Lenine Pinto deveria dispensar apresentações. Mas Natal é incansável em desvalorizar suas referências. Então, um brevíssimo parágrafo para resumir a grandiosa contribuição deste pesquisador e escritor para a história potiguar.
Lenine foi um dos historiadores locais pioneiros em pesquisas referentes à participação do RN na Segunda Grande Guerra. Também tem ótimas pesquisas relacionadas à história da Redinha, com relato único sobre o Cemitério dos Ingleses.
Entre outros trabalhos, também pesquisou sobre a história do remo, a história do xadrez em Natal, mas se notabilizou mesmo pela pesquisa e tese de que o Brasil foi descoberto (ou redescoberto) no Rio Grande do Norte, com inúmeros livros publicados.
Tive uma única oportunidade de conversar com Lenine, eu ainda repórter do Diário de Natal. Foi em sua casa no Pium. Nem lembro o tema, mas lembro que a pauta ficou esquecida e colhi outros motes para várias reportagens. Lenine era um arcabouço de conhecimentos.
Lamento ter estancado minhas pesquisas sobre a Redinha. Meu livro incompleto ficaria mais rico com seu depoimento, de quem pesquisou e frequentou a “praia bonita” de Cascudo. A última vez que o vi foi na última edição do Encontro de Escritores, na Ribeira. Estava bem.
Lenine, imortal da Academia Nore-riograndense de Letras, morreu hoje aos 89 anos, às 3h no Hospital São Lucas, onde estava internado há alguns dias decorrente de complicações causadas por uma pneumonia. O velório será na rua São José, às 10h. A cerimônia de cremação será segunda (24), restrita aos familiares.
O jornalista Alexandre Garcia, notório pelas reportagens e opiniões políticas da Rede Globo, é um estudioso da origem do descobrimento do Brasil, ou redescobrimento, como alguns preferem, já que os índios já habitavam o território.
Garcia também mantém uma chamada diária no programa Poder e Política, numa emissora de rádio com alcance nacional. E em comentário neste programa ele defendeu a teoria de que o Brasil foi redescoberto por Pedro Álvares Cabral a partir do Rio Grande do Norte. O áudio viralizou em grupos de whatssap relacionados ao turismo do RN.
Essa teoria tem sido levantada pelo pesquisador potiguar Lenine Pinto há décadas. A secretaria estadual de Turismo bancou a ideia este ano e tem organizado campanha para disseminar ou discutir o assunto, inclusive com promoção de um Seminário que envolva diferentes teorias sobre o tema.
Em seu comentário, Alexandre Garcia disse ter visitado recentemente o túmulo de Cabral, em Santarém, na igreja Santa Maria da Graça, em Portugal. E é com essa introdução contextualizada que ele abre sua defesa de que o Brasil foi redescoberto em Touros, no Rio Grande do Norte. Vejamos a transcrição do áudio.
“Estou em Lisboa. Peguei um carro e fui pra Santarém ver o túmulo do descobridor do Brasil, Pedro Álvares Cabral, na igreja Santa Maria da Graça. Há uma confusão em torno desse túmulo. Lá por 1870, 71 o nosso imperador brasileiro, Pedro II quis trazer ao Brasil os restos de Cabral. E encontraram, sob a lápide, na igreja Santa Maria da Graça, vários restos mortais. A lápide identifica dona Isabel de Castro, mulher de Cabral. Estaria lá, também, um filho de Cabral. Ou sejam: duas ossadas masculinas e uma feminina. Cabral morreu em 1520, vinte anos depois de ter descoberto o Brasil, ou de ter marcado a posse portuguesa no litoral brasileiro. Portugal já sabia há bastante tempo dessas terras. Cabral foi lá para confirmar, de passagem para as Índias.
Mas havia mais ossadas masculinas nessa carneiro dentro da Igreja. E ficou a dúvida: alguns ossos vieram ao Brasil e depois voltaram? Não ficou identificado. Mas, enfim, hoje dar-se como certo que Cabral está lá; esse é o túmulo de Cabral. Se bem que a terra natal dele, Belmonte, certa vez recebeu uma oferta da igreja de Santarém para que levasse os ossos pra lá. Mas tá difícil de identificar. Só se sabe que os ossos dele estão misturados a outras ossadas nessa igreja.
