Como sabemos da diversidade do nosso público, pensamos nesse resgate de clássicos do cinema. Muitos deles, claro, não precisam ser exatamente resgatados — afinal, permanecem presentes no imaginário de quem os assistiu ou, ainda, fazendo parte de nossas formações.
Acontece que, nos streamings mais populares, proporcionalmente, pouco há do catálogo de antes da década de 1990.
Os anos 1970 foi a década das mais prolíficas da história do cinema. Foi nesse período que o mundo viu surgir a Nova Hollywood. E era uma turma de peso: Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, George Lucas, Brian De Palma, Peter Bogdanovich, Michael Cimino, Paul Schrader…
Embora o movimento, para muitos teóricos, tenha iniciado em 1967, com o clássico Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas (de Arthur Penn), seu firmamento e auge foi em 1972, com a chegada de O Poderoso Chefão (de Coppola) e Essa Pequena é uma Parada (de Bogdanovich).
A Nova Hollywood criou um novo modelo de cinema, com filmes que retratam uma realidade mais crua, sendo influenciados pela arte independente de John Cassavetes e pelos trabalhos de Robert Mulligan, Penn, Robert Aldrich, Sam Peckinpah, Don Siegel, entre outros.
É verdade, de todo jeito, que a nossa lista poderia ser bem maior, pois sabemos que deixamos de fora alguns filmes muito queridos e gigantescos para o cinema. É impossível escolher apenas 10 de uma década inteira.
Mesmo assim, no campo para comentários, toda indicação será bem-vinda! Podemos ir fazendo uma espécie de corrente. Assim, mais e mais bons filmes poderão ser citados e chegar a todos.
Vamos, então, à mais uma lista de clássicos do cinema, com 10 dos melhores filmes dos anos 1970:
Escrito e dirigido por Nagisa Ôshima, o filme é das experiências eróticas mais bem construídas do cinema. É uma narrativa apaixonada de uma mulher cujo caso com seu mestre levou a uma relação sexual obsessiva e destrutiva.
Ôshima conduz o filme com paixão e, assim sendo, só agiganta o que se passa.
Ele retrata tudo com detalhes extraordinariamente vívidos, sempre com muita beleza. É verdade que a repetição — necessária para o efeito — pode chocar alguns e entediar outros, mas há tanto para além da superfície de O Império dos Sentidos que fica impossível desconsiderar sua potência.
Ainda existe o subtexto de crítica à sociedade japonesa, que acompanha cada momento do filme — ela (essa crítica) é sutil, mas não menos poderosa que o conjunto da obra.
Depois que uma nave mercante espacial recebe uma transmissão desconhecida como um pedido de socorro, um dos tripulantes é atacado por uma forma de vida misteriosa e eles logo percebem que seu ciclo de vida apenas começou.
Esse mote dá vida a um dos filmes mais emblemáticos e referenciados da história. O terror espacial de Ridley Scott vive no imaginário, tomou conta de gerações e permanece ativo com sequências que parecem não dar conta da potência do filme de 1979.
Um casal de luto pela morte recente de sua filha está em Veneza quando encontra duas irmãs idosas, uma das quais é vidente e traz um aviso do além.
O diretor Nicolas Roeg é um gênio em preencher a tela com formas ameaçadoras. Suas composições imagéticas vão muito além da beleza; cada quadro tem a intenção de causar sensações.
A cidade de Veneza, aqui, é utilizada como nunca. O fim do outono, o início do inverno… tudo beira a perfeição em um filme íntimo e, simultaneamente, intimidador.
Stanley Kubrick é um dos maiores de todos os tempos e um dos reis das décadas de 1960 e 1970. Aqui em nossa lista, portanto, poderia estar, além de Laranja Mecânica, a obra-prima Barry Lyndon.
Por outro lado, nosso escolhido é dos filmes mais populares e comentados do perfeccionista diretor nova-iorquino.
Na história, o líder sádico de uma gangue é preso e se voluntaria para um experimento de aversão à conduta, mas não sai como planejado.
Isso é só a superfície de um filme que comenta sobre opressão, revolução, degradação humana… É uma distopia futurística, escrita pelo próprio Kubrick — adaptada do romance de Anthony Burgess — que, pouco a pouco, prova-se como uma realidade assustadora.
É verdade que, ano após ano, o público vai se afastando desse que é um dos mais cultuados filmes de terror da história do cinema. Muito provavelmente, o medo que ele causou décadas atrás foi sendo pulverizado e os efeitos práticos foram ficando um tanto quanto datados.
Mas o poder de O Exorcista não está aí; está na direção potente de William Friedkin, que construiu um filme de gênero liderado por um drama religioso e familiar.
Existe empatia para com a pequena Regan (Linda Blair), para com sua família e para com os padres. Em resumo, é um dos maiores exemplares da história da luta do bem contra o mal, que é fadada por um sacrifício.
Um dos maiores cineastas que já passaram pela terra foi bem prolífico na década de 1970. Andrei Tarkovsky poderia ter, além de Stalker, Solaris (1972), O Espelho (1975) e Pervyy den (1979) em nossa lista.
Acontece que o nosso escolhido continua sendo uma das produções mais conhecidas e reverenciadas do gênio soviético.
Não é, de forma alguma, um filme fácil: com seu ritmo sonâmbulo sendo uma desvantagem significativa em relação a outros da lista. Mas, ainda assim, o tempo proposto pela direção é necessário para o desenvolvimento da história; nunca é um fetiche, mas uma forma de alcançar a experiência plena.
Ainda, o filme tem qualidades que o tornam difícil de esquecer e, seguindo um guia que conduz dois homens por uma área conhecida como Zona para encontrar uma sala que conceda desejos, o trabalho de Tarkovsky fecha-se em uma unidade monumental.
Essa obra-prima de Martin Scorsese é tida como um dos melhores e mais completos estudos de personagem já realizados.
Tudo aqui é único e pensado no limite da perfeição. A começar pela fotografia de Michael Chapman, por exemplo, que traduz a ideia da direção deixando Nova York esverdeada ao trabalhar com a iluminação pública (dos postes mesmo) nessa direção.
Não deixou o filme com uma beleza convencional, deixou sujo como a mente contorcida do protagonista (Travis Bickle — interpretado por Robert De Niro), criando, assim, uma unidade muito coesa. Um filmaço.
Uma Mulher Sob Influência (1974) seria mais óbvio ao escolher um filme do mago do cinema independente dos EUA — e do mundo. Por outro lado, Noite de Estreia vai além dos universos de sua protagonista.
O texto e a direção de John Cassavetes — que também atua aqui — não só conseguem construir um legado sólido sobre a consumação da vida pelo tempo, um estudo de personagem extremamente rico e psicologicamente destruidor, como retroalimenta a significação do que é viver sob o que se ama.
Por mais que vejamos uma mulher doente em uma luta versus ela mesma, há uma degladiação que transcende o próprio filme.
Na história, uma atriz renomada interpretada por Gena Rowlands — em uma das maiores atuações da história do cinema — oscila à beira de um colapso enquanto conta os dias para uma grande estreia na Broadway.
Tubarão é um clássico que parece sempre atual. Sendo um dos primeiros trabalhos de Steven Spielberg, o filme já trazia todo o estilo entertainer do diretor que, aliado aos seus sempre sugestivos comentários sociais e à sua competência artística, acabou criando ou redefinindo o conceito de blockbuster.
Além disso, a composição de John Williams para a trilha sonora é das mais emblemáticas da história: um intervalo simples, entre duas notas, substitui a aparição do tubarão durante mais de dois terços das pouco mais de duas horas de duração. Sabemos que o bicho está presente e quem indica isso é a música.
Um clássico, um trabalho que moldou o cinema em mais de uma camada.
Francis Ford Coppola está em sua década perfeita: ele começa com O Poderoso Chefão (1972), dois anos depois lança A Conversação e O Poderoso Chefão II e, finalizando, traz para o público aquele que talvez seja o filme de guerra mais completo e complexo já realizado: Apocalypse Now (1979). Foram quatro obras-primas em sete anos.
Assim, pode ser muito clichê posicionar na primeira posição a primeira delas. Por outro lado, é quase impossível não o fazer, visto que ele estaria nas primeiras posições de uma lista que unisse todas as décadas.
Há muito o que explorar no efeito causado pela decupagem de Coppola, pelos planos utilizados, pela direção de arte que faz cada figurino ser um conceito simbólico a léguas da estética pela estética, pelas atuações, pela composição autoplagiada de Nino Rota…
Há, em O Poderoso Chefão, uma aura de perfeição que nem mesmo as cenas de ação ainda em desenvolvimento na década de 1970 — definidas ou redefinidas pela ascensão da franquia 007 e potencializadas nos anos 1980 —, claramente dubladas, podem esconder.
O filme de Coppola pode ser visto como o cinema em sua mais perfeita harmonia. Uma obra-prima das maiores de todos os tempos.
Entre as dezenas de bônus possíveis, escolhemos este que é, de longe, o mais popular da década e que permanece vivo até hoje, sendo a semente de culto — de religião mesmo.
Com o termo blockbuster sedimentado por Tubarão, o primeiro filme da franquia Star Wars não criou somente uma mitologia, mas, na prática, fundou o que viria a ser chamado de filme-evento (termo explorado pelo Universo Cinematográfico Marvel — MCU).
A produção de George Lucas renderia, a partir do seu lançamento, um universo expansível e criativo sem precedentes na história do cinema.
Agora, ficam aí os comentários para que vocês acrescentem filmes e possamos criar uma lista de obras-primas cada vez maior e construída por todos nós!
Texto publicado, originalmente, no Canaltech
A expectativa pode não ser exatamente favorável para a apreciação de um filme, mas ela, de uma forma ou de outra, constrói alguma ligação com o público. E tudo funciona como uma bola de neve: se um filme mais popular faz muito sucesso, não demora para que uma sequência ou um spin-off seja anunciado.
Desse modo, uma lista de filmes mais esperados é sempre cheia dessa expectativa construída conscientemente pelas produtoras e com tudo que cabe a sensações mais subjetivas, como a nostalgia.
Pensando nisso, listei muitos dos filmes que estão sendo aguardados pelo público para 2021. Alguns deles são superproduções, um ou outro são projetos menores e há espaço para o cinema nacional também.
A lista ainda pode ganhar corpo com os anúncios oficiais de lançamentos que permanecem sendo incógnitas e, como sempre, com os comentários de vocês.
Afinal: Qual é o filme que você mais espera para assistir em 2021?
James Bond deixou o serviço ativo. Mas a paz do agente britânico dura pouco quando Felix Leiter (Jeffrey Wright), um velho amigo da CIA, aparece pedindo ajuda. A partir de então, o 007 entra na trilha de um vilão misterioso armado com uma nova e perigosa tecnologia.
O último filme da franquia a ser protagonizado por Daniel Craig tem direção do talentoso Cary Joji Fukunaga, que esteve à frente de oito episódios da série True Detective e do ótimo drama romântico Jane Eyre (de 2011).
No elenco, ainda veremos Ana de Armas, Ralph Fiennes, Léa Seydoux, Rami Malek, Christoph Waltz, Ben Whishaw e Naomie Harris. E não é somente o elenco que é avantajado: a duração confirmada do filme é de 2 horas e 43 minutos. Pelo sim ou pelo não, já é um filmão.
007: Sem Tempo Para Morrer está confirmado nas salas brasileiras, por enquanto, para 2 de abril.
Ainda não se sabe muito sobre o filme, mas sabemos que o Adão Negro é um super-vilão, uma espécie de versão maligna de Shazam, sendo o principal arqui-inimigo do super-herói — ao menos nas HQs.
Provavelmente, o personagem surgirá não exatamente como um vilão, mas como um anti-herói, o que deve se encaixar bem em todo o carisma de Dwayne Johnson.
A expectativa é que Adão Negro estreie nos cinemas brasileiros em 23 de dezembro.
O que se sabe é totalmente público: o diretor Matt Reeves (dos dois últimos elogiadíssimos Planeta dos Macacos) parece estar indo nas profundezas do herói de Gotham.
O material não é fácil: depois de passar por várias versões e por diretores com assinatura como Tim Burton e Christopher Nolan, fazer renascer o Homem-Morcego é um processo que exige um diferencial.
De todo modo, a partir do material que tem sido divulgado, Bruce Wayne vem em uma versão mais violenta, profunda e com uma pegada bem diferente das anteriores.
The Batman está previsto para março aqui no Brasil.
Com direção do já cultuado Denis Villeneuve (de Blade Runner 2049), Duna é mais uma adaptação do romance de ficção científica sobre o filho de uma família nobre que é encarregado de proteger o elemento mais vital da galáxia.
Duna já foi levado aos cinemas por David Lynch (em 1984), tendo uma recepção bem sofrida. Há, ainda, uma minissérie de 2000 baseada no trabalho do escritor Frank Herbert. Acredita-se, porém, que Villeneuve, enfim, trará ao mundo uma versão satisfatória desse universo. Fica a expectativa…
Ainda não há data oficial de lançamento aqui no Brasil, mas Duna deve estrear entre o final de setembro e o início de outubro.
É verdade que Esquadrão Suicida (2016) foi um fracasso de público e crítica. Aquele filme, escrito e dirigido por David Ayer, é motivo de piadas, memes e até certa repulsa. Então, sem demora, a DC anunciou The Suicide Squad — sim, somente com a mudança do artigo na frente.
O Esquadrão Suicida já nasce com muita expectativa. Isso porque o roteiro e a direção passam para os domínios de James Gunn, que deu vida aos Guardiões da Galáxia.
Gunn, que também está no comando do terceiro filme dos heróis da Marvel, parece conseguir aliar bem a função entre as duas concorrentes. Talvez ele seja o diretor que mais pode demonstrar que, no futuro, poderemos ter um grande cruzamento e, de repente, um embate entre Thor e Superman, entre Homem-Aranha e Batman… ou a união entre todos para combater um mal muito maior.
Fica essa elucubração fantasiosa sobre um evento que seria mais do que gigantesco.
Sem data confirmada, mas a expectativa da estreia de O Esquadrão Suicida está firmada no dia 5 de agosto.
O próximo capítulo do Monsterverse promete ser épico: dois dos maiores ícones da história do cinema um contra o outro e, no meio, a humanidade. Monstros e destruição são um prato cheio para o entretenimento. Resta saber para que lado o diretor Adam Wingard (de Death Note, 2017) vai levar os bichanos.
A estreia de Godzilla vs. Kong está confirmada para 21 de maio.
A continuação por enquanto sem título de Homem-Aranha: Longe de Casa continua agendada para dezembro de 2021. Se não tem título, sinopse e informações oficiais seguras muito menos. Mas o mesmo diretor dos dois filmes anteriores, Jon Watts, está no comando. Tom Holland volta ao papel protagonista, claro, e Marisa Tomei repete a sua Tia May assim como Zendaya a sua MJ.
Existem alguns acréscimos no elenco que prometem trazer o multiverso espetacular da animação Homem-Aranha no Multiverso para o live action (ou quase isso): Jamie Foxx como Electro, papel que ele interpretou em O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro (de 2014), Alfred Molina como Dr. Octopus, revivendo o vilão memorável de Homem-Aranha 2 (2004) e as prováveis participações de Tobey Maguire e Andrew Garfield como aranhudos de universos paralelos.
Faltam informações oficiais para uma confirmação com mais certeza, mas fica a expectativa.
A estreia de desse terceiro capítulo do Homem-Aranha pelas mãos da Marvel Studios está agendada para 17 de dezembro nos EUA e para o dia 23 do mesmo mês no nosso país vizinho, a Argentina. Por aqui, ainda não há data confirmada, mas deverá acontecer entre as mesmas datas.
Uma das franquias de terror mais aclamadas do cinema retorna com o seu terceiro capítulo. O casal Ed e Lorraine Warren desta vez traz a luta pela alma de um menino (interpretado por Julian Hilliard, de A Maldição da Residência Hill).
O caso real marca a primeira vez na história dos EUA em que um suspeito de assassinato alegou estar possuído como argumento de defesa. A direção é de Michael Chaves (de A Maldição da Chorona, 2019), substituindo James Wan após os dois primeiros filmes.
Invocação do Mal 3 está marcado para estrear no início de junho em vários países, mas ainda sem data confirmada no Brasil.
Na sinopse oficial, a produção se coloca, justamente, como um filme de origem, uma prequela: nos primeiros anos do século XX, a agência Kingsman foi formada para se opor a uma cabala que trama uma guerra para exterminar milhões.
Com dois filmes anteriores consolidados e bem vistos, King’s Man: A Origem surge para expandir o universo e vem, novamente, com a direção de Matthew Vaughn. O elenco vem pesado: Aaron Taylor-Johnson, Ralph Fiennes, Stanley Tucci, Daniel Brühl e Djimon Hounsou.
King’s Man: A Origem está agendado para o mês de março, ainda sem data específica.
Tido como uma “sequência espiritual” do filme de terror O Mistério de Candyman (de Bernard Rose, 1992), A Lenda de Candyman é indicado como um retorno às origens de onde tudo começou. Coescrito por Jordan Peele (de Corra! e Nós) e dirigido por Nia DaCosta (do futuro Capitã Marvel 2), o novo filme, ao menos pelo trailer lançado, promete ser justamente ligado às suas raízes. Candyman, originalmente, é uma alma assassina com um gancho no lugar da mão que é convocado à realidade por um estudante cético que pesquisa sobre tal mito. Agora, ele volta a uma Chicago envelhecida… sem qualquer boa intenção.
A expectativa é que A Lenda de Candyman estreie no final do mês de agosto por aqui.
Para os fãs de Família Soprano, tida por muitos como a melhor série de todos os tempos, o filme será um olhar sobre os anos de formação do mafioso Tony Soprano.
A direção está a cargo de Alan Taylor, que dirigiu nove episódios da série original, sete de Game of Thrones e Thor: O Mundo Sombrio (de 2013). David Chase, um dos roteiristas, aliás, é o criador da Família Soprano e escreveu nada menos que 86 episódios enquanto esteve no ar (de 1999 a 2007). Não se sabe muito bem o que esperar.
No Brasil, The Many Saints of Newark deverá estrear entre os meses de março e abril.
Imagem: New Line Cinema
Previsto para 2021, mas sem data confirmada, Masters of Universe é o remake ou reboot de uma primeira versão que fracassou dolorosamente na década de 1987, tendo Dolpf Lundgren como He-Man.
Chegou a hora, então, de dar outra chance a Grayskull no cinema. A história não deve fugir muito do embate entre He-Man e o malvado Skeletor, mas, desta vez, o ator escolhido para interpretar o Príncipe Adam é Noah Centineo, protagonista da série de filmes Para Todos os Garotos…
Mestres do Universo ainda não tem data definida de lançamento, mas está agendado para estrear em algum momento do ano.
Estava programado para 2022, mas, após algumas mudanças no planejamento, a diretora Lana Wachowski, junto às produtoras — como a Warner Bros —, resolveu adiantar para dezembro de 2021.
Pela primeira vez dirigindo sem a irmã Lilly, não se sabe o que Lana irá trazer. O terceiro filme da primeira trilogia, que foi julgado por muitos como uma grande decepção, não dava indícios da possibilidade de mais uma sequência. Mas os tempos são outros. Sem dúvida, o filme deve arrastar muitos e muitos fãs aos cinemas, além de curiosos e admiradores.
Depois das citadas mudanças no planejamento, The Matrix 4 está agendado, como dito, para dezembro.
O incansável Tom Cruise volta como o agente Ethan Hunt sob o comando de Christopher McQuarrie, que dirigiu os últimos dois da franquia — Nação Secreta e Efeito Fallout. A expectativa é grande.
McQuarrie, que nem voltaria à direção de filmes da série, relatou, em entrevista à Empire, que apresentou dois filmes e, agora, precisa justificá-los: “Você tem que fazer algo que vai engolir os três últimos filmes. Estou enlouquecendo nesse momento. Nós conversamos sobre algo e… Meu deus!” — disse ele.
Agora é aguardar um sétimo capítulo ainda mais corpulento que o citado Efeito Fallout e um oitavo que engula tudo.
Missão: Impossível 7 está confirmado para estrear no dia 18 de novembro.
Um dos mais famosos games de todos os tempos receberá mais uma adaptação. Na mais conhecida — e querida por muitos fãs —, o diretor Paul W. S. Anderson (da franquia Resident Evil) trouxe Liu Kang, Sonya Blade e Johnny Cage, três desconhecidos artistas marciais, como convocados a uma ilha misteriosa para competir em um torneio. O resultado da competição: o destino do mundo.
Mas o filme, que completou 25 anos de idade em 2020, também tem seus detratores. A ideia do diretor estreante Simon McQuoid, então, é dar mais profundidade ao todo. Aguardemos…
Não existe uma data confirmada para a estreia, apenas o ano.
A versão sombria do conto de fadas infantil está nas mãos de Guillermo del Toro (de A Forma da Água) e do estreante em longas-metragens Mark Gustafson. E as expectativas, para além do nome de Del Toro na direção, acabam sendo multiplicadas pelo elenco: Ewan McGregor, Cate Blanchett, Tilda Swinton, Christoph Waltz, Ron Perlman, John Turturro, Tim Blake Nelson e Finn Wolfhard.
Apesar de a história ser bem conhecida, não se sabe exatamente como será a abordagem da animação, mas, dado o histórico de Del Toro e as escolhas de filmes do elenco de vozes, a produção deve vir muito forte.
Também sem data confirmada, Pinóquio será lançado em algum momento de 2021, provavelmente diretamente na Netflix por aqui, além da hipótese de alguns cinemas selecionados.
Aqui no Brasil, Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis está previsto para estrear em julho. Não se tem certeza do impacto da pandemia do novo coronavírus no lançamento dessa produção da Marvel, mas sabe-se que o personagem-título é interpretado por Simu Liu e a direção é de Destin Daniel Cretton, do recente Luta por Justiça (de 2019).
Apesar de não haver sinopse oficial divulgada, a história deve seguir Shang-Chi que, quando é atraído para a organização clandestina dos Dez Anéis, é forçado a confrontar o passado que pensava ter deixado para trás.
A estreia de Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis está marcada para 9 de julho.
Depois de iniciar duas franquias praticamente ao mesmo tempo — lançando Homem de Ferro em 2008 e Sherlock Holmes em 2009 —, Robert Downey Jr. agora está com mais liberdade para focar no detetive mais famoso do mundo. Isso pode, talvez, ficar mais claro em suas declarações, que dizem respeito a não somente fazer um terceiro filme, mas expandir o universo.
Sherlock Holmes 3 está previsto para 2021, mas ainda não tem sinopse oficial. Só nos resta aguardar as cenas dos próximos capítulos desse projeto que contava com Guy Ritchie na direção e agora, 10 anos depois do lançamento do segundo filme, passa a ter Dexter Fletcher (de Rocketman) no comando.
Com a estreia mundial prevista para 22 de dezembro, no Brasil o filme deve chegar na última semana do ano.
O spin-off de G.I. Joe, que foca nas origens do personagem Snake Eyes, surge depois de 12 anos da estreia de G.I. Joe: A Origem de Cobra, filme que não teve uma recepção muito bacana nem de público e nem de crítica.
De todo modo, a produção carrega uma nostalgia implícita e explícita e não deve deixar de ser acompanhada de perto por quem gosta de uma ação escapista. De repente, pode surpreender.
Snake Eyes tem somente o ano confirmado.
25 anos após o lançamento de Space Jam: O Jogo do Século, que contava com a participação de Michael Jordan em interação com os Looney Toones, chega a sequência aguardada há tempos.
Desta vez, a estrela da NBA aqui é LeBron James, que se junta a Pernalonga e sua turma. Não se sabe muito sobre a história, mas espera-se um entretenimento muito além do mediano.
15 de julho é a data agendada por aqui para a estreia de Space Jam: O Novo Legado.
A animação é uma incógnita. Apesar de toda nostalgia envolvida, a direção está com Tim Story… diretor do Quarteto Fantástico de 2005 e do mais recente Shaft (de 2019). Trata-se de uma adaptação que, ao que tudo indica, revelará como Tom e Jerry se conheceram e construíram a tão famosa rivalidade.
Tom & Jerry: O Filme está marcado para estrear em 26 de fevereiro.
O primeiro filme encantou o público, fez sorrir e chorar como poucos em 2019. Esta sequência, prevista para 2020 e adiada duas vezes, está marcada para junho de 2021.
Toda a sensibilidade da direção de Daniel Rezende deve vir à tona mais uma vez, não restando dúvidas de que Turma da Mônica: Lições é, desde já, um dos filmes mais indicados para os apaixonados pelas criações de Maurício de Souza, para todas as crianças do mundo e para quem, acima de tudo, quer esquentar o coração.
A turminha deverá chegar aos cinemas no dia 24 de junho.
No final de Venom, ficou a óbvia deixa para uma continuação envolvendo o clássico Carnificina. Por mais que não exista ainda uma sinopse oficial divulgada, sem dúvida o filme trará o super-vilão escarlate para um embate contra o anti-herói de Tom Hardy.
Quem assume a direção, substituindo Ruben Fleischer, é Andy Serkis, o que deve dar um resultado mais centrado e menos afetado. Mas são só suposições…
Sem data no Brasil, mas marcado para o final de junho em muitos países, a estreia de Venom 2: Tempo de Carnificina no Brasil não deve ficar muito distante das festividades juninas.
Finalmente, uma das principais heroínas do Universo Cinematográfico Marvel (UCM) terá seu filme solo lançado.
Pouco se sabe exatamente sobre a história que será trazida para o público, mas deverá tratar, além de uma breve origem da personagem, de suas investidas entre os filmes Vingadores: Guerra Civil e Vingadores: Guerra Infinita. Scarlett Johansson, claro, retorna ao papel.
O primeiro país a exibir o tão aguardado filme do UCM será Singapura, com estreia por lá marcada para 29 de abril. No Brasil, a estreia deve acontecer em 6 ou 13 de maio.
E então? Qual é o filme da nossa lista que você mais espera para assistir em 2021? Ou então… Qual podemos acrescentar aos mais esperados do ano?
Texto originalmente publicado no Canaltech
O ano de 2020 foi difícil para quem é fã de cinema e estava acostumado a ir às salas de exibição com alguma frequência. Com todo mundo dentro de casa (ou quase isso), as plataformas de streaming acabaram se tornando o maior palco de estreias cinematográficas, com uma quantidade gigantesca de filmes menos relevantes e algumas pérolas que confrontam produtoras poderosas e já com longa estrada.
Pensando nisso, o Canaltech resolveu listar os 10 melhores filmes originais lançados pelos serviços de streaming em 2020. A seleção foi feita com base nas notas atribuídas pelo público e pela crítica no Rotten Tomatoes e revela algumas curiosidades bastante interessantes.
Por exemplo: 60% dos melhores filmes são da Netflix, mostrando a dominância da plataforma em relação às rivais HBO e Amazon Prime Video, que aparecem cada uma com 20% — o serviço de streaming da Disney, recém-chegado ao nosso país, ficou de fora.
Ainda, entre os 18 filmes mais bem avaliados, 10 foram lançados desta forma, diretamente online. E estamos contando somente com as plataformas que funcionam no Brasil.
Mas, talvez, o que chama mais atenção no resultado de nossa pesquisa é que 90% (nove filmes) são documentários, boa parte deles políticos — o que parece refletir o ano —, mas, em primeiro lugar, está a única ficção. E é de gênero, de terror… e igualmente carregada de um teor sóciopolítico, sobre xenofobia, refugiados e racismo.
Pois vamos à lista:
Fox Rich luta pela libertação de seu marido, Rob, que cumpre uma pena de 60 anos de prisão. Esse é o mote de Time, documentário que oferece um poderoso golpe contra as falhas do sistema de justiça dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, narra a recusa de uma família em desistir contra todas as probabilidades.
É um filme sobre toda falha estrutural, sem dúvidas, mas também sobre resiliência e força.
A diretora Erin Lee Carr traz à tona as acusações contra o médico Larry Nassar, osteopata da equipe olímpica de ginástica dos EUA. É uma acusação contundente de abuso institucional que, com sensibilidade, fornece às vítimas uma plataforma para contar suas histórias.
Aqui, todas as cobertas são removidas, trazendo ao público crimes de décadas e tudo que encobria as ações de Nassar.
Contando a história de um casal, Secreto e Proibido presta um tributo discreto, mas poderoso, a uma vida de escolhas e sacrifícios feitos em nome do amor.
O documentário traz a jornada de superação de duas mulheres, Pat Henschel e Terry Donahue, que, em 1947, começaram uma jornada de amor de 65 anos…
Em uma visão angustiante, mas essencial, Atleta A revela implacavelmente abusos horríveis, bem como a cultura que permitiu que eles continuassem existindo durante anos.
A história é a mesma de No Coração do Ouro – O Escândalo da Seleção Americana de Ginástica, mas, aqui, seguimos repórteres que divulgaram a história sobre o médico abusador Larry Nassar enquanto temos contato com as palavras de ginastas como Maggie Nichols.
Até o Fim: A Luta Pela Democracia é um grito de guerra eletrizante para que os eleitores exerçam — e preservem — o direito que têm de serem ouvidos.
Apesar de ser um filme muito sobre os EUA e seu povo, acaba sendo uma constatação sobre a política global.
