer.
Harsh: O Amargor Agressivo e Áspero
Inicialmente, é importante destacar que o harsh não é exatamente um off-flavor (um defeito de sabor na cerveja). Ou seja, ele não é um defeito propriamente dito de produção cervejeira, ainda que a sua ocorrência não seja desejável.
O termo harsh, originário da língua inglesa, significa áspero. Tal adjetivo é uma das melhores definições da prevalência organoléptica dessa impressão advinda da cerveja.
Pode-se dizer, portanto, que o harsh não é exatamente um defeito, ele não inviabiliza por completo a cerveja. Todavia, é correto dizer que ele é uma falha de estilo.
Quando ocorre o harsh em uma cerveja há uma percepção desbalanceada de amargor, ou seja, um amargor muito alto, o que leva à sensação de aspereza na garganta ao deglutir a cerveja.
Ademais, o harsh ocorre sempre em termos gustativos, jamais em uma escala olfativa da análise sensorial da cerveja. Ele é sempre expresso como uma sensação picante extrema ou aspereza no gole dado, ocasionado pela prevalência excessiva de polifenóis (taninos) na cerveja, gerando uma sensação “travosa” no palato.
Em alguns casos mais extremos, a sensação de aspereza na boca chega a ocasionar uma “queimação” na garganta, dada a extrema agressividade do amargor ocasionada pelo lúpulo. O amargor desmedido tende a ser bastante persistente na garganta e também no céu da boca, denotando o excesso de matéria vegetal existente na cerveja. Assim, percebe-se que a origem do harsh é do próprio lúpulo, pois, os demais elementos essenciais (malte e água) da cerveja, sozinhos, não são capazes de gerar um amargor tão forte, tão intenso e prolongado.
Por causa da possibilidade de ocorrência do harsh apenas em IPA’s, pode-se dizer que ele é uma falha de estilo, já que a alta lupulagem é uma característica estilística, haja vista que nenhum outro estilo é dotado de uma carga de massa vegetal de lúpulo tão grande.
Existem quatro causas principais para a ocorrência do harsh nas IPA’s: a quantidade de lúpulo utilizada, o tempo de fervura aplicado, a composição química da água e a própria composição química do lúpulo utilizado.
O excesso de lúpulo, seja ele qual for, independentemente de qual seja a sua composição química, tende a levar ao excesso de matéria vegetal na cerveja. Esse excesso (de polifenóis: taninos) é responsável pelo harsh, fazendo com que o lúpulo não saturado na cerveja ocasione o amargor agressivo e prolongado, resultando na aspereza no palato.
Técnicas de saturação do lúpulo na cerveja tendem a diminuir o harsh e promover uma cerveja mais maciada, ainda que altamente lupulada.
Quanto ao tempo de fervura, sem se aprofundar muito nesse elemento técnico, há de se dizer que, se ele se prolongar por um período muito extenso, é provável que a desnaturação das moléculas encarregadas do amargor ocasione o indesejado harsh, sendo preferível diminuir o tempo de fervura, deixando apenas uma parcela de amargor para o final.
Por vezes, a água disponível para o processo de produção cervejeira não é a mais adequada em termos qualitativos, tendo que ser procedido algum ajuste em sua composição química. Caso seja necessário fazer esse ajuste, é preferível escolher cloretos, ao invés de sulfatos ou carbonatos. Esses dois últimos compostos podem ser responsáveis pelo aumento significativo da percepção de amargor, e possivelmente pela aspereza própria do harsh.
Por fim, existem alguns lúpulos que possuem alfa ácidos baixos, o que faz ser necessário se utilizar maior quantidade na produção, outros lúpulos possuem alfa ácidos (ou alguns óleos essenciais, como, por exemplo, o terpeno denominado Mirceno) que geram amargor em demasia, de modo que qualquer quantidade um pouco superior, tende a gerar o famigerado harsh. Assim, alguns lúpulos, como o Hallertau Blanc, são tidos como naturalmente difíceis de se lidar, pois facilmente ocasionam harsh, mesmo com uso quantitativo moderado.
É quase impossível que uma IPA não tenha nenhuma percepção de amargor mais forte, um leve harsh, o problema é quando sua percepção é de uma aspereza tão grande que domina por completo o palato, inviabilizando uma degustação mais abrangente da cerveja.
Trub: o excesso de micropartículas na cerveja
De maneira bastante sucinta, pode-se enunciar que o trub é o conjunto acumulado de micropartículas que são aglomeradas em diferentes partes do processo produtivo cervejeiro. Não necessariamente todo esse material particulado é excesso de lúpulo que se forma ao final da produção. Contudo, quando se verifica a existência de trub ao se concluir o preparo da cerveja, é muito provável que haja um harsh proeminente na bebida.
