Beber cerveja “vencida” faz mal?

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Na coluna de hoje vamos falar de uma pergunta diuturnamente recorrente, principalmente em grupos de WhatsApp de promoções de cervejas: “beber cerveja vencida faz mal?”

A resposta, como quase tudo nessa vida, é: depende!!!

Posso adiantar, ainda no introito cervejeiro desse texto que, na maioria esmagadora das vezes, não faz mal algum beber cerveja “vencida”. E, doravante, utilizaremos o termo sobre o vencimento em aspas, pois a indicação do vencimento não é algo peremptório (ou seja, algo que termine de vez a questão) e tampouco tem uma relação necessária e direta com o fato de a cerveja fazer mal ou não – mas, que, de alguma forma, pode vir a influenciar nesse ponto também!

Então, vamos tentar responder da maneira mais objetiva e didática quando que uma cerveja pode fazer mal por estar vencida, e também vamos explicar algumas situações, pouco intuitivas para os neófitos no assunto, que uma cerveja vencida pode até ser melhor que uma cerveja dentro do seu prazo de validade.

Então, convido todos a ler e se inteirar sobre esse tema tão recorrente. Pegue sua cerveja, vencida ou não, e aproveite!

Cervejas e o seu vencimento

Quando falamos de “vencimento” nos referimos à questão do prazo de validade de um determinado produto e, no caso em relevo, por quanto tempo uma cerveja está apta a ser consumida.

Não sei se todos possuem o hábito de verificar a data de vencimento dos produtos industrializados. Eu, particularmente, possuo o costume de proceder assim. Antes de colocar no carrinho de compras olho no fundo do produto ou na sua rotulagem lateral em busca da informação da data de expiração. Como consumidores devemos sempre exigir nossos direitos! Desse modo, é sempre bom estar atento a tais informações que nos ajudam a programar nosso consumo rotineiro.

No entanto, nem todos os produtos (industrializados) possuem uma data de validade obrigatória. Em regra, qualquer gênero alimentício embalado sem ser na presença do consumidor deve seguir as diretrizes da Resolução RDC nº 259, de 20 de setembro de 2002 da ANVISA (aquela agência pública que paralisou o jogo Brasil x Argentina há umas duas semanas), que trata sobre informações de consumo e rotulagem. A Resolução em apreço normatiza que o Prazo de Validade é uma informação obrigatória e estabelece como ele deve ser declarado, todavia, a própria Resolução faz algumas exceções.

São 9 exceções, mas apenas duas delas são relevantes para o conteúdo do nosso texto de hoje: a exceção para Vinhos (já que as cervejas do tipo Italian Grape Ale podem se inserir como um dos seus derivados – para saber mais CLIQUE AQUI); e a excepcionalidade para bebidas alcoólicas que contenham 10% ou mais de álcool (nesse caso, alguns tipos de cerveja se enquadram em tal disposição resolutiva).

Resumidamente, a maioria esmagadora das cervejas, que o teor alcoólico gira entre 4% a 7% de teor alcoólico não se enquadram na excepcionalidade de não ter uma data de validade obrigatoriamente descrita em seu rótulo.

Apenas alguns estilos mais robustos e alcoólicos podem se valer da ressalva de não possuir uma data de validade predeterminada em seu rótulo, algumas Russian Imperial Stout’s, Barley Wine’s, Belgian Dark Strong Ale’s, Doppelbock’s e Triple IPA’s. Coincidentemente (exceto pelas Triple IPA’s), os estilos citados são os mais recomendados para guarda, e, caso eventualmente possuam uma indicação de data de validade, podem até mesmo se beneficiar quando degustados em um momento posterior à data indicada como sendo o seu vencimento (vamos falar um pouco mais sobre isso adiante).

