Luiz Gonzaga e o forró: patrimônio cultural brasileiro

Luiz Gonzaga

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No último dia 09 de dezembro, o forró foi reconhecido como um bem do patrimônio imaterial do Brasil! Por unanimidade, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan) deu um salto importantíssimo para a efetiva salvaguarda do forró.

Como resultado, será possível “mapear as vulnerabilidades, os riscos e a necessidade de promoção do bem”. O Poder Público deverá, com a colaboração da comunidade, promover e proteger esse patrimônio por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento, desapropriação, assim como outras formas de acautelamento e preservação, conforme determina a nossa Constituição Federal em seu art. 216.

Influenciado pelo baião e responsável por abranger variações rítmicas diversas, o forró foi considerado um “supergênero”. Sim, porque o xote, o xaxado, o chamego, a quadrilha e o arrasta-pé são, inelutavelmente, associados ao termo forró.

Pois bem. Vislumbrando o dia 13 de dezembro, Dia Nacional do Forró, instituído no ano de 2005, aproveito para falar sobre aquele que foi o pioneiro e principal divulgador do gênero: Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.

A VIDA NO SERTÃO: REALIDADE SOCIOCULTURAL

Luiz Gonzaga nasceu ao pé da Serra do Araripe, em 13 de dezembro de 1912, na fazenda Caiçara, distante 13 quilômetros do centro de Exu. Era filho de Januário dos Santos e Ana Batista de Jesus, mais conhecida por Santana. Segundo Sá (2012 [1966]), no dia do nascimento de Luiz, uma zelação riscou o céu, indicando um futuro alvissareiro para o menino que acabara de nascer.

Rebento de família pertencente à classe social baixa exuense, o segundo de um grupo de nove filhos. Batizado Luiz Gonzaga do Nascimento, na matriz de Exu, em 5 de janeiro de 1913, o Rei do Baião ganhou esse nome por sugestão do então padre, José Fernandes de Medeiros. Porque nascera no dia de Santa Luzia, deveria chamar-se Luiz, já que era homem; Gonzaga porque era o complemento do nome do santo Luiz Gonzaga; e, por fim, Nascimento em virtude de dezembro ser o mês de nascimento do menino Jesus.

A infância do menino Gonzaga não foi fácil. Ele e os irmãos começavam a trabalhar logo cedo para ajudar a família, como afirma o próprio Gonzaga em entrevista: “Era uma vida de menino pobre, sem escola, sem gordura, mãe puxando a enxada. Se o inverno era bonzinho, a gente até melhorava a panela” (DREYFUS, 2012 [1996]).

Santana, além de cuidar da roça, vendia corda feita de caroá, na feira, em Exu. Extremamente religiosa, a mãe de Gonzaga cantava hinos e puxava rezas em novenas e encontros religiosos do mês de maio, dedicado a Maria.

Januário era sanfoneiro e também ajudava Santana no trabalho do roçado. Nos finais de semana, tocava nos forrós que, até então, se chamavam genericamente de sambas. Em casa, ele tinha um ambiente reservado para consertar ou afinar o instrumento, que recebe diversos nomes no Nordeste: fole, concertina, pé-de-bode (como é conhecida a sanfona de oito baixos) e harmônica.

Luiz Gonzaga apresentou logo cedo certa musicalidade e, de auxiliar do pai nas afinações de sanfona, passou a sanfoneiro-substituto, assumindo o lugar de Januário quando este se cansava e pedia para dar uns cochilos.

A presença de Gonzaga acompanhado do pai tornou o garoto conhecido como novo tocador de fole da região.

Em virtude da cheia do Rio Brígida em 1924, Januário e Santana tiveram de mudar da fazenda Caiçara onde moravam para o Araripe. O Araripe era originalmente uma fazenda que se tornou povoado. Seus habitantes eram os patrões da família Alencar e os moradores, trabalhadores da terra.

Entre uma animação e outra, Luiz Gonzaga passou a trabalhar com o coronel Manoel Aires de Alencar, conhecido como Sinhô Aires, rábula e líder político em Exu.

