O boêmio Itajubá

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Por Manoel Onofre Jr

Ferreira Itajubá é um dos maiores poetas do Rio Grande do Norte, em todos os tempos. Quem duvida? Com ele, a Poesia norte-rio-grandense atingiu, por assim dizer, a maturidade. Lamentavelmente, seu nome não se projetou além da província, mas isso não significa demérito. (*)

Era um romântico, e não só na obra poética, mas também na própria vida: vivenciou de corpo e alma a Poesia, sua razão de existir.

Há controvérsias sobre o lugar e a data do seu nascimento. Para alguns biógrafos, ele teria nascido em Natal; para outros, em Touros (RN). Numa casa do bairro da Ribeira, Natal, colocaram uma placa com os seguintes dizeres: AQUI NASCEU O SAUDOSO POETA FERREIRA ITAJUBÁ. 21-08-1875. 30-07-1912. Porém, Rocha Pombo, Ezequiel Wanderley, Câmara Cascudo dão 1876. Rômulo Wanderley, 1877. Mas, como revela José Bezerra Gomes, o próprio poeta, “ao lavrar o termo de sua nomeação para escrevente da Associação de Praticagem, escreveu com a própria mão: Manoel Ferreira Itajubá, filho de Joaquim José Ferreira, natural deste Estado, nasceu a 21 de agosto de 1877”.

De origem humilde, órfão de pai aos seis anos, Itajubá teve de lutar pela vida desde muito cedo. Aos 12 anos já era empregado numa loja de fazendas, na Ribeira. Depois, manteve-se em pequenos empregos.

Na vida social natalense, destacava-se mais como animador de pastoris e fundador de um clube carnavalesco. Colaborava em quase todos os jornais do seu tempo. Chegou a fundar efêmeras publicações – “O Eco” (1896), “A Manhã” (1897) –, e participou, ativamente, da revista “Oásis”, que marcaria época.

Espírito irrequieto, Itajubá fazia muitas capilossadas, como então se dizia. Certa vez, armou um circo no quintal de sua casa, onde desempenhou vários papéis, de palhaço a mágico. Gostava, já homem feito, de soltar papagaios, e quando era época junina arreliava meio mundo com incríveis busca-pés.

Teria sido um arruaceiro, como Cascudo deixa entrever? (“Conheci o verdadeiro, o homem a quem Natal burguesa apodava, como Lisboa de 1551 a Luiz de Camões: brigão de horas mortas” (…) “Olhavam-no como quem olha um animal bonito e mau” – “Alma Patrícia”, Natal, 1921).

É certo que Itajubá, ainda muito jovem, e já diplomado em boemia, andou fazendo das suas. Mas, ao que tudo indica, ele nunca deixou de ser “um rapaz de família”.

Clementino Câmara, que o escolheu como patrono de sua cadeira na Academia Norte-rio-grandense de Letras, discorda de Cascudo quanto às supostas arruaças do poeta. “Sua vida não foi de exibições de valentia”.

Sem dúvidas, Itajubá era tido e havido como um original.

Segundo Clementino, “quase sempre aos domingos envergava calças de brim branco e fraque azul-marinho obrigado a flor na lapela, chapéu de palha e charuto de vintém no canto da boca”. (Discurso na ANRL. Revista da ANRL, n° 1, 1951).

José Bezerra Gomes confirma em versos:

 

“Cidade do já teve, de boêmios seresteiros,

que não alcancei…

Lourival Açucena (Lorênio),

o poeta Ferreira Itajubá,

regressando, de manhã cedinho,

das últimas noitadas,

cheias de serenatas,

lapinhas e pastoris,

vestido de fraque, segundo dizem,

com uma enfieira de caranguejo

dependurada no dedo da mão,

ali na antiga feira da Tatajubeira…”.

 (“Evocação da Cidade do Natal” – Antologia Poética, Natal, 1974).

 

A história desse fraque é contada por Mário de Andrade numa deliciosa crônica sobre o poeta, da qual extraí o seguinte trecho:

“As moças e a viola foram o refrão da vida dele… e o fraque.

Quando você casa, Itajubá?

– Inda não tenho fraque.

Acabaram mandando fazer um fraque para ele. Então casou, mas continuou na gandaia. Violão em punho, por praias e ruas suspeitas, cantando. De fraque. Fazia discursos nos circos de cavalinhos. De fraque. Fraque, aliás, que foi a salvação de calças de vida longa”. (“Os Filhos da Candinha”. São Paulo/Brasília, 1976).

Como tantos outros poetas românticos, Itajubá morreu ainda jovem. Trinta e quatro anos, mas não mais “na flor da idade”, pois já estava bastante desgastado pelas noitadas boêmias. Expirou numa enfermaria de indigentes, no Rio de Janeiro, aonde fora em busca de tratamento. Seu amigo e admirador, Henrique Castriciano, providenciou a remoção dos restos mortais, para Natal, dando-lhes sepultura na Igreja do Bom Jesus. Anos depois, numa das reformas que sofreu a igreja, todas as ossadas, que ali jaziam, inclusive a de Itajubá, foram para a vala comum, por determinação do então vigário da Paróquia.

(*) A obra poética de Itajubá foi publicada em um só volume (1927), sob orientação de Henrique Castriciano. Abre o livro o longo poema “Terra Natal” (anteriormente editado), com a comovente história de Branca, a que morreu de saudades pelo noivo exilado.

Em 1965 saiu a 2ª edição sob o título “Poesias Completas” (FJA, Natal). Posteriormente, 29 sonetos do poeta, todos inéditos em livro, foram enfeixados num volume intitulado “Gracioso Ramalhete”, por iniciativa do pesquisador Cláudio Galvão (UFRN/FJA: Natal, 1993).

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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