O documentário dá uma boa olhada na história e no ativismo atual, procurando demolir barreiras ao voto que a maioria das pessoas nem sabe que são uma ameaça aos seus direitos básicos como cidadãos em um país onde o voto é facultativo.
Em um apelo esclarecedor e urgente, Bem-Vindo à Chechênia retrata os horrores da perseguição em massa contra a comunidade LGBT+ na Chechênia.
Partindo de um grupo de ativistas que arrisca a vida lutando por seus direitos, o documentário constrói uma ligação entre o que é mostrado e o público com muito carinho. Não importa se existe ligações com a Chechênia, porque o que vale aqui é o que temos de humanidade.
O consenso da crítica é que Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado é “uma homenagem absorvente e afetuosa a um indivíduo único” e que “deve ser fascinante para os fãs de Walter Mercado assim como para os que passam a conhecê-lo por meio do filme”.
A sinopse oficial diz: “Todos os dias, durante décadas, Walter Mercado — o astrólogo icônico e inconformado com o gênero — hipnotizou 120 milhões de telespectadores latinos com sua extravagância e positividade”.
Uma filha ajuda o pai a se preparar para o fim da vida. A partir dessa premissa, As Mortes de Dick Johnson celebra tudo com um humor agridoce e muita leveza, oferecendo uma perspectiva profundamente ressonante sobre a mortalidade.
Reencontrar a vida na estrada para a morte é o que, no final das contas, todos precisamos fazer. O único mal irremediável está sempre à nossa frente.
Tido como “tão divertido quanto inspirador”, Crip Camp: Revolução pela Inclusão usa a história notável de um grupo para destacar a esperança para o futuro e o poder da comunidade.
O que o filme relata acontece na estrada de Woodstock, quando uma revolução floresce em um acampamento de verão decrépito para adolescentes com deficiência e tudo passa a transformar vidas e a iniciar um movimento marcante.
Um dos filmes de terror mais bem avaliados dos últimos anos traz não somente sustos genuínos, mas uma atmosfera de medo e apreensão em cada cômodo da casa na qual um casal de refugiados passa a morar. É um olhar aterrorizante sobre a experiência de ser um refugiado e, sem dúvida, uma das melhores estreias na direção de longas-metragens da década (do britânico Remi Weekes).
No filme, como dito, um casal de refugiados parte de uma fuga angustiante do Sudão, devastado pela guerra. Na sequência, a luta continua… mas desta vez é para se ajustar a uma nova vida em uma cidade inglesa que tem um mal escondido sob a superfície.
Texto originalmente publicado em Canaltech
David Fincher é um diretor virtuoso, parece saber muito bem o efeito que cada escolha sua na construção de um filme pode propor. Nesse sentido, ele é um manipulador tal qual Alfred Hitchcock, mas, talvez, de uma maneira mais sutil. Em Mank, por exemplo, existe uma primeira camada que, supostamente, diminui a autoria de Orson Welles durante a criação do clássico Cidadão Kane. Por outro lado, ao mesmo tempo, a forma com a qual o roteiro é guiado engrandece a potência visual solidificada por Welles no filme de 1941.
Mesmo assim, com toda habilidade possível, Fincher não é conhecido por sua dedicação em promover diversão. O entretenimento dos seus filmes está muito mais ligado à experiência estético-dramatúrgica. Muito dessa condição pode ser reflexo das temáticas de suas obras: serial killers, o mundo do empreendedorismo, manipulação da realidade… e, aqui, no filme em questão, uma discussão quase hermética, escrita pelo seu pai (Jack Fincher, falecido em 2003) sobre a autoralidade de um dos maiores filmes já realizados.
Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!
Acontece que Fincher, assim como Alfonso Cuarón com Roma (2018), parece empenhado em um projeto pessoal e Mank acaba por ser uma visão muito clara do seu diretor sobre aquilo que mais domina: a forma.
Cada elemento visual é precisamente escolhido. O preto e branco — artifício visual mais óbvio — está longe de ser comum; a iluminação do diretor de fotografia Erik Messerschmidt (em seu primeiro longa-metragem de cinema) é quase idílica, sonhadora, podendo remeter à utilização do p&b de David Lynch.
Além disso, o contraste trabalhado na pós-produção é simbolicamente leve, reforçando a luz difusa e a sensação de sonho.
O domínio de Fincher sobre o filme, ainda, é escancarado em se falando dos meios digitais que ele utiliza para alcançar o resultado pretendido. É interessante, por essa perspectiva, como a repetição sistemática de círculos pretos no canto superior direito durante as pouco mais de duas horas são claramente uma simulação da filmagem em carretéis antigos.
Do mesmo modo, a natureza falsa é exposta sem pudor, com destaque para a cena em que Mank (Gary Oldman) passeia com Marion (Amanda Seyfried) por um zoológico.
A falsa natureza dos animais em computação gráfica. (Imagem: Reprodução/Netflix)
Fincher não quer — ou parece não querer — que Mank seja um filme dos anos 1940. Cada detalhe pensado liga o todo à época retratada e consegue, simultaneamente, mostrá-lo como uma ilustração atual quase caricatural.
Inclusive, sua escolha pelo formato CinemaScope, só apresentado ao público mais de uma década após o lançamento de Cidadão Kane, adorna a artificialidade da proposta.
A diversão de Mank, então, é particular para Fincher e um tanto quanto impenetrável. Pode ser visto como um filme de bastidores, mas a verdade é que, no fundo — e em muito na superfície técnica — trata-se de um trabalho sobre a maleabilidade dos fatos. É uma visão pessoal que mistura realidade encenada e ficção, resultando em uma fábula sonhadora.
A visão fincheriana é tão significativa que, mesmo discutindo sobre o que é autoral e de quem é a autoralidade do texto de Cidadão Kane, utiliza planos e ângulos que sedimentaram, justamente, a força histórica do filme da década de 1940.
Da profundidade de campo à corpulência exagerada das aparições em contra-plongée (com a câmera filmando de baixo para cima) do Welles interpretado por Tom Burke, Mank pode ser visto, claramente, como um filme de Fincher em essência, mas é como se fosse dirigido pelo próprio Welles, celestialmente.
Orson Welles (Burke) em contra-plongée. (Imagem: Reprodução/Netflix)
Essa carta celeste, que pode ser experenciada como uma declaração de amor para a velha Hollywood, ironicamente talvez esteja mais para uma manifestação do poder destrutivo da indústria. Isso porque, aqui, praticamente ninguém fica feliz ou orgulhoso do seu trabalho.
A exceção da regra, que pode estar no antagonismo de Louis B. Mayer (Arliss Howard), é cruel em certo ponto e sempre contemporânea: um homem que tem noção do seu poder e o utiliza mecanicamente, moldando suas emoções a favor dos próprios interesses — como a redução de salários de funcionários que ele chama de família.
“Moldando suas emoções a favor dos próprios interesses.” (Imagem: Reprodução/Netflix)
Toda a virtuosidade de Fincher, no final das contas, faz com que Mank seja, sem dúvida, uma demonstração de… virtuosidade. Pode ser redundante, mas não deixa de ser um fato.
Apesar disso, a manipulação hitchcockiana, de todo jeito, parece não encontrar algo que o diretor inglês, por mais desaforado que fosse, transbordava em seus filmes: emoção.
Não que Fincher não tenha a capacidade de emocionar, mas pode ficar a sensação de que é mais um trabalho — excelente — no qual a experiência estético-dramatúrgica está acima da emocional.
A partir dessa medida, mesmo sendo um filme tão pessoal, Mank une-se a’O Curioso Caso de Benjamin Button (2008) para atestar que seu diretor lida de maneira muito mais efetiva quando a temática não exige comoções à flor da pele.
E isso é a polpa, o sumo do que é David Fincher: alguém que, quando pende para sentimentos mais humanos e universais, parece não conseguir uma medida centrada.
Se o filme de 2008 recai até em um sentimentalismo mais cafona, aqui não existe esse sentimentalismo. Ele está todo na forma. Isso, ao mesmo tempo em que tem força para afastar o público, revela muito mais onde está o coração do diretor: totalmente dedicado ao cinema. E não existe arte mais verdadeira do que aquela que é feita com o coração.
Mank está disponível no catálogo da Netflix.
Texto originalmente publicado no Canaltech
Pode causar uma sensação bem diferente assistir ao Quando a Vida Acontece. Isso porque o filme austríaco tem uma forma muito europeia de ser, ou melhor: muito austríaca. Ao mesmo tempo em que, aparentemente, pouco ou nada acontece de fato, existe um universo de pequenas possibilidades na condução da diretora Ulrike Kofler (estreante em longas-metragens). Cada olhar e cada gesto estão carregados de intenções.
Nesse sentido, o cinema de um dos maiores cineastas vivos da Áustria, Michael Haneke, pode parecer uma referência. Por outro lado, essa intenção hanekiana pode ser uma pedra no sapato, visto que, talvez, o filme precise de uma boa dose de paciência do público para que possa ser apreciado por inteiro.
Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!
Existe, pouco a pouco, uma exposição de uma relação que tende a se desintegrar com o tempo. Alice (Lavinia Wilson) e Niklas (Elyas M’Barek) formam um casal cansado da luta para ter um filho e que, sem querer, acaba conhecendo vizinhos de férias supostamente perfeitos.
A partir de então, as conversas, que passam a ser cada vez mais diretas, acompanham a intensidade das ações, estas que dão a impressão de criarem um abismo cada vez maior entre os protagonistas.
Se os momentos românticos eram, apesar de tudo, mais frequentes — como quando Niklas abraça Alice por trás sem esperar nada em troca —, logo cada acontecimento amoroso em potencial dá lugar à frustração.
O espaço entre eles (Alice e Niklas) vai aumentando como sendo uma espécie de tique-taque dramático, o relógio de uma relação que acelera para o futuro enquanto a pilha tende a acabar e interromper o processo.
Tudo está alinhado ao conceito de dualidade que, aqui, é evidenciado pela grama mais verde ao lado. É interessante, por essa perspectiva, como a perfeição dos vizinhos (interpretados por Anna Unterberger e Lukas Spisser) acompanha outra crise, esta sendo familiar, com os filhos.
Enquanto a pequena Denise (Iva Höpperger) procura atenção em Alice, criando uma ligação que é exposta pela despedida melancólica pela janela da personagem de Wilson, David (Fedor Teyml) é o adolescente que não tem ligação suficiente com os pais para diluir seus hormônios.
O dualismo de Quando a Vida Acontece pode, a certo ponto, cansar e se tornar óbvio demais. A conversa sobre aborto tem pouca ou nenhuma profundidade e a conclusão mais evidente — de que nem sempre a grama mais verde ao lado é imune a problemas — são pouco inspiradas.
A violência nada gratuita que parecia brotar e se desenvolver desde o início chega a uma conclusão sem tanto peso, de repente, procurando deixar tudo soar como uma poética vida real.
O problema é que a dita vida real pode ser muito mais pesada e mais cruel do que a ficção. O que Kofler faz é minimizar os danos e guiar, de maneira morna, o roteiro adaptado por ela e Sandra Bohle (de Maikäfer flieg) — a partir de um conto de Peter Stamm.
Ela (Kofler) até tem sua forma própria, utilizando-se sempre de planos médios para ressaltar aquele mundo e não a confusão mental dos seus personagens. Não existe apelação algumas de closes ou de elementos mais urgentemente (ou apelativamente) imersíveis.
No final das contas, é justamente isso que resulta em um filme de imersão controlada ou evitada. Pode ser criada alguma ligação com o público, mas esta vem do roteiro ou do texto de Stamm.
A tentativa de subjugar a forma a favor da história de Quando a Vida Acontece pode dar uma sensação de mais do mesmo ao filme ou, na melhor das hipóteses, levar a uma comparação com o cinema de Haneke — mas somente como referência implícita, porque, no fim, é uma analogia que não deve passar de um equívoco.
Texto originalmente publicado no Canaltech
Durante 12 minutos, eu fiquei imerso de um jeito muito raro. Talvez eu possa dizer que a técnica utilizada na construção de Se Algo Acontecer… Te Amo tenha causado essa captura da minha atenção. A forma com a qual o filme tem suas cenas movimentadas ininterruptamente é hipnotizante. Mas não é só.
Também posso chegar à afirmação de que essa animação não conseguiu somente a minha concentração — o que já é difícil para alguém com o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) —; ela fez com que eu me perdesse completamente. E eu não consegui me achar depois. Pelo menos ainda não.
Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!
Acontece que eu me perdi dentro de um universo que me pareceu muito próximo e, ao mesmo tempo, distante. O silêncio da distância, a corrupção da dor — que gera uma solidão acompanhada. É provável que a maioria de nós já tenha sentido algo muito próximo a isso. Parece que não há para onde fugir.
E, realmente, não há. A questão não é a fuga, mas o reencontro. O duelo entre as boas lembranças e a despedida parece pôr em xeque justamente o que fez ser possível toda uma saudade imortal: o amor. Pode ser uma constatação clichê, mas é através dele (do amor) que Se Algo Acontecer… Te Amo tem suas bases solidificadas. Porque não é o amor que afasta, é a ausência — ou a hibernação dele.
Não é o amor que afasta, é a ausência. (Imagem: Reprodução/Netflix)
Tudo isso é pensado para esse curta-metragem por meio de símbolos. As sombras, nesse caso, podem tanto erguer quanto derrubar muros. E são projeções do mesmo sentimento. Apenas quando as melhores memórias retornam, parece ser possível seguir em frente.
Isso tudo é tão complexo que fica bem difícil entender como tanto coube em tão pouco tempo. Sombras que afastam; sombra que aproxima; a memória que procura salvar em um retorno para tentar — em vão — reconstruir o passado.
A memória que procura salvar… (Imagem: Reprodução/Netflix)
No final das contas, tudo o que sentirmos ao assistir a esse filme deve ser abrangente e, simultaneamente, particular. É a combinação mais que perfeita entre conceito e propósito, significado e missão — esta que diz respeito a cada um, com a maneira que Se Algo Acontecer… Te Amo conseguirá atingir.
Por essa perspectiva, essa missão foi completada com sucesso em mim. Assim como a maioria de nós, tenho meus demônios interiores, minhas sombras que, vez ou outra, insistem em domar a realidade. Cada lágrima que segurei ou deixei escapar durante os 12 minutos fazem parte de quem eu sou e de quem quero e tenho tentado ser.
Eu, perdido completamente, hipnotizado, fico, aqui, do lugar de fala de quem nunca perdeu um filho, mas já perdeu amores para a morte e para a vida, imaginando um mundo tão empático quanto o que assisti; um mundo no qual, por mais que nos distanciemos, possamos lembrar com carinho dos melhores momentos que vivemos; um mundo no qual o acaso e uma música possam se unir para despertar o que há de melhor em cada um de nós.
O acaso e uma música… (Imagem: Reprodução/Netflix)
A dor, assim, poderá se transformar em esperança. Esta, claro, que não pode ser conduzida por uma solidão acompanhada, mas pela sensação de que a vida só seguirá seu curso se houver, nada mais e nada menos, do que o amor.
Se Algo Acontecer… Te Amo é uma obra-prima.
Texto originalmente publicado no Canaltech
Assistir a filmes que trazem histórias de superação pode nos sensibilizar de muitas maneiras. Alguns, claro, retratam exceções e não regras. Isso quer dizer que, por mais que existam trajetórias fortes e inspiradoras no cinema e na vida, a verdade é que a maioria sobre com a falta de equidade de nossa sociedade, com a escassez de oportunidades.
Para muito além de suas histórias, os filmes que escolhemos e listamos abaixo são produções excepcionais, por meio das quais não somente o que é contado tem valor, mas a forma e a estrutura.
São filmes que, se já foram vistos, merecem uma revisão; e se não foram assistidos… é hora de preparar a pipoca e correr atrás para derramar umas lágrimas e se sentir inspirado ou até mesmo provocado.
Vamos aos cinco filmes com grandes histórias de superação que selecionamos para você (em ordem alfabética):
Inspirado em uma história verdadeira, a história acompanha Chris Gardner (Will Smith), um sujeito que passa por problemas financeiros e é deixado pela esposa. Precisando cuidar do filho de apenas cinco anos, a personagem de Smith inicia uma jornada de ascensão a partir do momento em que consegue um estágio não-remunerado. Vivendo em abrigos, utilizando banheiros públicos e buscando a proteção de estações de metrô, a dupla segue firme na busca por uma mudança de realidade.
O Escafandro e a Borboleta é a cinebiografia de um trecho da vida de Jean-Dominique Bauby (interpretado no filme por Mathieu Amalric), editor da revista Elle que sofre um derrame e acaba vivendo com o corpo quase que inteiramente paralisado.
Se em Meu Pé Esquerdo (mais abaixo) é o pé que pode se mover, aqui é somente um dos olhos – justamente o esquerdo. Conhecido por aproveitar a vida, sua condição passa a ser totalmente frustrante… até que sua comunicação apenas com um dos olhos o ajuda a escrever um livro de memórias.
Em 1985, o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante foi para o cambojano Haing S. Ngor, em seu primeiro filme da carreira. A atuação de S. Ngor é mesmo algo que transcende o próprio filme, por mais que Os Gritos do Silêncio seja uma produção tocante, vencedora, também, dos Oscars de Melhor Fotografia e Melhor Montagem.
Na história, dirigida por Roland Joffé (de The Lovers, 2015), um jornalista é preso no Camboja durante uma campanha sangrenta de um tirano que acabou assassinando mais de dois milhões de civis.
O filme dirigido por Jim Sheridan (de Os Escritos Secretos, 2016) conta com o protagonismo de Daniel Day Lewis. O ator, em uma de suas mais fortes interpretações, encarna Christy Brown, um escritor e pintor que saiu da pobreza extrema e acabou se tornando uma celebridade.
Acontece que Brown nascera podendo movimentar somente – e justamente – o seu pé esquerdo, devido a uma paralisia cerebral. Sheridan conduz tudo com muita sensibilidade, que é a sua marca nos demais filmes da carreira.
Uma adolescente com excesso de peso está grávida do seu próprio pai pela segunda vez. Ela não sabe ler e nem escrever e, ainda, sofre abusos constantes de sua mãe. Ao ser convidada a se matricular em uma escola alternativa, Claireece “Preciosa” Jones (Gabourey Sidibe) vê a chance de transformar toda a opressão de sua vida em sua força maior.
Dirigido por Lee Daniels (de O Mordomo da Casa Branca, 2013), Preciosa: Uma História de Esperança é um filme potente sobre a força da educação, da autoestima e da amizade – esta que é personificada na Sra. Rain (Paula Patton).
Agora, ficam aí os comentários para que vocês acrescentem filmes e possamos criar uma lista de superação construída por todos nós!
Texto originalmente publicado no Canaltech
A história de Sylvester Stallone e Rocky praticamente se misturam. Na biografia do ator, consta que sua carreira não ia muito bem no início dos anos 1970. Após estar no elenco do desconhecido The Square Root (de Edmond Chevie, 1969) e estrelar o filme adulto O Garanhão Italiano (de Morton M. Lewis, 1970), sua carreira passou a se resumir a personagens estereotipados e a pontas. Entre estas, apareceu até mesmo em Bananas (de Woody Allen, 1971).
Em meio a esses anos, o ator parou em um bar onde estava sendo transmitida a luta de boxe entre Muhammad Ali e Chuck Wepner. O lendário Ali, em seu auge, massacrava Wepner, que conseguia, de algum modo, resistir. Foi quando Stallone teve o insight que o colocaria definitivamente na história do cinema e mudaria sua vida para sempre.
Ali, em um bar, nascia Rocky Balboa. Reza a lenda que, pouco mais de um dia depois, o roteiro já havia sido escrito por completo. Após muitas negativas dos estúdios, com produtores taxando o escrito de ridículo e brega, enfim uma oferta chegou. Mas Sly só aceitaria quando lhe aceitassem, também, como protagonista.
A negociação demorou. O valor que chegaria à casa das centenas de milhares de dólares somente pelo roteiro acabou sendo fechado por algumas poucas dezenas mais o protagonismo de Sly.
Sem arriscar muito dinheiro, a Chartoff-Winkler Productions pouco investiu em Rocky: Um Lutador, mas, assim mesmo, fez nascer uma lenda. Sylvester Stallone, naquele ponto de sua vida, era Wepner. Lutando para permanecer vivo ao mesmo tempo que era massacrado pela indústria.
Isso tudo é só uma síntese de um trecho da vida de Stallone que seria levado para a história do seu personagem mais icônico. Pensando no lutador fictício que nascia desse momento e na chegada da coletânea de filmes de Rocky e Creed na Netflix, listamos os melhores filmes no qual Rocky tem participação, do pior (se é que podemos chamar de pior) ao melhor.
Claro que nenhuma lista é exata ou traz uma verdade absoluta. Fica, portanto, o campo dos comentários para que possamos conhecer a ordem de vocês.
É provável que esse seja praticamente unânime quanto à oitava posição. Parece mais uma história forçada para a manutenção do sucesso da franquia e o diretor John G. Avildsen não faz muito além do seu piloto automático.
No filme, o relutante aposentado das lutas Rocky assume o comando da academia de Mickey (Burgess Meredith). Concordando em treinar um jovem faminto por sucesso, o experiente boxeador acaba enfrentando outros desafios.
Rocky IV deve ser o mais exagerado da franquia: é dramático em excesso e, de vez em quando, com uma pegada de super-herói. Isso, claro, vem junto de um super-vilão: Ivan Drago (Dolph Lundgren). Na história, Rocky, campeão mundial dos pesos-pesados, tem um lutador gigante como desafiante. E os opostos entre os dois são exibidos sem piedade.
Talvez, o maior mérito de Rocky III: O Desafio Supremo seja a canção Eye of the Tiger, da banda Survivor. Não é um mau filme – aliás, praticamente nenhum da lista pode ser definido dessa forma com muita veemência.
Por outro lado, o universo do boxeador guerreiro parece ter abraçado a canastrice, inserindo até Hulk Hogan (interpretando Thunderlips) na jogada. A história acompanha Rocky, que, depois de ganhar o título definitivo e ser o campeão mundial, encontra um antigo rival.
Revanches fazem parte de toda a franquia Rocky e, claro, de todo lutador. Creed II, assim, leva o campeão treinado por Rocky, Adonis Creed (o filho de Apollo — interpretado por Michael B. Jordan), a enfrentar a família Drago, que pretende apagar o passado vergonhoso — para a nação soviética.
Se o primeiro Creed foi dirigido por Ryan Coogle (de Pantera Negra, 2018), aqui temos Steven Caple Jr. (de The Land, 2016). O diretor, na prática, emula o trabalho de Coogler e não tem exatamente uma assinatura. Mesmo assim, ele não deixa de realizar um bom filme.
Com Stallone mantido como roteirista e assumindo a direção, Rocky é mostrado enfrentando dificuldades familiares após o fim do primeiro filme. A insistência para uma revanche do campeão Apollo Creed (Carl Weathers) põe à prova os princípios do protagonista. Com isso, muda-se a motivação da personagem de Sly e o universo de fama na qual ele está inserido agora, mas a estrutura se repete.
Ryan Coogler, a partir de planos-sequências, closes e coreografias hiper-realistas, trouxe de volta à franquia a emoção das lutas. Além disso, Stallone tem, aqui, provavelmente a melhor atuação de sua carreira, com Michael B. Jordan (o Creed) não ficando muito para trás.
Na história, Rocky, o ex-campeão mundial dos pesos-pesados, é o treinador de Adonis Johnson, que viria a se revelar como Adonis Creed — filho de seu rival e posteriormente amigo Apollo. Creed: Nascido para Lutar é o renascimento de uma franquia histórica (ou de uma nova) e, com isso, a melhor passagem de bastão que Sly poderia oferecer.
Rocky Balboa é uma espécie de herança de Rocky V. Isso porque o filme de 1990 deixou um buraco que, aqui, ganha profundidade. É, de longe, o filme mais reflexivo da franquia, com direito a monólogo motivacional com toques de metalinguagem sobre a própria vida do ator (muito do que foi dito na introdução dessa lista) e uma direção formal do próprio Stallone.
Sem recorrer a muitos artifícios, os planos e ângulos decupados por Sly são diretos ao ponto e carregam muita força em uma história que se passa 30 anos após o início de sua carreira e põe à prova o caráter de Rocky em um inusitado e épico retorno aos ringues.
Nascido da insistência e da luta fora dos ringues de Stallone, Rocky: Um Lutador deve estar no topo de todas (ou quase isso) listas como essa nossa. Ainda, em um período no qual seu país necessitava de heróis pós-guerra do Vietnã, o filme caiu como uma luva no gosto do público.
Essa perseverança de Sly acabou rendendo três Oscars: Melhor Filme, Melhor Direção (John G. Avildsen) e Melhor Montagem (Scott Conrad e Richard Halsey). Isso em um ano que concorriam Taxi Driver: Motorista de Taxi (de Martin Scorsese) e Rede de Intrigas (de Sidney Lumet). Aliás, na categoria de direção concorria Ingmar Bergman (por Face a Face) e o próprio Lumet.
Na história de Rocky: Um Lutador, o protagonista — um lutador mediano até então — tem a chance rara de lutar contra o campeão dos pesos-pesados… e o resto é pura inspiração.
Agora, ficam aí os comentários para que possamos conhecer as listas – sempre individuais – de cada um de vocês.
Texto originalmente publicado em Canaltech
O Dilema das Redes pode ter reforçado a força dos documentários, seja por atender a um tema comum a praticamente todos nós, seja por ser um documentário bem realizado. Mas há filmes desse gênero dos mais variados em forma e em conteúdo.
A ideia desta lista, portanto, é atender da maneira mais abrangente possível uma parcela considerável do público: de um filme que relata o mundo do doping em um esporte olímpico a outro que discorre sobre um sushi dos sonhos (isso mesmo); de uma produção que vai a fundo em questões feministas a outra que trata da extinção do partido comunista indonésio…
E é óbvio que, no campo para comentários, toda indicação será bem-vinda! Podemos ir fazendo uma espécie de corrente. Assim, mais e mais bons filmes poderão chegar a todos.
Vamos à lista dos 10 melhores documentários para assistir na Netflix, que acabou se tornando uma reunião dos 10 mais variados e efetivos em suas formas e conteúdos (sem um ordem exatamente qualitativa).
O filme que tem dado o que falar, explora o perigoso impacto das redes sociais, com especialistas em tecnologia soando o alarme em suas próprias criações. A verdade é que, por mais que pouco seja novo no que é exposto, ter contato justamente com quem sempre esteve por trás parece surtir um efeito mais forte e imediato. Dessa forma, O Dilema das Redes trouxe a discussão muito à tona em uma época que o mundo tem se afogado em um esquema de desinformação.
Um filme sobre a vida da lenda Nina Simone, uma cantora americana, pianista e ativista dos direitos civis rotulada como a “Alta Sacerdotisa do Soul”. Uma mulher inspiradora, gigante e que marcou toda a história da música e da luta a favor da igualdade racial. What Happened, Miss Simone? é dirigido por Liz Garbus, de Lost Girls — Os Crimes de Long Island.
Para quem gosta da natureza, do poder que ela exerce sobre a Terra, Visita ao Inferno explora vulcões ativos ao redor do planeta com a sensibilidade do lendário Werner Herzog. Acaba que o documentário, por mais que seja costurado pelos tais vulcões, é muito sobre a natureza humana.
O documentário é regido por uma mulher que explora os eventos em torno de um filme que ela e seus amigos começaram a fazer com um estranho misterioso décadas atrás. É um filme intimamente conceitual sobre valores pessoais, empatia e amadurecimento.
É tudo tão eficiente em Senna que até mesmo os minutos finais, que trazem algum melodrama e se desvencilham da unidade firme anterior, são bonitos e prestam uma homenagem válida e sincera. Decidindo pela entrega ao olhar mais alheio, o diretor britânico Asif Kapadia demonstra consciência social, histórica e principalmente empática. Porque fomos nós, brasileiros de uma geração que precisava — por vários motivos — ser feliz no início dos anos 1990, que sentimos aquele 1º de maio de 1994.
Não é um documentário perfeito. De forma alguma. Quando Miss Representation foi lançado, ele sofreu queixas por não oferecer soluções e só ressaltar os problemas do mundo machista. Por outro lado, a síntese de um filme relevante passa muitas vezes pela sua capacidade de intrigar, de fazer refletir e pensar sobre o tema abordado. Por esse lado, a demonstração do quanto as mulheres foram subjugadas ao longa da história e representadas como um ser de poderio inferior é um atestado da fraqueza masculina que, para se sentir forte, parece necessitar do domínio do oposto. Alice Walker, escritora e ativista americana citada no filme, não poderia estar mais certa: “A maneira mais comum de as pessoas desistirem de seu poder é pensar que elas não têm nenhum.”
Curiosidade: Jennifer Siebel Newsom (que dirigiu Miss Representation junto a Kimberlee Acquaro) é também atriz, tendo passado, inclusive, pela série Mad Men.
No porão de um arranha-céu em Tóquio, próximo a uma estação de metrô, Jiro Ono serve apenas sushi em seu restaurante. Jiro Dreams of Sushi é um documentário sobre um homem que tem o sushi como seu grande amor e, ao mesmo tempo, seu grande vilão. Isso porque o perfeccionismo atrapalha Jiro a ponto de ele permanecer em um limite claustrofóbico entre a lucidez e a loucura. No final das contas, o documentário parte de um homem particular e passa a ser um tratado sobre a vida, sobre o poder da empatia, sobre o quanto a importância que se dá ao próximo pode ser o remédio para as aflições da vida.
