Nada melhor do que aproveitar o dia internacional do trabalho para não fazer nada e falar de preguiça, um dos sete pecados capitais. De certa maneira, por ser feriado, a oportunidade de exercer a preguiça e, consequentemente, por estar livre do trabalho, dar-se ao luxo de pensar e colocá-lo em questão. Para além de sua prática, convido a reflexão do trabalho como palavra, ou seja, como o verbo se faz carne.
Curiosamente, apesar de consideradas línguas praticamente “originárias” de nosso modelo de sociedade, não existe a palavra trabalho nem no grego nem no latim. Os vocábulos ergon (em grego) e labor (em latim), dizem respeito apenas às obras produzidas, mas nada a ver com a atividade de produzi-las. Por outro, a ideia de trabalho sempre surge nas mitologias como uma punição, ou seja, a necessidade de trabalhar para viver como pagamento de um crime.
Mesmo não se tratando de uma exclusividade da sociedade judaica-cristã, o trabalho, na Bíblia, tem esta conotação de punição. Como reza a lenda, depois de haverem comido do fruto da árvore do bem e do mal, Adão e Eva são expulsos do paraíso. Deus condena Adão a ganhar o pão com o suor de seu rosto (trabalho) e sentencia Eva ao parto com dor (não é por acaso que se diz do “trabalho de parto”). Não é por acaso que a palavra “trabalho” se origina no vocábulo latino “Tripallium”, ou seja, um instrumento de tortura formado por três (tri) paus (pallium).
Obviamente, para escamotear o sentido do trabalho como punição e colocá-lo como virtude, Max Weber, contra o marxismo e recusando-se a admitir a produção capitalista como um discurso ideológico da Reforma Protestante, escreve o clássico da sociologia, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Levando em conta a afirmação de Marx de que numa sociedade dividida em classes o pensamento que domina é o pensamento da classe dominante, Weber acaba por afirmar uma espécie de ética em que a virtude para o homem é ser honesto e trabalhar para poupar e investir. Mas o que acontece é que ao homem honesto e trabalhador cabe apenas o papel de sobreviver e o faz para que o burguês possa poupar, investir e aumentar suas riquezas e seus poderes para explorá-lo ainda mais.
Há muitas literaturas que abordam o tema, referendando os tempos modernos. Por um lado, temos Domenico de Masi, com o seu Ócio criativo, tentando atribuir ao homem o papel de criador (produtor) transformando o ócio em negócio (negação do ócio). Parece-me mais inteligente refletir com Paul Lafargue, em seu O direito à preguiça, na medida em que coloca os pingos nos “is”, denunciando a “religião do trabalho” como o credo da burguesia para dominar as mãos, os corações e as mentes do proletariado.
Também parece interessante raciocinar com Viviane Forrester que, com seu Horror econômico, melhor expressa a ideia do trabalho a partir da angústia da exclusão pela ótica dos desempregados.
Oscar Wilde, em A alma do homem sob o socialismo, acredita que, para o pobre, é mais digno roubar do que pedir, considerando que – se pedir esmolas, é mais seguro que roubar – é bem mais digno tomar do que pedir, pois um homem pobre que seja ingrato, perdulário, insatisfeito e rebelde possui uma personalidade plena e verdadeira. Trata-se de um protesto sadio. Os pobres virtuosos são dignos de piedade, não admiração, por terem feito um acordo secreto com o inimigo e por terem vendido seus direitos inatos em troca de um péssimo prato de comida.
A desobediência civil, de Henry David Thoreau, merece uma visita, considerando sua atualidade, mesmo escrita em 1848. Também, Bertrand Russell, com Elogio ao ócio. Recentemente, temos o grupo Krysis com seu Manifesto contra o trabalho.
Contraditoriamente, na mesma Bíblia que coloca o trabalho como punição, no Evangelho segundo Mateus, no capítulo IV, conforme Paul Lafargue, Cristo pregou a preguiça no seu sermão na montanha: “Contemplai o crescimento dos lírios dos campos, eles não trabalham nem fiam e, todavia, digo-vos, Salomão, em toda a sua glória, não se vestiu com maior brilho.” Ainda, de acordo com Lafargue, “Jeová, o deus barbudo e rebarbativo, deu aos seus adoradores o exemplo supremo da preguiça ideal; depois de seis dias de trabalho, repousou para a eternidade”.
Enfim, diante das condições em que o trabalho é colocado para o consumo como um fim em si mesmo, resta-nos um apelo para que os “preguiçosos” se organizem.