F.O.M.O.: Consumismo cervejeiro e as cervejas “imperdíveis”

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Saudações, cervejeiros!

O tema de hoje, mais uma vez, é o mercado consumidor de cervejas e os comportamentos por ele moldados. Vamos falar hoje de um termo em inglês (F.O.M.O.) que se adequa perfeitamente ao tipo de consumismo por ele gerado, o que desencadeia nas chamadas “cervejas imperdíveis”.

F.O.M.O. é uma sigla que vem da expressão em inglês “fear of missing out”, que traduzida para o português significa “medo de ficar de fora”, ou “medo de deixar a oportunidade passar”.

É um termo geralmente aplicado às redes sociais e a sua hiperconectividade. É o que gera a necessidade de estarmos diuturnamente conectados e atualizados para não ficamos sem saber das novidades, dos novos memes e das mais novas coisas inúteis que vamos esquecer daqui a uma semana. F.O.M.O. é o sentimento de tentar ir atrás daquilo que nem sabemos direito como acontecerá, como acontecerá e se realmente será algo importante. Simples medo de desperdiçar uma oportunidade… seja ela qual for.

O que importa, nesse padrão de comportamento, é tentar se antecipar para não perder a chance (daquilo que não sabemos exatamente o que é). Seguindo a tendência, o mercado cervejeiro, principalmente aquele mais pomposo e hypado, vale-se do estratagema do F.O.M.O. para se manter em evidência e cativar a atenção do consumidor a cada novo lançamento.

Certamente, quem é consumidor de cervejas artesanais já ficou ligado por horas e horas apertando a tecla F5 do computador ou rolando a barra de atualização do navegador do celular para não perder “aquele lançamento imperdível”, mas a pergunta que fica é: será que essas cervejas são realmente imperdíveis?

 Criando “Cervejas Imperdíveis”

Em um mundo onde a exclusividade é a moeda mais valiosa, para todos os tipos de relacionamento humano e para todas as formas de diversão, não seria diferente que no mundo das cervejas artesanais a exclusividade não fosse tratada da mesma forma. Forçar a escassez, ou dar indícios de que uma cerveja é “rara” ou produzida em “quantidades limitadas” é um dos maiores chamarizes que se pode ter.

Claro que, a princípio, estamos falando apenas em uma estratégia de marketing, como qualquer outra, é apenas o que se chama no jargão jurídico de dolus bonus, apenas um aumento figurativo na qualidade de um produto a ser anunciado. O problema é que no mundo superconectado de hoje, as proporções são tomadas em uma magnitude muito maior.

O constructo da “imperdibilidade” cervejeira é lastreado, prementemente, no que chamamos de hype (clique aqui e saiba mais), aquele conjunto de elementos imateriais e psicológicos que faz com que valoremos cervejas (ou marcas cervejeiras) como algo derradeiramente mandatório. O F.O.M.O. certamente é parente muito próximo do hype.

Quanto mais exclusiva e mais hypada for a cerveja, mais imperdível ela é, mesmo que nem a tenhamos provado ou experimentado antes. Ela é imperdível porque ainda não foi degustada!

Cervejas imperdíveis e o mercado secundário

Quando os denominados lançamentos super raros são efetuados existe uma horda de intermediários que se aproveitam, sejam dos contatos diretos com os cervejeiros e o seu jabá pessoal, quer seja das brechas de compras legalmente existentes, para formar o que se denomina de mercado secundário. Nele, os preços são elevados à quinta potência do valor original de venda.

É nesse cenário secundário que o F.O.M.O. é fomentado (sim, eu sei, esse trocadilho foi péssimo). É essa reserva de mercado a par do que foi vendido, ou angariado de qualquer outra forma, que faz com que os preços das cervejas tidas por imperdíveis sejam ainda mais alavancado.