Manoel Aires viajava bastante, pois era muito requisitado para defender presos nas cidades próximas a Exu (Ouricuri, Bodocó). Em uma dessas viagens, Gonzaga, que acompanhava o coronel cuidando dos animais, viu uma sanfona amarela da marca Veado para vender, por 120 mil réis, em Ouricuri. Logo, tratou de economizar o que ganhava para comprar o instrumento. Como o que ganhava era pouco, pediu um empréstimo a Sinhô Aires para completar o dinheiro que faltava e prometeu que pagaria o restante descontando nos dias trabalhados. Dito e feito. Luiz Gonzaga já tinha 60 mil réis em posse de Sinhô Aires, que completou o restante do valor da sanfona. Esse foi o primeiro fole que ele comprou.

O Rei do Baião não frequentou formalmente a escola. O contato com a alfabetização deu-se por intermédio das filhas do coronel Manoel Aires, já que Gonzaga frequentava a casa do rábula. Foi lá que aprendeu as primeiras letras e também a falar “mais corretamente” (SÁ, 2012 [1966], p. 69). Depois obteve mais alguma instrução com o sargento de polícia, Aprígio, que comandava um grupo de escoteiros em Exu.

Com a sanfona nova no peito, Gonzaga recebia convite para tocar em muitos sambas. Em 1926, tornou-se tocador independente; ganhou algum dinheiro e começou a caprichar nas roupas. Tornou-se, inevitavelmente, mais conhecido e, paquerador que era, não passou despercebido pelas meninas do lugar.

Nazarena Saraiva Milfont, Nazinha, foi o primeiro grande amor de Gonzaga. Os dois começaram a namorar após se conhecerem no casamento da irmã dela. Nazinha e Gonzaga costumavam encontrar-se às escondidas, sob um pé de juazeiro; esses encontros, anos mais tarde, iriam inspirar o tema da canção homônima (OLIVEIRA, 1991).

Todavia, o romance entre os dois não foi bem recebido pelo padrasto da moça branca. Seu Raimundo Saraiva não queria que ela namorasse com Gonzaga, porque o filho de Januário era pobre e de cor morena. Além disso, considerava-o um sanfoneiro de meia-tigela, um sem-futuro. Gonzaga soube dos comentários preconceituosos e foi tomar satisfação com o padrasto de Nazinha. Não sem antes se valer de umas lapadas de cana para dar coragem. Ele sempre contava essa história (causo) em diversas ocasiões. No dia da feira em Exu, armado com uma quicé (do Tupi, quigcê, faca pequena). Luiz Gonzaga foi ao encontro de seu rival. O senhor Raimundo evita-o e os dois não chegam às vias de fato.

Após o acontecido, o padrasto do primeiro grande amor do futuro Rei do Baião aconselha Santana a sair imediatamente da feira com o filho para não haver uma desgraça. O próprio Gonzaga dizia que, por causa desse rompante de valentia, tinha levado uma grande surra de sua mãe. Envergonhado, Gonzaga resolve sair de casa e arquiteta um plano. Fala para a mãe que foi convidado para tocar na feira do Crato, no Ceará. Do Crato, após vender a sanfona, viaja de trem cargueiro até Fortaleza. Lá, em meados de julho, mentindo sobre sua idade, apresenta-se ao 23º Batalhão de Caçadores do Exército que estava recrutando jovens voluntários em pleno período convulsivo da “Revolução de 30”. Sentou praça, tornando-se o soldado 122. Começariam, então, as primeiras grandes jornadas de Luiz Gonzaga. Antes restrito às redondezas de Exu, Gonzaga se lançaria agora em jornadas pelo Brasil afora.

AS ANDANÇAS PELO PAÍS

Sendo requisitados por ordens superiores, o soldado 122 e seu grupamento cumpriam as missões que lhes eram confiadas, de forma disciplinada. Inicialmente, começaram combatendo os revoltosos de 1930. Logo em seguida, com a deposição do presidente Washington Luís, em 24 de outubro do mesmo ano, o Batalhão muda de posição e passa a atender, então, à consolidação da “Revolução” vitoriosa que se alastrou pelo Brasil.

Em suas viagens, Gonzaga esteve em Sousa, na Paraíba, e na zona do Cariri cearense, divisa com Pernambuco, buscando desarmar os coiteiros, simpatizantes do cangaço, cujo maior líder era Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Também esteve em Teresina, no Piauí, combatendo a resistência ao governo recém-instalado. Do Piauí, foi, em breve passagem, para o Rio de Janeiro. Daí, é enviado a Belo Horizonte (Minas Gerais). Em 1933, cumpre missão em Campo Grande, Mato Grosso.