Curiosidade: O diretor de Jiro Dreams of Sushi é David Gelb, que dirigiu o péssimo Renascida do Inferno (2015). Fica claro que o talento do moço, ao menos por enquanto, não é para a ficção.
O melhor do documentário investigativo e com um envolvimento arriscado do cineasta Bryan Fogel, que, com seu trabalho duplo, é levado a Grigory Rodchenkov, chefe do laboratório antidoping russo. Mas Fogel, que não percebe a tempo (ou percebe?), passa a se envolver diretamente, além de ser, de dentro, um cronista do maior escândalo de doping do esporte, conforme os detalhes vão sendo revelados. A história passa de uma experiência pessoal para um thriller geopolítico em questão de cenas. Urina contaminada, morte inexplicável e ouro olímpico fazem parte de um documentário para se assistir com os olhos grudados na tela.
Curiosidade: Ícaro foi o primeiro documentário produzido pela Netflix a vencer o Oscar em sua categoria.
Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom é daqueles raros filmes que têm a força de fazer o espectador ter uma relação muito próxima através de algo muito distante. Assim, é possível que o sentimento de patriotismo para com a Ucrânia se estabeleça já nos primeiros 15 minutos. Aliado a esse fato, o documentário também tem coração o suficiente para causar reflexões que vão muito além da luta por liberdade que acompanha o subtítulo: a luta é por ser humano, por todos aqueles que querem, mais do que liberdade, a mais honesta felicidade para si e para suas famílias.
O preço em Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom é alto, é doloroso, mas, simultaneamente, representa a esperança por mudanças. Fica, no mínimo, a mensagem real e atemporal de que é preciso lutar de qualquer forma, porque aqueles que detêm o poder de maneira egoísta, egocêntrica e enganosa não irão desistir de boa vontade.
Esse filme, dirigido por Evgeny Afineevsky e que concorreu ao Oscar de Melhor Documentário em 2016, já figura entre os melhores do século XXI. E assim deverá permanecer por muito… muito tempo.
Curiosidade: Apesar do interesse e da dedicação em Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom, o diretor Evgeny Afineevsky é russo, de Cazã (na República do Tartaristão, onde somente a minoria é de ucranianos).
Disponível na Netflix em sua versão para cinema (Theatrical Cut), The Act of Killing é um documentário que revela que o mal não nasce somente dos atos, mas pode surgir pelo esquecimento. A perpetuação da maldade como algo costumeiro, para o filme, é o ato mais odioso e covarde da índole humana.
Ao contrário de Jiro Dreams of Sushi, que parte do íntimo e se torna mais abrangente, The Act of Killing vai de e ao encontro da monstruosidade particular dos seus personagens. Nesse sentido, sua cena mais poderosa é, sem dúvida, aquela em que o personagem Anwar Congo é observado de perto e é possível enxergar não somente um rosto, mas a abominação que aquele homem sempre ignorou.
Curiosidade: A citada cena do personagem Anwar foi comentada por alguns críticos como sendo passível de indicação ao Oscar de Melhor Ator, o que causa espanto pela incerteza se aquele homem estava, de fato, sendo natural ou atuando a pedido da direção.
Ficam, então, as indicações e o espaço dos comentários para acréscimos e tudo o que desejarem. Sem dúvida, como sempre ao fazer uma lista, foi dolorido, mas tenho certeza que vocês conseguirão complementar e enriquecer tudo o que está aí.
Texto originalmente publicado no Canaltech
Com a saída dos títulos da Disney e da Pixar do catálogo da Netflix, a provedora de streaming viu alguns dos seus principais títulos infantis darem adeus. Mas são muitas as opções ainda para os pequenos se divertirem, aprenderem e até para, com a necessária liderança dos pais ou responsáveis, desenvolverem desde cedo algumas das mais bonitas e importantes noções de humanidade.
Pensando nisso, o Canaltech elegeu 10 dos melhores filmes direcionados para o público infantil que estão na plataforma. E sabemos que os melhores filmes do tipo são perfeitamente cabíveis para o público adulto: muda a visão, muda o que se percebe e a obra cresce.
Ainda, é verdade que a lista poderia ser bem maior, pois sabemos que deixamos de fora alguns filmes muito queridos. De todo modo, no campo para comentários, toda indicação será bem-vinda! Podemos ir fazendo uma espécie de corrente. Assim, mais e mais bons filmes poderão ser citados e chegar a todos.
Começar a lista com um filme tão querido é sempre bom, ainda mais quando esse filme é dirigido de uma maneira que parece abraçar o espectador e por um sujeito que é igualmente apreciado. O que Danny DeVito faz com o roteiro de Nicholas Kazan e Robin Swicord é, aliás, não somente de uma demonstração de carinho enorme pelo cinema, é de uma sinceridade com o livro de Roald Dahl que deixa Matilda com um ar de seriedade tão intenso que, felizmente, nada é condescendente com as crianças. Ao mesmo tempo, o filme fica aberto para o encantamento dos adultos sem duvidar de suas inteligências. De quebra, ainda consegue ser engraçado. Um grande filme.
Essa turminha da pesada às vezes parece ter mais timing cômico do que muitos marmanjos. Mas a verdade é que Os Batutinhas é despretensioso e consegue divertir os pequenos especialmente por causa da identificação, visto que são personagens crianças vivendo a infância. A direção é de Penelope Spheeris, que, uma ano antes, havia lançado o engraçadíssimo Família Buscapé.
Talvez o filme mais diferente da lista, essa animação é uma coprodução entre França, Luxemburgo e Canadá e conta a história de um menino que vive em um vilarejo afastado de tudo. No meio da Cordilheira dos Andes, o pequeno mantém vivo o sonho de se tornar xamã. Enfrentando aventuras e guiado pela direção cheia de carinho do argentino Juan Antin, Pachamama é uma ode à natureza, além de ser visualmente lindo.
Se a procura for por um filme-família, desses que hoje são mais difíceis de serem lançados (talvez por uma gana cada vez maior em se fazer filmes que vendam mais do que filmes que agradem – o que consequentemente os fariam ser rentáveis), As Aventuras de Paddington 2 junto ao primeiro (disponível no Amazon Prime Video) é, talvez, o que de melhor o cinema fez nos últimos muitos anos. Seja pela leveza com que trata as situações, seja pela naturalidade em apresentar um urso falante como um fato – sem que isso jamais seja contestado –, ou seja pelo enorme coração, o filme merece ser um dos filmes mais vistos para quem precisa aquecer o peito em dias complicados. Claro que, se for possível, assistir ao primeiro anterior (de 1994), que é quase tão divertido quanto, pode ajudar um bocado.
O Dragão Guerreiro tem que enfrentar o selvagem Tai Lung enquanto o destino da China está em jogo. Mas quem é o Dragão Guerreiro? Em uma de suas melhores animações, a DreamWorks deu vida ao panda Po (originalmente dublado por Jack Black e na versão nacional por Lúcio Mauro Filho) que, aos poucos, vai se descobrindo junto a uma trupe que precisa ter uma paciência além dos limites. Mas e o Dragão Guerreiro? Estaria certo o manto sagrado ser entregue ao comilão Po, novato nas artes marciais?
Lego Batman: O Filme é a produção sobre o Homem-Morcego mais abarrotada de personagens e referências já realizada e, ainda assim, é uma das que conseguiram brincar com mais propriedade dentro do universo de Gotham. Completa, a animação traz vilões clássicos de maneira colorida e muito (muito mesmo) humor. A animação não poupa quase nada, utilizando a cultura pop mundial e as marcas deixadas pelos tantos Bruces que já existiram para fundamentar um personagem essencialmente existencialista em subtexto, mas que diverte acima de tudo.
Jogadores de basquete participando de filmes não é nenhuma novidade. Já tivemos Dennis Rodman, temos Shaquille O’Neal com frequeência (no recente O Halloween do Hubie inclusive)… mas, aqui, trata-se do maior, de Michael Jordan. E não é só! Junto a ele, alguns dos personagens mais queridos da história dos desenhos animados em uma aventura do bem contra o mal. Nela (nessa aventura), os Looney Tunes buscam a ajuda do aposentado Jordan em uma tentativa desesperada de vencer uma partida de basquete e ganharem a liberdade.
Com um tema musical chiclete, altamente viciante, o filme é dos mais divertidos da década. Na história, um trabalhador da construção civil, considerado o profetizado, um sujeito “especial”, é recrutado para se juntar a uma missão para impedir que um tirano maligno cole o universo em uma estagnação eterna. “Tudo é incrível.” Ao menos por causa da música, será difícil não falar essa frase durante ou depois de assistir a Uma Aventura Lego.
O primeiro filme da trilogia que é a obra-prima da DreamWorks acompanha um jovem viking aparentemente infeliz. Aspirante a caçador de dragões, o rapazinho acaba se tornando amigo do carismático Banguela. Assim, dá início à descoberta de um mundo totalmente novo, no qual as temidas criaturas podem ser muito mais do que ele e seu povo imaginava. Como Treinar Seu Dragão é um filme sobre amizade, respeito, família e, especialmente, sobre o quanto as aparências podem enganar.
Difícil indicar somente um título do Studio Ghibli. A Netflix conta com 21 deles e alguns são especialmente indicados para as crianças, como Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar e Meu Amigo Totoro. Outros, como o fenomenal Princesa Mononoke são indicados para os que já completaram 12 anos de idade. De todo modo, são obras-primas que podem até não fazer rir com frequência ou não ter o humor de muitas das citadas, mas têm uma humanidade e uma força representativa maior do que tudo.
Agora, ficam aí os comentários para que possamos trocar indicações e ir criando uma corrente de filmes cada vez maior. Tenho certeza que vocês podem complementar e enriquecer tudo. Vamos conversando, debatendo.
Texto originalmente publicado no Canaltech.
Em um período que estamos todos necessitando de cuidados especiais contra uma pandemia, é provável que assistir a bons filmes durante o tempo a mais em casa seja uma das melhores saídas. Pensando nisso e partindo primeiramente da Netflix, preparamos uma lista com filmes de gêneros variados, mas sem pensar exatamente em uma espécie de melhores filmes do catálogo. A ideia é indicar filmes bacanas para muitos gostos diferentes, tanto para assistir quanto para reassistir.
Sem mais demora e, como sempre, dentro de uma abordagem sem verdades absolutas, vamos à lista de 10 filmes para assistir na Netflix durante a quarentena – a disposição só não é aleatória porque está em ordem alfabética (desconsiderando os artigos).
O cinema argentino tem produzido filmes relevantes ano após ano (desde muito tempo). E, felizmente, não está restrito a Ricardo Darín. O ator, que encabeçou aquele que, para muitos (entre os quais me incluo), é o melhor filme do seu país em muitos anos (O Segredo dos Seus Olhos, de 2009) e é sinônimo de talento e, acima de tudo, competência, parece ter “somente” aberto alas em um novo período para nossos hermanos. Se, em 1986, A História Oficial (1985) já havia recebido um Oscar, foi com a mais fácil difusão das produções (especialmente com o advento da internet e, mais recentemente, dos streamings) que houve uma merecida repercussão e grande reconhecimento público.
O Cidadão Ilustre trata de inspiração e criação como poucos filmes conseguem. De uma sutileza sem tamanho ao tratar o comportamento de um escritor com muito humor, o filme ainda consegue revelar os abismos culturais que cercam nossas vidas… ainda mais em um mundo globalizado. No fim, a maneira como discorre sobre as diferenças entre realidade e ficção é das mais originais do cinema e, se fosse somente esse encerramento, ainda assim mereceria ser visto.
Um Contratempo parece beber de algumas das melhores fontes que retratam crimes perfeitos, como o Alfred Hitchcock e Agatha Christie, além de ter uma evolução progressiva que traz muito dos melhores suspenses de Brian De Palma e uma dinamicidade fácil que se assemelha aos bons textos de Sidney Sheldon.
É um filme construído com muita racionalidade, amarrado com cuidado e tem uma tensão crescente constante. Cheio de reviravoltas, o filme espanhol do diretor Oriol Paulo, conscientemente, engana, reengana e engana novamente. Ele faz o coração do espectador acelerar e, sabiamente, tem uma leve despretensão, no sentido de que precisa que o público deixe de lado o que tem como verdades possíveis e aceite se submeter a uma história construída para entreter.
Como finalizei a crítica sobre o ele: É um filme excepcional, que depende, sim, do grau de aceitação de quem estiver o assistindo. Pode ser, também, um exercício cardíaco bem interessante, porque, aceitando-o, o coração vai acelerar. E vai ser sem piedade.
Se o subgênero filme-de-tubarão sempre merece uma atenção em listas despretensiosas nas questões qualitativas, esse filme tem o direito de ser redescoberto. Nada é muito diferente ou novo, mas são tubarões com os cérebros vitaminados, mais inteligentes e espertos, que antagonizam esse filme de Renny Harlin.
Por mais que Harlin seja um nome pouco conhecido no meio mainstream, já foi festejado por amantes do terror com filmes razoavelmente bem sucedidos como A Hora do Pesadelo 4: O Mestre dos Sonhos (1988) e Condenação do Além (1987). Aqui, o diretor faz com que a história morna e os personagens caricatos – como o herói Carter Blake (Thomas Jane) – sejam contornados por um processo imponente. Tudo é engrandecido: das expressões e reações overs do protagonista ao alívio cômico sem noção do cozinheiro Preacher (LL Cool J).
Do Fundo do Mar é, essencialmente, uma grande sequência de ação, com cenas sem sutilezas estéticas executadas uma após a outra e com todas as situações comuns de filmes do tipo, com criaturas perseguindo as pessoas dentro de um ambiente fechado. Seja Alien, o Oitavo Passageiro (de Ridley Scott, 1979) ou até Tentáculos (de Stephen Sommers, 1998), encontram eco nesse filme curioso.
Um bilionário forja a própria morte e, a partir de então, torna-se um fantasma para o mundo. Reunindo uma equipe de profissionais tão invisíveis para o sistema quanto ele, parte para a missão de derrubar um ditador em um país ao leste. Esse país fictício, o Turgistão, funciona como uma fusão de países reais que supostamente esperam pela libertação (a salvação americana diluída em uma equipe aparentemente cosmopolita). E não importa o nome do lugar – nem mesmo para algum personagem que não consegue pronunciá-lo –, o que importa é cumprir a missão, a meta.
Em Esquadrão 6, o que menos importa é a política envolvida. A força da linguagem literalmente explosiva de Michael Bay está em conseguir retirar toda a atenção do tema, fazendo do resultado uma espécie de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) para todos – apostando na força estética – e insere a hiperatividade como ferramenta-chave. Assim, uma mãe-figurante com um bebê no colo e dois cachorrinhos ganham mais destaque – claro que para fazer comédia – do que os tantos que poderiam morrer com a ameaça de gás sarin exposta pelo roteiro.
Trata-se de um filme completamente ligado na ação e desligado do planeta (como seu diretor). Pode ser considerado irresponsável por isso, mas se a procura é por entretenimento, explosões, diálogos fáceis e espertos, perseguições e artifícios non sense, Esquadrão 6 pode ser um filme que venha a suprir essas necessidades. Bay assina o que é seu como se estivesse sendo eletrocutado enquanto segura a caneta, mas isso tem sua legitimidade saudável quando se busca algo mais forte do que uma lata de energético ou uma xícara grande de café expresso.
Escrito e dirigido pela jovem italiana de 36 anos de idade Alice Rohrwacher (que já tem na bagagem o Grande Prêmio do Júri em Cannes por As Maravilhas, de 2014), Feliz como Lázaro é um acontecimento em 2018. Longe de causar burburinho ou ser utilizado em alguma campanha de mercado (como o foi o tão recente quanto Caixa de Pássaros – ou Bird Box –, de 2018), o filme é genuinamente puro no seu modo de lidar com o mundo contemporâneo e as bizarras relações de trabalho e escravidão moderna.
Ao mesmo tempo em que parte de um princípio de pureza – da direção de arte ao comportamento do personagem título –, Lazzaro Felice (no original) também é perturbador ao deixar vazar, em suas entrelinhas, o quão desumana pode ser a humanidade, o que é reforçado pelo lirismo de sua mise-en-scène (em uma síntese já bem resumida: tudo aquilo que aparece nas cenas e a forma com a qual cada detalhe é montado e posicionado na intenção de criar uma unidade estilística).
Ainda, a atuação de Adriano Tardiolo (o Lazzaro) exala uma bondade, um desconhecimento de qualquer mal, que as adversidades impostas pelo roteiro são desconcertantes.
Em 2001, o Afeganistão está sob o controle do Talibã. No meio desse contexto, uma jovem determinada se disfarça de menino para sustentar sua família quando seu pai é capturado.
A Ganha-Pão não é somente uma animação dolorosa e assustadoramente real. Ela é daquelas que tocam tão fundo na gente que, por mais de um motivo, pode despertar a nossa empatia – algo tão necessário nos dias de hoje.
Dirigido por Nora Twomey, que havia realizado antes os lindíssimos curtas-metragens From Darkness (de 2002) e Cúilín Dualach (de 2004), a história é, talvez, a que tem a maior possibilidade de fazer chorar desta lista, tamanha a sensibilidade de Twomey e do roteiro da ucraniana Anita Doron (roteirista e diretora do ótimo The Lesser Blessed, de 2012)
Sendo um filme menos badalado do seu diretor – Christopher Nolan (de Dunkirk, 2017) –, O Grande Truque é meio drama e meio ficção científica recheado de mistério. Assim, com esse mistério tomando conta da atmosfera, o suspense ganha contornos bem interessantes. Há uma magia na condução desse filme que Nolan parece ter escondido em boa parte dos seus demais. Toda a sua racionalidade e uma certa pretensa exposição, aqui, jamais deixam o resultado cruzar a linha da frieza. É, sim, tudo muito calculado, mas há uma compaixão que torna as camadas mais intensas. Eu, pessoalmente, gosto de Nolan (com um ou outro questionamento pelo caminho) e tenho O Grande Truque como o filme de sua carreira que mais me toca.
O filme ainda conta com Christian Bale, Hugh Jackman, Scarlett Johansson, Rebecca Hall e Michael Caine e foi indicado a dois Oscars (Melhor Fotografia e Melhor Direção de Arte). E, apesar do elenco, tudo gira em torno do roteiro – como boa parte dos filmes de Nolan. É um trabalho que merece ser visto com atenção.
Além de ter a direção de Bong Joon Ho (de Parasita, 2019), O Hospedeiro já carrega tudo o que o diretor sul-coreano exponenciaria no filme que fez história no Oscar 2020: luta de classes, debates sociais, fusão de gêneros e um roteiro (coescrito pelo próprio Joon Ho) que progride com uma elegância enorme.
É interessante perceber como o público americano e a própria crítica receberam o filme e, ao mesmo tempo, levar em conta que se trata de uma obra sul-coreana – cultura diferente, formas de ver o mundo diferentes, jeitos de agir diferentes e até humor diferente. Assim sendo, pode parecer que o filme desperdiça alguns momentos dramáticos na construção de alívios cômicos, mas a questão é que tudo vai se emaranhando e construindo uma enorme bola de sentimentos.
O Hospedeiro, no final das contas, é uma das redefinições do horror no século XXI e já mostra o diretor enorme que é Joon Ho.
Eis um filme que foi muito comentado em sua estreia, mas que começou a cair no esquecimento rapidamente. Não por sua qualidade – é o mais premiado desta lista –, mas talvez por misturar dois universos do cinema de gênero: terror e ação… levando tudo a uma esquisitice quântica.
Invasão Zumbi subverte o subgênero dos zumbis, o próprio terror e constrói e quebra em pedaços caricaturas de filmes de ação. E vai muito além: à medida que os zumbis se multiplicam e uma variedade de pessoas comuns os enfrenta, há uma alusão certeira e uma avaliação sobre a insensibilidade corporativa.
É um filmaço que tem poder de adrenalina e que pode chocar com suas quebras de expectativas.
Repleto de diálogos realistas e, ao mesmo tempo, estranhos, Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe é de uma precisão cirúrgica na concepção da relação entre um pai e seus filhos. Muito bem alicerçado nas atuações de Dustin Hoffmann (Harold), Ben Stiller (Matthew) e Adam Sandler (Danny), o diretor e roteirista Noah Baumbach (do oscarizado História de um Casamento, de 2019) fundamenta um filme cheio de humanidade, capaz de causar confusão, felicidade, acessos de raiva… sempre de uma maneira muito genuína e por meio da criação de sintonia entre filme e espectador.
Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe é, também, uma prova dupla: para os fãs e para os não-adeptos da carreira de Adam Sandler. Aqui, eles podem encontrar o ator em uma das suas atuações mais relevantes (ao lado de Reine Sobre Mim, Embriagado de Amor e Joias Brutas), tanto que o ator, merecidamente, foi ovacionado no Festival de Cannes de 2017. Apesar do humor meio amargo do personagem coincidir com muito do que Sandler já fez, há detalhes que o levam muito além: são camadas e mais camadas de um homem que jamais desistiu de ser feliz, mas, mesmo assim, sente-se fracassado.
Provavelmente um dos menos conhecidos da lista, Sing Street: Música e Sonho é uma pequena obra-prima dirigida por John Carney (do já ótimo Mesmo Se Nada Der Certo, 2013). A partir de uma premissa aparentemente genérica, que diz sobre um rapaz que foge de uma conturbada vida familiar ao se tornar integrante de uma banda para impressionar uma moça misteriosa, o filme – escrito também por Carney – constrói conexões tanto dentro do seu próprio desenrolar quanto entre os personagens que parecem refletir em um nível subcutâneo: não arrepia somente, mas faz vibrar.
Tudo tão íntimo, com barreiras sinceras, triunfos satisfatórios e frustrações quase palpáveis que tudo pode ir além da identificação. É a vida em metáforas. São alegorias simples, mas passíveis de interpretações intensas… resta somente estar disponível e aberto para elas.
Eu havia pausado, deixado de lado mesmo, o bônus Adam Sandler em minhas últimas listas. Mas é bom retornar com um filme completamente diferente em sua carreira, dirigido por Benny e Josh Safdie… mesmo que já tenha um Sandler na lista.
A ideia do cinema realizado pelos irmãos Safdie é, por um lado, semelhante à do franco-argentino Gaspar Noé (de Clímax, 2019). Há uma intensa busca pelo sensorial do público, uma procura pela desestabilização proposital deste, que acaba por se sentir engolido por sensações e, de tão imerso, pode absorver o que assiste como se estivesse em um provável efeito alucinógeno. Isso, no caso de Joias Brutas, leva a um prazer de pouco mais de duas horas ou a uma bad trip – claro que tudo totalmente lícito.
Mas as semelhanças entre o que Benny e Josh Safdie fazem e o trabalho de Noé terminam nas questões sensoriais. Isso porque, tanto no filme protagonizado por Adam Sandler quanto nos anteriores da dupla, há uma absoluta inserção da história e dos acontecimentos na construção de um todo muito coeso – frenético sim, talvez nauseante, mas não é somente uma escolha que leva a qualquer sensação, é o conjunto, a união da totalidade.
Joias Brutas, com toda essa agonia, mais parece um quadro único, renascentista, pintado como uma releitura por um artista contemporâneo que decidiu mergulhar as mãos em tinta e pintar socando a tela. É genuíno, raivoso e intenso; é uma mistura das construções de personagens e de naturalidade de um gênio como John Cassavetes e a desordem psíquica recorrente nas obras de Brian De Palma.
Agora, ficam aí os comentários para que, em um momento tão delicado, possamos trocar indicações e ir criando uma corrente de filmes cada vez maior. Tenho certeza que vocês podem complementar e enriquecer tudo. Vamos conversando, debatendo…
Texto originalmente publicado no Canaltech
As expectativas raramente são benéficas quando se trata de cinema. Há sempre que se deixar levar por uma obra para que ela tenha a oportunidade de provar seu valor. Preconceber julgamentos antes de ter contato real com o objeto pode ser um gesto que venha a desmerecer ou enaltecer o que, a partir de uma visão neutra, não passaria de merecedor de opiniões medianas, mornas.
O cinema de gênero vem exatamente ao encontro das expectativas, abraçando-as com carinho. Isso porque o funcionamento interno de um filme que venha a se encaixar nessa definição é uma leitura específica do seu gênero. Mantém-se uma estrutura narrativa base, reafirma-se convenções tradicionais e, ao seu modo, cada filme fica livre justamente para subverter o que é preestabelecido para si: eis o surgimento das quebras de expectativas. Tais filmes criam suas próprias galáxias, mas sempre dentro de um universo corajoso, este que enfrenta as expectativas. E, mesmo que possam expandir esse universo ao subverter convenções e gestos tradicionais, jamais uma produção de gênero criará o seu próprio cosmo. Um filme de gênero real – raiz – está muito mais preocupado em fazer jus ao seu universo do que posar com alguma arrogância e se dizer mais do que é.
Filmes de terror encaixam-se exatamente em um universo próprio, consolidado e, ao longo dos últimos anos, tais filmes vêm recobrando espaço com competência absoluta. São, enfim, filmes que fazem jus ao pertencimento desse gênero que formam a lista a seguir, sejam filmes de um possível vanguardismo (para o hoje ou para a sua época) ou aqueles que fazem uma abordagem sólida da tradição.
Lembrando que nenhuma lista é taxativa. Não existe verdade absoluta quando se trata de cinema. Listas fazem o papel de indicação e não devem ser levadas como algo exato.
Seguem os escolhidos:
Verônica é um terror carregado de suspense que sabe muito bem onde está pisando. Ao contrário de investir em quebras de expectativas, o corroteirista e diretor Paco Plaza (da trilogia iniciada por [REC] – fica a dica), doa-se completamente à construção delas. Há, sem dúvidas, subversões de gênero, mas o filme está mais disposto a construir um horror crescente, sem descanso, típico do cinema espanhol – algo como faz o ótimo Um Contratempo (indicação fora do gênero do terror).
O trabalho cuidadoso e consciente de Plaza edifica bases sólidas para o filme de uma forma única: é um terror, de fato, que traz o sempre revisitado tema da possessão demoníaca, mas é claramente realizado com muito carinho e naturalidade. Pode ser perceptível que, nem tão em segundo plano, Verônica é sobre os “monstros” que despertam durante a adolescência.
Talvez bizarro, trash para alguns, sanguinolento, sinistro… Cujo traz a história de um amigável São Bernardo que contrai raiva e conduz um reino de terror em uma pequena cidade americana. O filme é um dos melhores exemplares de terror protagonizados (ou antagonizados) por um ou mais animais.
Quando foi lançado, em 1983, o filme foi um sucesso de bilheteria e acabou, com o perdão do trocadilho, abocanhando algumas nomeações e prêmios, entre eles a indicação ao Saturn Award de Melhor Filme, o prêmio do público no Fantasporto e, no mesmo festival, a nomeação ao International Fantasy Film Award. Um filme que merece reconhecimento como uma das melhores adaptações feitas a partir de uma obra de Stephen King.
Baseado em obra de Stephen King e premiado em festivais de terror, especialmente pela atuação de Carla Gugino, esse filme dirigido por Mike Flanagan (como outras duas obras da lista) acompanha Jessie e sua tentativa de apimentar seu casamento em uma casa remota (olha uma convenção). Inesperadamente, seu marido morre e ela, algemada ao estrado da cama, inicia uma luta para sobreviver.
A impressão mais forte de Jogo Perigoso pode ser a de que ele (o filme em si) reforça uma metáfora sobre o quanto é assustador estar em um mundo no qual perder qualquer sentido é motivo suficiente para se instalar o medo. Sendo as protagonistas de ambos os filmes mulheres, Flanagan demonstra empatia ao entender que o terror é um gênero de enorme poder metafórico, revelando o pavor da submissão – algo que, infelizmente, é recorrente em meios sociais devido ao machismo.
Mais atual do que deveria, o filme traz à tona o que há de melhor no terror: direcionamentos para o gênero sem medo de ser raiz, subtextos e mais subtextos para comentar temas relevantes e, em sua camada superficial, uma história que pode ser assistida sem muitos problemas. É de uma inteligência enorme a construção do roteiro vencedor do Oscar de 2018, escrito pelo próprio diretor, Jordan Peele.
Em nossa crítica, sobre o paralelo com a realidade e o tanto de ficção do filme, Laísa Trojaike escreveu: “É justamente por sabermos que as questões raciais (e de preconceitos de modo geral) não foram superadas que o terror de Corra! é ainda mais aterrorizante: até onde sabemos, toda a parte da intervenção cirúrgica é completa ficção, mas a sensação de estar constantemente isolado, em posição defensiva ou até mesmo ameaçado é uma realidade ainda comum.”
Corra! tem um total de 153 vitórias em festivais ao redor do planeta e outras 201 indicações a prêmios. É um dos recordistas do gênero na história do cinema.
Além de ter a direção de Bong Joon Ho (de Parasita, 2019), O Hospedeiro já carrega tudo o que o diretor sul-coreano exponenciaria no filme que fez história no Oscar 2020: luta de classes, debates sociais, fusão de gêneros e um roteiro (coescrito pelo próprio Joon Ho) que progride com uma elegância enorme.