Assim, não há uma relação de dependência entre o harsh e o trub, todavia, quando este for encontrado, é bem provável que aquele também se faça presente no resultado final da produção cervejeira.
Existe a diferenciação entre trub quente e trub frio, a qual denota o momento de formação do material particulado, isto é, se ele foi formado durante a fervura ou durante o resfriamento do mosto. Para fins de análise sensorial, é pouco relevante o seu momento de formação, e sim saber se ele se encontra presente ou não ao final, quando a cerveja está finalmente pronta.
Para os cervejeiros (caseiros), o trub quente atrapalha o processo de fermentação (recomenda-se fazer o whirlpool para evitá-lo), enquanto que o frio não é uníssono quanto aos seus efeitos. Alguns defendem que ele serve como nutriente no mosto e confere estabilidade à cerveja, já outros enxergam como um erro estético e sensorial.
Em termos comerciais, o trub pode ser considerado um defeito crasso, não apenas uma falha de estilo como o harsh, uma vez que é possível encontrar trub nos mais diversos estilos, de Russian Imperial Stouts (RIS) até às IPA’s. Estilos de cervejas que variam diametralmente em termos de coloração, amargor, densidade, e vários outros parâmetros. O trub pode ser considerado um defeito em qualquer um deles.
Todavia, em alguns estilos, como nas RIS, o trub pode ser entendido apenas um mero defeito estético: a cerveja fica com depósito de sedimentos no fundo, mas o seu gosto não tende a ser fortemente alterado em função do trub.
Já nas IPA’s, como ventilado, o trub é um indício fortíssimo de harsh, de modo que a sua presença tende a comprometer de maneira premente a análise sensorial de uma IPA com trub.
Assim, há de se ter em mente que o trub, em cervejas comerciais, não é aceitável em nenhum estilo. Todavia, quando se trata de IPA’s a sua presença é ainda mais ominosa que nos demais.
Saideira
A conclusão mais óbvia que se pode chegar da leitura do texto também é a mais acertada: melhor beber uma cerveja sem harsh e sem trub.
Ambos são elementos que causam efeitos desagradáveis à cerveja, seja em termos puramente estéticos, como no caso do trub (em alguns estilos cervejeiros), ou também em termos mais práticos gustativos, pois não é recomendável sentir a agressividade e a aspereza do lúpulo (harsh) em nenhuma IPA (por mais que, em pequena intensidade, ele seja aceitável, mas, jamais, preferível).
Assim, a existência de trub em uma IPA pode ser um indicador fortíssimo de harsh, e sua prevalência não é nada recomendável. Acrisolar os termos debatidos é algo didático e ajuda na construção de uma cultura cervejeira mais esclarecida e mais apta a avaliar os produtos ofertados no mercado.
Música para degustação
Em termos de análise sensorial, trub não é recomendável e o harsh é áspero!
Então como recomendação musical deixo a flagrantemente agressiva: Anno Aspera, da banda finlandesa: Barathrum! Trata-se de um Black’n’Roll com pitadas de Doom Metal, algo soturno, arrastado e dotado de uma sonoridade ímpar, que conta com dois baixistas simultâneos.
Não dá para ser mais áspero ou agressivo que isso. O som é áspero como uma IPA com bastante harsh!
Saúde e boas cervejas (sem trub e sem harsh)!
CRÉDITO DA FOTO: Luiz Nelson
4 Comments
[…] produto final. Em virtude disso, existe um “excesso de trüb” (leia mais sobre o que é trüb CLICANDO AQUI) na cerveja, que, nada mais é, do que pedaços inteiros das frutas […]
[…] Também possui como característica marcante ser bem lupulada, inclusive com um leve harsh (clique aqui para saber mais sobre harsh e trub), algo que acaba sendo um pouco mais destacado pela ausência de álcool. No mais, parece muito com […]
[…] que às vezes é encontrado nas NETIPA’s é a ocorrência de harsh, e muito raramente de trub (para saber mais sobre os dois, clique aqui). Em certo sentido, a ocorrência dos dois é algo até entendível, por mais que o harsh seja algo […]
[…] com essa adição de frutas na maturação poderia ser considerado como um “trub a frio” (leia mais sobre trub aqui), já que há um verdadeiro acúmulo de sedimentos em suspensão. Contudo, os sedimentos […]