Fui lá prestar honras a Cabral que, por ordem do Rei Dom Manuel, chantou marcos, ou seja, cravou marcos portugueses; pedras com símbolo da cruz portuguesa ao longo de duas mil milhas náuticas do ponto de ancoragem da esquadra de Cabral. O último marco está em Cananeia, perto de Santos. Se pegarmos duas mil milhas náuticas de Cananeia pro Norte, vamos dar em Touros, no Rio Grande do Norte, em frente ao Monte Cabugi, de 900 metros e que é visto do mar. Seria esse o Monte Pascoal, e não o da Bahia, que é baixinho e ninguém vê do mar.
Essa é a primeira prova de que Cabral não chegou em Porto Seguro; chegou a Touros, a uns 90 quilômetros, mais ou menos, ao norte de Natal, a capital. Lá tem boas águas, como descreve Caminha, lá aparece tubarões, como descreve Caminha. E isso parece não estar presente em Porto Seguro. Porto Seguro… foi um historiador, Varnhagen que, 350 anos depois, como achou um marco português por lá, disse que era lá, e descreveu como chegada de Cabral em Porto Seguro.
Na verdade, a primeira associação de empresas para explorar o pau-brasil foi feita com os holandeses no Rio Grande do Norte. Conta-se que Vasco da Gama passou por lá para se reabastecer de água e frutas, por isso não teve doenças de carência de vitamina C na frota que descobriu o caminho para as Índias. Os portugueses já tinham mapas falando em Brasil, supostamente uma ilha no Atlântico Sul, mas queriam saber, de fato, de que se tratava.
Então, são confirmações. A outra, sobre o Rio Grande do Norte é que os portugueses costumavam marcar os acidentes geográficos com o santo do dia. Como se usava ampulheta, na época, e a ampulheta era regulada com o sol a pino, o dia mudava ao meio dia. E ali está o cabo que recebe o nome do santo daquele dia (Cabo de São Roque), e não em Porto Seguro.
Eu estou convencido que o descobrimento do Brasil; a confirmação da posse portuguesa por parte de Pedro Álvares Cabral começou a ser feita lá em Touros, no Rio Grande do Norte”.
Hoje, comemoramos o aniversário de 516 anos do Rio Grande do Norte. Em 7 de agosto de 1501, aconteceu, em terras potiguares, um dos mais importantes fatos históricos do país: a fixação do primeiro Marco (Padrão) de posse colonial da terra brasileira por Portugal, que está situado no litoral de Touros.
Não sei se é motivo de orgulho, mas o descobrimento do Brasil começou mesmo no Rio Grande do Norte. E aqui cito o “começou” quase de forma metafórica, posto que as terras já eram habitadas por indígenas, que “começaram” tudo bem antes.
Orgulho de ser potiguar? Sim, mas por outros motivos que não esse. Lembro de François Silvestre quando disse que nossa Republiqueta já nasceu de uma quartelada bisonha. Daí pra frente, ou até boas décadas para trás, a corrupção comeu solta no nosso país varonil.
Fato é que são muitas evidências e defendidas por notáveis estudiosos, pesquisadores e escritores de que esse projeto de nação começou pelo nosso RN, precisamente onde hoje está fincado o Marco de Touros, na chamada Esquina do Continente.
Portanto, quando a caravela do Cabral atravessou o Atlântico e chegou ao litoral brasileiro em 22 de abril de 1500, não avistou o Monte Pascal, em Porto Seguro, na Bahia, mas o Pico do Cabugi, na região central do nosso Estado. Além do mais, o monte Pascal é uma torre, cortada, sem o tal “pico”.
Parece hipótese pouco provável mesmo para nós, potiguares, em razão da distância do Pico do Cabugi para o mar. Mas saibam que até hoje pescadores nativos se referenciam por esta serra para voltar à terra, quando estão em alto mar. Hoje até surfistas, que de uns tempos pra cá descobriram excelente pico de ondas já distante do litoral, também usam o Pico do Cabugi como referência.