É interessante perceber como o público americano e a própria crítica receberam o filme e, ao mesmo tempo, levar em conta que se trata de uma obra sul-coreana – cultura diferente, formas de ver o mundo diferentes, jeitos de agir diferentes e até humor diferente. Assim sendo, pode parecer que o filme desperdiça alguns momentos dramáticos na construção de alívios cômicos, mas a questão é que tudo vai se emaranhando e construindo uma enorme bola de sentimentos.
O Hospedeiro, no final das contas, é uma das redefinições do horror no século XXI e já mostra o diretor enorme que é Joon Ho.
A premissa parece simples: Há uma casa localizada em uma floresta. Nessa casa, uma mulher surda-muda está sozinha. A tranquilidade, obviamente, é interrompida. Isso porque um assassino começa a perturbar a pobre moça.
Parece e é simples! E é nessa simplicidade que o diretor Mike Flanagan (o mesmo de Ouija: A Origem do Mal e dos bons O Sono da Morte e O Espelho) aposta, muitas vezes deixando de lado os velhos sustos induzidos pela trilha repentinamente forte e investindo em uma tensão crescente que culmina no excelente terceiro ato. Conseguindo driblar a maioria dos clichês, a tensão é crescente de uma forma que, ao final, faz querer sentir sua própria respiração.
Além de ser um filme curto, seus 81 minutos passam como 20 e conseguem o essencial para um filme do gênero: fazer com que nos importemos com quem está protagonizando a história e torçamos contra quem antagoniza.
Hush: A Morte Ouve não é uma obra-prima. Pode até estar bem longe disso. Mas é uma boa pedida para esse dia mal-assombrado.
Eis um filme que foi, de fato, muito comentado em sua estreia, mas que começou a cair no esquecimento rapidamente. Não por sua qualidade – é o mais premiado dessa lista –, mas talvez por misturar dois universos do cinema de gênero: terror e ação… levando tudo a uma esquisitice quântica.
Invasão Zumbi subverte o subgênero dos zumbis, o próprio terror e constrói e quebra em pedaços caricaturas de filmes de ação. E vai muito além: à medida que os zumbis se multiplicam e uma variedade de pessoas comuns os enfrenta, há uma alusão certeira e uma avaliação sobre a insensibilidade corporativa.
É um filmaço que tem poder de adrenalina e que pode chocar com suas quebras de expectativas.
Invocação do Mal, além de trazer uma combinação extremamente equilibrada de jump scare e tensão gradativa, tem um final mais do que satisfatório. Se dentro do gênero Hollywood costumava apostar em términos com algum gancho, a direção de James Wan, aqui, prefere dar um fim de fato. Nesse sentido, o sucesso da produção exigiu que a sequência fosse criativa na retomada, algo que, por si só, já coloca o filme como originário de algo que tenderia a crescer.
Considerado por muitos como o melhor filme do mestre do terror John Carpenter, O Enigma de Outro Mundo Grupo conta a história de 12 pesquisadores em uma missão na Antártica que desenterram um alienígena que estava sob a neve há milênios. Descongelado, o extraterrestre volta à vida e começa a espalhar o terror no acampamento científico.
Mas não é somente a história do filme que é aterrorizante: o modo como Carpenter filma tudo é o que dá muito mais vigor ao filme. Ao mesmo tempo em que, com a costumeira classe de planos limpos e pouca ou nenhuma tremedeira, o diretor aborda o roteiro de maneira claustrofóbica, reforçando o aprisionamento de estar em um continente gelado e dentro de uma estação. É uma aula de cinema.
Tubarão é um clássico que parece sempre atual. Sendo um dos primeiros trabalhos de Steven Spielberg, o filme já trazia todo o estilo entertainer do diretor que, aliado aos seus sempre sugestivos comentários sociais e à sua competência artística, acabou criando ou redefinindo o conceito de blockbuster.
Além disso, a composição de John Williams para a trilha sonora é das mais emblemáticas da história: um intervalo simples, entre duas notas, substitui a aparição do tubarão durante mais de dois terços das pouco mais de duas horas de duração. Sabemos que o bicho está presente e quem indica isso é a música. Um filmaço, um clássico, um trabalho que moldou o cinema em mais de uma camada.
Ficam, então, as indicações e o espaço dos comentários para acréscimos e tudo o que desejarem. Sem dúvida, como sempre ao fazer uma lista, foi dolorido, mas tenho certeza que vocês conseguirão complementar e enriquecer tudo o que está aí.
Bons (ou ruins?) filmes para nós!
Texto originalmente publicado no Canaltech
Assistir a bons filmes quase sempre é uma boa pedida. Mas o que são bons filmes? Toda crítica de arte é subjetiva, depende muito mais da experiência do que de um conhecimento irrefutável. Não adianta, por essa perspectiva, buscarmos criar uma lista unânime. É impossível. Seja ela de um, cinco, 10, 100 filmes… nenhuma lista será exata.
A ideia das nossas listas, então, é a indicação. Assim, enquanto alguns serviços de streaming excluem filmes mais antigos e dão preferência às suas próprias produções e a um catálogo recheados de obras recentes, outros têm disponíveis filmes que marcaram época, influenciaram gerações e acabaram por se tornar moldes justamente para quase tudo o que é realizado depois deles.
Felizmente, o catálogo do streaming do Telecine tem algumas obras atemporais, dessas que entram em nove de cada 10 listas de melhores de todos os tempos. Ao mesmo tempo, outras plataformas estão começando a abrir as portas para esses filmes e, ainda, existem as menos conhecidas, que são recheadas de tudo o que o cinema produziu de melhor durante o século XX.
Mesmo assim, dito tudo isso, os filmes citados e brevemente resenhados mais abaixo servem como indicações para quem não os assistiu ou para quem gostaria de reassisti-los. Sem mais demora, vamos à lista de 10 filmes que você precisa conhecer disponíveis no streaming do Telecine.
Indicar este que, talvez, seja uma das maiores obras-primas do cinema é mais fácil do que escrever sobre ele. Enquanto escrevia a crítica sobre 2001: Uma Odisseia no Espaço, o filme foi crescendo mais e mais – e eu não imaginava que havia espaço para isso.
A sinopse oficial simples (bem simplificada mesmo) diz: “Depois de descobrir um artefato misterioso enterrado sob a superfície lunar, a humanidade parte em uma busca de suas origens com a ajuda do supercomputador HAL”.
Pensar a obra de Terrence Malick (do mais recente Uma Vida Oculta, 2019) talvez seja tão complexo quanto alguns dos seus filmes. Um título como A Árvore da Vida pode ter a força de uma obra-prima a ponto de receber comparações com 2001: Uma Odisseia no Espaço e ser listado por Roger Ebert entre os 10 melhores filmes já realizados (junto com o de Kubrick). Por outro lado, ele pode cair em um buraco negro de desacordos e encontrar, inclusive, quem os credite como herméticos, pretensiosos e até chatos.
A jornada de Dora (ou Isadora, interpretada por Fernanda Montenegro), que escreve cartas para analfabetos, e Josué (Vinícius de Oliveira), um menino cuja mãe acabou de morrer, é das realizações mais bonitas do cinema brasileiro. Enquanto procuram pelo pai que Josué nunca conheceu, a dupla acaba passando por descobertas e situações das mais sensíveis e descobrindo a própria humanidade necessária para permanecerem de pé.
Cinco estudantes são punidos e acabam precisando estar na detenção da escola, no sábado. A partir de então, eles começam a descobrir que têm muito mais em comum do que pensavam.
A premissa pode parecer simples. E é. Mas a questão é que o roteiro e a direção de John Hughes (do já clássico Curtindo a Vida Adoidado) trabalha em cima dessa simplicidade para tornar as relações e os acontecimentos os mais naturais e identificáveis possíveis. Clube dos Cinco, assim, foi como um filme de cabeceira da segunda metade dos anos 1980 ao final dos anos 1990, quando passava repetidamente na TV.
Clube dos Cinco é um filme leve, mas com uma carga emocional dinâmica e realizado com muita competência.
A mãe e o pai das ficções científicas. O filme traz uma cidade futurista fortemente dividida entre a classe trabalhadora e os planejadores da cidade, além de uma profecia que prediz a vinda de um salvador para mediar as diferenças que é entrecortada por uma paixão.
Metrópolis é uma das maiores obras-primas da história do cinema, influenciando a ficção científica para sempre e elevando o cinema mudo ao seu máximo. Fritz Lang, diretor do filme, ainda tem Os Conquistadores (que não é da era do cinema mudo) no catálogo do streaming do Telecine.
Em 1989, Faça a Coisa Certa recebeu os prêmios maiores das associações de críticos de cinema de Los Angeles e de Chicago, duas das mais importantes dos EUA. Também esteve perto dos mesmos prêmios por diversas entidades ao redor do seu país e do mundo. Mas, nas premiações mais populares, como Globo de Ouro, Oscar e Cannes, o filme saiu de mãos abanando. Parece que não era o momento para ele nem para Spike Lee (seu diretor). Um filme-denúncia forte, no ano em que a Guerra Fria chegaria ao fim… talvez fosse um filme impactante demais com sua realidade irônica. Aquele era um ano mais blasé, bem propício para um filme como Conduzindo Miss Daisy.
Faça a Coisa Certa conduz o espectador pelo dia mais quente do ano em uma rua do Brooklyn. Ali, o ódio e o fanatismo ardem e aumentam até explodirem em violência. O filme de Lee permanece atual e, talvez, a melhor definição curta e direta que eu li sobre o título seja o comentário de um leitor na crítica sobre Infiltrado na Klan (também de Lee e também no catálogo). Ele disse: “Comecei a gostar de cinema com Faça a Coisa Certa.”
Completamente desprezado pela Academia nas indicações para o Oscar 2020, especialmente a atuação de Lupita Nyong’o, Nós (de Jordan Peele, 2019) é construído sob a luz da realidade, e é nessa luz que está o seu maior terror. De qualquer forma, sua camada mais superficial, a da fantasia, é desenhada com um cuidado meticuloso. Essa junção tem força para dar a impressão (pretensiosa e acertada ao mesmo tempo) de que seu criador tenta agradar a gregos e troianos. Mas, afinal, o filme consegue ser sobre nós e sobre “eles”… e é assustador o que está no subterrâneo das entrelinhas: o fato de que, socialmente, sempre há espaço para que sejamos eles e o “nós” sejam outros.
Apesar da história aparentemente simplória, de uma mulher que se refugia em um motel um tanto quanto esquecido, Psicose é um filme que influenciaria para sempre o cinema. Com um dos maiores clímaces do filme acontecendo muito distante do desfecho final, Hitchcock criou um suspense como somente ele conseguiria.
Com planos-detalhes certeiros, ritmo condizente, trilha sonora imortalizada do gênio Bernard Herrmann e, pelo menos, uma cena entre as mais icônicas da história (o citado clímax), o filme ainda influenciaria gerações (e continua influenciando). Pode-se dizer que existe um suspense antes e outro depois de Psicose.
A sinopse mais simples e imprudente diria que o filme trata de uma enfermeira encarregada de cuidar de uma atriz muda e, aos poucos, descobre que suas personalidades estão se fundindo. A verdade é que é quase impossível criar um resumo desse que é considerado por muitos o melhor filme do gênio sueco Ingmar Bermann.
O título original (Persona) é, inclusive, muito mais apropriado do que a versão brasileira que, se não é um spoiler enorme, acaba por ser uma tentativa (totalmente infeliz) de explicar o trabalho realizado por Bergman nessa obra-prima.
Agnès Varda é uma das profissionais do cinema que conseguiram permanecer no limiar entre o documentário e a ficção. Seu talento inquestionável lapidou algumas obras-primas durante a sua carreira, que foi de 1955 a 2019 (quando faleceu aos 90 anos de idade). Os Renegados é uma dessas em que o tom investigativo, com flashbacks e entrevistas, pode remeter a um teor documental. Essa mistura, dirigida tão bem por Varda, torna a história tão próxima do espectador que tudo passa a ter um interesse quase pessoal nas sucessivas revelações.
Na história, o corpo de uma jovem é encontrado congelado em uma vala. Os citados flashbacks e as entrevistas vão revelando tudo o que precedeu essa morte e a tornou inevitável.
É verdade que no catálogo do streaming do Telecine podem existir filmes melhores. Por exemplo, Um Corpo que Cai, de Hitchcock, poderia estar no lugar de Psicose; O Sétimo Selo, de Bergman, no lugar de Quando Duas Mulheres Pecam… a questão é que definir os melhores é uma questão subjetiva. A lista de 10 de hoje pode ser bem diferente de uma que venha a ser feita amanhã. Na verdade, poderiam ser feitas mais duas, três, quatro ou cinco lista de 10 sem repetir um filme sequer. Nesse sentido, qualquer lista não deve ser levada como um parâmetro exato. Cinema é arte e a arte nunca é exata.
As expectativas raramente são benéficas quando se trata de cinema. Há sempre que se deixar levar por uma obra para que ela tenha a oportunidade de provar seu valor. O cinema de gênero vem exatamente ao encontro das expectativas, abraçando-as com carinho. Isso porque o funcionamento interno de um filme que venha a se encaixar nessa definição é uma leitura específica do seu gênero. Tais filmes criam suas próprias galáxias, mas sempre dentro de um universo corajoso, este que enfrenta as expectativas.
Pensando nisso, preparamos uma lista com alguns dos melhores filmes de ficção científica disponíveis no streaming do Telecine. A ideia é que a lista funcione para muitos gostos diferentes, tanto para assistir quanto para reassistir. Os filmes citados e brevemente resenhados mais abaixo são somente indicações. Porque toda a apreciação depende de questões subjetivas do imaginário e, claro, do gosto pessoal (até por isso a lista é bem diversa).
Sem mais demora e, como sempre, dentro de uma abordagem sem verdades absolutas, vamos à lista de 10 dos melhores filmes de ficção científica disponíveis no streaming do Telecine (em ordem alfabética e desconsiderando os artigos):
Entrou na lista de filmes cults e não poderia deixar de entrar nesta. 2001: Uma Odisseia no Espaço influenciou praticamente tudo do gênero que veio na sequência. Então, indicar o filme que, talvez, seja uma das maiores obras-primas do cinema é mais fácil do que escrever sobre ele.
A sinopse oficial simples (bem simplificada mesmo) diz: “Depois de descobrir um artefato misterioso enterrado sob a superfície lunar, a humanidade parte em uma busca de suas origens com a ajuda do supercomputador HAL”.
Aeon Flux pode não ser um filmaço, mas talvez precise de uma apreciação um tanto quanto descompromissada para embarcar na história de uma assassina misteriosa (interpretada por Charlize Theron) que trabalha para um grupo de rebeldes que tenta derrubar o governo. Pode ter uma avaliação bem negativa da crítica especializada em geral, mas, por outro lado, tem algum potencial para divertir e ser redescoberto.
Entrou na lista a título de curiosidade… e é um filme bem curioso – para o próprio bem ou para próprio mal.
Bumblebee é, sem dúvida alguma, um filme de roteiro simples, talvez requentado e até clichê, mas cheio de intenções sinceras, que se posiciona a léguas de distância dos cinco que fizeram a pentalogia antecessora – especialmente em seus propósitos. A proporção é a mesma às vezes, mas invertida: se em Transformers (2007) e em Transformers: A Vingança dos Derrotados (2009) Michael Bay (de Esquadrão 6, 2019) explora o corpo de Megan Fox (e nos seguintes os de Rosie Huntington-Whiteley e Nicola Peltz), aqui a direção de Travis Knight parece responder, recobrindo Hailee Steinfeld com um respeito absoluto.
Entrou na lista porque Bumblebee (o robô) é a dama de honra de um blockbuster que traz a década de 1980 para bem perto do público, mas que entende o seu tempo, a sua voz e que é a sua vez.
Confiante, libertina, ultraviolenta e com atitude (muita!), a direção de Pete Travis sabia que a sua fonte não foi escrita para crianças (apesar de algumas lerem) e, portanto, criou um filme para quem consegue enfrentar alguns instantes brutais. Uma história de crise, decadência, tribos, rituais, sangue e verdade.
A história é centrada em uma cidade futurista distópica onde a polícia tem autoridade para agir como juiz, júri e carrasco. E é uma readaptação: o primeiro filme, protagonizado por Sylvester Stallone (também no streaming do Telecine com o título nacional O Juiz) passou bem morno por público e crítica, talvez pela necessidade de Stallone mostrar o rosto. Mas aqui, em Dredd (no original e como está no catálogo), é tudo isso sem precisar tirar o capacete. E é insano.
Um clássico da ficção científica direto da década de 1970, Os Invasores de Corpos tem como protagonista Donald Sutherland e conta ainda com o até hoje quase onipresente em filmes do gênero Jeff Goldblum. Na história, várias pessoas começam a agir estranho, a ponto de Matthew Bennell (Sutherland) chegar a conclusões surreais. A direção é de Philip Kaufman, que, mais tarde, dirigiria o excelente A Insustentável Leveza do Ser (de 1988).
A atuação de Scarlett Johansson, os efeitos visuais e as cenas de ação são, de fato, pontos fortes de Lucy. Mas, apesar de o filme ter recebido críticas às vezes bem pesadas sobre suas inverdades, a questão é que, no final das contas, trata-se de um filme. Como tal, Luc Besson (de O Quinto Elemento, de 1997), que escreveu e dirigiu, usou toda a sua liberdade para criar um universo possível enquanto cinema, independente de fatos da realidade. O universo próprio de Lucy, a construção de Besson para que o conjunto funcione e a utilização da ciência muito mais como um suporte para a ficção do que como uma aliada de peso igual, faz do filme algo único, autoral.
A sinopse diz: Ameaçada, Lucy (Scarlett Johansson) aceita trabalhar como mula para a máfia chinesa, transportando drogas dentro do seu estômago. Mas, quando o seu corpo acaba absorvendo as drogas, ela ganha poderes sobre-humanos, incluindo a telecinesia, a ausência de dor e a capacidade de adquirir conhecimento infinito.
Provavelmente, é o filme com mais fãs fervorosos da lista. Matrix vale assistir independente do gosto pelo gênero. E reassistir também é algo que, a cada vez, tem poder de fazer novas revelações. A trama segue Neo (Keanu Reaves) um homem que aprende com rebeldes misteriosos sobre a verdadeira natureza de sua realidade e seu papel na guerra contra seus controladores. Mas nenhuma sinopse, curta ou longa, substitui a experiência de assistir ao filme. Um filmaço de um ano que marcou o cinema para sempre.
Entrou como bônus mudo na lista de filmes cults, mas não poderia deixar de estar aqui, sendo a mãe e o pai das ficções científicas.
Em uma cidade futurista fortemente dividida entre a classe trabalhadora e os planejadores da cidade, uma profecia que prediz a vinda de um salvador para mediar as diferenças é entrecortada por uma paixão.
Metrópolis é uma das maiores obras-primas da história do cinema, influenciando a ficção científica para sempre e elevando o cinema mudo ao seu máximo. Fritz Lang, diretor do filme, ainda tem Os Conquistadores (que não é da era do cinema mudo) no catálogo do streaming do Telecine.
Três amigos ganham superpoderes após fazer uma descoberta incrível no subsolo. Logo, suas vidas passam a estar fora de controle e, aos poucos, despertam lados sombrios da existência.
Produzido como um falso documentário, o filme de John Trank é uma fábula que flerta com o terror sobre amizade e destino e sobre a influência das nossas decisões tanto para um mundo particular quanto para todos que nos cercam.
Poder sem Limites ainda conta com Michael B. Jordan (o Erik Killmonger de Pantera Negra) sendo apresentado em grande escala como um dos protagonistas do filme.
A versão mais recente dirigida pelo brasileiro José Padilha (que também consta no catálogo do streaming do Telecine) até consegue trazer algum frescor à história, mas, perto desse clássico da ação e ficção científica capitaneado por Paul Verhoeven, tudo pode parecer sem peso.
No futuro, a cidade de Detroit é dominada pelo crime. Quando Murphy, o melhor policial da corporação, é assassinado, ele é revivido e transformado em uma mistura de máquina e homem a serviço da justiça: o RoboCop.
Agora, ficam aí os comentários para que, em um momento tão delicado, possamos trocar indicações e ir criando uma corrente de filmes cada vez maior. Tenho certeza que vocês podem complementar e enriquecer tudo. Vamos conversando, debatendo…
Este texto foi publicado originalmente no Canaltech
Se escrever uma lista já é uma tarefa pessoal e quase que totalmente subjetiva, taxar se um filme é subestimado eleva esse sintoma. Na verdade, superestimar ou subestimar algo é muito abstrato. Essas colocações acabam criando uma noção de verdades absolutas, quando não passam de ponderações pessoais e particulares, que dependem exclusivamente de quem as escreve.
Por outro lado, há filmes que passam realmente despercebidos – seja pela crítica, seja pelo público –, permanecem em alguma espécie de limbo ou são inferiorizados em sua época e ganham corpo com o passar dos anos. Alguns ficam, justamente, esperando para serem descobertos ou para terem o reconhecimento merecido.
Lembrando que o que é subestimado para mim pode não ser para você; o que é bom para mim, pode ser ruim para você. Não há regras. E a lista não é de filmes taxativamente excepcionais. Escolhi 10 filmes do catálogo do streaming do Telecine que merecem uma luz, um novo olhar, um carinho a mais.
Sem mais demora e dentro dessa abordagem subjetiva, sem verdades absolutas e muito pessoal, vamos à lista de 10 dos filmes mais subestimados para assistir no streaming do Telecine.
O primeiro filme da lista é um dos que mais passaram despercebidos nos últimos anos. Nele, uma mulher depressiva e traumatizada interpretada por Jennifer Aniston fica obcecada pela história do suicídio de uma colega. Claire (Aniston), após alguns acontecimentos, decide investigar a vida de Nina (a colega, que é interpretada por Anna Kendrick).
Por mais que a direção de Daniel Barnz, do também subestimado A Luta por um Ideal (de 2010), seja sensível e muito consciente em sua abordagem – procurando não ser expositiva demais nos planos e, ao mesmo tempo, construindo uma relação muito próxima com a protagonista –, o destaque maior é Aniston. A atriz acaba se entregando ao drama de uma forma tão competente e crua que dificilmente deixará ligação entre Claire e a Rachel da sitcom Friends.
Cake: Uma Razão para Viver merece uma visita de peito aberto, deixando-se levar pela experiência de um filme que está disposto a ser muito recíproco nessa entrega.
Cheio de metáforas e subtextos, Horton e o Mundo dos Quem! Trata da história de um elefante (o Horton) que luta para proteger uma comunidade microscópica que se recusa a acreditar que ele existe.
Deixando muito visível a linha que divide a percepção infantil da adulta – podendo ficar muito clara a aventura com intenção de fazer graça para as crianças e, ao mesmo tempo, as sutilezas interpretativas mais profundas a serem compreendidas –, cada minuto dessa animação baseada em uma obra de Dr. Seuss pode passar sem qualquer esforço.
É uma pena que, em seu ano de lançamento, tenha sido engolido pelo também ótimo Kung Fu Panda e pela obra-prima WALL·E.
Histórias reais, especialmente de desastre, são sempre complicadas de se contar. Se parte do público já sabe o final, o filme nasce sabendo que praticamente tudo que for exibido já terá existido algum tipo de spoiler. A questão então, precisa ser a forma e não para o conteúdo.
O Impossível não só é um filme subestimado como é dirigido por um dos diretores mais subestimados de sua geração. O espanhol J.A. Bayona (de Jurassic World: Reino Ameaçado) impõe profundidade aos seus personagens desde o início, quando fundamenta com planos quase aconchegantes a família protagonista. A ação que se inicia devido ao tsunami é conduzida com uma visão muito próxima, quase sufocante, e o trabalho com o elenco mirim – inclusive com o adolescente Tom Holland – é muito acima da média.
Panos Cosmatos e Casper Kelly, diretores de Mandy: Sede de Vingança, não se perdem em suas referências e transformam tudo ao seu estilo, criando uma espécie de terror exploitation põem. Cheio de referências, o filme ainda remete a outros clássicos do gênero, como Uma Noite Alucinante 2 (de Sam Raimi, 1987), O Massacre da Serra-Elétrica 2 (de Tobe Hooper, 1986), Raça das Trevas (de Barker, 1990) e, especialmente em sua morte final, Sexta-Feira 13, Parte 3 (de Steve Miner, 1982).
Se, no final das contas, trata-se de terror em sua camada mais visível, a verdade é que o filme é um romance dos mais sensíveis. Psicodélico talvez, mas cheio de verdade e de uma competência técnica exuberante. É um clássico-cult instantâneo.
Na história, a vida encantada de um casal é brutalmente destruída por um culto hippie. A partir de então, inicia-se uma onda vingativa surreal de Red (Nicolas Cage) contra adoradores, motoqueiros demoníacos e seu líder Jeremiah (Linus Roache).
Se Hollywood tem tantos filmes com zumbis celebrados (e séries), A Noite Devorou o Mundo é um exemplar que carrega toda a identidade do cinema francês para o subgênero. Com mais respiros do que o normal para um filme de terror, o filme de Dominique Rocher é uma pérola para os amantes dos dois mundos: tem toda a proximidade e linguagem francesa e, ao mesmo tempo, o melhor do terror pós-apocalíptico.
Talvez tenha passado despercebido pela falta de abertura que se tem, aqui, para a comercialização de filmes mais diferentes e sem o apelo comercial hollywoodiano, mas a história de um jovem que acorda após uma festa e encontra Paris invadida por zumbis pode valer muito a pena e merecer ter sobrevida.
Operação Overlord diverte sem ter pretensões de ser grandioso. Perceber essa ausência de pretensão faz com que qualquer arte seja vista com outros olhos. E é esse olhar, justamente, que torna os verdadeiros filmes B (aqueles das décadas de 1930 e 1940) tão cultuados hoje e tão importantes para se entender o cinema em um contexto histórico.
É provável que, em pouco tempo, Operação Overlord seja esquecido (talvez já tenha sido por muita gente), mas ele deixa mais uma sementinha plantada: nem sempre o cinema precisa ter um mundo de conteúdos para ser relevante; nem sempre o cinema precisa ter uma importância social exuberante; nem sempre o cinema precisa ser cabeça, culto e enraizado em conceitos filosóficos. Cinema é arte e, por mais que a arte não tenha a obrigação de entreter, ela pode entreter. Operação Overlord é o cinema (a arte, portanto) em uma pura, divertida e louca procura por entretenimento.
O Quarto do Pânico é um dos filmes menos lembrados de David Fincher e, ao mesmo tempo, um dos que ele trabalha com mais intensidade a relação entre duas personagens… porque ambas estão trancadas em uma espécie de bunker que dá título ao filme. Fincher, então, trabalha com uma precisão cirúrgica na construção e manutenção da tensão, utilizando planos detalhes à la Hitchcock e um ritmo intenso, apesar de extremamente cadenciado. Toda a habilidade do diretor, já demonstrada antes, por exemplo, em Seven: Os Sete Crimes Capitais e Clube da Luta, fica restrita a um ambiente fechado, prestes a implodir.
Para completar, as protagonistas são interpretadas por Jodie Foster e por Kristen Stewart bem no início de carreira e o roteiro é de David Koepp, que deu luz a Missão: Impossível, Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros, Homem-Aranha…
Um filmaço.
Rio Grande não é somente subestimado. É um filme que foi renegado em seu tempo dirigido por um dos maiores diretores da história do cinema (John Ford). Ford, à época, recebeu um obituário artístico pelo filme, sendo taxado de mumificado, preso ao passado.
A verdade é que o filme é um faroeste clássico que finaliza a Trilogia da Cavalaria sem deixar sua força cair e que prova uma questão: Não existe a necessidade de inovação em uma arte se aquilo que você faz é feito com perfeição.
A história acompanha um oficial da cavalaria que deve lidar com um ataque assassino, com seu filho e com sua esposa – de quem ele está separado há muitos anos.
Talvez não seja exatamente subestimado. É um filme cultuado. A questão é que a força com que o cinema atual é imposto acaba ofuscando obras-primas como essa, que ficam taxadas de antigas ou algo do tipo.
Se Meu Apartamento Falasse é a mãe e o pai das comédias românticas, um filme dirigido com todo o talento do lendário Billy Wilder e protagonizado por um dos atores mais incríveis que já passaram pelo mundo: Jack Lemmon.
Na história, um homem que tenta se destacar em sua empresa deixa executivos utilizarem seu apartamento para encontros… o resto só assistindo. Mas, de todo modo, o que vale aqui é como Wilder conduz tudo e não o que acontece. É uma aula de direção.
Esse pode ter passado totalmente despercebido pela maioria. É um filme bem diferente: um musical pop original sobre seis estranhos que ficam presos no metrô de Nova York e, ali mesmo, compartilham suas vidas de maneiras inesperadas.
Para quem gosta de musicais, é dos mais interessantes que surgiram e ficaram no limbo da existência.
Agora, ficam aí os comentários. Foi difícil fazer uma lista tão subjetiva, mas tenho certeza que vocês podem complementar e enriquecer tudo. Vamos conversando, debatendo… E, de repente, aumentando a lista.
