Não podemos permitir que o ano de 2020 termine sem que haja o registro dos 50 anos de uma importante obra literária no solo potiguar. Refiro-me ao livro “A Biblioteca e seus habitantes” de Américo de Oliveira Costa (1910-1996).
A primeira edição foi lançada em 1970, pela Imprensa Universitária do Rio Grande do Norte, tendo o livro 258 páginas. A segunda edição, revista e ampliada, data de 1982, com os selos editoriais da Achiamé (RJ) e a Fundação José Augusto (RN), esta com 436 páginas.
A Biblioteca e seus habitantes é um livro que nos orgulha por ter como berço o Rio Grande do Norte e como autor um macauense. Qual o impacto que causou esse livro? Qual foi a receptividade da crítica? Luis da Câmara Cascudo escreveu:
“Foi possível realizar na província, nos intervalos das tarefas obrigatórias, essa longa, densa, penetrante visita de reaproximação, exposição e síntese, de tantos valores, pensamentos, mensagens, mundos que se reerguem na fascinação das horas sem rumor”
Cascudo foi professor do autor e amigo até o dia do seu encantamento, no ano de 1986. Feito na “província” de Tupi, o livro é universal. A grandeza dele é que o autor conseguiu reunir toda a biblioteca, como bem disse Dorian Jorge Freire.
Nilo Pereira também contribuiu para a fortuna crítica do seu amigo Américo de Oliveira Costa, quando entre tantas verdades escreveu:
“É preciso não apenas ler, mas saber ler. Só um leitor erudito com bom gosto literário e humanístico, pode saber o que vale um estudo da Biblioteca como esse escritor norte-riograndense, nacionalmente conhecido e festejado”.
Mário Moacyr Porto também não poupou aplausos ao livro, afirmando ser ele “uma síntese do pensamento universal, decantado com bom gosto e bom estilo”.
Racine Santos, por sua vez, afirmou: “Se a gente espremer sai a essência da literatura”. Adiante dirá que o autor teve como laboratório sua própria biblioteca particular (com cerca de dez mil volumes) e que é uma obra indispensável a toda biblioteca. E eu complemento: bem como nas mãos de todo bom leitor.
Para Sanderson Negreiros é um livro que vai além da sua originalidade, excepcionalidade e que pede continuação (isso em 1982, quando o autor estava com 72 anos).
Jaime Hipólito Dantas nos assegura que o autor tem domínio das grandes literaturas e que “tirou água das melhores fontes, ouro do melhor ouro e aí está o resultado”.
Até aqui tivemos declarações da prata da casa. Quem da presente geração já leu esse livro? Percebem quantos e importantes olhares recebeu o livro que estamos celebrando seu cinquentenário? E o livro do ensaísta potiguar foi recebendo louvores por este Brasil.
Nelson de Araújo (BA) enaltece a dignidade da obra: “Um livro, enfim, …, que convida a um retorno futuro às suas páginas e que se recomende a amigos, parentes e orientadores, de salas de aula”.
Homero Sena (RJ) gostou imensamente do livro, a ponto de escrever para o autor dando seu elogio: “Que livro admirável você soube fazer! Sozinho, vale uma biblioteca. Quanta leitura e quanta erudição!”.
Paulo Ronai (RJ), um homem que sempre viveu entre livros chegou a afirmar: “É uma obra sui generis”. Pedro Nava (RJ) externa em carta: “Há muito tempo não leio livro nacional com o encanto que o seu me trouxe e as companhias de todos os escritores que amamos”.
A segunda edição foi disponibilizada no mês em que se celebra o Dia dos Escritores, julho, por isso o crítico literário do jornal “O Globo”, Virgílio Moretzsohn (SP), escreveu: “O trabalho de Américo, lançado nesse mês, relaciona o que escritores de todo o mundo disseram a respeito dos livros, os próprios e os demais”.
José Heider (DF) garante ao leitor que ele vai se deparar com saborosos ensaios e que o autor extraiu o que há de melhor no acervo literário do Ocidente.
Luzilá Gonçalves Ferreira (PE) adverte que é um livro para ser degustado devagar.
