#CaminhosdeNatal: Praça da Santa Cruz da Bica, dos primitivos marcos da cidade

Praça Santa Cruz da Bica

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A Praça da Santa Cruz da Bica representa um dos primitivos marcos de Natal. É provável que tenha sido construída à época da fundação da Cidade.

Os portugueses e espanhóis adotavam o ritual de limitar com cruzes, os limites urbanos das povoações que fundavam. No caso de Natal, a cruz da bica de beber água assinalava os limites da Cidade pelo lado sul. Uma outra cruz, fincada na atual Av. Câmara Cascudo (antiga avenida Junqueira Aires), à altura da praça das Mães, assinalava os limites norte da Cidade.

Afirma o historiador Nestor Lima, que a primitiva Cruz da Bica foi chantada em um local mais abaixo da encosta sul da área urbana, quase à margem direita do rio do Baldo. Posteriormente a cruz foi trasladada, para o seu atual pedestal, por ocasião dos serviços de abastecimento d’água, realizados pela Empresa d’Água de Natal, de Bigois & Leinhardt, no final do século XIX. A referida empresa construiu grandes coletores de água, na Cidade Alta e Ribeira.

Segundo Câmara Cascudo, “no cruzamento de certas ruas, erguiam-se chafarizes, com torneiras reluzentes. Eram pontos de concentração popular’’.

No dia 24 de março de 1674, já existia a bica, no então rio de Beber Água, o riacho do Baldo atual. Assim o indica a ata de uma reunião do antigo Senado da Câmara do Natal, daquela data.

O mais remoto registro que trata de terras concedidas nas imediações da atual praça da Santa Cruz da Bica, data de 24 de setembro de 1675, cujo beneficiário foi o vigário Paulo da Costa Barros. As terras concedidas ficavam ‘’junto à fonte desta Cidade’’.

Segundo o pesquisador Olavo de Medeiros Filho, aquela terra “tomava o rumo do Potengi, iniciando–se na confrontação da rua Santo Antônio. A margem esquerda do riacho do Baldo, indo até o sopé do monte, que hoje é a subida do Alecrim’’.

Outro registro de data e sesmaria, concedida a Nicolau José de Almeida, em 24 de abril de 1766, também nas imediações do Baldo, faz referência a uma outra denominação tomada pelo rio: “no rio chamado do Cajueiro, desta mesma Cidade’’… pegando do dito rio de beber água, chamado o Cajueiro’’.

Outro registro de concessão de terras feita pelo Senado da Câmara do Natal, a Manuel Raposo da Câmara, em 27 de outubro de 1766, refere-se a uma cruz, no local onde ficava a fonte da Cidade, “entre as casas… e o caminho que passa pela cruz de beber’’.

Dia de Santa Cruz

Durante muitos anos, a população de Natal comemorava no dia 3 de maio de cada ano, o Dia da Santa Cruz. Era uma festa popular, em que era rezado um terço na Praça da Santa Cruz. A festa de devoção à Santa Cruz, raramente era assistida pelo clero. O terço geralmente era “tirado” por um leigo.

Houve um certo ano em que a festa foi prestigiada por frei Vidal, quando o mesmo encontrava-se em missão pela Capitania do Rio Grande. Frei Vidal de Frascarolo era um religioso capuchinho, que pertencia ao Convento de Nossa Senhora da Penha do Recife, pelo final do século XVIII. Vivia em missões, visando a divulgação da Fé Católica. Suas pregações ocorriam geralmente ao ar livre, de preferência à noite e à luz das fogueiras.

Durante anos, o nome de frei Vidal foi venerado como um verdadeiro santo familiar, e várias gerações guardaram na memória, os cânticos sagrados e as orações, outrora ensinados pelo frade, nas Santas Missões.

Nos festejos juninos, voltava a animação àquela praça. Ao som de violões, violas e flautas, os homens participavam dos festejos comemorativos, comendo, bebendo, cantando, e policiando o banho das filhas, irmãs e noivas, tomado no rio do Baldo. Em seguida, era a vez deles próprios se banharem naquelas águas, sempre cantando.

Em 1878, o Capitão Naninguer, comandante da tropa de linha e devoto da Santa Cruz, construiu um jardinzinho em redor do cruzeiro. O jardim permaneceu por vários anos, mantido pela comunidade local. A primitiva cruz foi posteriormente substituída por outra, conservando-se no caixilho os fragmentos do cruzeiro original.

A cruz atual é de construção recente. Em 19 de agosto de 1983, a pracinha foi restaurada pela Prefeitura Municipal do Natal, na gestão do prefeito Marcos Formiga.

O cenário mudou, a cruz foi substituída, o rio atenuado, multiplicou-se o número de edificações no entorno da praça. Apesar de esquecido por muitos, o recanto ainda possui um jardim mantido pela Prefeitura. Ramos secos, rosários e fitas votivas ainda envolvem a cruz, denunciando que a pracinha ainda representa um local sagrado, procurado pelos devotos da Santa Cruz.


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Jeanne Nesi

Jeanne Nesi

Superintendente do IPHAN-RN, Sócia efetiva do Instituto Histórico e Geográfico do RN, e Sócia correspondente do Instituto Histórico Geográfico e Arqueológico de PE. Fundou a Folha da Memória, com periodicidade mensal. Publicou cinco livros, sendo dois como co-autora. Publicou folhetos, folders e cordéis e mais de 300 artigos sobre o assunto em uma coluna semanal no jornal Poti, na Folha da Memória e em revistas do IHGRN.
Atualmente aposentada, mas sempre em defesa do patrimônio histórico.

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