Texto originalmente publicado no Canaltech
Em um período que estamos todos necessitando de cuidados especiais contra uma pandemia, é provável que assistir a bons filmes durante o tempo a mais em casa seja uma das melhores saídas. Pensando nisso e partindo primeiramente da Netflix, preparei uma lista com filmes de gêneros variados, mas sem pensar exatamente em uma espécie de melhores filmes do catálogo. A ideia é indicar filmes bacanas para muitos gostos diferentes, tanto para assistir quanto para reassistir.
Sem mais demora e, como sempre, dentro de uma abordagem sem verdades absolutas, vamos à lista de 10 filmes para assistir na Netflix durante a quarentena – a disposição só não é aleatória porque está em ordem alfabética (desconsiderando os artigos).
O cinema argentino tem produzido filmes relevantes ano após ano (desde muito tempo). E, felizmente, não está restrito a Ricardo Darín. O ator, que encabeçou aquele que, para muitos (entre os quais me incluo), é o melhor filme do seu país em muitos anos (O Segredo dos Seus Olhos, de 2009) e é sinônimo de talento e, acima de tudo, competência, parece ter “somente” aberto alas em um novo período para nossos hermanos. Se, em 1986, A História Oficial (1985) já havia recebido um Oscar, foi com a mais fácil difusão das produções (especialmente com o advento da internet e, mais recentemente, dos streamings) que houve uma merecida repercussão e grande reconhecimento público.
O Cidadão Ilustre trata de inspiração e criação como poucos filmes conseguem. De uma sutileza sem tamanho ao tratar o comportamento de um escritor com muito humor, o filme ainda consegue revelar os abismos culturais que cercam nossas vidas… ainda mais em um mundo globalizado. No fim, a maneira como discorre sobre as diferenças entre realidade e ficção é das mais originais do cinema e, se fosse somente esse encerramento, ainda assim mereceria ser visto.
Um Contratempo parece beber de algumas das melhores fontes que retratam crimes perfeitos, como o Alfred Hitchcock e Agatha Christie, além de ter uma evolução progressiva que traz muito dos melhores suspenses de Brian De Palma e uma dinamicidade fácil que se assemelha aos bons textos de Sidney Sheldon.
É um filme construído com muita racionalidade, amarrado com cuidado e tem uma tensão crescente constante. Cheio de reviravoltas, o filme espanhol do diretor Oriol Paulo, conscientemente, engana, reengana e engana novamente. Ele faz o coração do espectador acelerar e, sabiamente, tem uma leve despretensão, no sentido de que precisa que o público deixe de lado o que tem como verdades possíveis e aceite se submeter a uma história construída para entreter.
Como finalizei a crítica sobre o ele: É um filme excepcional, que depende, sim, do grau de aceitação de quem estiver o assistindo. Pode ser, também, um exercício cardíaco bem interessante, porque, aceitando-o, o coração vai acelerar. E vai ser sem piedade.
Se o subgênero filme-de-tubarão sempre merece uma atenção em listas despretensiosas nas questões qualitativas, esse filme tem o direito de ser redescoberto. Nada é muito diferente ou novo, mas são tubarões com os cérebros vitaminados, mais inteligentes e espertos, que antagonizam esse filme de Renny Harlin.
Por mais que Harlin seja um nome pouco conhecido no meio mainstream, já foi festejado por amantes do terror com filmes razoavelmente bem sucedidos como A Hora do Pesadelo 4: O Mestre dos Sonhos (1988) e Condenação do Além (1987). Aqui, o diretor faz com que a história morna e os personagens caricatos – como o herói Carter Blake (Thomas Jane) – sejam contornados por um processo imponente. Tudo é engrandecido: das expressões e reações overs do protagonista ao alívio cômico sem noção do cozinheiro Preacher (LL Cool J).
Do Fundo do Mar é, essencialmente, uma grande sequência de ação, com cenas sem sutilezas estéticas executadas uma após a outra e com todas as situações comuns de filmes do tipo, com criaturas perseguindo as pessoas dentro de um ambiente fechado. Seja Alien, o Oitavo Passageiro (de Ridley Scott, 1979) ou até Tentáculos (de Stephen Sommers, 1998), encontram eco nesse filme curioso.
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Um bilionário forja a própria morte e, a partir de então, torna-se um fantasma para o mundo. Reunindo uma equipe de profissionais tão invisíveis para o sistema quanto ele, parte para a missão de derrubar um ditador em um país ao leste. Esse país fictício, o Turgistão, funciona como uma fusão de países reais que supostamente esperam pela libertação (a salvação americana diluída em uma equipe aparentemente cosmopolita). E não importa o nome do lugar – nem mesmo para algum personagem que não consegue pronunciá-lo –, o que importa é cumprir a missão, a meta.
Em Esquadrão 6, o que menos importa é a política envolvida. A força da linguagem literalmente explosiva de Michael Bay está em conseguir retirar toda a atenção do tema, fazendo do resultado uma espécie de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) para todos – apostando na força estética – e insere a hiperatividade como ferramenta-chave. Assim, uma mãe-figurante com um bebê no colo e dois cachorrinhos ganham mais destaque – claro que para fazer comédia – do que os tantos que poderiam morrer com a ameaça de gás sarin exposta pelo roteiro.
Trata-se de um filme completamente ligado na ação e desligado do planeta (como seu diretor). Pode ser considerado irresponsável por isso, mas se a procura é por entretenimento, explosões, diálogos fáceis e espertos, perseguições e artifícios non sense, Esquadrão 6 pode ser um filme que venha a suprir essas necessidades. Bay assina o que é seu como se estivesse sendo eletrocutado enquanto segura a caneta, mas isso tem sua legitimidade saudável quando se busca algo mais forte do que uma lata de energético ou uma xícara grande de café expresso.
Escrito e dirigido pela jovem italiana de 36 anos de idade Alice Rohrwacher (que já tem na bagagem o Grande Prêmio do Júri em Cannes por As Maravilhas, de 2014), Feliz como Lázaro é um acontecimento em 2018. Longe de causar burburinho ou ser utilizado em alguma campanha de mercado (como o foi o tão recente quanto Caixa de Pássaros – ou Bird Box –, de 2018), o filme é genuinamente puro no seu modo de lidar com o mundo contemporâneo e as bizarras relações de trabalho e escravidão moderna.
Ao mesmo tempo em que parte de um princípio de pureza – da direção de arte ao comportamento do personagem título –, Lazzaro Felice (no original) também é perturbador ao deixar vazar, em suas entrelinhas, o quão desumana pode ser a humanidade, o que é reforçado pelo lirismo de sua mise-en-scène (em uma síntese já bem resumida: tudo aquilo que aparece nas cenas e a forma com a qual cada detalhe é montado e posicionado na intenção de criar uma unidade estilística).
Ainda, a atuação de Adriano Tardiolo (o Lazzaro) exala uma bondade, um desconhecimento de qualquer mal, que as adversidades impostas pelo roteiro são desconcertantes.
Feliz como Lázaro é daqueles filmes para guardar no coração.
Em 2001, o Afeganistão está sob o controle do Talibã. No meio desse contexto, uma jovem determinada se disfarça de menino para sustentar sua família quando seu pai é capturado.
A Ganha-Pão não é somente uma animação dolorosa e assustadoramente real. Ela é daquelas que tocam tão fundo na gente que, por mais de um motivo, pode despertar a nossa empatia – algo tão necessário nos dias de hoje.
Dirigido por Nora Twomey, que havia realizado antes os lindíssimos curtas-metragens From Darkness (de 2002) e Cúilín Dualach (de 2004), a história é, talvez, a que tem a maior possibilidade de fazer chorar desta lista, tamanha a sensibilidade de Twomey e do roteiro da ucraniana Anita Doron (roteirista e diretora do ótimo The Lesser Blessed, de 2012)
Sendo um filme menos badalado do seu diretor – Christopher Nolan (de Dunkirk, 2017) –, O Grande Truque é meio drama e meio ficção científica recheado de mistério. Assim, com esse mistério tomando conta da atmosfera, o suspense ganha contornos bem interessantes. Há uma magia na condução desse filme que Nolan parece ter escondido em boa parte dos seus demais. Toda a sua racionalidade e uma certa pretensa exposição, aqui, jamais deixam o resultado cruzar a linha da frieza. É, sim, tudo muito calculado, mas há uma compaixão que torna as camadas mais intensas. Eu, pessoalmente, gosto de Nolan (com um ou outro questionamento pelo caminho) e tenho O Grande Truque como o filme de sua carreira que mais me toca.
O filme ainda conta com Christian Bale, Hugh Jackman, Scarlett Johansson, Rebecca Hall e Michael Caine e foi indicado a dois Oscars (Melhor Fotografia e Melhor Direção de Arte). E, apesar do elenco, tudo gira em torno do roteiro – como boa parte dos filmes de Nolan. É um trabalho que merece ser visto com atenção.
Além de ter a direção de Bong Joon Ho (de Parasita, 2019), O Hospedeiro já carrega tudo o que o diretor sul-coreano exponenciaria no filme que fez história no Oscar 2020: luta de classes, debates sociais, fusão de gêneros e um roteiro (coescrito pelo próprio Joon Ho) que progride com uma elegância enorme.
É interessante perceber como o público americano e a própria crítica receberam o filme e, ao mesmo tempo, levar em conta que se trata de uma obra sul-coreana – cultura diferente, formas de ver o mundo diferentes, jeitos de agir diferentes e até humor diferente. Assim sendo, pode parecer que o filme desperdiça alguns momentos dramáticos na construção de alívios cômicos, mas a questão é que tudo vai se emaranhando e construindo uma enorme bola de sentimentos.
O Hospedeiro, no final das contas, é uma das redefinições do horror no século XXI e já mostra o diretor enorme que é Joon Ho.
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Eis um filme que foi muito comentado em sua estreia, mas que começou a cair no esquecimento rapidamente. Não por sua qualidade – é o mais premiado desta lista –, mas talvez por misturar dois universos do cinema de gênero: terror e ação… levando tudo a uma esquisitice quântica.
Invasão Zumbi subverte o subgênero dos zumbis, o próprio terror e constrói e quebra em pedaços caricaturas de filmes de ação. E vai muito além: à medida que os zumbis se multiplicam e uma variedade de pessoas comuns os enfrenta, há uma alusão certeira e uma avaliação sobre a insensibilidade corporativa.
É um filmaço que tem poder de adrenalina e que pode chocar com suas quebras de expectativas.
Repleto de diálogos realistas e, ao mesmo tempo, estranhos, Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe é de uma precisão cirúrgica na concepção da relação entre um pai e seus filhos. Muito bem alicerçado nas atuações de Dustin Hoffmann (Harold), Ben Stiller (Matthew) e Adam Sandler (Danny), o diretor e roteirista Noah Baumbach (do oscarizado História de um Casamento, de 2019) fundamenta um filme cheio de humanidade, capaz de causar confusão, felicidade, acessos de raiva… sempre de uma maneira muito genuína e por meio da criação de sintonia entre filme e espectador.
Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe é, também, uma prova dupla: para os fãs e para os não-adeptos da carreira de Adam Sandler. Aqui, eles podem encontrar o ator em uma das suas atuações mais relevantes (ao lado de Reine Sobre Mim, Embriagado de Amor e Joias Brutas), tanto que o ator, merecidamente, foi ovacionado no Festival de Cannes de 2017. Apesar do humor meio amargo do personagem coincidir com muito do que Sandler já fez, há detalhes que o levam muito além: são camadas e mais camadas de um homem que jamais desistiu de ser feliz, mas, mesmo assim, sente-se fracassado.
Provavelmente um dos menos conhecidos da lista, Sing Street: Música e Sonho é uma pequena obra-prima dirigida por John Carney (do já ótimo Mesmo Se Nada Der Certo, 2013). A partir de uma premissa aparentemente genérica, que diz sobre um rapaz que foge de uma conturbada vida familiar ao se tornar integrante de uma banda para impressionar uma moça misteriosa, o filme – escrito também por Carney – constrói conexões tanto dentro do seu próprio desenrolar quanto entre os personagens que parecem refletir em um nível subcutâneo: não arrepia somente, mas faz vibrar.
Tudo tão íntimo, com barreiras sinceras, triunfos satisfatórios e frustrações quase palpáveis que tudo pode ir além da identificação. É a vida em metáforas. São alegorias simples, mas passíveis de interpretações intensas… resta somente estar disponível e aberto para elas.
Eu havia pausado, deixado de lado mesmo, o bônus Adam Sandler em minhas últimas listas. Mas é bom retornar com um filme completamente diferente em sua carreira, dirigido por Benny e Josh Safdie… mesmo que já tenha um Sandler na lista.
A ideia do cinema realizado pelos irmãos Safdie é, por um lado, semelhante à do franco-argentino Gaspar Noé (de Clímax, 2019). Há uma intensa busca pelo sensorial do público, uma procura pela desestabilização proposital deste, que acaba por se sentir engolido por sensações e, de tão imerso, pode absorver o que assiste como se estivesse em um provável efeito alucinógeno. Isso, no caso de Joias Brutas, leva a um prazer de pouco mais de duas horas ou a uma bad trip – claro que tudo totalmente lícito.
Mas as semelhanças entre o que Benny e Josh Safdie fazem e o trabalho de Noé terminam nas questões sensoriais. Isso porque, tanto no filme protagonizado por Adam Sandler quanto nos anteriores da dupla, há uma absoluta inserção da história e dos acontecimentos na construção de um todo muito coeso – frenético sim, talvez nauseante, mas não é somente uma escolha que leva a qualquer sensação, é o conjunto, a união da totalidade.
Joias Brutas, com toda essa agonia, mais parece um quadro único, renascentista, pintado como uma releitura por um artista contemporâneo que decidiu mergulhar as mãos em tinta e pintar socando a tela. É genuíno, raivoso e intenso; é uma mistura das construções de personagens e de naturalidade de um gênio como John Cassavetes e a desordem psíquica recorrente nas obras de Brian De Palma.
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Texto originalmente publicado no Canaltech
Antes de começar a assistir a Prescrição Fatal (disponível na Netflix), o que mais me chamou a atenção foi o título nacional. Isso porque ele mais parece forçar a barra na caça por audiência, afinal, às vezes, é muito mais fácil e chamativo o título indicar algo sério do que ressaltar a eficiência – talvez metafórica – do original. Então, quando terminei de assistir ao quarto e último episódio da minissérie, eu percebi que estava em um dilema, quase um paradoxo: O título brasileiro realmente funciona, mas, na soma do todo, The Pharmacist (O Farmacêutico) faria mais justiça ao material exposto.
Eduardo Coutinho, o maior dos nossos documentaristas, uma vez disse que o documentário chega a se tornar ficção quanto mais se aproxima de realidade. Talvez, por influência dele (de Coutinho), eu tenha percebido Prescrição Fatal por uma esfera um tanto quanto ficcional. Nesse sentido, Dan Schneider, aos poucos, foi se transformando em uma espécie de super-herói… e isso com direito a uma construção de personagem marcada inicialmente por um trauma (como Batman e outros) e por vilões que, mesmo obviamente humanos, são complexos a ponto de terem as maldades embasadas – mas nunca exatamente justificadas.
Se o primeiro episódio funciona, de fato, como a origem de um super-herói – O Farmacêutico –, é também a partir dessa primeira hora que um trauma pessoal, já combatido com uma perseverança sobre-humana, fundamenta a personalidade do protagonista. Sua busca incessante por alguém que possa depor a favor de sua causa, o embate com uma testemunha mentirosa que gera um dos plot twists mais interessantes de toda a minissérie (que tem como antagonista o vilão menor – Jeffery Hall) – e que pode levar a discussões profundas sobre a influência do meio na formação particular e sobre luta de classes –, as ameaças de morte sofridas tanto por ele quanto por aquela que é o seu maior achado…
O vilão menor, Jeffery Hall. (Imagem: Captura de tela/Sihan Felix)
Tudo é construído como se fosse exatamente um monomito (a clássica Jornada do Herói). Dessa forma, a direção de Jenner Furst e Julia Willoughby Nason age como se, em primeiro plano, buscasse por essa base ficcional e, em segunda instância, encaixasse os acontecimentos. Enquanto Bruce Wayne passa a ser o Batman a partir dos seus medos e para causar medo, Dan Schneider deixa de ser um farmacêutico para inteirar-se como O Farmacêutico justamente a partir de sua maior dor, algo que o guiaria por toda a vida – ao menos pela vida exposta nas quatro partes da minissérie.
Essa dor, inclusive, é fundamental para entender o lado mais humano e compassivo do trabalho de Furst e Willoughby Nason. Há um entendimento fundamental aqui ao comparar – no melhor sentido – a dor do herói com a dor de uma comunidade e, mais à frente, de um país. É algo um tanto quanto scorsesiano, como bem lembrado por Bong Joon Ho durante a cerimônia do Oscar 2020: “O que é mais pessoal é mais criativo.”
Prescrição Fatal é, por essa perspectiva, algo que parte do extremo pessoal para abraçar um todo surpreendentemente homogêneo. Isso porque a empatia, por mais que possa estar em desuso, acaba por ser uma faculdade emocional extremamente humana. Mas, sabendo que nem só de empatia vive a humanidade, existe uma crescente carga dramática no documentário que influencia a sensação de que cada espectador foi lesado e que, de algum modo, Schneider é o porta-voz: Ele deixa de ser o homem que buscava justiça em nome do filho para ser um justiceiro que luta por todos… e ele faz isso tudo tentando (e conseguindo) permanecer dentro da lei.
Na luta incessante por justiça, O Farmacêutico ainda vê a onda de opiáceos ser alavancada por uma catástrofe natural (o furacão Katrina), o que reforça a importância de sua existência enquanto homem nada acomodado. Essa onda, por outro lado, que se inicia pela médica Jacqueline Cleggett (a vilã média), desencadeia descobertas que vão do micro ao macro: de Cleggett à indústria farmacêutica (especificamente à Purdue Pharma e ao seu bilionário presidente – Richard Sackler, o vilão mais poderoso); do mal causado a dezenas de pacientes ao vício imposto a quase meio milhão de pessoas.
A vilã média, Jacqueline Cleggett. (Imagem: Captura de tela/Sihan Felix)
O vilão mais poderoso, Richard Sackler. (Imagem: Captura de tela/Sihan Felix)
O vício em OxyContin, aliás, produz uma rima absurda (no melhor sentido) para a finalização de Prescrição Fatal: Se a minissérie é apresentada a partir da dor de uma família por ter perdido um ente querido, ela cresce a ponto de se transformar em um tratado sobre a degradação de uma nação à procura por um analgésico para dores severas. A metáfora está implícita (talvez explícita). O povo, doente, acaba cansado demais para lutar contra a causa da dor, buscando somente que ela (a dor) cesse.
Schneider é aquele que, mesmo dolorido pela morte do filho, acaba por se entregar à luta de buscar caminhos e não somente respostas. Ele não quer modificar o fim; ele quer consertar o meio – e, de repente, reconstruir o início. Tudo rima aqui. O último episódio é consciente ao extremo por esse ponto de vista: Voltando-se para a dor pessoal do protagonista e de sua família, há uma despedida quase melancólica e, ao mesmo tempo, pontualmente otimista. Algo relativo ao Túnel da Esperança que, com toda a realidade traumática do filme (o que não deixa de ser), serve como um respiro. Nada melhor do que finalizar com a mesma crença do herói para que, de alguma maneira, sua força encontre ecos.
Texto originalmente publicado no Canaltech
O herói, Dan Schneider, O Farmacêutico. (Imagem: Captura de tela/Sihan Felix)
As expectativas raramente são benéficas quando se trata de cinema. Sempre há que se deixar levar por uma obra para que ela tenha a oportunidade de provar seu valor. Preconceber julgamentos antes de ter contato real com o objeto pode ser um gesto que desmerece ou enaltece o que, a partir de uma visão neutra, não passaria de merecedor de opiniões medianas, mornas.
O cinema de gênero vem exatamente ao encontro das expectativas, abraçando-as com carinho. Isso porque o funcionamento interno de um filme que venha a se encaixar nessa definição é uma leitura específica do seu gênero. Mantém-se uma estrutura narrativa base, reafirma-se convenções tradicionais e, ao seu modo, cada filme fica livre justamente para subverter o que é preestabelecido para si: eis o surgimento das quebras de expectativas. Tais filmes criam suas próprias galáxias, mas sempre dentro de um universo corajoso, este que enfrenta as expectativas. E mesmo que possam expandir esse universo ao subverter convenções e gestos tradicionais, jamais uma produção de gênero criará o seu próprio cosmo. Um filme de gênero real – raiz – está muito mais preocupado em fazer jus ao seu universo do que posar com alguma arrogância e se dizer mais do que é.
Filmes de terror encaixam-se exatamente em um universo próprio, consolidado. Ao longo dos últimos anos, tais filmes vêm recobrando espaço com competência absoluta. São, enfim, filmes que fazem jus ao pertencimento desse gênero que formam a lista mais abaixo.
E detalhe: existiam muitos outros que poderiam compor a seleção que o Canaltech preparou. A ideia de citar os melhores da nova geração é completamente subjetiva. Pode-se dizer que a tal “nova geração” foi iniciada por Jogos Mortais (de James Wan, 2004); daria para ir ao início do século e pescar a obra-prima Kairo (aka Pulse – de Kiyoshi Kurosawa, 2001) como uma virada para o gênero, mesmo descentralizado do que se está acostumado a assistir por aqui; ou, de repente, pegar Atividade Paranormal (de Oren Peli, 2007) e transformá-lo em um marco devido à opção pelo mockumentary, que remete ao aterrorizante A Bruxa de Blair (de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, 1999).
A opção aqui, porém, foi por Invocação do Mal (de James Wan, 2013), que, querendo ou não, foi o predecessor de uma leva de gênero forte, consciente de si e segura. Além disso, o filme de Wan abriu caminhos para que o terror pudesse ter mais espaço em rodas de discussões e até para a criação, posteriormente, do termo que merece uma matéria à parte: pós-terror – um rótulo preconceituoso dado pelo crítico Steven Rose (do Guardian) para filmes de terror “mais sofisticados”.
Mas, em ordem cronológica crescente e não de qualidade, vamos aos 10 melhores filmes de terror da nova geração.
Invocação do Mal (de James Wan, 2013), além de trazer uma combinação extremamente equilibrada de jump scare e tensão gradativa, tem um final mais do que satisfatório. Se dentro do gênero Hollywood costumava apostar em términos com algum gancho, a direção de James Wan, aqui, prefere dar um fim de fato. Nesse sentido, o sucesso da produção exigiu que a sequência fosse criativa na retomada, algo que, por si só, já coloca o filme como originário de algo que tenderia a crescer.
Sinfonia da Necrópole (de Juliana Rojas, 2014) talvez seja um dos filmes mais subestimados de nossa filmografia recente. O jovem aprendiz de coveiro (interpretado por Eduardo Gomes) parece ser uma alusão à sempre constante briga do bem contra o mal – disfarçados de pessimismo versus otimismo. Isso porque Deodato (Gomes) busca respiro e vida justamente em uma profissão que lida diretamente com os mortos. Juliana Rojas (que escreveu e dirigiu o filme) é habilidosa na condução desse equilíbrio, cedendo dor ao protagonista ao mesmo tempo em que tende a ressuscitá-lo com a vivacidade dos planos e, especialmente, dos inusitados números musicais. Um filme que precisa ser (re)descoberto com urgência.
Alguns dos melhores filmes de terror tornam o medo algo muito próximo de quem os assiste. Robert Eggers causa esse efeito a partir de elementos normalmente confiáveis. Tudo parece dentro de uma normalidade, mas nada está exatamente em seu lugar. Eggers permanece dentro da cabeça dos personagens, examinando-os – algo que voltou a fazer no recente O Farol. Em A Bruxa (2015), a questão do terror é nítida pela proximidade fervorosa que cada figura dramática tem com Deus e com o Diabo. Um estudo sobre a dualidade e, na falta do bom senso, o mergulho em um final inusitado. Para quem não está à procura de sustos e sim de atmosfera, deve ser a melhor pedida da lista. De brinde, ainda ganha a companhia de Black Phillip.
Não se trata de um exemplar Kurosawa tão perturbador quanto Pulse, mas enquanto vai desabrochando suas camadas, Creepy (de Kiyoshi Kurosawa, 2016) aproveita cada detalhe para alimentar um certo pavor. O todo planejado pela direção, inclusive, faz com que mínimos detalhes alimentem o desconforto, como a trilha sonora silenciosa que permite que simples passos sejam escutados como algo ameaçador. Kurosawa ainda permite que o espectador acabe por se sentir socialmente desconfortável e, por essa perspectiva, é dos filmes mais silenciosamente assustadores da lista.
Verônica: Jogo Sobrenatural (de Paco Plaza, 2017) é um terror carregado de suspense que sabe muito bem onde está pisando. Ao contrário de investir em quebras de expectativas, o corroteirista e diretor Paco Plaza (da trilogia iniciada por [REC] – fica a dica), doa-se completamente à construção delas. Há, sem dúvidas, subversões de gênero, mas o filme está mais disposto a construir um horror crescente, sem descanso, típico do cinema espanhol – algo como faz o ótimo Um Contratempo (indicação fora do gênero do terror).
O trabalho cuidadoso e consciente de Plaza edifica bases sólidas para o filme de uma forma única: é um terror, de fato, que traz o sempre revisitado tema da possessão demoníaca, mas é claramente realizado com muito carinho e naturalidade. Pode ser perceptível que, nem tão em segundo plano, Verônica: Jogo Sobrenatural é sobre os “monstros” que despertam durante a adolescência.
Hereditário (de Ari Aster, 2018) é um passeio retorcido pela consciência e também pela inconsciência, construindo uma cadeia sensorial que tem o poder de afetar a quem se deixar imergir (como o é Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, também de Ari Aster). Desse modo, surgem motivos para repulsa, enjoar-se, rir, chorar e temer. Ao mesmo tempo que, para quem é adepto às dezenas de jump scares (aqueles sustos causados pelo som repentinamente forte da trilha sonora) do terror mais genérico e não se deixa levar pela atmosfera proposta, as pouco mais de duas horas podem ser difíceis e cansativas.
E é justamente aí que reside mais um mérito de Hereditário: essa dificuldade de assisti-lo não é à toa. Aster demonstra ter controle total sobre a sua história e sobre o poder que ela tem de causar desconforto. Se houver resistência em assisti-lo, haverá uma inevitável fadiga; se houver entrega, as duas horas parecerão curtas demais e a sensação também será de desconforto – mas um desconforto de quem está resistindo e prestes a experimentar um novo sabor favorito de suco. Por outro lado, é óbvio que Hereditário não se resume a um suco, mas é a questão sensorial, de envolver os cinco sentidos, que se reflete nessa metáfora. É um filme que (in)conscientemente se pode ver, escutar, tocar e sentir cheiro e gosto. Cada um ao seu jeito.
Escrito e dirigido por Leigh Whannel, de O Homem Invisível, Upgrade: Atualização (2018) deve ser, junto a Creepy, um dos filmes menos conhecidos da lista. É engraçado como essa obra de Whannel foi taxada por uma parcela da crítica americana de “estranha” e, por isso, “esquecível”. Talvez seja justamente por ser estranho que o filme precise de uma segunda ou terceira chance.
A verdade é que, aqui, exige-se um desprendimento saudável de qualquer realidade. A ideia é saborear o exagero, a extravagância (como em Mandy: Sede de Vingança – outra dica que poderia estar na lista facilmente). Pode não ser exatamente assustador, mas é uma narrativa homem-contra-tecnologia das mais divertidas. Computadores sádicos, bactérias nanotecnológicas, referências a David Cronenberg na caracterização de armas, lutas que parecem coreografadas por Michael Jackson. É, de fato, um filme a ser redescoberto e entendido dentro do seu próprio universo. Pode não ter a melhor das qualidades, mas, ao mesmo tempo, pode ser sensacional.
Se o caso é unir terror divertido com gore e reflexões político-sociais, nada melhor do A Mata Negra (de Rodrigo Aragão, 2018). Construindo toda a base da história através do folclore nacional, o diretor e roteirista insere elementos dos mais variados, que vão das garrafadas que fazem referência à lenda d’O Diabinho da Garrafa (também conhecida como Famaliá, Diabinho Familiar, Cramulhão, ou Capeta da Garrafa) ao próprio Livro de São Cipriano, que trouxe essa lenda do Famaliá de Portugal para o Brasil.
O ocultismo do Capeta da Garrafa, que envolve um ovo de galinha a ser fecundado pelo próprio demônio, serve como base para toda a trama, desaguando em um terceiro ato que é, além de sanguinolento, de uma consciência para a diversão do público que beira a genialidade. Destaque para a jovem galinha possuída que ataca os rostos dos personagens e parece uma referência (cômica) ao facehugger de Alien, o Oitavo Passageiro (de Ridley Scott, 1979).
Completamente desprezado pela Academia nas indicações para o Oscar 2020, especialmente a atuação de Lupita Nyong’o, Nós (de Jordan Peele, 2019) é construído sob a luz da realidade, e é nessa luz que está o seu maior terror. De qualquer forma, sua camada mais superficial, a da fantasia, é desenhada com um cuidado meticuloso. Essa junção tem força para dar a impressão (pretensiosa e acertada ao mesmo tempo) de que seu criador (Jordan Peele, que também está à frente de Corra! – outro que poderia compor a lista) tenta agradar a gregos e troianos. Mas, afinal, o filme consegue ser sobre nós e sobre “eles”… e é assustador o que está no subterrâneo das entrelinhas: o fato de que, socialmente, sempre há espaço para que sejamos eles e o “nós” sejam outros.