Geraldina Porto Witter (SP) chama atenção para a forma como o autor soube, com rara maestria, fazer a tessitura do livro.
E para finalizar este rol de admiradores do livro “A Biblioteca e seus habitantes”, lembro ao leitor que até o poeta Carlos Drumonnd de Andrade chegou a escrever para o autor, elogiando o livro e a originalidade do trabalho nas duas edições.
Américo de Oliveira Costa coloca no final do livro, o conselho de Paul Guth, tão válido e atual:
“Antigamente era preciso ler para enriquecer a personalidade. Hoje não se trata mais desse refinamento. Trata-se de saber se pretendemos ou não, tornar-nos robôs, acionados por computadores ou permanecer homens. Leiamos, se quisermos continuar homens e mulheres”.
ARAÚJO, Nelson de. O livro em sua dignidade. Jornal da Bahia, 13 de janeiro 1983.
DANTAS, Jaime Hipólito. A Biblioteca e seus habitantes. Tribuna do Norte, 18 de julho 1982.
FERREIRA, Luzilá Gonçalves. Leitura e Leitores. Diário de Pernambuco, 13 de maio 1983.
FREIRE, Dorian Jorge. De assuntos. Tribuna do Norte, 12 de junho 1982.
HEIDER, José. Repercussão de “A Biblioteca”. Tribuna do Norte, 5 setembro 1982.
MADRUGA, Wodem. De livros. In: Jornal de WM, Tribuna do Norte, 8 de agosto 1982, 2ª página.
MORETZSOHN, Virgíio. Como os escritores veem as “máquinas de ler”. Diário de Natal, 3 de agosto 1982.
NEGREIROS, Sanderson. Escritores, livros e amigos. Tribuna do Norte, 1 de outubro 1982.
PEREIRA, Nilo. Notas sobre “Biblioteca”. Tribuna do Norte, 15 de agosto 1982.
RONAI, Paulo. O homem e o livro. Correio Braziliense, 19 de novembro 1971, 3ª página.
SANTOS, Racine. Viagem pelo mundo dos livros com Américo de Oliveira. O Poti, 19 de março 1989,2ª página.
WITTER, Geraldina Porto. Leitura para Todos. In: Revista Ciência e Cultura, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Vlume 36, nº 3, março 1984.
Na Semana da Consciência Negra eu quero trazer aos leitores a forma como era apresentado o negro dentro do cordel brasileiro. O racismo era forte! A imagem do negro estava sempre negativa e nunca positiva, tudo quanto era ruim se atribuía à cor negra. Escolhi algumas estrofes e versos de vários títulos de cordéis só para que possamos ter uma amostra do quanto o negro era desvalorizado no seio artístico cultural.
“Peleja de Manoel do Riachão com o Diabo”, narrativa poética de Leandro Gomes de Barros, que data de 15 de abril de 1955 (64 anos).
“Riachão estava cantando
Na cidade do Açu,
Quando apareceu um negro
Da espécie de urubu
tinha a camisa de sola
e as calças de couro cru”
“A Malassombrada Peleja de Francisco Sales com o Negro Visão”, algumas edições trazem o título: A Mal Assombrada Peleja de Francisco Sales com o Negro Visão”, eu mantenho o título da Coleção da Casa Rui Barbosa (RJ).
Francisco Sales Arêda
É comum no cordel brasileiro a figura do diabo ser personalizada sempre como um homem negro.
…
“Nisso alguém falou na porta
Pediu licença e entrou
Era um negro estranho e feio
Que a todo mundo assombrou
Com uma viola velha
Junto de mim se sentou”.
Num dos clássicos de José Pacheco, “A chegada de Lampião no Inferno”, o quadro não é diferente no tocante a ter “cão” na cor preta.
