Oscar Wilde foi quem soltou o jargão “a vida imita a arte”. Mas foi George Orwell quem provou o contrário. Isso a partir do Beco da Lama. Ficam nessa especulação besta se Zé Sperry pousou no Potengi. Que nada! George Orwell foi quem esteve aqui, e remexendo o mel no fundo do copo lá em Nazi, assistindo aquele cotidiano arrastado, soltou essa: “A arte imita muito mais a vida do que a vida imita a arte”, contradizendo Wilde.
Ora, de certo Orwell viu o rebolado de Gardênia in passant naqueles paralelepípedos disformes. Viu Helmut pedindo dois reais em troca de um guardanapo poético. Conheceu um poeta chamado Black Out, como se a poesia não precisasse sempre de luz. E enxergou ao longe o que disseram ser Osório, “o último comunista”. Foi quando pensou num filme chamado 1984, fazendo arte a partir das cenas da vida.
Isso sem falar nos tantos anônimos que mantêm o velho Beco até hoje sem migrarem aos registros oficiais. Veio deles, inclusive, a inspiração de Orwell para tantos artigos de cunho anarquista; veio da aura becodalamense, desde sempre um caos organizado numa vivência quase teatral, de personagens, lugares e folclores que parecem espetaculoso, imaginário, lúdico, como se a arte corresse embriagada por aquelas adjacências.
Mas a verdade ali é diferente. É a vida nua, crua e mais das vezes injusta. Gardênia, Helmut, Black Out, foram/são personagens de uma vida demasiadamente real, mas que poderiam figurar nos romances ficcionais de Orwell ou nos seus ensaios sobre política e socialismo real. São as pessoas poetas, as pessoas anônimas, as pessoas de vida incomum, ditas “marginais” e inseridas em crônicas banais como essa, mas invisíveis ao seio social.
É que no Beco da Lama há dessas misturas, dessas incongruências e contradições. Ali, definitivamente, a vida não imita, mas procura a arte como forma de amenizar os dias. E até esquece, por instantes, que enfrenta preconceitos pela existência boêmia, pelo anarquismo espontâneo de quem escolhe um chão libertário para passar uma tarde de cervejas e papos de calçada, para falar de poesia, de política e de futebol.
Não, amigo, a vida não imita a arte no Beco da Lama. Orwell estava certo. Naqueles chãos boêmios, a arte imita a vida. Mas a arte de viver. Sim, porque viver é uma arte. Chaplin lembrava que a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Então, ali se discute, ali se briga, ali se bebe, se canta e se arrepende, se vive mais intensamente a verdadeira vida, mesmo que sem aplausos ou tapete vermelho.
Ora, para encerrar a conversa, a arte imita a vida no Beco porque na arte tudo cabe e no Beco tudo há. É uma comunhão perfeita entre criação e criatura. No Beco da Lama se encontra o terreno fértil para telas de Franklin Serrão e Marcelus Bob, para performances de Civone, para Jarita aprontar das suas no carnaval das Kengas, para um tema de música aqui e uma peça de teatro ali, ou para Assis Marinho encontrar o olhar perfeito de São Francisco.
Mas quer saber? Penso mesmo é que a boemia imita o Beco da Lama. É isso. Porque a boemia está mais perto das alegrias e das tristezas do que a arte. Na arte, as vivências são dramatizadas. Na boemia, sobretudo do Beco, é a vida como ela é, para além de Nelson Rodrigues ou para muito mais do que Orwell ou Wilde conseguem decifrar em vãs filosofias. Ou o Beco seria a metáfora da Revolução dos Bichos?
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Sérgio-velho croniketa porreta! O Beco já merece uma música, um hino, um xote, uma ópera, um rock, um sambão de raiz, menos essas porras de kuduro (pelo amor de Nasi!). Ei, uma coisa que como leitor sinto falta é lá no inicio da croniketa o nome do autor. Li o título da tua croniketa e fiquei interessado em ler. Não sabia que era tua crôniketa. Daí queria saber quem escreveu aquele título chamador. Vim até o final e penso que foi você – tem tua foto e tudo. O nome do autor é a espuma do chopp, velho! É a reada ideal – sem camisinha – naquele roçar carne-na-carne nas conjunturas da Natureza… é tirar a camisinha e botar a cabeça do autor nos conformes… um abração desse seu leitor e colaborador…
É o principal defeito deste layout, mestre Ruben! Não tem um “cabeçalho” com o nome do autor, infelizmente. Mas é coisa pensada para o próximo ano, numa futura reformulação do site. Mas costumo colocar o nome, escrevendo eu mesmo, sem cabeçalho, quando são textos dos colunistas. Mas já que é meu mesmo, não fiz questão rs Abração!