Talvez esteja na lista pelo fato de sua mais do que relevante força atual; talvez esteja por aqui como um aviso de: se puder, corra para assistir no cinema. O Homem Invisível (de Leigh Whannel, 2020) deixa claro que qualquer incapacidade de reação da vítima não precisa e não pode ser uma regra e que o fundamental é a extinção de todo tipo de abusador. No filme, como terror coerente que é, a retaliação vem pintada de vermelho e com a arma do inimigo. É somente uma metáfora sobre a certeza de uma mulher que, mesmo cansada, decide pôr fim ao seu sofrimento: a morte do fantasma – o extermínio do mal – como início de uma nova vida.
Agora, ficam aí os comentários. Foi difícil fazer uma lista tão subjetiva, mas tenho certeza que vocês podem complementar e enriquecer tudo. Ficaram muitos filmes de fora – como o excepcional e carpenteriano Corrente do Mal (de David Robert Mitchell, 2014) –, então vamos conversando, debatendo… de repente, aumentando a lista.
Bons e ruins filmes para nós!
A construção de um universo cinematográfico requer alguns sacrifícios. O maior e mais transparente deles é fazer com que vários filmes consigam, juntos, chegar a uma unidade, mesmo que existam mudanças na cadeira da direção. Nesse sentido, os filmes passam a ser uma obra mais da produção do que da direção. Suprime-se o artista individual para dar voz à individualidade do conjunto. O maior exemplo disso – na história do cinema – é Kevin Feige frente ao Universo Cinematográfico Marvel: por mais que os diretores tenham alguma liberdade, ela precisa ser exercida dentro de um contexto planejado e programado.
A Universal planejava algo parecido. A criação de um universo que interligasse seus monstros, o Dark Universe, parecia certa antes do lançamento do primeiro filme, A Múmia (de Alex Kutzman, 2017). O filme morno e o desempenho nas bilheterias bem abaixo do esperado acabou sabotando a ideia. Mas, talvez, o maior erro tenha sido imaginar que o terror e o suspense, sempre marcados pela genialidade dos seus diretores – Mario Bava, George A. Romero, Alfred Hitchcock, Dario Argento, José Mojica Marins, John Carpenter e, mais recentemente, Kiyoshi Kurosawa, Robert Eggers e Ari Aster (e tantos outros) –, iriam conseguir contornar a individualidade artística e as necessidades individuais de cada história.
O Homem Invisível é, assim, um recomeço, a tentativa da Universal de atualizar seus monstros de forma isolada. Por essa perspectiva, a escolha de Leigh Whannell para a direção é um tanto quanto simbólica, visto que ele é o roteirista e protagonista de Jogos Mortais (2004), filme que deu uma boa revigorada no gênero.
Whannell, que demonstra conhecer tanto o material literário original de H.G. Wells quanto as necessidades atuais – porque o cinema, como arte, pode moldar a sociedade assim como a própria sociedade pode moldar o cinema –, não parte pelo caminho do remake; ele não refaz O Homem Invisível (de James Whale, 1933) ou O Homem sem Sombra (de Paul Verhoeven). Seu trabalho é uma releitura por outra visão: a visão de uma vítima do protagonista. Enquanto os anteriores focam nas questões morais e na ética do personagem-título, a decisão aqui é por seguir Cecilia (Elizabeth Moss) e, pela ótica dela, chegar ao terror.
A abertura é de um simbolismo que, de algum modo, remete ao cinema de Kurosawa (Kiyoshi, não Akira). As ondas que ritmadamente e com violência chocam-se em uma rocha, perto de uma praia, somente introduzem a casa no alto da colina, onde a violência não é regida pelas fases da lua (como as marés), mas é praticada de uma maneira que pode ser muito mais devastadora.
As agressões físicas, aliás, são tratadas pelo roteiro (também de Whannell), como algo menor, o que fica claro em uma conversa em que Cecilia comenta superficialmente (impossibilitada pelo trauma) sobre como Adrian (Oliver Jackson-Cohen) ter batido nela enquanto estiveram juntos ser somente uma pequena parte de tudo.
A fuga de Cecilia. (Imagem: Universal Pictures)
Whannell aproveita (no melhor sentido) cada reflexão de Cecilia para ressaltar a grandeza de Moss. A atriz, que, em outra esfera – nas séries Mad Men e The Handmaid’s Tale –, já viveu algo parecido, é exposta a closes com uma constância fora do normal. Dificilmente, essa abordagem da direção seria tão eficiente com uma protagonista menos competente. O talento de Moss, inclusive, alimenta cada trecho de O Homem Invisível, também devido ao tratamento dado por Whannell, que, ao decidir seguir a visão da protagonista, em nenhum momento permite que o espectador duvide dela.
Dentro dessa lógica, o diretor coloca o público como uma terceira pessoa, como cúmplice dos tormentos passados por Cecilia. Em nenhum momento, ele (Whannell) investe em câmera subjetiva (na primeira pessoa de Cecilia). Embora seja possível, vez ou outra, olhar para onde ela está olhando, nunca a imagem assume os olhos da personagem de Moss. Há um cuidado milimétrico para que tudo o que é mostrado seja através de uma observação externa, que nunca tem espaço para duvidar dela (de Cecilia) ou para concordar com qualquer deficiência ou alteração mental sua.
Nós vemos o que Cecilia vê. (Imagem: Universal Pictures)
É tudo muito consciente na construção do filme. Whannell, que escreveu e dirigiu o recente e pouco comentado Upgrade: Atualização (2018) – terror que merece ser visto como um dos melhores dos últimos anos –, demonstra ter habilidade suficiente para que a unidade de O Homem Invisível esteja totalmente em harmonia. A música de Benjamin Wallfisch (de It: Capítulo Dois e Hellboy), por exemplo, não é nada sutil ao criar a atmosfera de terror. Wallfisch, sob a direção de Whannell, ressalta a presença do invisível com uma força sonora construída à base da repetição de ostinatos – como se ao lembrar que tudo não passa de uma repetição do que acontece na vida real constantemente – e com graves pesados, cordas sintetizadas, que parecem recair sobre os ombros de Cecilia.
Tudo isso para desenhar o poder destruidor do abuso sofrido por mulheres dentro de suas casas. Existem momentos que, de algum modo, fazem algumas facilidades do roteiro para que o filme continue serem notadas, o que, infelizmente, possibilita uma desconexão com o todo – o celular que é deixado com vibração no sótão e é completamente desprezado como prova; a caneta do hospital psiquiátrico que, suja de sangue, é igualmente menosprezada; o sangue no frasco de Diazepam; o policial que é deixado vivo no estacionamento; a gravidez… tudo para que, enfim, seja revelado que o personagem título está muito além de um traje óptico. Qualquer prova colhida com antecedência, no final das contas, reduziria essa produção da Blumhouse em, de repente, 30 minutos.
E é interessante, então, como até isso pode construir um paralelo fundamental para o tema: ainda que existam obviedades no caminho, livrar-se de uma relação abusiva pode não ser fácil. Um espectador como eu, na poltrona do cinema ou em casa, tranquilo (ou nem tanto), assiste a tudo, como dito, como uma terceira pessoa, mas é Cecilia que está sofrendo e só é possível entender a carga de sentimentos e sensações daquela mulher se você já passou por algo parecido. Claro, não com alguém com a capacidade de ficar literalmente invisível, mas com um indivíduo com poderes reais de invisibilizar o outro, devorando-o psicologicamente até restar somente o trauma de pisar na rua; alguém que, de um jeito invisível, vai adentrando em sua mente, devorando quem você foi, é, gostaria de ser… até sobrar somente o cansaço, a incapacidade de reação.
Quem vive tudo em primeira pessoa é Cecilia. (Imagem: Universal Pictures)
No fim, somente a vítima pode reagir e o agressor não irá se incriminar facilmente. O Homem Invisível deixa claro, com seu final que pode gerar alguma leitura controversa, que a dita incapacidade de reação não precisa e não pode ser uma regra e que o fundamental é a extinção de todo tipo de abusador. No filme, como terror coerente que é, a retaliação vem pintada de vermelho e com a arma do inimigo. É somente uma metáfora sobre a certeza de uma mulher que, mesmo cansada, decide pôr fim ao seu sofrimento: a morte do fantasma – o extermínio do mal – como início de uma nova vida.
Texto originalmente publicado no Canaltech
O que são filmes picantes? Seriam aqueles onde o sexo é, se não explícito, fortemente implícito na história? Seriam aqueles mais carnais mesmo, onde o sexo é o motor do roteiro e as imagens fazem o sangue ferver? Para mim, um filme picante é aquele que provoca os sentidos. Alguns deles, por exemplo, nem precisam ter cenas de sexo. Um olhar pode ser muito mais potente do que uma roupa sendo rasgada. Um toque nas mãos pode fazer mais estrago do que qualquer exposição de nudez – gratuita ou não.
Pensando nisso, listar os melhores filmes picantes disponíveis na grade da Netflix foi um trabalho ainda mais subjetivo do que qualquer outra lista. Isso porque é muito claro que aquilo que é picante para uma pessoa pode ser um balde de água gelada em outra… e justamente um balde de água gelada pode ser excitante para uma terceira pessoa. Somos todos muito diferentes e, não sendo a Netflix um streaming pornô, os filmes selecionados são completamente diferentes entre si. Um ou mais deles pode ter cenas mais explícitas, mas não é essa a questão… a intenção fala mais alto aqui.
Há um motivo sempre muito influente quando se tenta elencar filmes dessa forma: a identificação. Quando se trata de desejo, tudo ganha outras proporções, porque mexe com a imaginação… e isso é algo quase sagrado, além de ser, sobretudo, intransferível.
Pensando nisso, a ideia das minhas listas de cinema geralmente é indicar. Sem a menor pretensão de criar algo exato, definitivo ou qualquer coisa do tipo, os filmes citados e brevemente resenhados mais abaixo servem como indicações para quem não os assistiu ou para quem gostaria de reassisti-los. Para mim, é óbvio que, dentro do catálogo da Netflix, podem ser encontrados outros tão bons quanto, mais picantes – que seja –, mas, como dito, isso vai depender de questões subjetivas do imaginário e, claro, do gosto pessoal (até por isso a lista é, apesar de curta, bem diversa).
Sem mais demora e dentro dessa abordagem sem verdades absolutas, vamos à lista dos 10 melhores filmes de fantasia disponíveis na Netflix:
Dando a impressão de estar sempre buscando emular o cinema de Pedro Almodóvar, Kiki: Os Segredos do Desejo é um filme irreverente que conta com um elenco especialmente afiado. Muitos dos momentos mais engraçados chegam a ser ultrajantes (o que é um elogio aqui) e, quando as situações parecem passar do limite, há sempre uma certa empatia procurando envolver o espectador. Não consegue, de fato, copiar Almodóvar (e quem consegue?), mas é um exemplo de um filme picante com muito humor.
A picância desse filme é de uma maneira ampla: Ele enfrenta uma certa repressão sexual existente na Índia e traz quatro histórias íntimas de quatro mulheres diferentes. Todos vão além de uma simples contação, transformando seus objetos em seres humanos extremamente palpáveis. Há sempre um sentimento de compaixão exposto com muita maturidade. Quatro Histórias de Desejo é um filme (ou quatro) sensível e, ao seu modo, muito atraente.
Divertido – muito divertido – e com um conteúdo intensamente político, A Arte de Amar é um filme feminista que não deixa muito espaço para assexuais. A positividade sexual está no foco e ela é, inclusive, um motor instigante de risadas. Um filme que merece ser descoberto ou, pelo menos, muito mais visto no catálogo da Netflix.
A roteirista e diretora brasileira Fernanda Pessoa traz à tona o mundo da pornochanchada, com esse documentário fundamentalmente marcado pela montagem (de Luiz Cruz). Histórias Que Nosso Cinema (Não) Contava revela o lado humano do universo do soft porn brasileiro, misturado a humor e realizado em pleno período de ditadura militar. É interessante e fundamental perceber que o filme não explica absolutamente nada diretamente… porque deixa as imagens falarem por si. E elas (as imagens) conseguem.
Toda a picância de Carol está principalmente nos olhares. Basta perceber as vezes em que a personagem título (interpretada por Cate Blanchett) baixa a guarda com relação à Therese (Rooney Mara) para entender do que um olhar é capaz. Acima de tudo, Carol é um filme comovente, que usa da química entre as personagens para que o simples desejo de andar de mãos dadas em público seja cobiçado pelo espectador.
Agora, ficam aí os comentários. Como sempre, foi difícil fazer uma lista com um material tão subjetivo, mas tenho certeza que vocês podem complementar e enriquecer tudo. Ficaram filmes de fora, então vamos conversando, debatendo… de repente, aumentando a lista.
Texto originalmente publicado no Canaltech
Em 1972, quando Francis Ford Coppola lançou O Poderoso Chefão, o público foi convidado a sentar à mesa de Don Vito Corleone (Marlon Brando), um dos chefes da máfia mais respeitados criados pela literatura de Mario Puzo. Ao mesmo tempo em que aquele filme retrata um personagem tão ameaçador, faz também de suas ameaças algo emocionalmente convincente, admirável. A introdução, que contrasta Don Corleone em seu escritório discutindo os interesses de Bonasera (Salvatore Corsitto) com o casamento de sua filha, revela o equilíbrio do poder e do afeto, da importância da família, e como não é difícil cultuar um criminoso quando passa a se considerar tudo dentro dos seus termos.
Cuidado! Daqui em diante a crítica pode conter spoilers!
O Irlandês (disponível na Netflix), por sua vez, não está interessado na pompa do crime nem muito menos em provocar alguma espécie de reverência do público para com seus personagens – especialmente por Frank Sheeran (Robert De Niro). A direção de Martin Scorsese (de O Lobo de Wall Street, 2013), junto ao roteiro adaptado de Steven Zaillian (de A Lista de Schindler), prefere o lado mórbido de tudo, a parcela mais humana e menos permissiva dos atos. Nesse sentido, o plano-sequência inicial, que pacientemente sinaliza onde Sheeran está – em um abrigo para idosos –, não é somente eficiente para demonstrar a localização daquele homem, mas para contrastar o envolvimento nada solitário de cada hóspede de tal asilo com a solidão do protagonista. Esse contraste é reforçado pelo resgate da canção In the Still of the Night (I’ll Remember) – em tradução livre: Na Calada da Noite (Eu Me Lembrarei) –, de Fred Parris, que, na voz dos Five Santins, canta:
“Na calada da noite,
eu te segurei,
segurei apertado
porque eu te amo
Amo-te tanto…
Prometo que eu nunca
vou deixar você ir
na calada da noite.”
A solidão de Frank Sheeran (Robert De Niro). (Imagem: Captura de tela/Sihan Felix)
Ao passo que uma música que fala de amor de maneira inocente (infelizmente não traduzida pela legendagem) aqui é dura o suficiente para já ceder algumas camadas à personalidade de Sheeran, essa mesma letra provoca uma rima que pode ser de uma eficiência dolorida quando, mais à frente, a personagem de De Niro começa a sair na tal calada da noite e Peggy (sua filha – Lucy Gallina e Anna Paquin) apenas pergunta sobre o seu destino (“Ao trabalho.”, diz ele), sem forças para impedi-lo de sair e muito menos para dizer que o ama.
Scorsese, por sinal, está muito mais interessado em tornar seus criminosos interessantes sem que, para isso, seja necessário fomentar uma aura de deslumbramento. Isso faz com que O Irlandês não seja um filme que evoca o poder e as consequências diretas dele, mas uma ode ao tempo e, sobretudo, um tratado sobre lealdade, amizade e escolhas.
Não que tudo isso seja contornado por linhas retas, afinal há quem diga que a vida é escrita certa em linhas tortas mesmo. Por esse lado, relembrar dos trabalhos cineteológicos de Scorsese é quase como acrescentar interpretações aqui: se A Última Tentação de Cristo (1988) expõe um Jesus frágil e perturbado que reflete como seria sua vida se tivesse a levado de forma comum e Silêncio (2016) expõe a intolerância humana e justamente o silêncio de Deus – que talvez doa no filho (e nos filhos) muito mais do que pregos fincados no corpo e uma coroa de espinhos – O Irlandês pode ser visto como a comunhão dessas experiências.
Isso porque Sheeran – frágil e perturbado – acaba por se perceber sozinho, abandonado, sem a única voz que gostaria de ouvir (a de Peggy), até mesmo quando vai até ela. A resposta dela, de certo ponto ao final da vida é, então, o silêncio. Ainda assim, talvez fique claro que não é o silêncio do desprezo, mas é o de distanciamento por discordar inteiramente dos métodos do seu criador, como alguém que percebe o próprio pai como um deus, mas aquele do Velho Testamento, que prova o amor através da morte e que precisaria ceder seu filho ao mundo para aprender a dar a outra face.
Peggy é esse filho. A cena em que ela pergunta ao pai “Por quê?” (em uma das poucas falas da personagem) é, inclusive, das mais intensas de todo o filme. Paquin dá à pergunta de sua personagem uma força tão destruidora que, naquele momento, Sheeran vai para o inferno. Ele, que não consegue olhar para a filha, fomenta a fragilidade do seu poder. Ela, que não desvia os olhos dele, atesta o poder da dúvida e a força de não concordar com as atitudes do próprio pai, por mais que estas tenham sido a forma que ele, embrutecido, encontrou para dar proteção e demonstrar amor.
“Por quê?” (Imagem: Captura de tela/Sihan Felix)
Scorsese, obviamente, tem papel fundamental nessas questões: enquanto trata Sheeran e Russell Bufalino (Joe Pesci) com planos e contraplanos comuns e, muitas vezes, encaixando-os nos mesmos frames – algo que também faz com Sheeran e Jimmy Hoffa (Al Pacino) –, o tratamento que dá às cenas do protagonista com sua filha separa-os esteticamente de um jeito quase violento. Pela direção de fotografia de Rodrigo Prieto (do citado Silêncio), ora ele à sombra e ela à luz; ora ele de perfil e ela de frontal; ora ele em grande plongée e ela em close… a questão é que o diretor jamais idealiza pessoas tão próximas, mas com tanto entre elas, em união visual. Existe muito mais do que alguns centímetros ou poucos metros entre elas e a escolhas de Scorsese junto à luz de Prieto atestam esse distanciamento.
A visão de Scorsese, por sinal, faz de O Irlandês um contraponto exatamente para O Poderoso Chefão (com a música de Robbie Robertson – de Jimmy Hollywood – evocando a de Nino Rota de vez em quando). Em oposição ao filme de Coppola, o que se vê aqui não é a máfia como algo a ser temido-porém-respeitado, a prosperidade da família (Vito – De Niro no segundo filme) e a decadência da moral (Michael – Al Pacino) exercidas por homens; o que se apresenta é a máfia pela máfia aos olhos do público. No final das contas, Scorsese tem controle total do seu trabalho a ponto de se permitir deixá-lo inteiramente para as interpretações e para o ajuizamento de cada espectador.
Essa sensibilidade fica clara na última cena: construindo imageticamente algo semelhante ao final do filme de 1972 – quando Michael, enfim, assume a função de chefe de família e Coppola exclui Kay (Diane Keaton) ao fechar a porta entreaberta que a permitia ver os homens beijando a mão do então esposo –, Scorsese deixa a sua porta entreaberta a pedido do seu personagem: “Padre? Pode me fazer um favor? Não feche a porta completamente. Não gosto disso. Deixe-a entreaberta.”
Final de O Poderoso Chefão. (Imagem: Paramount Pictures)
Final de O Irlandês. (Imagem: Captura de tela/Sihan Felix)
A partir daí, as diferenças ficam claras: a visão de Scorsese é muito mais um julgamento, é mais dura (sem de modo algum invalidar o trabalho de Coppola). Sheeran – com o natal se aproximando, sozinho e sem ter para onde ir e muito menos com quem ficar – é entregue ao espectador, que o vê por alguns segundos pelo vão da porta entreaberta até que o corte seco para a tela escura traz de volta a mesma música do início.
“Então, antes da luz,
segure-me novamente,
com toda a sua força,
na calada da noite.”
Mas não tem ninguém para segurá-lo.
Resta imaginar se aquele homem se sente culpado pelas suas escolhas ou apenas quer conversar conosco sobre a lealdade que decidiu levar para o túmulo. Ou sobre o quanto o tempo é implacável… o fim, que sempre vence.
O Irlandês é uma obra-prima.
Post publicado originalmente no Canaltech
Se escrever uma lista já é uma tarefa pessoal e quase que totalmente subjetiva, taxar se um filme é superestimado eleva esse sintoma. Há quem diga, por exemplo, que Avatar (de James Cameron) e Gravidade (de Alfonso Cuarón) são superestimados. Para mim, se o primeiro tem um roteiro até certo ponto clichê, a direção de Cameron e o valor técnico da produção minimizam os deslizes, colocando-o como um marco da história do cinema a ser lembrado durante muitas gerações. Enquanto isso, o filme de Cuarón é – novamente para mim – uma obra-prima da ficção científica, um filme sobre renascer e sobre a importância da vida, um trabalho a ser descoberto e redescoberto do diretor de Roma.
Por outro lado, há filmes que não me descem. Seja por terem sido incensados a ponto de ofuscarem verdadeiros monumentos do cinema; seja por ser um trabalho engraçadinho e bem feito, mas de relevância perto de zero; seja por ser uma história até certo ponto bem dirigida, mas conduzida com falta de habilidade o suficiente para desviar a atenção do tema principal; seja por ser bonitinho, mas ordinário – e com força para que sua atriz protagonista seja alavancada até onde nunca deveria ter chegado (ao menos não quando chegou)…
Lembrando que o que é superestimado para mim pode não ser para você; o que é bom para mim, pode ser ruim para você. Não há regras. E a lista não é de filmes ruins, apenas de filmes que alcançaram um status que, em minha visão, estão longe de merecer.
Sem mais demora e dentro dessa abordagem subjetiva, sem verdades absolutas e pessoal, vamos à lista dos cinco filmes mais superestimados da história do cinema:
Começando de leve, com um filme baseado no livro do adulado Nicholas Sparks. Se Diário de uma Paixão tem química de sobra é porque Rachel McAdams e Ryan Gosling funcionam como um dos casais mais sincronizados do cinema. O problema é que o filme é extremamente simplista em sua abordagem sobre a paixão, como se esta fosse uma das únicas engrenagens que precisam funcionar para um relacionamento saudável ser eterno (ao menos enquanto dure). Assim, as personagens de McAdams e Gosling – apesar da química – são tratadas como meros clichês românticos e, para piorar, o filme reforça o estereótipo do homem atraente que recusa o não de uma mulher. Um filme que nasceu socialmente datado, foi alçado a um dos melhores romances já filmados e logo começou a perder para o tempo e para a verdade.
Para não sair dos romances, se existe um filme na década de 1990 que eu, pessoalmente, criei um distanciamento grande e um abuso ainda maior é Shakespeare Apaixonado. Dirigido por John Madden (do tosquíssimo O Capitão Corelli, 2001) como se fosse um episódio prolongado de uma novela, o filme trata do processo de escrita shakespereano com uma profunda necessidade de ressaltar uma jovialidade que parece ter saído da série Malhação (que já vai na 27ª temporada). Ainda levou Gwyneth Paltrow, que é uma boa atriz mesmo tendo expressões de pão murcho nas mãos de Madden, a usurpar o Oscar de Fernanda Montenegro por Central do Brasil (de Walter Salles, 1998) – em uma das maiores injustiças da categoria em toda a história.
Dirigido por Anthony Minghella (de Cold Mountain, 2003), O Paciente Inglês define a assinatura do seu diretor: lentidão sem qualquer benefício sensorial ou estético. Aqui, é como se houvesse uma força que segurasse a história em um limbo e obrigasse o espectador a ficar contemplando a beleza das imagens com Ralph Fiennes e Kristin Scott Thomas como quem contempla paisagens mortas. De quebra, o filme ainda levou o Oscar de 1997 (em nove categorias), desbancando os excelentes Fargo: Uma Comédia de Erros (de Joel Coen e Ethan Coen – este não creditado), O Povo Contra Larry Flint (de Milos Forman), Segredos e Mentiras (de Mike Leigh) e Shine: Brilhante (de Scott Hicks).
Certinho, multipremiado e querido por muitos, O Discurso do Rei é daqueles filmes muito fáceis de engolir. Isso não é ruim. A questão é que a direção de Tom Hopper parece quebrar o filme em vários momentos, mexendo na linguagem com planos que contradizem seus personagens e acabam intercedendo na percepção geral do público. Hopper transforma algo simples e até certo ponto simpático em uma gloriosa grandiosidade desmedida. Felizmente, as atuações de Colin Firth (como o Rei gago George VI) e Geoffrey Rush (como Lionel Logue) são bem atraentes e, no final das contas, pelo menos o todo diverte. Por outro lado – e obviamente em minha opinião – dos 10 concorrentes ao Oscar de 2011, O Discurso do Rei é o único que não conseguiria nem cheirar a estatueta principal, mas ganhou.
O interessante (no mau sentido) de Crash: No Limite é que ele camufla seu recheio de vento com uma atitude complexa de histórias emaranhadas e de cruzamentos inusitados. Toda a complexidade do roteiro é vazia a ponto de o discurso racial como retrato da vida em Los Angeles – que já é raso no texto – ser totalmente abafado pela idealização quase que arrogante da direção de Paul Haggis (que coescreveu o roteiro). Pior: o filme recebeu a estatueta principal do Oscar 2006, vencendo quatro filmes que são para lá de superiores (para mim): O Segredo de Brokeback Mountain (de Ang Lee), Munique (de Steven Spielberg), Capote (de Bennett Miller) e Boa Noite e Boa Sorte (de George Clooney). Uma pataquada inesquecível (ou que é melhor esquecer) da Academia.
Agora, ficam aí os comentários. Foi difícil fazer uma lista tão subjetiva, mas tenho certeza que vocês podem complementar e enriquecer tudo o que está aí. Vamos conversando, debatendo… E, de repente, aumentando a lista.
Definir com exatidão o que é ou não cinema é muito mais uma tarefa dos teóricos do que daqueles que resolvem fazer, de fato, filmes. Da mesma forma, a crítica (e sempre que eu falar dela quero deixar claro que é na que acredito e não em uma verdade absoluta) existe para prolongar a experiência do espectador, ceder ferramentas para pensar e despertar o senso crítico em muitas camadas. Avaliar um filme, dizer se é bom ou ruim, é algo que existe no crítico enquanto ele é, no final das contas, um espectador. E, de fato, o crítico não é mais do que um espectador que, por algum encaminhamento da vida, por escolhas e até por sorte escreve sobre o tema que acredita lhe caber. Assim, para mim, imaginar a profissão de crítico como algo superior já é algo que desmerece o próprio profissional por ele não se enxergar enquanto espectador-que-escreve e, de algum modo, imaginar-se melhor do que aqueles que o lerão.
Nessa perspectiva, uma discussão que vinha sendo fermentada já algum tempo — dado o grau de dominação das salas de cinema pelos filmes de super-heróis — ganhou outros contornos com a declaração de Martin Scorsese sobre as produções da Marvel. O cineasta afirmou que a empresa subsidiária da Disney não faz cinema e que as produções iniciadas por Homem de Ferro (de Jon Favreau, 2008) são parques de diversão. Pode ser saudável respirar fundo e compreender o que levou um dos maiores diretores vivos a fazer uma declaração tão forte e, ao mesmo tempo, tão inconsistente. E não é difícil encontrar motivos.
As produções iniciadas por Homem de Ferro são parques de diversão? (Imagem: Marvel Studios)
Scorsese é um dos sujeitos, em Hollywood, que tem o conhecimento histórico mais vasto. Seus documentários sobre o cinema italiano e sobre o cinema americano são obras-primas necessárias para quem gostaria de entender o cinema desses países (e até do mundo) mais a fundo. A questão é que o fenômeno dos filmes produzidos pela mão controladora da Marvel parte do princípio do entretenimento. Por já estarem alicerçadas como arte — visto que o cinema é irrevogavelmente uma —, as produções se dão ao direito de, historicamente, darem um passo atrás. Isso porque o cinema, que ainda é muito recente, passou por duas etapas muito específicas antes de chegar ao status quo de arte: ciência — com Thomas Edison, William Kennedy Dickson, os irmãos Lumière, Louis Le Prince (e quem mais trabalhou nesse aspecto) — e entretenimento — com Alice Guy Blaché, Georges Méliès e tantos outros.
Mas isso não quer dizer que é um passo atrás inválido e nem que para ser arte o cinema tenha deixado de ser ciência e entretenimento. As esferas se misturam e podem se harmonizar. Nesse contexto, a segunda declaração de Scorsese, ao dizer que, na verdade, os filmes da Marvel são “uma nova forma de arte” me parece mais respeitosa e, talvez, ainda equivocada, visto que o que acontece, na opinião do crítico que aqui escreve, é o dito passo atrás histórico (não-qualitativo) aliado a algo muito mais profundo do que essa pontinha do iceberg tende a revelar.