Como se percebe, Gonzaga vivenciava momentos de bastante efervescência na história do Brasil. O governo provisório de Vargas, na chamada “Revolução de 30”, enfrentou resistência por parte do Estado de São Paulo, que deflagrou a “Revolução Constitucionalista” de 1932.

Eleito indiretamente em 1934, o governo Vargas também enfrenta a chamada “Intentona Comunista”, capitaneada por uma ampla frente oposicionista, conhecida como Aliança Nacional Libertadora (ANL), em 1935. A referida intentona iniciou-se aqui, em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Como reação, em 1937, Getúlio dá um golpe e institui o Estado Novo, governo que adota uma Constituição com inspiração notadamente fascista. O regime ditatorial durou até 1945.

Revelam-se, por tais registros históricos, os principais motivos das andanças do soldado Luiz Gonzaga pelo Brasil afora.

No show “Luiz Gonzaga volta pra curtir”, realizado no Teatro Theresa Raquel, no Rio de Janeiro, em 1972, Gonzaga diz orgulhoso: “revolução como o jdabo, mas nunca dei um tiro. Eita, Brasil bom danado!”

Ao dar baixa na vida militar, em 1939, Gonzaga ruma para o Rio de Janeiro com uma ordem de permanência para ficar em um quartel, de onde deveria embarcar em um navio até Recife e depois seguir para Exu. Durante a sua permanência na capital, é incentivado por um soldado carioca a tentar a vida no Rio tocando sanfona, à noite, no Mangue, lugar de muitos bares e prostíbulos frequentados por boêmios, soldados e marinheiros do mundo inteiro (SÁ, 2012 [1966]). No Mangue, conhece o guitarrista baiano Xavier Pinheiro de quem se torna grande amigo. Xavier morava no Morro de São Carlos, onde Gonzaga foi se instalar também.

Gonzaga e Xavier tocavam tangos, choros, foxtrotes e valsas para animar os frequentadores. Um grupo de seis universitários cearenses, entre eles Armando Falcão (ex-ministro da Justiça de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e Ernesto Geisel (1974-1977), após conhecer e auxiliar Luiz Gonzaga no Mangue, fizeram uma exigência: só continuariam ajudando o sanfoneiro se ele tocasse músicas do Nordeste, do sopé da Serra do Araripe, que lembrassem de suas origens e da saudade que sentiam. Seguindo o conselho, Luiz criou o “Pé de Serra” e o chamego “Vira-e-Mexe” (OLIVEIRA, 1991), que estavam adormecidas em sua memória.

Logo, o sanfoneiro passou a manifestar a força poética que trazia desde a infância e adolescência, vividas nos carrascais de Exu. Percebeu, dessa forma, que o caminho que o levaria ao sucesso definitivo estava em seguir o rastro da lição daqueles universitários cearenses que, em última análise, remonta ao ensinamento atribuído a Leon Tolstoi: se queres ser universal, canta a tua própria aldeia.

O NASCIMENTO DO BAIÃO

Para Tinhorão (2006), a expressão “música popular” tem sido definida, ao longo do tempo, por diversas qualificações. Tradicionalmente, ela está ligada à ideia de música produzida pelas camadas sociais mais baixas da população. Com o surgimento do termo folklore, cunhado por William John Thoms, no século XIX, a música popular ficou fortemente associada à produção cultural oriunda da população pertencente ao mundo rural, sendo confundida com a música folclórica, que não possui autor conhecido e é transmitida oralmente de geração a geração.

Entretanto, no século XX, uma nova definição conceitual passa a ser reclamada para a expressão “música popular”, entre os estudiosos, devido ao novo cenário histórico-social da vida nas cidades. Assim, o que se entendia até então por “música popular” passou também a ser compreendido como uma forma de manifestação do povo, com feições próprias da vida urbana.

Segundo Tinhorão (2006, p. 167-1680), essa nova definição deveu-se à seguinte constatação:

[…] desde o aparecimento das modernas cidades contemporâneas do capitalismo comercial e da produção manufatureira, a partir do século XVI, passariam a existir na verdade não uma, mas duas músicas típicas do povo, por força de um dualismo de universos culturais: a da gente do mundo rural (presa historicamente a um modelo de vida coletiva) e a do moderno mundo urbano contemporâneo do poder das cidades (sujeito a regras do individualismo burguês).

Nesse contexto, o sucesso da música “Vira e Mexe” representou essa transição entre mundos e trouxe diversas oportunidades a Gonzaga.