Isso não quer dizer que as “cervejas imperdíveis” sejam baratas assim que lançadas primariamente, contudo, é certo que ao desaguarem no mercado secundário seus preços tendem a chegar na estratosfera. Sempre seguindo a regra básica de que quanto mais hypada, ainda mais cara ela será posta à venda no mercado secundário.

Assim, se o F.O.M.O. já estava estabelecido quando a cerveja foi lançada, ao ser encontrada em alguma ocasião ainda mais rara na mão de um atravessador do mercado secundário, ele tenderá a aumentar. Até porque, ao chegar no mercado secundário é provável que ou a cerveja tenha sido muito bem falada e o F.O.M.O. aumentou, ou ela não era aquilo tudo e ninguém vai ligar muito para ela (aí o F.O.M.O. desanda).

Há muito F.O.M.O. para pouca cerveja imperdível?

Uma reflexão cabível, a ser feita no texto de hoje, diz respeito propriamente ao consumismo que se alastra com o F.O.M.O. cervejeiro. Será que todas as cervejas que se colocam como imperdíveis, de fato, são algo tão precioso assim?

O aspecto cultural do F.O.M.O. se expande para vários horizontes, todavia, no universo cervejeiro tido como high end (ou, de alto nível), ele parece atingir novos patamares. Isso é algo recorrentemente abastecido pelas novidades lançadas, já que é pouco comum ver alguma cervejaria repetindo um rótulo. Principalmente um que tenha sido lançado anteriormente e não tenha entrado em seu portfólio regular.

Nesse sentido, o bombardeio incessante das redes sociais ajuda a catapultar uma cerveja comum, costumeiramente ordinária, em algo tido como imperdível, algo que não se pode passar sem. O papel dessas mídias acaba sendo de injetar ilusões qualitativas em algo não tão diferente assim, hypando

Dessa maneira, a busca cada vez mais incessante por novas cervejas, por novos adjuntos cervejeiros e também por novos lúpulos faz com que aquela cerveja lançada, agora, seja concebida como uma cerveja imperdível, ou seja, vem o F.O.M.O. E assim o ciclo se repete, a cada lançamento, mais uma nova cerveja é posta no mercado, e assim sucessivamente a busca recomeça.

Saideira

Derradeiramente, pode-se concluir que nem toda cerveja imperdível é assim tão imperdível, não é mesmo? O mesmo raciocínio pode ser utilizado para aqueles festivais que se lançam como mega exclusivos e tudo mais que estamos acostumados a ver como publicidade.

F.O.M.O. é uma expressão bem atual e que explica muitos dos comportamentos consumistas que temos diante dos produtos, e, incluo-me na crítica, diante das cervejas também. Muitas e muitas vezes compramos cervejas sem provar, e de algumas cervejarias sem nem conhecer, apenas porque pode se estar diante de algo muito exclusivo e imperdível.

O medo de ficar de fora, às vezes, nos coloca em cada enrascada e traz cada cerveja ruim para os nossos copos e taças… então, é bom deixar a reflexão: qual cerveja lhe foi vendida como imperdível mas foi só o fogo do F.O.M.O. te atiçando?

Recomendação Musical

Como recomendação musical, não poderia deixar passar em branco o novo álbum dos veteranos do Metallica, mandando muito bem na faixa título desse lançamento: 72 Seasons.

Apreciem!

Saúde!

 

 

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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2 Comments

  • Gustavo Guedes

    Excelente texto. Tudo que você escreveu se encaixa também no ” fetichismo de produto”, pedra fundamental da propaganda

  • […] Em síntese, o custo-benefício está diretamente atrelado à qualidade aferida na experiência do consumidor, e não necessariamente condicionado a um preço absurdamente baixo de ocasião. Esse é um dos fundamentos essenciais para ser capaz de enxergar uma boa ocasião de compra de boas cervejas, independentemente de quão colorido o rótulo seja, ou quão exclusivo ele diga que é (ainda que nem seja… leia mais sobre isso AQUI. […]

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