Com o mundo sedento por atividades que façam o dia parecer mais leve, o cinema acabou por se encaminhar para ser uma válvula de escape. Isso não é de hoje. Quando os faroestes surgiram em peso, carregando um público considerável para os cinemas, a ideia era de que filmes, encabeçados por lendas como Sergio Leone, faziam um cinema menor ou um trabalho que não valorizava a arte a favor de uma distração superficial.
Por uns Dólares a Mais, de Sergio Leone, é (ou era) um cinema menor? (Imagem: Fox Films)
A história, por mais que os filmes de super-herói (aqueles produzidos pela Marvel no caso específico) não possam ser comparados aos faroestes de Leone, John Ford, Sam Peckinpah e companhia, vai se repetindo. E a questão da comparação não pode ser concebida por um detalhe: se os diretores citados tinham suas assinaturas bem claras, os filmes da Marvel têm o carimbo da empresa… e nisso está a Fórmula Marvel: uma forma segura de sedimentar as produções, de larga escala e que, no final das contas, possuam uma unidade estilística clara e que possam ser vistas dentro de um universo único sem muitos problemas.
Quando algum diretor, dentro dessa fórmula, consegue aplicar algo seu, diferente, ou o filme é mais elogiado do que de costume ou é tido como um erro de percurso — dificilmente havendo espaço para comentários mornos —, o que é bem claro em Thor: Ragnarok (de Taika Waititi, 2017). Esse, talvez, seja o exemplo mais explícito da incompatibilidade entre questões autorais e a pasteurização promovida pela empresa comandada por Kevin Feige. Já o trabalho dos irmãos Russo (Anthony e Joe) geralmente são vistos como os melhores do Universo Cinematográfico Marvel (UCM): Capitão América 2: O Soldado Invernal, Capitão América: Guerra Civil, Vingadores: Guerra Infinita e Vingadores: Ultimato. Esses podem ser considerados bons filmes por uma maioria, mas isso se dá porque os diretores conseguem se entender com a fórmula e, de alguma maneira, estabelecer uma comunhão com a pretensão de Feige.
Chris Hemsworth em Thor: Ragnarok (Imagem: Marvel Studios)
Nada disso, ainda, é uma nova forma de arte. Os filmes do UCM são cinema e, por mais que tenham como prioridade o entretenimento, não são desmerecedores de serem o que são. E, no mesmo dito mundo onde a procura por diversão é uma necessidade até de saúde mental, esse ponto acaba por ser bem sensível: no momento em que o público alcançado é absurdamente mais elevado do que o de uma obra-prima contemporânea (em minha opinião – reitero) como A Árvore dos Frutos Selvagens (de Nuri Bilge Ceylan, 2018), filmes como Pantera Negra (de Ryan Coogler, 2018), por mais que estejam dentro desse espectro formulaico, dão voz e representação a minorias de uma maneira global que somente um blockbuster poderia fazer.
Mas Scorsese não foi tão insensato quanto seu colega Francis Ford Coppola. O diretor que, para mim, tem umas das décadas mais perfeitas da história do cinema (a de 1970, com as duas primeiras partes de O Poderoso Chefão, A Conversação e Apocalipse Now – 1972, 1974, 1974, 1979 respectivamente), desconsiderou toda a relevância social de sua própria arte ao afirmar que os filmes do UCM são desprezíveis. Do alto dos seus vinhedos, Coppola demonstrou não enxergar a força que tem uma criança negra de periferia se ver representada por um super-herói (escrevi sobre isso ao comentar sobre Os Guerreiros da Rua e o cinema como ferramenta social) ou uma mulher percebendo-se poderosa, após anos de submissão, com a Capitã Marvel (de Anna Boden e Ryan Fleck, 2019).
Brie Larson em Capitã Marvel (Imagem: Marvel Studios)
Em meio a tudo isso existe o fato claro do domínio das salas de cinema pelos filmes de super-herói e é nisso que reside o maior problema. Quando não há a chance de o público assistir a um filme como o citado A Árvore dos Frutos Selvagens; quando o espectador não tem uma mínima intimidade com questões autorais por falta de oportunidade… dificilmente haverá abertura para algo além do próprio domínio. É verdade que a facilidade para se encontrar todos os tipos de obras é muito maior do que na época dos faroestes de Ford — a internet esconde maravilhas —, mas também é factível que o peso dessa mesma facilidade, a força de ser soterrado pela mídia, pelo marketing duro e incessante e pela construção social da necessidade de assistir àquilo que todos assistem e comentam são os maiores formadores de opinião da nossa geração.
Em resumo, o cinema tem sofrido do mesmo que sofre a educação: a falta de um pensamento a longo prazo. E está tudo interligado. Porque pensar o futuro não dá lucro. Tolher uma sociedade a ponto de torná-la substancialmente mecânica, subjugando humanidades e o pensamento crítico é um problema estrutural. Está tudo tão emaranhado que não é culpa de uma decadência (inexistente) do cinema ou da Marvel o domínio dos filmes de super-herói e, ao mesmo tempo, Feige e companhia são cúmplices dessa estrutura esmagadora.
Gênios também falam besteiras, mas comentários como os de Scorsese e Coppola são pensamentos deles enquanto espectadores; são revelações de gostos pessoais formados por mentes individuais que jamais devem representar verdades absolutas (como minhas palavras também não representam). No meio disso tudo, é interessante como um expoente do cinema francês, da nouvelle vague — e também da crítica —, pode ser mais sensato. François Truffaut, em seu livro O Prazer dos Olhos: Escritos sobre Cinema, diz:
“Discute-se muito a propósito do que deve ser conteúdo de um filme: devemos nos ater ao divertimento ou informar o público sobre os grandes problemas sociais do momento? Fujo dessas discussões como o diabo da cruz. Acho que todas as individualidades devem se exprimir e que todos os filmes são úteis, sejam formalistas, barrocos ou engajados, trágicos ou ligeiros, modernos ou obsoletos, em cores ou em preto e branco, em 35mm ou em super-8, com estrelas ou desconhecidos, ambiciosos ou modestos…”
No final das contas, falta muita oportunidade para o contato com o cinema em sua totalidade. Falta espaço para o autoral — e os streamings têm sanado isso de algum modo. É o cinema se transformando sem deixar de ser cinema; é ciência sempre (Projeto Gemini – de Ang Lee, 2019 –, por exemplo, pode ser visto mais como ciência do que como outra coisa), é entretenimento também e é arte. Cinema é tudo isso e não deixa de ser a máquina de sonhos de Méliès.
Texto publicado originalmente no Canaltech
Em outra lista, escrevi: As expectativas raramente são benéficas quando se trata de cinema. Há, sempre, a necessidade se deixar levar por uma obra para que ela tenha a oportunidade de provar o seu valor. Preconceber julgamentos antes de ter contato real com o objeto pode ser um gesto que venha a desmerecer ou enaltecer o que, a partir de uma visão neutra, não passaria de merecedor de opiniões medianas, mornas.
Quando se trata de dramas, tudo ganha mais contornos. Isso porque um dos ganchos mais utilizados no cinema é a identificação – algo pensando já na escrita do roteiro. Se há o desejo de que o filme toque o público, é quase imprescindível que haja algum reconhecimento próprio no que se assiste. Não há, nesse sentido, imparcialidade. Todos temos histórias de vidas diferentes, particularidades intransferíveis… e tudo o que nos constrói acaba moldando essa assimilação.
É verdade que, para um julgamento crítico, é interessante que se faça o possível para que gostos pessoais não maculem o todo, mas jamais se pode deixar de lado o que se é. Se nos abrirmos para uma completa neutralidade, podemos nos tornar um tanto quanto robóticos e, no final das contas, acabamos criando a noção errada de que cinema – como arte que é – pode ser algo exato, quando, na verdade, é bem subjetivo.
Ao fazer uma lista, estamos invocando tanto aspectos objetivos e concretos (como a qualidade técnica, a competência da equipe) quanto os subjetivos (quem somos e o porquê de tais filmes serem marcantes em nós mesmos). E o drama tem uma carga enorme, visto que é, na prática, o gênero que mais diretamente reflete a vida como ela é – sempre tão dramática.
Ainda assim, para fazer a lista que exponho abaixo, procurei não ir aos filmes mais óbvios. A ideia foi trazer indicações que possam acrescentar. Então, dentro do catálogo da Netflix, podem ser encontrados outros tão bons quanto ou até objetivamente e particularmente melhores (como Um Sonho de Liberdade, O Pianista, A Lista de Schindler, Réquiem para um Sonho, Roma… e tantos outros). Isso só depende da observação individual de cada um de nós. Nada, aqui, tem a pretensão de ser uma verdade absoluta.
Dentro dessa abordagem, vamos à lista dos 5 melhores filmes de drama disponíveis na Netflix:
Desde sua idealização, Com Amor, Van Gogh é um filme inovador. Há quem diga que o roteiro é superficial e que o filme se vale da técnica – sendo, frame a frame, todo pintado a óleo. E pode ser verdade. Mas, simultaneamente, pode ser um dos maiores acertos. Isso porque me parece bastante complexo estar absorto na técnica de animação escolhida aqui e, ao mesmo tempo, conseguir se prender a qualquer história muito complexa.
Nesse sentido, a investigação de como se deu a morte de Van Gogh passa a ser um segundo plano. Pode ser um exagero (provavelmente é), mas como Fantasia o fez em 1940, trazendo a música como matéria-prima, aqui se trata da pintura muito mais do que da história contada. É um filme para apreciar a técnica, os traços, as pinceladas… com um roteiro que, se não fosse esses aparatos, poderia ser completamente descartável e banal.
Acima de tudo, ganha a história do cinema, ganha cada espectador apreciador de arte ao redor do planeta e ganha, com certeza, os amantes de Van Gogh.
Com a ajuda de um companheiro sobrevivente de Auschwitz e uma carta manuscrita, um homem idoso e machucado pela idade sai em busca da pessoa que ele acredita ser responsável pela morte de sua família… para se vingar com as próprias mãos.
Protagonizado pela lenda Christopher Plummer (entre tantos papéis memoráveis, é quem dá a voz a Charles Muntz em Up: Altas Aventuras na versão americana), Memórias Secretas é daqueles filmes que podem bater bem fundo na gente. Com o suspense bem construído pelo diretor egípcio Atom Egoyam (de À Procura, 2014), o filme toca em elementos fundamentais da existência humana – como a dúvida – e rebate nas únicas certezas sobre a vida: todos iremos morrer e, se tivermos sorte, envelhecer antes disso.
Indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2015, Memórias Secretas ainda conta com o fantástico ator alemão Bruno Ganz (o Hitler de A Queda! As Últimas Horas de Hitler) e contorna todo o drama do protagonista com uma intrincada ação com pitadas de thriller.
Um pai dedicado a criar seus seis filhos com uma rigorosa educação é forçado a deixar seu paraíso – nas florestas do estado de Washington, nos EUA – e entrar no mundo dito civilizado, desafiando a ideia do que significa ser… pai.
Premiado ao redor do planeta, Capitão Fantástico traz reflexões sociais e religiosas de maneira muito aberta. Não é um filme que pretende abraçar a todos, podendo trazer algum desconforto em seus questionamentos para parte dos espectadores, mas, mesmo assim, talvez seja um tanto quanto impossível não estar acessível à sua qualidade geral. Permitir-se tocar pelo roteiro de Matt Ross (que também dirigiu o filme) e pelo seu conteúdo (às vezes bem ácido) é um caminho quase sem volta.
As atuações, por sinal – especialmente a de Viggo Mortensen (o Aragorn da trilogia O Senhor dos Anéis) – são um espetáculo à parte. E uma das mensagens que ficam é a da necessidade do amor, sendo o ódio relegado a uma função coadjuvante e totalmente antagônica.
Há dramas biográficos fantásticos na Netflix. Há dramas com um poder de identificação enorme para muitos e de alcance público imenso (como o recente O Menino que Descobriu o Vento). Há outros que, apesar de terem sido relativamente bem badalados, acabaram caindo a um segundo plano. Não nas malhas do esquecimento, mas foram apenas deixados um pouco de lado. Frida, então, está nesse segundo grupo e talvez seja uma injustiça enorme.
Dirigido pela fantástica Julie Taymor (que dirigiria ainda, no mínimo, mais um escanteado – o belíssimo Across the Universe), Frida é muito mais do que uma cinebiografia, é uma lição de vida, de amor, de fúria, de força. A história de uma mulher que canalizou a sua dor em seu trabalho e se transformou em um ícone. É a visão de uma mulher sofrida, mas livre e consciente através do olhar de uma diretora de muita competência.
Além disso, conta com uma atuação hipnótica de Salma Hayek (do recente Dupla Explosiva) que, por si só, vale cada minuto do filme.
Em 2001, o Afeganistão está sob o controle do Talibã. No meio desse contexto, uma jovem determinada se disfarça de menino para sustentar sua família quando seu pai é capturado.
A Ganha-Pão não é somente uma animação dolorosa e assustadoramente real. Ela é daquelas que tocam tão fundo na gente que, por mais de um motivo, podem despertar a nossa empatia – algo tão necessário nos dias de hoje.
Dirigido pela diretora Nora Twomey, que havia realizado antes os lindíssimos curtas-metragens From Darkness (de 2002) e Cúilín Dualach (de 2004), e com Angelina Jolie como produtora executiva, a história é, talvez, a que tem a maior possibilidade de fazer chorar dessa lista, tamanha a sensibilidade de Twomey e do roteiro da ucraniana Anita Doron (roteirista e diretora do ótimo The Lesser Blessed, de 2012)
Repleto de diálogos realistas e, ao mesmo tempo, estranhos, Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe é de uma precisão cirúrgica na concepção da relação entre um pai e seus filhos. Muito bem alicerçado nas atuações de Dustin Hoffmann (Harold), Ben Stiller (Matthew) e Adam Sandler (Danny), o diretor e roteirista Noah Baumbach (indicado ao Oscar pelo roteiro de A Lula e a Baleia, em 2006) fundamenta um filme cheio de humanidade, capaz de causar confusão, felicidade, acessos de raiva… sempre de uma maneira muito genuína e por meio da criação de sintonia entre filme e espectador.
Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe é, também, uma prova dupla: para os fãs e para os não-adeptos da carreira de Adam Sandler. Aqui, eles podem encontrar o ator em uma das suas atuações mais relevantes (ao lado de Reine Sobre Mim e Embriagado de Amor), tanto que o ator, merecidamente, foi ovacionado no Festival de Cannes. Apesar do humor meio amargo do personagem coincidir com muito do que Sandler já fez, há detalhes que o levam muito além, são camadas e mais camadas de um homem que jamais desistiu de ser feliz, mas, mesmo assim, sente-se fracassado.
ps: É a segunda vez que esse mesmo filme se encaixa no bônus Adam Sandler.
Devido ao grande número de dramas de altíssima qualidade no catálogo atual da Netflix, talvez seja injusto eu listar algumas menções honrosas de fato. Sendo assim, farei as menções a seguir em tom de indicação, do mesmo modo que fiz a lista principal:
1. Frances Ha:
Porque é dirigido lindamente por um dos diretores do momento (ele novamente – Noam Baumbach), é protagonizado por Greta Gerwig e é uma história sobre entrar de cabeça nos nossos sonhos.
2. Julieta:
Poderia ser, somente, porque é um Almodóvar, mas, para não cair em qualquer espécie de argumento de autoridade, é das histórias mais sensíveis (sem deixar de ser filmada com humor) do diretor e roteirista espanhol.
3. La Bamba:
Porque “para bailar La Bamba se necessita una poca de gracia”. É uma história biográfica de ascensão bombástica e queda trágica que merece ser conhecida.
4. Amor Além da Vida:
Porque o romantismo não pode morrer, porque tem abertura para questionamentos religiosos pouco comentados no cinema hollywoodiano (sendo a doutrina espírita o foco), porque é sensível, porque tem uma interação entre homem e arte lindíssima; e porque… Robin Williams.
5. Cinema, Aspirinas e Urubus:
Porque, além de ser um filme dos mais bem conceituados do cinema nacional no século XXI, coescrito pelo recém-premiado em Cannes Karim Aïnouz (por A Vida Invisível de Eurídice Gusmão), uma sinopse oficial (a que está no IMDb) diz (em tradução livre): “Um road movie sobre um alemão que foi para o Nordeste do Brasil em 1942 para vender aspirina.”
Ficam, então, as indicações e o espaço dos comentários para acréscimos e tudo o que desejarem. Sem dúvida, como sempre ao fazer uma lista, foi dolorido, mas tenho certeza que vocês conseguirão complementar e enriquecer tudo o que está aí.
Texto originalmente publicado no Canaltech
O mais difícil quando o caminho da imparcialidade é escolhido e traçado por tanto tempo é se deparar com algo que é genuinamente bom por um lado e dolorosamente ruim por outro. Como pesar um contraste tão divisor? Se um filme é tão consciente do que é, com indícios de que sabe de sua completa falta de profundidade, qual seria o melhor caminho?
Cuidado! Daqui em diante a crítica pode conter spoilers!
A verdade é que a história de Projeto Gemini, que levou mais de 20 anos para encontrar a melhor forma de ser trabalhada para o cinema, parece entregue a um tom que apela para uma cafonice típica dos clichês de ação mais rasos e com um prólogo tão extenso e vazio que se salva somente pelo magnetismo do protagonista e pela utilização da tecnologia promovida por Ang Lee (de As Aventuras de Pi, 2012). Como se não bastasse, essa mesma introdução – que dura por quase toda a primeira hora de filme – ganha contornos ainda mais bregas, como a lamentação de Henry Brogan (Smith) ao dizer que não consegue se olhar no espelho e a interação mezzo romântica entre ele e Danny (a sempre carismática Mary Elizabeth Winstead).
“O casal mezzo romântico.” (Imagem: Paramount Pictures)
Obviamente, essa questão de se ver passa a ser central no filme a partir do aparecimento de Junior (o Smith mais novo), mas nada se aprofunda nesse sentido. O roteiro de David Benioff (de X-Men Origens: Wolverine), Billy Ray (de Operação Overlord) e Darren Lemke (de Goosebumps: Monstros e Arrepios), inclusive, pode dar a impressão de se acreditar denso demais com suas incursões melodramáticas que forçam uma carga emotiva praticamente inexistente. Parece que nada fecha: as situações, os diálogos e as reviravoltas tão previsíveis. O discurso paternal de Clay Verris (Clive Owen), por exemplo, assim como toda a situação que o envolve, pode ser capaz de causar vergonha alheia até no espectador mais resistente – tanto que sua morte rápida em nada é sentida.
Em contrapartida, Projeto Gemini dá a entender que existe mais para o propósito da inovação visual do que para uma imersão de melhor qualidade narrativa. Nesse ponto, a competência de Lee como diretor é fundamental, dada a influência da tecnologia na dita imersão. Isso porque existe uma busca incessante por fluidez, seja ela durante uma mudança comum de planos e ou de ângulos ou na dissolução da própria linguagem do cinema. Neste último caso, podem ficar muito claras – muito mais para gamers – que a base das incursões na ação e, especialmente, nas aparições em primeira pessoa são os jogos que buscam a realidade como aliada.
Nesse aspecto, a primeira aparição de Junior pode ser tão intensa quanto estranha. Enquanto a tecnologia inovadora consegue conceber um Will Smith muito mais novo e com aparência real, a ação, ao procurar justamente a realidade, esbarra numa estética de game. E há uma explicação: mesmo que Lee tenha realizado o filme em 120 frames por segundo e em 4K – ou seja: para o olho humano captar 120 quadros estáticos por segundo e ter a ilusão de movimento mais ágil –, o cinema tem convencionado como padrão os 24 frames por segundo ––; já em um game, o padrão tem sido o de 60 fps, que é a taxa exata em que Projeto Gemini consegue ter exibição em algumas salas de cinema no Brasil.
Há, de fato, cenas tão bem realizadas que são quase sufocantes de tão intensas. Uma delas se dá na finalização da dita apresentação de Junior, com uma perseguição de motos que flui entre a tentativa de realidade e uma caracterização mais digital – e não por isso menos empolgante. A utilização da moto como prolongamento do próprio corpo durante uma luta é das peripécias mais interessantes do filme e pode ser até utilizada como paralelo metalinguístico: a máquina à frente do homem.
“A máquina à frente do homem.” (Imagem: Paramount Pictures)
Aliás, por mais que Projeto Gemini seja, óbvio, o trabalho de uma equipe humana, falta tanta alma a tudo que é visto que os feitos mais bonitos da tecnologia utilizada por Lee podem passar despercebidos. A direção de fotografia de Dion Beeb (de O Retorno de Mary Poppins), que é um dos profissionais do cinema mais engajados na estética digital, é de uma precisão assustadora ao aproximar o que é visto da forma de o olho humano enxergar no dia a dia. Ao reproduzir as imagens com uma profundidade de campo muito mais verídica, Beeb faz com que a atenção do espectador – mesmo direcionada a alguém ou a algo – consiga perceber detalhes no entorno. Junto a isso, a gama de cores parece mais ampla e a iluminação que experimenta o alto alcance dinâmico (o famigerado HDR) com muita competência faz tudo ficar mais texturizado e, por isso, real.
O problema, afinal, é que não há tecnologia que supere uma boa história – não por enquanto. A incursão desenfreada do cinema na busca por imersão e interatividade tem ido por caminhos onde os games já passaram ou já estão (vide Black Mirror: Bandersnatch). Ao mesmo tempo, a busca pela realidade nos games tem levado estes a uma estética bem cinematográfica. Não dá para saber ao certo se existirá um momento onde ambas as artes acabarão se tornando uma só para alguns nichos. De fato, a mistura entre cinema e jogos pode ser bem interessante, mas pode ser ainda bem perigoso fundamentar um no outro: porque o cinema – focando no que me diz respeito – ainda necessita de sua aparência de sonho.
“Não há tecnologia que supere uma boa história.” (Imagem: Paramount Pictures)
Projeto Gemini pode vir a ser um divisor de águas e, por isso, causar algum desconforto ao ser pensado no presente. Como Lee, responsável por filmes tão narrativamente intensos, embarcou nessa história? Talvez o futuro responda e, enfim, esse filme em questão possa ceder ao seu diretor um adjetivo tão mal usado ultimamente, mas que caberia bem a depender do tempo: visionário.
Texto originalmente publicado no Canaltech
Em 2013, Breaking Bad chegava ao fim após cinco temporadas. O episódio Felina findava uma série que, se antes já era considerada uma das melhores produções para televisão já realizadas, acabava com tudo concretizado. Ali a produção criada e guiada por Vince Gilligan entrava, para muitos, no grupo de outros marcos para TV, como The Sopranos e The Wire.
É interessante perceber como a tensão e o drama, mantidos até as cenas finais, não se apegam às resoluções de pontas. Por que resolver algo que pode ficar em aberto como conclusão? Por outro lado, com o lançamento de El Camino: A Breaking Bad Film, isso dá margem para reviver questões que ficaram lá em 2013. Será que o filme irá expandir a criação de Gilligan como fez (e faz) tão bem a série derivada Better Call Saul? Como estarão as pontas soltas? Será que vão resolver ou elas permanecerão no imaginário?
Cuidado! Daqui em diante o texto pode conter spoilers de Breaking Bad!
Pelos trailers de El Camino: A Breaking Bad Film, dá para entender que teremos a resposta desse primeiro ponto. Até porque é óbvio que Jesse (Aaron Paul) não poderia retornar para uma vida comum. Procurado e provavelmente com um famigerado vídeo feito por Hank sob posse da D.E.A. (a Administração de Repressão às Drogas), o parceiro de Walter White (Bryan Cranston) deve ainda estar fugindo e tentando sobreviver de alguma forma. Se ele permanece no mesmo ramo… é possível. It’s science, bitch!
“O que aconteceu com Jesse?” (Imagem: Netflix)
A última vez em que Skyler (Anna Gunn) é vista na série é quando Walter confessa seus piores crimes a ela. Cedendo as localizações de corpos com o intuito de livrar a esposa de ser processada – caso ela aproveite as informações da melhor forma –, Walter (ou seria Heisenberg?) parece ceder um testamento. E isso dá margem para que o desenrolar de Skyler possa ganhar um desenvolvimento no filme.
“Como ficou Skyler?” (Imagem: AMC)
A irmã de Skyler, Marie (Betsy Brandt), tem um telefonema como sua cena final na série. Ela, assustada, avisa à irmã sobre o retorno de Walter à cidade. Mas ele, já na cozinha com a esposa, cede margem para que Marie deduza que o envolvimento de Skyler em toda a trama esteja muito além da inocência. Dado o papel de Heisenberg no desfecho de Hank (o esposo de Marie interpretado por Dean Norris), o relacionamento entre as irmãs pode ter ficado muito abalado (no mínimo). É mais tempero dramático e de tensão para El Camino: A Breaking Bad Film.
“Marie em sua cena final na série.” (Imagem: AMC)
Jack (Michael Bowen), o tio neonazista de Todd (Jesse Plemons), roubou um bocado do dinheiro de Walter com sua gangue. Com Jack sendo apagado por Walter antes de revelar o paradeiro do valor, é possível que Jesse esteja voltando para resgatar esse dinheiro… o que o faria ir atrás de pistas até encontrar el camino.
“Onde está todo o dinheiro de Walter?” (Imagem: AMC)
A última cena de Breaking Bad parece deixar bem claro que Walter e Heisenberg estão ali, sem vida, onde tudo começou: em um laboratório. É o encerramento mais digno para um personagem tão controverso, um anti-herói (ou herói e vilão ao mesmo tempo) tão icônico. Ainda assim, os olhos sem vida e a hemorragia podem não ter sido um fim. Existe a possibilidade remota da chegada de paramédicos e, com isso, a manutenção da vida da personagem de Cranston.
Nesse sentido, dá para ir além. Caso ele esteja vivo, estaria fazendo experiências científicas em uma prisão especial? Teria conseguido fugir e retomado a parceria com Jesse para um último trabalho (que pode ser o do ponto anterior – resgatar todo o dinheiro)?
Outra indicação da existência dessa possibilidade remota é o trailer divulgado recentemente (este mais abaixo). No final, escuta-se a voz de alguém perguntando para Jesse: Are you ready? (Você está pronto?). A voz, mesmo permanecendo incógnita, tem um timbre muito parecido com o de Cranston. Então… será que veremos Heisenberg de volta à ativa uma última vez?
Essas são algumas das questões que El Camino: A Breaking Bad Film pode responder (ou não). A verdade é que Breaking Bad ficou no imaginário de muita gente e conquistou fãs tanto pela sua qualidade de roteiro e sua proximidade à linguagem de cinema quanto pela sua facilidade de segurar a atenção.
Tudo poderia ter sido finalizado ali, em 2013, mas, mesmo que esse retorno escancare o sentido comercial dada a popularidade da série, é possível que o trailer esteja muito certo quando diz que o filme não se trata somente de uma obra isolada, trata-se de um evento, capaz de reunir fãs, conquistar novos adeptos e, de quebra, fazer um trabalho de excelência ser revisitado.
Aguardemos para descobrir se essa estreia responderá questões (sem ter a obrigação disso), desenvolverá outro caminho (um mais independente – o que deve ser difícil) e, acima de tudo, se fará jus a uma das melhores produções televisivas da história. É uma posição bem delicada, mas, como é escrita e dirigida pelo próprio Gilligan, dá para plantar uma sementinha de confiança.
Texto originalmente publicado no Canaltech
Cuidado! Esta crítica contém spoilers sobre Coringa!
No início de Coringa, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) está se maquiando enquanto o áudio de notícias sobre crimes toma conta daquela apresentação. Em close, a personagem de Phoenix esboça um sorriso forçado e segura com os dedos os músculos do rosto, alargando uma expressão de felicidade. Na sequência, ao mesmo tempo em que solta o sorriso e retorna ao seu sentimento de deslocamento do mundo, ele deixa rolar uma lágrima, que desce enlameada pela maquiagem.
“Arthur Fleck está se maquiando enquanto o áudio de notícias sobre crimes toma conta daquela apresentação.” (Imagem: Warner Bros.)
Esse ponto, que talvez não dure nem dois minutos, estabelece uma relação já muito íntima entre a brutalidade do mundo (por meio do áudio) e a crueldade de uma condição particular que é invisibilizada pelo todo (por meio do visual do próprio protagonista), chegando ao ponto de, mais à frente, Arthur afirmar sobre o quanto a sociedade espera que as pessoas com alguma deficiência ajam como se não as tivessem. É uma abertura que não somente apresenta o personagem, mas sintetiza a essência de sua existência; é tudo aquilo que o transformará em um ser inteiro. Ou melhor: tudo aquilo no qual ele já foi transformado sendo exposto sem que ele mesmo ainda saiba. É o ovo da serpente sendo rompido de fora para dentro.
A partir de então, o roteiro de Todd Phillips (de Cães de Guerra) e Scott Silver (de O Vencedor) inicia uma exploração mais didática (no melhor sentido da palavra) sobre o rompimento da casca desse ovo. Isso é tão bem explorado que, simultaneamente, existe a possibilidade de sentir empatia por um homem claramente com problemas (como revelado na dita abertura) quando ele é espancado por um grupo de adolescentes e perceber que há também o obstáculo de segurar esse sentimento pelo simples fato de saber que se trata, afinal de contas, de um vilão.