Existe farto conteúdo histórico para embasar a teoria de que o Brasil começou aqui. O escritor Lenine Pinto talvez tenha sido o pioneiro e um dos principais nomes no assunto, inclusive com o livro ‘O Bando do Mar’ lançado ano passado e com estudos ainda mais aprofundados sobre o tema.
Mais recentemente, Rosana Mazaro, professora há 13 anos do Departamento de Turismo da UFRN tem se lançado sobre a pesquisa e já tem livro no prelo para lançamento no início de 2017. Ela vai unir conhecimentos práticos, como experiente velejadora. e científicos, a partir de anos de pesquisa.
E é a professora Mazaro que ajudará a secretaria estadual de Turismo do RN numa campanha de divulgação e, mais do que isso, de incentivo à discussão sobre o tema. A intenção é realmente corrigir este possível equívoco histórico e reescrever nossa história. Os planos, ainda embrionários, é de lançar uma campanha nacional.
Claro, o tema é vasto, auspicioso e existem várias evidências para comprovar a teoria defendida há tanto tempo por Lenine Pinto. Mas Rosana Mazaro, que já velejou da Europa ao RN e subiu de Santa Catarina pra cá, enumerou cinco que considera as principais.
A primeira se dá pelas correntes marítimas, que direcionariam as caravelas naturalmente ao RN. Segundo Mazaro, há uma dificuldade imensa para se chegar da Europa à Bahia e, em contraponto, facilidade para o RN. Há navegadores que preferem contornar até Dakar (na África) para se aproximar do Brasil tamanho a força das correntes nas proximidades da Bahia.
A segunda evidência apontada pela professora é o monte avistado pelos portugueses ser o Pico do Cabugi, como abordei acima.
A terceira seria a presença de “aguada” no litoral, conforme consta na carta do descobrimento. Aguada seria água doce, presente nas proximidades do Marco de Touros, em vários lagos, e inexistente em Porto Seguro, na Bahia.
A penúltima evidência seria o Marco de Touros, diferente do marco fincado na Bahia. O daqui é esculpido com símbolos e brasões semelhantes ao marco chantado no município de Cananéia, em São Paulo, que é o segundo marco português no Brasil, ou seja, o segundo ponto de parada da caravela do tio Cabral.
Por último, o argumento mais evidente apontado pelos estudiosos: consta no mapa português que eles navegaram duas mil léguas ao Sul do país para fincar o segundo marco. Essa distância corresponde exatamente o percurso do Estado potiguar a São Paulo. Caso partisse da Bahia, o segundo marco estaria fincado na Argentina.
Portanto, amiguinhos, tudo indica, este Brasil que vemos hoje começou mesmo aqui.
Tudo bem, a comparação talvez seja inválida porque Portugal é um país e, Natal, uma cidadela. E ok, Natal já não é mais aquela noiva do sol de cinco anos atrás, hoje tomada pela violência e cada vez mais longe do provincianismo propalado por Cascudo. Mas, algumas alusões inúteis ao nosso cotidiano são cabíveis. Ora, também temos descendência lusitana. Há quem diga que o descobrimento do Brasil começou por aqui. Até podíamos ter aquele jeitão da belle epóque, afinal, foram os corsários francesas quem desembarcaram aqui primeiro. Mas os portugas afugentaram a galera, se misturaram aos nossos potiguares e tapuias desde 1597 e nosso sangue tem lá sua predominância ibérica se comparado ao tempinho que os franceses e holandeses se aventuraram por cá. Depois disso, a nova invasão seria norte-americana nos cabarés da Ribeira na Segunda Grande Guerra. E só. Então, Portugal está em nós. Vale mesmo uma comparação galada. E interprete a palavra “galada” dentro de sua diversidade, embora sua origem remonte a algo invejoso, já que provém dos homens de paletó nos cabarés dazantiga, em trajes de gala que despertavam a ciumeira entre os menos abastados de Natal, que diziam: “Lá vem os galados”. Mas hoje é adjetivo dos mais versáteis da língua portuguesa, podendo ensejar coisas boas ou ruins, tais quais esses 14 comparativos. Vejamos:
Portugal foi construído, basicamente, de pedra de calcário e de bálsamo (oriunda de rochas vulcânicas), abundantes na região. Por isso tudo parece sólido, nivelado, padronizado, organizado, sobretudo as calçadas.
