#CaminhosdeNatal: Praça Padre João Maria, do sagrado ao profano

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Um mapa da Cidade do Natal, elaborado no 3º quartel do século XIX, indica o terreno existente por detrás da Igreja Matriz sob a denominação de praça da Matriz. Tal local acha-se hoje representado pela Praça Pe. João Maria. Era um ponto obrigatório de passagem das antigas procissões religiosas.

Posteriormente o local passou a denominar-se praça da Alegria, cujo topônimo sugere um ponto de animação da Cidade. Em meados do século XIX, serviu de palco às apresentações de grupos de artistas amadores, em teatrinhos improvisados.

O topônimo praça da Alegria sobreviveu muitos anos. Em 1888, um decreto municipal substituiu as primitivas denominações dos logradouros públicos de Natal. Apenas cinco deles resistiram à fúria inovadora, um dos quais a praça da Alegria. A tal denominação viria a ser substituída depois de 1905. Surgiu então a praça Padre João Maria, homenageando a pessoa daquele que é considerado o Santo Vigário de Natal.

Padre João Maria

O Padre João Maria Cavalcanti de Brito nasceu a 23 de junho de 1848, na fazenda Logradouro do Barros, então pertencente ao município de Caicó (hoje faz parte de Jardim de Piranhas). Eram seus pais: o capitão Amaro Soares de Brito e Ana de Barros Cavalcanti.

João Maria iniciou seus estudos eclesiásticos no Seminário de Olinda /PE, quando contava apenas 13 anos de idade. Seus estudos de Teologia foram concluídos em Fortaleza/CE, onde também recebeu as ordens sacras, conferidas por Dom Luís Antônio dos Santos, bispo da diocese do Ceará, em novembro de 1871.

Celebrou a primeira missa, em 10 de dezembro de 1871, na tradicional Matriz de Sant’Ana do Caicó. Naquele mesmo ano, foi nomeado padre-coadjutor da Freguesia de Caicó, quando fixou residência na então povoação de Jardim de Piranhas. Cinco anos
depois, foi transferido para a vila de Santa Luzia do Sabugi, na Paraíba. Em seguida foi vigário no Acari. Em 1878, nomeado vigário-colado de Papari, atual cidade norte-rio-grandense de Nísia Floresta.

Em 1881, dom Vital, bispo de Olinda, aprovou a proposta feita pelo padre José Hermínio da Silva Borges, que pleiteava a permuta entre os vigários de Natal e Papari. Aos 7 de agosto daquele ano, o padre João Maria tomava posse na Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, em Natal. Durante os 24 anos que regeu a paróquia, o padre João Maria trabalhou incansavelmente, honrando o clero e conservando as mais puras intenções de servir ao próximo.

Despojou-se de todos os bens materiais, favorecendo e amparando os mais necessitados. Recebia uma expressiva pensão que lhe era remetida por seu irmão, Amaro Cavalcanti, distribuindo-a no mesmo dia, como esmolas aos pobres. Passava até fome e
frio, renunciando às refeições, vestes, e até à rede em que dormia, tudo em favor dos menos favorecidos. Sendo diabético, o excesso de trabalho exauriu sua vitalidade, conduzindo a uma morte precoce, ocorrida em 16 de outubro de 1905, em sua casa no antigo sítio Belo Monte, no atual bairro de Petrópolis, em Natal.

Do sagrado ao profano

A praça Padre João Maria transformou-se então, em um local de peregrinações e romarias dos fiéis que buscam em seu santo popular, proteção e lenitivo para as suas dores.

praça padre joão maria - ilustração
Ilustração: Petterson Michel Dantas

Em 7 de setembro de 1908, inaugurava-se em Natal o primeiro trecho da Cidade, servido por transportes urbanos: eram os bondes puxados a burros, da Companhia Ferro Carril. A praça João Maria tornou-se o ponto final daquela linha, na Cidade Alta.

A grande seca de 1915 motivou a vinda de um grande número de flagelados do interior do Estado, para a Capital. O então governador Ferreira Chaves abriu várias frentes de trabalho, utilizando a abundante oferta de mão-de-obra, nos serviços urbanos. Dentre as obras executadas então, uma delas foi o início dos trabalhos de calçamento da Praça Padre João Maria.

Em 7 de agosto de 1921, consolidava-se o desejo da população natalense, com a inauguração do busto em bronze do padre João Maria, na praça do mesmo nome. O referido monumento foi originalmente colocado sobre um soberbo pedestal de granito, com altura de 4 metros.

A praça Padre João Maria de então, era um recanto tranquilo e sereno, bastante arborizado e cercado por várias e belas casas residenciais, inclusive o velho sobrado de Aureliano Medeiros, no início da praça e ao lado da torre da Igreja. Apesar de bastante mutilado, o casarão ainda resiste.

No local atualmente ocupado pelo Banco do Nordeste, existia outro prédio que abrigava o Instituto de Música dirigido pelo maestro Waldemar de Almeida. O atual edifício “21 de março” era a Loja Maçônica 21 de março, um prédio de relevante valor arquitetônico, ostentando traços e características neoclássicas. Concebido com simetria, o prédio apresentava uma porta central ladeada por 8 janelas. Possuía platibanda arrematada por frisos e cornija, coroada em sua parte central por um belo frontão curvilíneo.

A praça transformou-se, perdeu o belo casario do entorno e o seu frondoso jardim. Substituíram o antigo pedestal, aproximando mais o busto do padre João Maria do povo, que até hoje procura o seu “santo”, acendendo velas, pedindo graças, ou agradecendo as promessas atendidas.

Porém, o espírito religioso da praça foi perdendo espaço para o profano. Com a instalação de uma feira de artesanato, o local passou a ser mais frequentado por turistas, em detrimento dos antigos e fiéis devotos do santo.

Em restauração empreendida, pela Prefeitura Municipal de Natal, a praça perdeu a sombra de suas frondosas árvores. Foram elas todas cortadas e substituídas por canteiros acanhados, com vegetação de pequeno porte.

Jeanne Nesi

Jeanne Nesi

Superintendente do IPHAN-RN, Sócia efetiva do Instituto Histórico e Geográfico do RN, e Sócia correspondente do Instituto Histórico Geográfico e Arqueológico de PE. Fundou a Folha da Memória, com periodicidade mensal. Publicou cinco livros, sendo dois como co-autora. Publicou folhetos, folders e cordéis e mais de 300 artigos sobre o assunto em uma coluna semanal no jornal Poti, na Folha da Memória e em revistas do IHGRN.
Atualmente aposentada, mas sempre em defesa do patrimônio histórico.

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