Quando decidiu que deveria soltar a voz nas gravações, Gonzaga foi proibido pelo diretor da empresa RCA, o sr. Vittorio Lattari. Em depoimento a Sinval Sá (2012 [1966], p. 176), ele conta como foi a conversa:

[…] – Nem me fale em cantar aqui, seu Luiz. A casa está cheia de cantores. Mas tem lugar pra sanfoneiro. Estamos satisfeitos com você. […]. Já ouvi você cantar Gonzaga. Francamente!

– Aquilo irritou-me os brios.

Determinado, Gonzaga consegue convencer o diretor e recebe a permissão de gravar apenas uma música, como experiência. Nessa oportunidade, grava a mazurca (dança popular polonesa) “Dança, dança Mariquinha” e sua voz é bem aceita pelo público. Mesmo assim, não deixa de ser vítima de gracejo do senhor Lattari: “É, tem gente pra tudo…” (SÁ, 2012 [1966], p. 177).

gonzaga e humberto teixeira
Gonzaga e Humberto Teixeira

Os gracejos do diretor motivaram Gonzaga: “[…] fui despertado pra outro sentimento: o de exaltação do que era nosso. Senti impulsos de cantar também as coisas boas da minha terra, do meu sertão. Tudo me vinha num roldão, num amontoado informe de lembranças boas […]” (SÁ, 2012 [1966], p. 157). Assim, lembrando do conselho dos universitários cearenses e do sucesso alcançado com “Vira e mexe”, Gonzaga não queria mais continuar gravando gêneros “alienígenas”. Sabia que tinha de privilegiar, efetiva e definitivamente, os temas da música popular rural do Nordeste e o sotaque de seu povo.

Luiz Gonzaga conheceu o advogado e compositor cearense, Humberto Teixeira, em agosto de 1945. Encontraram-se no escritório de Humberto, onde Gonzaga expôs suas ideias. Em entrevista ao pesquisador, Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez), Humberto Teixeira conta como foi o seu primeiro encontro com o Rei do Baião, em agosto de 1945:

[…] um belo dia, estou no meu escritório de advogado lá no Rio, quando me procurou o Luiz Gonzaga. Ficamos, naquela tarde, de quatro e meia até quase meia-noite, nesse primeiro encontro. Naquele dia, nós chegamos a duas conclusões muito interessantes. Uma delas é que a música ou o ritmo que iria servir de lastro para nossa campanha de lançamento da música do Norte, a música nordestina no Sul, seria o baião. Nós achamos que era o que tinha características mais fáceis, mais uniformes (AZEVEDO, 2006).

No Dicionário do Folclore Brasileiro, Cascudo (2012 [1979]) define o baião como “o pequeno trecho musical executado pelas violas nos intervalos do canto no desafio”. O folclorista pondera que o baião “conserva células rítmicas e melódicas visíveis dos cocos, a rítmica (de percussão) com a unidade de compasso exclusivamente par”. Esse ritmo nordestino foi transformado, então, em gênero de música popular urbana pela dupla Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga.

Humberto Teixeira ficou bastante interessado na proposta de Luiz Gonzaga para decantar o Nordeste. Naquele primeiro encontro, escreveram, em poucos minutos, “No Meu Pé de Serra”, inspirado na história de Luiz Gonzaga, cujos versos iniciais entoam: “Lá no meu pé de serra, deixei ficar meu coração / Ai que saudades tenho, eu vou voltar pro meu sertão”. No mesmo dia, começaram a trabalhar em “Asa Branca”.

Entusiasmado com o novo parceiro, Humberto Teixeira afirmou, na referida entrevista, que, logo em seguida, eles idealizaram a canção “baião”:

[…] três dias depois do primeiro encontro com Luiz Gonzaga já fizemos, de pedra e cal, o primeiro baião que se gravou em todo o mundo: “Eu vou mostrar pra vocês/ Como se dança o baião/ E quem quiser aprender/ É favor prestar atenção…” Eu me sentia como se estivesse com bitola, aquela coisa toda pinicadazinha, cortada, sujeita àquele ritmo quadrado. Logo depois descobrimos que podíamos deixar o ritmo solto e extravasar nosso lirismo (AZEVEDO, 2006).