…
“Morreram 10 negros velhos
Que não trabalhavam mais…”
…
“leve 3 dúzias de negro
Entre homem e mulher …”
…
“E reuniu-se a negrada
Primeiro chegou Fuxico
Com um bacamarte velho
Gritando por Cão de Bico
Que trouxe o pau da prensa
E fosse chamar Trangença
Na casa de Maçarico”
…
“Satanás com esse incêndio
Tocou um búzio chamando
Correram todos os negros
Os que estavam brigando
Lampião pegou olhar
Não viu mais com quem brigar
Também foi se retirando”
José Soares
Isso era tão comum, que é difícil encontrar nos textos poéticos da época algum cordel que não apresentasse o mal desta maneira. Vejam também o cordel “A mulher que deu a luz a um satanás”, da autoria de José Soares, o poeta repórter.
…
“Os médicos apavorados
Naquela situação
Diante de um fenômeno
Que não tinha explicação
Não sabia distinguir
Se era um bebê ou um cão”
….
Dizem que o satanás
Era preto e muito forte
Mais não tinha experiência
Foi sequestrado pro norte
Não chegou aqui ainda
Porque não tinha transporte”.
Quem desejar ter uma leitura bem mais profunda sobre esse assunto, recomendo o livro: “O Preconceito de Cor na Literatura de Cordel”, de Clovis Moura. Uma excelente pesquisa que aborda de forma sociológica o racismo na poesia do cordel brasileiro.
José Bernardo da Silva
Até mesmo em romances, como é o caso da história de “Mariana e o Capitão do Navio”, de José Bernardo da Silva, publicado em 7 de abril de 1951 (68 anos passados) quando o texto se portava a um negro rico, ainda assim era vítima do racismo.
No cordel abaixo temos Jorge, negro, rico, presidente de uma ilha no Japão, que se apaixona por Mariana e dela não recebe nenhuma esperança.
…
“A moça disse senhor
Quem lhe deu tal liberdade,
Olhe sua posição
E a sua qualidade
Pois em casar-me com negro
Eu nunca tive vontade”
Mais adiante, Mariana também vai falar:
“…Mesmo eu não caso com negro
Nem que S. Antonio me peça”
E é dela também a expressão:
“Sai-te cururu fardado
Cor de noite de escuro”
As fotos dos autores nos mostram que todos eles eram negros, exceto Leandro Gomes de Barros, que era branco e tinha olhos azuis. Isso prova o quanto ficou forte a ideia do racismo no coletivo e foi preciso muitos anos para que se construísse uma nova forma de pensar sobre o negro.
No tocante à figura da mulher negra, há poucos folhetos que a enaltecem (Estou fazendo referência ao período anterior ao ano 2000). Podemos citar: “História e Martírio da Escrava Anástácia”, de Apolonio Alves dos Santos, “O Amor e Martírio de uma escrava”, de João Firmino Cabral, “O terror da escravidão”, de João José Silva são alguns que se encaixam no mérito do comportamento heroico da mulher negra.
A situação é bem pior quando os poetas começam a versejar sobre a mulher no campo da religião, principalmente ao misticismo religioso, quando são discriminadas e apresentadas em imagens que ferem o aspecto físico e moral.
Aqui, convido também o leitor a conhecer a Tese: “A Mulher Negra Mapeada …”, de Francinete Fernandes de Souza.
Felizmente este quadro está mudando, graça à nova leva de poetas que têm com uma consciência sóciopolítica, formada por homens e mulheres. Isso é tema para outra conversa.
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DUARTE, Manuel Florentino e outros. Literatura de Cordel – Volume I – Antologia. São Paulo(SP): Global Editora.
LITERATURA Popular em verso: Antologia Tomo I. Rio de Janeiro(RJ): Ministério da Educação e Cultura – Casa de Rui Barbosa, 1964.
MOURA, Clovis. O Preconceito de Cor na Literatura de Cordel. São Paulo(SP): Editora Resenha Universitária, 1976.
SOUZA, Francinete Fernandes de. A Mulher Negra Mapeada: trajeto do imaginário popular no folhetos de cordel. João Pessoa(PB): UFPB, 2009.
VIANNA, Arievaldo. Leandro Gomes de Barros – o mestre da literatura de cordel – vida e obra. Fortaleza(CE): Edições Fundação Sintaf. Mossoró(RN): Queima Bucha, 2014.
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