Em síntese, sobre a questão do vencimento e as cervejas, é importante destacar duas coisas: pelo simples fato de ser cerveja, não quer dizer que o produto necessariamente deva conter uma indicação de data de validade; e, diferentemente dos vinhos, não existe uma excepcionalidade em função da categoria da bebida alcoólica. A segunda coisa a ser destacada é que a maior parte dos estilos de cerveja, principalmente as de massa, enquadram-se em teores alcoólicos que é obrigatória a indicação do vencimento, por isso que é comum que grandes redes de supermercado façam promoções ou reduzam drasticamente o preço quando as cervejas estão perto de vencer (o que não ocorre com vinhos, por exemplo, já que eles são igual o Vasco da Gama, não vencem nunca).

A cerveja venceu… Faz mal beber?

Apesar de obrigatória para a maioria dos alimentos, a data de validade pode ser facultativa para vinhos e cervejas mais alcoólicas (acima dos 10% de ABV). Isso significa que, se o produtor desejar, ele pode estipular uma data para que a cerveja seja consumida, ainda que não seja legalmente obrigado a tanto.

A obrigatoriedade em se colocar uma data máxima de validade decorre da necessidade de se ter uma biossegurança no manuseio e no consumo do produto industrializado. Ou seja, a data de validade serve como uma forma de assegurar que a cerveja ainda está apropriada para o consumo humano e que bebê-la não vai acarretar nenhum prejuízo à saúde do consumidor. Essa é uma regra básica de segurança e que vale para todos os alimentos, principalmente para os mais perecíveis.

Todavia, as cervejas em geral, não apenas as que se adequam à faixa de excepcionalidade de conter mais que 10% de ABV, podem ser consideradas um produto não perecível, e de “validade” longa. Isso ocorre porque o álcool contido na cerveja é um conservante natural de sua segurança microbiológica. Mesmo nos casos em que as cervejas se utilizam de fermentações mistas (culturas controladas e fermentação espontânea combinadas) ou exclusivamente selvagem (fermentação unicamente espontânea), elas não exibem um potencial de causar danos à saúde, mesmo que não possuam um alto teor alcoólico exigido pela legislação nacional.

Por conterem álcool, e, na maioria das vezes, serem pasteurizadas, o risco microbiológico de se consumir uma cerveja fora do seu prazo de validade é ínfimo, para não se dizer que ele é exasperadamente inexistente. Beber uma cerveja vencida não significa que ela esteja estragada no sentido popular do termo, como se ela fosse capaz de fazer mal à saúde humana.

Não são relatados consistentemente na literatura médica casos de intoxicação alimentar causados por cervejas vencidas (não confundir com outros casos de danos à saúde causados por cervejas contaminadas, como foi o caso da cervejaria mineira Bäcker, cerveja mineira que utilizava o anticongelante dietilenoglicol e causou mortes através da síndrome nefroneural – esse caso não tem nada a ver com cerveja vencida!), daí, é seguro afirmar que se pode beber cerveja vencida sem nenhuma preocupação.

Como dito anteriormente, o álcool é um conservante natural, em função de sua atuação como agente bactericida. Todavia, existe a irrisória possibilidade, principalmente em cervejas com baixos teores alcoólicos (ou cervejas zero – CLIQUE AQUI para saber mais) que o álcool evapore. Apesar de raro e improvável, por ser volátil, é possível que todo o álcool da cerveja se esvaia com o tempo e a cerveja fique sem seu agente bactericida, algo que poderia favorecer a proliferação de bactérias nocivas à saúde humana.

Todavia, esse caso hipotético soa mais como um exercício de imaginação do que como uma ameaça real a quem bebe cervejas além do seu prazo de validade, pois, repita-se, não há registros de intoxicação alimentar em função do consumo de cervejas vencidas.

Cervejas que melhoram depois que “vencem”

Ao chegar nesse momento da leitura, já podemos concluir claramente que cerveja não vence! Não vence no sentido de estragar e fazer mal a saúde. No entanto, alguns estilos são melhores para serem bebidos frescos (bem antes do seu prazo de validade estourar) e outros melhoram ainda mais depois que vencem, que são os estilos de guarda.