Natal foi construída, basicamente, de duna, abundante na região. Por isso nada se sustenta, tudo é móvel, afunda ou exige mais para preservar, cuidar, manter, sobretudo a memória do povo.
Portugal se orgulha em ser pioneiro na travessia aérea pelo Atlântico Sul, com os aeronautas Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Isso em 1922. Ambos eram portugueses.
Natal se orgulha em receber o aviador Jean Mermoz, que atravessou o Atlântico Sul acompanhado de Dabry e Gimie, saídos do Senegal. Isso em 1930. O trio era francês.
Portugal ergueu estátua monumental do Marquês de Pombal, primeiro ministro do país e notabilizado por reerguer Portugal após o terrível terremoto de 1755.
Natal ergueu estátua bisonha de Dinarte Mariz, ex-governador do RN e notabilizado por uma das maiores arengas do Estado, com o ex-ministro Aluízio Alves.
Portugal, em cada esquina uma livraria, em cada rua um museu.
Natal, em cada esquina um bar, em cada rua uma casa lotérica.
Portugal possui igrejas medievais (tantas que seria difícil nomeá-las) e o monumental Mosteiro dos Jerônimos, lindamente preservados, tornados pontos turísticos e patrimônios mundiais.
Natal possui igrejas históricas, como a Matriz de Santo Antônio e a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, e ainda o Eremitério do Santo Lenho, em Macaíba, abrigo de peças sacras raríssimas e de valor inestimável. Nada inserido sequer em roteiro turístico. sendo o Eremitério praticamente desconhecido mesmo no Estado.
A República da Universidade de Coimbra parece um hotel onde estudantes saem prontos para o mundo.
A Casa do Estudante de Natal parece um bordel onde estudantes saem fodidos para a aula.
Motel em Portugal está na faixa dos 25 euros (aproximadamente 100 reais).
Motel em Natal está na faixa dos 40 reais – porque em criatividade e para foder os outros sempre somos melhores.
A estátua de Fernando Pessoa no centro histórico de Lisboa é disputada por turistas.
A estátua de Câmara Cascudo no centro histórico de Natal é disputada por pichadores.
A Biblioteca de Coimbra está aberta desde 1290.
A Biblioteca Câmara Cascudo está fechada desde 2011.
Em Portugal se paga moeda de 1 centavo quando o troco exige.
Em Natal se paga 200 para o outro não ganhar 20 quando nada exige.
Em Portugal para cada prédio ou praça histórica existe um monumento escultural para homenagear figuras históricas.
Em Natal para cada prédio ou praça histórica existe um projeto de restauração parado por burocratas arcaicos.
A Fortaleza São João da Foz, no Porto, tem mais de 400 anos e divide o Rio Douro do Oceano Atlântico e, preservada, recebe milhares de turistas ao ano.
A Fortaleza dos Reis Magos, em Natal, tem mais de 400 anos e divide o Rio Potengi do Oceano Atlântico e, deteriorada, recebia milhares de turistas ao ano.
Há quase um século os portugueses devotam sua fé e sua esperança em Fátima.
Há quase um século os natalenses devotam sua fé e sua esperança nos Alves e nos Maias.
Há quase 500 anos os portugueses desembarcaram em Natal, colonizaram a cidade e tiraram tudo o que puderam. Por isso possuem patrimônios históricos tombados pela Unesco, níveis educacionais elevados e história preservada.
Há quase 500 anos os natalenses foram saqueados por colonizadores portugueses que tiraram tudo o que puderam. Por isso a cidade carece de patrimônios históricos, níveis educacionais elevados e história preservada.
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