O FORRÓ GONZAGUIANO

Com efeito, tendo o Nordeste como elemento central de inspiração, o baião representou um trabalho de “recriação comercial de uma série de sons, ritmos e temas folclóricos desta área do país” (ALBUQUERQUE JR., 2011, p. 175). Dessa forma, o gênero criado por Humberto e Gonzaga possibilitou abrigar variações rítmicas que mais tarde viriam a receber o rótulo genérico de forró, a partir do termo forrobodó.

O forró é um baile popular que ocorre geralmente na zona rural ou nos subúrbios das cidades; divertimento; “samba”. Tanto Pereira da Costa (pesquisador pernambucano) quanto Cascudo (2012 [1979]) consignam o termo como brasileiro; até já aparecia em periódicos e jornais do Estado de Pernambuco, tais como O Mephistopheles, no 15, de 1833 e O Alfinete, no 13, de 1890. Portanto, não nos alinhamos à versão de que a palavra “forró” deriva da expressão inglesa for all (para todos).

Luiz Gonzaga reivindicava “ter sido também o introdutor do triângulo nesse conjunto típico de sanfona e zabumba, formando assim a composição instrumental mais indicada para produzir o ritmo do novo gênero” (TINHORÃO, 2013). A figura abaixo mostra a formação clássica do trio que Gonzaga projetou nacionalmente.

Fonte: adaptado e reproduzido de Santos (2013)

É inegável que, a partir de uma matriz folclórica estilizada pela parceria criada entre Humberto e Gonzaga, consolidou-se, efetivamente, o baião cantado (urbano) com a formação do trio que “proporciona uma sonoridade acusticamente equilibrada – frequências graves, médias e agudas bem distribuídas –, isto é, adequada à escuta habitual de seu público” (SANTOS, 2013, p. 52). À época em que houve essa estilização, o novo gênero musical, por ser caracteristicamente telúrico, encontrou ambiente sociopolítico altamente propício, por causa da propaganda política varguista de valorização da cultura nacional. Por conseguinte, segundo Albuquerque Júnior (2011, p. 175), o baião

 […] vem atender à necessidade de uma música nacional para dançar, que substituísse todas aquelas de origem estrangeira. Daí sua enorme acolhida num momento de nacionalismo intenso, fazendo-o frequentar os salões mais sofisticados em curto espaço de tempo. O baião será a ‘música do Nordeste’, por ser a primeira que fala e canta em nome desta região.

Com o lançamento de “Asa Branca” em 1947, o baião alcança sucesso notável e conquista o Brasil. Em 1949, Gonzaga lança, em parceria com o genial Zédantas, o sucesso “Forró de Mané Vito”, com versos inspirados no ritmo rápido e empolgante das emboladas. Para o pesquisador Assis Ângelo, o forró como dança, música e gênero musical teria nascido aí.

Afinal, o Forró de Mané Vito batizaria, de vez, o supergênero que agora é patrimônio imaterial do Brasil.

Viva o forró de raiz, patrimônio cultural imaterial do Brasil! Viva Luiz Gonzaga!

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Referências

ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

ÂNGELO, Assis. Dicionário gonzagueano de A a Z. 1. ed. São Paulo: Parma, 2006.

AZEVEDO, Miguel Ângelo (Nirez). Humberto Teixeira: voz e pensamento. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil S.A., 2006.

CASCUDO, Luís da Câmara Cascudo. Dicionário do folclore brasileiro. 12 ed. São Paulo: Global, 2012 [1979].

DREYFUS, Dominique. Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga. 3. ed. São Paulo: 34, 2012 [1996].

OLIVEIRA, Gildson. Luiz Gonzaga: o matuto que conquistou o mundo. 4. ed. Editora Comunicarte: Recife, 1991.

SÁ, Sinval. O sanfoneiro do riacho da Brígida: vida e andanças de Luiz Gonzaga – O Rei do Baião. 7. ed. Recife: Cepe, 2012 [1966].

SANTOS, Climério de Oliveira. Forró: a codificação de Luiz Gonzaga. Recife: CEPE, 2013.

TINHORÃO, José Ramos. Cultura Popular: temas e questões. 2. ed. São Paulo: 34, 2006.

______. José Ramos. Pequena história da música popular segundo seus gêneros. 7. ed. São Paulo: 34, 2013.

Sandro de Sousa

Sandro de Sousa

Filho de Macau-RN, residente em Natal desde os 5 anos de idade. Licenciado em Letras Português-Inglês (UFRN), Doutor em Letras (UFPB) e advogado.

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