O cálculo do prazo de validade de uma cerveja é um processo de autodeclaração, tal qual as entrevistas do IBGE sobre qual a sua raça. Existe o que costuma-se chamar de “shelf life” (vida útil na prateleira) para definir o prazo máximo que uma cerveja deve estar exposta ao consumo. Contudo, cada cervejaria estipula isso livremente, usando por base o tempo que ela imagina que a cerveja vai levar para decair em termos de análise sensorial.

Impende destacar que esses prazos autodeclarados variam de maneira abissal. Por exemplo, algumas cervejarias americanas colocam o prazo de validade de um mês para suas IPA’s, ao passo que algumas cervejarias belgas, para estilos de alta complexidade como Gueuze e Lambic, colocam prazos elásticos de 20 anos (ou mais). Ou seja, cada cervejaria coloca o prazo que mais lhe seja favorável, seja em termos de apreciação sensorial, ou quer seja em termos de marketing.

O citado caso das Gueuze’s e das Lambic’s é emblemático para mostrar como algumas cervejas são longevas (mais de 20 anos de validade) e até mesmo podem melhorar após o seu vencimento. O mesmo raciocínio pode ser aplicado para alguns outros estilos, como RIS e Barley Wine, mais especificamente para os exemplares envelhecidos, que tendem a arredondar ainda mais com o tempo, beneficiando-se, assim, de uma melhor degustação mesmo após o vencimento da data a eles associada.

O vencimento para as cervejas, portanto, é mais um requisito legalista do que essencialmente uma necessidade de se consumir antes de um prazo para que a cerveja não seja inutilizada. Claro que algumas cervejas são mais sensíveis, e com pouco mais de um mês de envase já começam a perder suas qualidades sensoriais. No entanto, isso não significa que ela não presta mais ou que “estragou”, ela apenas não está mais no seu auge, embora isso não inviabilize seu consumo.

Saideira

Cerveja não vence! Embora o rótulo diga o contrário. O que não quer dizer que uma cerveja vencida esteja “boa” (em termos de análise sensorial), ela poderá estar ou não, e isso depende de muitos fatores, dentre os quais, a validade (ou a data estipulada de validade) é apenas um deles. Para se saber se vale a pena beber uma cerveja vencida é necessário saber qual seu estilo, sua graduação alcoólica, como ela foi armazenada, se houve contato direto com a luz, dentre outras coisas.

O mais importante é destacar, derradeiramente, que uma cerveja vencida, em regra, não vai ser capaz de causar um mal à saúde de quem a ingerir. Não há relatos médicos nesse sentido, e a estipulação de uma data de validade atende mais a um critério legal descrito em uma Resolução da ANVISA que propriamente a um critério clínico e de saúde, haja vista que o álcool contido na cerveja atua como agente bactericida, promovendo a sua segurança microbiológica.

Pode ser que uma cerveja vencida não seja mais tão saborosa quanto ela seria se ainda estivesse na validade, e, portanto mais fresca, mas, com certeza, você não vai morrer só porque tomou uma cerveja vencida! Isso é garantido, pode sossegar e aproveitar aquela mega promoção de cerveja perto do vencimento que você só vai dar conta de beber tudo daqui a um mês ou mais!

Recomendação musical para degustação

Confesso que a recomendação musical de hoje não se enquadra tecnicamente no rol das minhas apreciações.

No entanto, mesmo que sem querer, é comum que já se tenha ouvido essa canção, tocando no rádio ou em alguma propaganda na TV. E como o tema é sobre saber se cerveja vencida faz mal, posso asseverar que, diferentemente do refrão da música, quem beber cerveja após o vencimento não “vai passar mal”.

Apesar de o nome da música de Pabblo Vittar ser Corpo Sensual, seu refrão chiclete que repete “VAI PASSAR MAL” é muito mais expressivo e significativo dentro do contexto abordado.

Saúde, e não passem mal!

Obs. O texto em questão é uma análise técnica-sensorial, não incita a desobediência civil, tampouco descumprimentos legais. Lojistas e revendedores devem seguir à risca todas as determinações dos órgãos competentes.

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

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A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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