Nasce a primeira discussão extrafilme: Quem é aquele vilão? Claro que é o Coringa, o arqui-inimigo do Batman, alguém que já marca presença no imaginário popular. Mas quem é aquela pessoa de fato? A sensação maniqueísta de julgamento raso é esfacelada pelo texto com uma facilidade desconcertante. Por outro lado, é na direção do próprio Phillips que Coringa encontra com ainda mais propriedade sua veia dramática: Ao tratar um sujeito mentalmente doente com intimidade (são closes e mais closes extraindo o que há de mais particular das emoções de Arthur), o diretor também constrói uma relação de distanciamento pessoal ao conceber tantos planos em contra-plongée (filmados de baixo para cima). Essa relação confere uma proximidade quase que caótica, colocando o aparentemente frágil personagem em uma posição de superioridade.
Em contra-plongée, colocando o aparentemente frágil personagem em uma posição de superioridade.” (Imagem: Warner Bros.)
Se esse tipo de construção pode inserir um distanciamento afetivo entre público e protagonista – como se aquele homem estivesse acima da verdade, muito além da altura dos olhos –, o todo é consciente em não deixar que essa distância elimine a identificação. Ao fazer com que o primeiro espancamento sofrido por Arthur aconteça em meio ao lixo e conferir, dessa forma, uma aparente lamentação sobre a maldade para com aquele palhaço triste (um clichê clássico e bem explorado), ele (Arthur) também é entregue à metáfora dos ratos gigantes que assolam Gotham. A direção de arte de Laura Ballinger (de O Rei do Show) é precisa ao unir o roteiro e a visão estética da direção, mantendo a dubiedade sem enterrar a empatia e sem engrandecer ou justificar as ações do vilão.
Claro que é uma construção subjetiva. E é justamente na subjetividade que Coringa cresce ainda mais. Por essa perspectiva, todo o visual é de muita elegância, produzindo metáforas certeiras sem a necessidade de pegar na mão do espectador e indicar o caminho ou ceder explicações. Há um respeito quase que religioso ao fato de que a experiência de assistir a um filme é pessoal.
Nesse sentido, Phillips idealiza as escadarias como figuras dramáticas de ascensão e queda: se a um momento Arthur comete seus primeiros assassinatos e, logo em seguida, foge subindo uma dessas escadarias, é em sua descoberta – em sua autorrevelação – como quem ele é (ou em quem ele foi transformado) que ele finalmente desce. E não é uma descida qualquer: ele dança em um slow motion épico, com direito a poças de água sendo pisadas com prazer, sem medo de ser feliz; com a edição de Jeff Groth (também de Cães de Guerra) aproveitando o ritmo com um prazer claro e hipnotizante; com a composição musical da islandesa Hildur Guðnadóttir marcando esse nascimento e, pela primeira vez, soltando-se em melodia e harmonia. Enfim, o ovo da serpente está aberto e ele (o Coringa), ao fim de todo o tom épico, foge (novamente), mas descendo, correndo de uma dupla de policiais em uma quebra de expectativa que, novamente, aterra qualquer heroísmo.
É possível, ainda em se tratando das escadarias, fazer um paralelo com Rocky: Um Lutador (de John G. Avildsen, 1976). Isso porque, enquanto o triunfo de se libertar em si mesmo do Coringa é revelado na descida – em uma subjetiva decadência moral e social –, Rocky, em uma de suas cenas mais icônicas, sobe a escadaria do Museu de Arte da Filadélfia e se encontra livre e pronto para ser, definitivamente, quem ele é. As comparações técnicas são tão antagônicas quanto: em oposição à claridade aberta, à liberdade visual e à iluminação aparentemente natural do filme protagonizado por Sylvester Stallone, Coringa expõe essa manifestação em um lugar onde a luz em último plano contorna o personagem título – graças à direção de fotografia minuciosa de Lawrence Sher (outro parceiro de Phillips em Cães de Guerra) – e que é ladeado por paredes (em um aprisionamento).
A luz em último plano contorna o personagem título” (Imagem: Warner Bros.)
Permanecendo nessa análise de opostos, o Coringa de Phillips é moldado para a violência a partir de sua aparente aversão à esta, o que é demonstrado especialmente quando, ao atirar pela primeira vez em sua casa, Arthur assusta-se e, desesperado, aumenta o volume da televisão para esconder o que aconteceu de Penny (então sua mãe, interpretada por Frances Conroy). Do outro lado da cidade, o pequeno Bruce acabaria, mais tarde e de acordo com a mitologia do próprio herói, desenvolvendo um medo de morcegos. Se de um lado Arthur entenderia que aliar-se ao seu próprio medo é a ferramenta ideal para começar a rastejar para fora do ovo, do outro a fobia dá à luz o Batman.
É verdade que há questões que podem causar preocupação e elas dizem respeito a aspectos do macro. Há dois pontos-chaves que explicitam isso: o primeiro é a utilização transparente de um transtorno mental como origem de um personagem essencialmente violento e, aliada a isso – ou principalmente –, a fundamentação de toda a transformação ser mais por meio de bases psiquiátricas, quase que subestimando os próprios caminhos sociais já cedidos pelo filme. Essa forma de expressar a força que uma mente doente pode exercer na formação de alguém é clara em uma conversa de Arthur com a psiquiatra do Asilo Arkham (vivida por April Grace), quando seu decrescente controle é associado à falta de remédios por cortes do Governo. Esse declínio do seu equilíbrio acaba por ser associado à descoberta de um autoconhecimento erguido pelo afastamento da medicina, o que é uma conclusão complicada dada a crescente alteração da sociedade extrafilme por meio dos mais variados problemas mentais.
O segundo ponto parte de uma premissa de Platão: “Tente mover o mundo – o primeiro passo será mover a si mesmo.” É fato que, para existir um início de uma revolução, há de existir um agente revolucionário. Há vários exemplos históricos – inclusive religiosos. Por outro lado, a sugestão em Coringa de que o caos é instalado por meio de uma atitude caótica pode ser um tanto quanto precipitada, dado o momento em que o mundo necessita de mais e mais pacíficos e ajuizados diálogos.
Não que o filme legitime quaisquer atitudes. Cinema é arte e, como tal, existe também como provocação, como meio para se pensar. Para outro filósofo grego, Aristóteles, “a arte imita a vida”. O problema é que, em um mundo necessitado de juízo e de consciência, o risco do contrário, de a vida imitar a arte, pode existir (ao menos minimamente). O movimento que Phillips dá com seu Coringa é incisivo: move-se e, a partir disso, passa a aguardar o mover-se do mundo. Um filme, quando chega ao cinema, deixa de ser do diretor, da produção ou dos membros da equipe e passa a ser do público. Cada cabeça uma sentença… e, apesar de não ter qualquer obrigação de uniformizar sua arte a ponto de evitar interpretações que corroborem com o caos e incentivem a ele, há de se ter alguma responsabilidade – sobretudo por se tratar de uma origem particular que não pode ser vista como representação do todo (o que precisa estar sempre claro).
Em meio às margens para essas questões, Coringa pode, sem dúvida, ser lido como o Taxi Driver: Motorista de Táxi (de Martin Scorsese, 1976) de sua época. Arthur Fleck e Travis Bickle (Robert De Niro no filme de Scorsese) são homens maltratados pelo meio e socialmente marginalizados. Esse paralelo só é desmedido quanto ao tratamento de trauma de guerra e crítica à Guerra do Vietnã, o que transforma Travis e aquele filme da década de 1970 – que, inclusive, perdeu o Oscar para Rocky: Um Lutador – em uma crítica mais clara a um todo de sua época.
Essa relação de voz particular e voz do todo é nítida quando, ao ser entrevistado por Murray Franklin (o mesmo De Niro), Arthur (já apresentado como Coringa) compreende como certo – em sua mente já descontrolada (equilibrada para ele) – atirar no apresentador. O fato, que em muito lembra a velocidade e naturalidade que a morte sempre encontra em outro filme de Scorsese, Os Infiltrados (de 2006), dá respaldo à condição de vilão do personagem, mas sempre em uma forma individual – nesse caso, de vingança ou, minimizando, de revide.
Murray Franklin antes de entrevistar o Coringa. (Imagem: Warner Bros.)
Se as ações intimistas conseguem alcançar grandeza e ir além do já ótimo trabalho da direção é por causa do trabalho de Phoenix. O ator, como sempre transparecendo uma entrega sobre-humana, cede tantas camadas quanto poderiam ser possíveis. Sua risada efetivamente doentia transgrede qualquer sensação de humor. Há, nas gargalhadas, uma dor tão implícita e uma vergonha tão poderosa que uma sensação de nervosismo pode desconcertar o público. Aliás, ver a atuação de Phoenix em Coringa é de causar uma angústia quase dolorosa: sua boca sorrindo ao mesmo tempo em que os olhos só passam tristeza, suas danças expansivas aliadas à sua personalidade inicialmente introspectiva… é tudo tão poderoso – com a direção de Phillips e a edição de Groth sabendo disso – que cada cena parece estendida ao seu máximo, como para aproveitar cada expressão, gesto e decisão criativa do ator, sem jamais perder o ritmo.
Quando, próximo ao fim, o Coringa percebe-se finalmente idolatrado por uma multidão, existe ali uma consciência de um artista que, finalmente, encontrou o seu lugar no mundo. E um artista que recebe reconhecimento dificilmente se desvia para outro caminho. O palhaço passa a comandar o circo. A Caixa de Pandora – grega como Platão e Aristóteles – está aberta e todos os males estão libertos. A esperança, que mitologicamente fica trancafiada, até então é muito nova para o combate. Mas ela nasce ali, com a morte de Thomas e Martha Wayne. O fim da origem do vilão é o princípio do nascimento do herói.
Coringa, enfim, é cinema que raramente se vê. Pretensioso, mas com todas as pretensões atendidas; provocativo, mas sem mastigar as provocações; de um poder visual único; de uma estrutura absolutamente hipnótica; e, até mesmo com suas perigosas decisões causando discussões que podem e devem ir para muito além do fim dos créditos, o filme deve marcar uma nova era em seu próprio subgênero. A partir daqui, não se trata de ser um bom ou excelente filme ou um entretenimento satisfatório; a necessidade passa a ser de poder narrativo, de linguagem e de relevância artística. É questão de sorrir com uma lágrima enlameada pela maquiagem ou pela vida descendo. É presenciar uma obra que tem o poder de transformar pelo conteúdo e pela forma.
Texto originalmente publicado no Canaltech
Listar as melhores comédias românticas do cinema é tão pretensioso quanto compor qualquer lista individual. Resumir às melhores disponíveis em uma provedora de streaming (como o é a Netflix) ajuda, mas ainda assim é uma ambição que nunca vai ter um final 100% feliz. E há um motivo especialmente influente quando se tentar elencar filmes dessa forma: a identificação. Quando se trata de romances, tudo ganha outras proporções e isso se torna muito mais pessoal e, às vezes, intransferível.
Pensando nisso, a ideia das minhas listas de cinema geralmente é indicar. Sem a menor pretensão de criar uma lista exata, definitiva ou qualquer coisa do tipo, os filmes citados e brevemente resenhados mais abaixo servem como indicações para quem não os assistiu ou para quem gostaria de reassisti-los. Para mim, é óbvio que, dentro do catálogo da Netflix, podem ser encontrados outros tão bons quanto, mas, como dito, isso vai depender de questões subjetivas como a identificação.
Sem mais demora e dentro dessa abordagem sem verdades absolutas, vamos à lista dos 10 melhores filmes de comédia romântica disponíveis na Netflix:
Incensado na Austrália, premiado em festivais, pela crítica e muito bem-visto pelo público local, O Casamento de Ali é um filme tão leve quanto efetivo ao tratar o amor justamente como algo muito particular e pessoal. O roteiro, de quebra, passeia por questões ligadas à cultura australiana de um modo tão corajoso e verdadeiro que torna o filme muito mais contundente para além das suas quase duas horas de duração. Tendo as tradições muçulmanas como pano de fundo, é uma comédia que atinge bem a vida real, especialmente as questões de intolerância religiosa. Aqui, a identificação, para boa parte do público, pode ser instantânea.
Outro multipremiado, Amor a Toda Prova é um filme fundamental dentro do gênero (ou subgênero) por um motivo bem particular: O roteiro de Dan Fogelman (da animação Enrolados) está muito mais preocupado com seus personagens do que com a própria história em si. Essa atenção dada a cada um do quarteto principal (estelar, formado por Julianne Moore, Steve Carell, Emma Stone e Ryan Gosling) permite que o espectador possa testar sentimentos reais e faz tudo ir muito além da função de comédia. Alguns dos sentimentos que surgem, inclusive, podem surpreender e ecoar por algum tempo após os créditos finais.
Tudo aqui é tão divertido e, ao mesmo tempo, verdadeiro que o sentimentalismo quase no limite do desfecho parece natural após tanta tensão (sim) e humor afiado. Na verdade, Questão de Tempo poderia se encaixar em um subgênero do subgênero (sem qualquer ideia pejorativa): seria uma tragicomédia romântica. E é interessante perceber o quanto a direção e especialmente o roteiro de Richard Curtis faz do filme uma crítica necessária ao machismo na personagem de Domhnall Gleeson (o Tim), resultando em um filme onde a justaposição de felicidade e dor, doce e amargo, é chave de um resultado passível de muitos debates.
Talvez, esse seja o filme com o coração mais no lugar certo da lista. O envolvimento com os personagens se dá de forma tão gradativa e natural que não é difícil se imaginar tendo algum tipo de amizade com Patrick e Katarina (Heath Ledger e Julia Stiles respectivamente). A trilha sonora (especialmente a utilização das canções) de Richard Gibbs é inventiva a ponto de soar tão espontânea quanto a dupla protagonista. Por mais que seja possível, em algum momento, perceber que Patrick e Katarina estão sendo manipulados pela história (e isso tenha alguma força para derrubar o encanto), 10 Coisas que Eu Odeio em Você é um filme praticamente indispensável para quem gosta de uma comédia romântica (adolescente ou não).
Provavelmente um dos menos conhecidos da lista, Sing Street: Música e Sonho é uma pequena obra-prima dirigida por John Carney (do já ótimo Mesmo Se Nada Der Certo, 2013). A partir de uma premissa aparentemente genérica, que diz sobre um rapaz que foge de uma conturbada vida familiar ao se tornar integrante de uma banda para impressionar uma moça misteriosa, o filme – escrito também por Carney –, constrói conexões tanto dentro do seu próprio desenrolar quanto entre os personagens que parecem refletir em um nível subcutâneo: não arrepia somente, mas faz vibrar. E é tudo tão íntimo, com barreiras sinceras, triunfos satisfatórios e frustrações quase palpáveis que tudo pode ir além da identificação. É a vida em metáforas. São alegorias simples, mas passíveis de interpretações intensas… resta somente estar disponível e aberto para elas.
A falta de direcionamento proposital em um roteiro, que cede um grau de espontaneidade especialmente crível é, talvez, o maior mérito do texto de Laura Terruso (de Fits and Starts) e Michael Showalter (de O Encalhado). Dirigido pela própria Terruso, Doris, Redescobrindo o Amor estuda não somente a personagem título (interpretada por Sally Field), mas uma situação que preconceituosamente é raramente exposta na vida real: o amor de uma mulher mais velha por alguém jovem. O horror social, aqui, é tratado com uma leveza linda de se apreciar e, simultaneamente, dolorosa para se refletir. E tudo se mostra ainda mais forte a partir da atuação tão comovente de Field.
Indicado ao Oscar de Melhor Atriz – para Diane Keaton – o filme escrito e dirigido por Nancy Meyers (do excelente O Amor Não Tira Férias, 2006) é bem rimado com o anterior (Doris, Redescobrindo o Amor) na questão do amor entre pessoas com idades tão distantes. Além de Keaton, o Alguém tem que Ceder conta também com Jack Nicholson, Keanu Reeves, Frances McDormand, Amanda Peet e Jon Favreau. Mas a verdade é que Keaton e Nicholson trazem tanta experiência e são de um humor tão natural que suas personagens funcionam de uma forma quase que inesperada pelo roteiro. Não que o texto de Meyers seja ruim – longe disso –, mas a impressão é que o filme ganha muito mais camadas a partir de uma dupla com tanta química e tanta cumplicidade.
Para muitos, um filme bobo ou até chato mesmo. Mas vejo uma ligação muito próxima com uma das melhores comédias românticas já realizadas: Feitiço de Tempo (de Harold Ramis, 1993). É verdade que não existe em Como se Fosse a Primeira Vez a profundidade do filme de Ramis – estrelado pelo impagável Bill Murray e Andie MacDowell –, mas há um quê de inocência e de romantismo que difere da maioria dos filmes que traziam Sandler como protagonista à época – com exceção do excepcional Embriagado de Amor (de Paul Thomas Anderson, 2002). Tanto que, na sequência, o ator emendaria Espanglês (de James L. Brooks, 2004), outro bom filme dessa sua leva romântica.
Como se Fosse a Primeira Vez revela um olhar mais intimamente passional de Sandler. Existem outras verdades por trás de cada interação sua com a personagem de Drew Barrymore (a Lucy) que, além de terem força para tornar o filme interessante, fazem com que tudo possa ser agradável e positivamente inofensivo.
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É isso. Poderiam ser muitos… caberiam alguns títulos a mais, de repente, substituindo os que citei. Na prática, é impossível listar cinco ou 10 filmes de maneira unânime. Como dito na introdução, comédias – especialmente as românticas – batem de uma maneira muito pessoal na gente. Resta a subjetividade de cada um para compor a própria lista.
Agora, ficam aí os comentários para que vocês complementem e enriqueçam tudo. Vamos fazendo uma corrente de indicações! Nada melhor do que compartilhar.
Texto originalmente publicado no Canaltech
Um mantra que repito: As expectativas raramente são benéficas quando se trata de cinema. Há, sempre, a necessidade se deixar levar por uma obra para que ela tenha a oportunidade de provar o seu valor. Preconceber julgamentos antes de ter contato real com o objeto pode ser um gesto que venha a desmerecer ou enaltecer o que, a partir de uma visão neutra, não passaria de merecedor de opiniões medianas, mornas.
É verdade que, para um julgamento crítico, é interessante que se faça o possível para que gostos pessoais não maculem o todo, mas jamais se pode deixar de lado o que se é. Se nos abrirmos para uma completa neutralidade, podemos nos tornar um tanto quanto robóticos e, no final das contas, acabamos criando a noção errada de que cinema – como arte que é – pode ser algo exato, quando, na verdade, é bem subjetivo.
Ainda assim, como sempre, para fazer a lista que exponho mais abaixo, procurei não ir aos filmes mais óbvios. A ideia foi trazer indicações que possam acrescentar. Então, dentro do catálogo da Netflix, podem ser encontrados outros tão bons quanto ou até objetivamente (se for possível de algum jeito) e particularmente melhores. Deixei de fora, inclusive, alguns bem aclamados por crítica e público e que estariam em uma lista minha mais clichê, como O Sexto Sentido, Garota Exemplar, Zodíaco… e outros.
Desse modo, garimpei à procura de produções que pudessem servir de indicações para quem gosta de suspense. Assisti aos filmes pensando em como transformar a lista desse que é um dos gêneros mais icônicos do cinema, que tem Hitchcock como mestre, em algo útil, que possa valer, de repente, para expandir o repertório de vocês de alguma forma.
Pensando nisso, vamos à lista dos 5 melhores filmes de suspense disponíveis na Netflix:
Para fãs de suspense, o final pode parecer um tanto quanto previsível. Mas The Fury of a Patient Man se difere dos demais da lista por não alicerçar o seu suspense em reviravoltas. O que o diretor espanhol estreante Raúl Arévalo guia é um roteiro (escrito por ele mesmo e pelo também debutante David Pulido) que jamais julga seus personagens. É uma história que, por si só, é uma grande personagem. Na verdade, ela (a história) é a vilã, é uma marcha inevitável e destrutiva.
Vencedor do Prêmio Goya de 2017 em quatro categorias – Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante (para Manolo Solo, o Santi no filme), Melhor estreia na Direção e Melhor Roteiro original – Tarde para la ira (o título espanhol) é, provavelmente, o ponto mais fora da curva da lista. Não por permanecer entre gêneros ou se encaixar em outros, mas por não se tratar de algo clássico ou fechado e acabar por ser um recorte, um conto aberto… em direção ao tormento.
Quando Yoo-seok (Mu-Yeol Kim) retorna sem memória dos 19 dias que passou sequestrado, ele está transformado em um homem diferente. Então, Jin-seok (Ha-Neul Kang), seu irmão, decide perseguir a verdade por trás do sequestro.
Contornado por um suspense mais racional do que emocional (como boa parte dos filmes coreanos), Rastros de um Sequestro é um filme que pode deixar o espectador atônito. Se a execução talvez não seja tão acertada, as reviravoltas do roteiro são de se engasgar (cuidado) e o conceito – a estrutura do filme em si – é genial.
Eis um filme que fica no limiar entre gêneros (equilibrando-se entre o drama e o suspense).
Memórias Secretas conta a história de um homem idoso e machucado pela idade que, com a ajuda de um companheiro sobrevivente de Auschwitz e uma carta manuscrita, sai em busca da pessoa que ele acredita ser responsável pela morte de sua família. Seu desejo: vingar-se com as próprias mãos.
Protagonizado pela lenda Christopher Plummer (entre tantos papéis memoráveis, é quem dá a voz a Charles Muntz em Up: Altas Aventuras na versão americana), Memórias Secretas é daqueles filmes que podem bater bem fundo na gente. Com o suspense bem construído pelo diretor egípcio Atom Egoyam (de À Procura, 2014), o filme toca em elementos fundamentais da existência humana – como a dúvida – e rebate nas únicas certezas sobre a vida: todos iremos morrer e, se tivermos sorte, envelhecer antes disso.
Indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2015, Memórias Secretas ainda conta com o fantástico ator alemão Bruno Ganz (o Hitler de A Queda! As Últimas Horas de Hitler) e contorna todo o drama do protagonista com uma intrincada ação e um final arrebatador.
Um Contratempo parece beber de algumas das melhores fontes que retratam crimes perfeitos, como o próprio Hitchcock e Agatha Christie, além de ter uma evolução progressiva que traz muito dos melhores suspenses de Brian De Palma e uma dinamicidade fácil que se assemelha aos bons textos de Sidney Sheldon.
A verdade é que Um Contratempo é construído com muita racionalidade, amarrado com cuidado e tem uma tensão crescente constante. Cheio de reviravoltas, o filme espanhol do diretor Oriol Paulo, conscientemente, engana, reengana e engana novamente. Ele faz o coração do espectador acelerar e, sabiamente, tem uma leve despretensão, no sentido de que precisa que o público deixe de lado o que tem como verdades possíveis e aceite se submeter a uma história construída para entreter.
Como finalizei a crítica sobre o ele: É um filme excepcional, que depende, sim, do grau de aceitação de quem estiver o assistindo. Pode ser, também, um exercício cardíaco bem interessante, porque, aceitando-o, o coração vai acelerar. E vai ser sem piedade.
Eu não iria colocar esse filme na lista. Em parte, por ser, talvez, mais conhecido que os demais e, também, por não se encaixar exatamente como suspense. Sendo um filme menos badalado do seu diretor – Christopher Nolan (de Dunkirk, 2017) –, O Grande Truque é um meio drama e meio ficção científica recheado de mistério. Assim, com esse mistério tomando conta da atmosfera, o suspense ganha contornos bem interessantes.
Há uma magia na condução desse filme que Nolan parece ter escondido em boa parte dos seus demais. Toda a sua racionalidade e uma certa pretensa exposição, aqui, jamais deixa o resultado cruzar a linha da frieza. É, sim, tudo muito calculado, mas há uma compaixão que torna as camadas mais intensas. Eu, pessoalmente, gosto muito de Nolan (com um ou outro questionamento pelo caminho) e tenho O Grande Truque como o filme de sua carreira que mais me toca.
Infelizmente, não consegui encaixar Adam Sandler na lista. Até tentei, como o fiz na lista de terror, com a animação Hotel Transilvânia (na qual ele dubla o Drácula), mas senti que para suspense seria muita forçação de barra. Se alguém quiser indicar esse bônus nos comentários, fique à vontade por favor!
Mas… vai um extra bem interessante:
Baseado em obra de Stephen King e premiado em festivais de terror, especialmente pela atuação de Carla Gugino (a Olivia Crain da ótima série A Maldição da Residência Hill – nova dica), esse filme dirigido por Mike Flanagan (de Hush – A Morte Ouve – outra dica) acompanha Jessie e sua tentativa de apimentar seu casamento em uma casa remota (uma convenção do gênero). Inesperadamente, seu marido morre e ela, algemada ao estrado da cama, inicia uma luta para sobreviver.
No limite entre gêneros – tanto que está em minha lista de terror –, Jogo Perigoso é criativo o suficiente para fazer o espectador mais empático não desgrudar os olhos da personagem de Gugino e torcer para que toda a situação passada por ela chegue ao fim.
Talvez seja injusto eu listar algumas menções honrosas de fato, já que não acredito em verdades objetivas ou absolutas quando se fala de cinema. Sendo assim, farei as menções a seguir em tom de indicação, do mesmo modo que fiz a lista principal:
Porque trata de um homem demitido, desesperado, caçando um serial killer… e porque coreanos são excepcionais em criar suspenses.
Porque pode ser, de alguma maneira, muito inquietante em sua invasão de privacidade.
Porque é o típico filme de cronômetro: ou você faz em um tempo predeterminado ou você morre… no caso, explode.
Porque, além de ser escrito pelo Oriol Paulo (do e Um Contratempo), pode deixar o espectador tonto com a possibilidade de suspeitar de tudo e de todos.
Porque, além de ser mais uma confrontação com um serial killer, em alguns pontos lembra a obra-prima O Silêncio dos Inocentes (de Jonathan Demme,), especialmente por trazer uma inspetora que lida com seus próprios fantasmas como contraponto.
Porque, apesar de ter sido bem comercializado e muitos conhecerem, é um filme de tubarão… e tubarões sempre merecem estar em listas de suspense ou de terror.
Ficam, então, as indicações e o espaço dos comentários para acréscimos e tudo o que desejarem. Sem dúvida, como sempre ao fazer uma lista, foi dolorido, mas tenho certeza que vocês conseguirão complementar e enriquecer tudo o que está aí.
Texto originalmente publicado no Canaltech
Tanto para dizer que acabo por não dizer. Falta organização, logo para quem sempre soube (ou acha que soube) transformar tudo em versos, em textos.
Enquanto digo que me falta organização mental para escrever, estou aqui, escrevendo. E repetindo palavras, atestando que, apesar da contradição, falta-me organização.
Não há espaço para mais. Enquanto ainda me empenho, o mundo parece ruir despretensiosamente. Ruir como se desconstruísse a si em planos incongruentes: um fora e um dentro. O primeiro de fora para dentro e o segundo de dentro para fora. O primeiro é fagulha, uma chama que se constrói a partir do calor do sol e da secura em palha seca; o segundo é traiçoeiro, silencioso, quilotons e quilotons de represália inertes que anseiam por um encontro com o primeiro (a fagulha) para explodir.
Isso é uma união de opostos que resulta no nascimento de uma filha indesejada, uma que precisava de um aborto antes de eclodir: a depressão. Se, independentemente de qualquer fator, um filho será sempre um filho, inclusive aqueles que o são somente por serem frutos do mesmo sangue, quando ela (a depressão) nasce é isto: mesmo grau de proximidade, mesma afetação. A diferença está no sentido e no sentimento.
Enquanto, normalmente, há amor direcionado a um filho de carne e osso, o que há direcionado à depressão é ódio. Se, de um lado, há o desejo que o filho viva para que possamos viver, do outro há o desejo que ela morra antes de nos matar.
Com o corpo fisicamente cansado sem ter feito qualquer movimento com exceção das mãos trêmulas, com a mente em chamas e já genitor da indesejada depressão, há uma consumação doentia; uma espécie de mistura entre onanismo e incesto entre o dentro e o fora (si mesmo) e a indesejada filha (a depressão). Assim, faminta pelo tempo, pelo futuro, nasce a segunda filha.
A ansiedade. Porque se um filho de corpo físico consome os dias como se fosse uma extensão dos próprios pais (o que é normalmente comum em nossa sociedade), a ansiedade, essa nova filha, é uma que tem preferência pelo futuro. Enquanto a irmã mais velha, a depressão, está destruindo passado e presente em espirais explosivas silenciosas, a ansiedade consome o futuro como se o previsse. Ela digere antes mesmo que possamos estar lá, no porvir.
Com o passado e o presente em chamas e com o futuro servindo de refeição para o bebê de Rosemary (enquanto se é a própria), não há tempo, não há vez. Há um espaço que parece involuir.
Se eu sentei para escrever sobre como um álbum de uma banda me afetou por eu não ter conseguido escutar as notas de um vocalize de uma música e acabei escrevendo sobre minhas filhas (as que quero mortas), talvez isso prove minha desorganização.
Algo que, já feito, eu não acredito que preciso provar nem para mim mesmo. O que prova minha contradição.
De qualquer forma, são minhas palavras contra as delas.
E elas estão aqui comigo.
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