Acreditamos que boa parte dos moradores do bairro Potengi, na Zona Norte de Natal, quando passam pela Avenida Governador Antônio de Melo e Souza não tenham conhecimento da imensa contribuição que esse homem deu para a política e a literatura do Estado. Pensamos dessa maneira, pois é evidente tanto no meio político como no cultural o descaso com que é tratada a memória desse grande brasileiro que foi também sinônimo de honestidade no serviço público, algo raríssimo na conjuntura atual.
Antônio de Souza, como era conhecido, foi um intelectual de primeira linha, possuía uma das maiores bibliotecas do Rio Grande do Norte, lia em francês e outras línguas. Começou sua brilhante carreira ainda moço, como jornalista, usando o pseudônimo Polycarpo Feitosa, que iria marcar toda a sua trajetória literária.
Antônio José de Melo e Souza nasceu em 24 de dezembro de 1867 no Vale do Capió, antiga Vila Imperial de Papari, hoje chamada Nísia Floresta. Estudou em vários colégios recifenses, inclusive o Ginásio Pernambucano, e formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife, em 1889.
Foi, por duas vezes, governador do Rio Grande do Norte, senador e procurador do Estado, durante a República Velha. No seu segundo mandato como Governador criou a Escola Normal de Mossoró; a Faculdade de Farmácia de Natal (Lei nº 498, de 02 de dezembro de 1920), a Diretoria Geral de Agricultura e Obras Públicas e o Instituto de Proteção e Assistência à infância, atual Hospital Infantil Varela Santiago.
Houve durante a sua administração, um enorme crescimento do acesso das mulheres à educação, que passaram a frequentar a escola na mesma proporção que os homens. Diversos cursos eram oferecidos, nos quais as mulheres aprendiam, inclusive, bordado, crochê, corte e costura, numa época em que as habilidades domésticas eram valorizadas pela sociedade.
TRAJETÓRIA
No início de sua carreira, Antônio de Souza era redator do jornal A República e já participava da vida cultural; fundador do Grêmio Polimático, sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e também fundador da Revista do Instituto. Nomeado Promotor Público da Comarca de Goianinha (RN), e aí permaneceu de 1890 a 1892.
Sempre atuante no meio literário da capital, escrevia para jornais, fazendo resenhas, editando periódicos literários, ao lado de outros grandes nomes da época, como Henrique Castriciano. Todavia só começou a publicar livros, na maturidade. No auge da sua carreira literária, foi incluso na antologia “Panorama do Conto Brasileiro” de R. Magalhães Júnior.
Como intelectual, além de jornalista, foi também poeta, memorialista, contista, e destacou-se sobretudo como romancista. Escreveu, Flor do sertão (1929), Gizinha (1930), Alma bravia (1934), Os Moluscos (1938), e Gente Arrancada (1941), romances; Jornal de Vila (poesia), Encontros do Caminho (contos) e Dois Recifes (memórias).
GIZINHA
Seu único romance reeditado, Gizinha, foi relançado ainda na gestão do governador Aluízio Alves, em 1965. Narrativa ficcional que se passa na década de 1920, representou, aqui no Estado, um avanço para as mulheres na sociedade com suas lutas e conquistas: mais acesso ao ensino, através da implantação de novas escolas, conquistas dos diretos políticos e civis. Gizinha, expressa muito dessas mudanças no comportamento feminino para a época.
Adalgiza, nome abreviado de Gizinha, era uma espécie de melindrosa, uma transgressora, com atitudes modernas para seu tempo, seus modos ousados chocavam a sociedade natalense. No entanto, ela acaba seguindo os padrões sociais e abdicando dos seus desejos. Casa-se e percebe que o seu casamento não era o que ela esperava, decepcionando-se com o marido, mas aceitando essa situação.
Gizinha chegou a ter uma terceira edição, em formato de bolso, publicada em 2005, pela AS Editores.
Curiosamente Antonio de Souza, só estreou em livro aos 61 anos, com Flor do Sertão (1928).
UM ARREDIO, SEGUNDO CASCUDO
Na obra O Tempo e eu (1968) Câmara Cascudo dedicou uma crônica à figura de Antônio de Souza, descrevendo-o como uma pessoa sisuda: “Alto, pálido, carnadura sólida, os cristais dos óculos aguçando o olhar penetrante e míope, quase surdo, arredio, alheado a qualquer vínculo social, amando a solidão, as leituras intermináveis, desconfiando do desinteresse humano, inimigo de cerimônias oficiais…”
Em outro trecho, Cascudo continua a descrever Antônio de Souza, como resistente às mudanças que vinham ocorrendo na cidade do Natal: “Era, naturalmente, cheio de idiossincrasias, restrições, antipatias. Implicava com as danças modernas daquele tempo, ragtime, two-steps, tango argentino”.
UM BRASILEIRO ESQUECIDO
Além dos cargos mencionados, que ocupou com honradez e competência, Antônio de Souza, já no período pós-Revolução de 30, atuou como substituto do Interventor, por diversas vezes. Aposentou-se em 1935, nas funções de Consultor Jurídico do Estado. Faleceu, praticamente anônimo e solitário na cidade do Recife no dia 05 de julho de 1955.
Em 2016, o escritor Manoel Onofre Júnior, em edição do Selo Caravela Cultural e a 8 Editora, publicou ensaio, dentro da Coleção Presença, Polycarpo Feitosa – O Excêntrico Dr. Souza, espécie de livro de bolso que resume um tanto da vida e obra desse ilustre potiguar. E pelo que nos parece não foi suficiente ainda, até o momento, para que os potiguares redescubram Antônio de Souza ou Polycarpo Feitosa, um brasileiro esquecido.
6 Comments
[…] Polycarpo Feitosa, pseudônimo de Antônio José de Melo e Souza (1867-1955), por exemplo, é considerado à unanimidade, um dos melhores ficcionistas do nosso Estado, em todos os tempos. Pioneiro, publicou de sua autoria, o primeiro bom romance potiguar, “Flor do Sertão”(1928), e mais quatro, numa época em que ninguém aqui escrevia romances. Apenas um desses livros – “Gizinha” (1930) –, foi reeditado; os demais permanecem, injustamente esquecidos. […]
[…] por críticos literários de renome nacional – além de contos, memórias, poemas e ensaios. Antônio de Souza exerceu, no RN, altos cargos, foi governador (em dois mandatos), Senador, etc., mas sua verdadeira […]
[…] história começa em 7 de Setembro de 1922, quando o então governador Antônio de Souza (1867-1955) inaugurou no Palácio Potengi uma exposição com 14 obras do artista plástico Moura Rabello, […]
[…] vai deparar-se com alguns fatos inusitados. Por exemplo: um dos nossos maiores escritores – Polycarpo Feitosa (pseudônimo de Antônio José de Melo e Souza) não pertenceu à Academia Norte-rio-grandense de Letras, nem sequer como sócio honorário. Por […]
[…] no Governo de Antônio José de Melo e Sousa (outro esquecido pelos potiguares), o Grupo Escolar-modelo, projeto do arquiteto Herculano Ramos (o […]
Maravilha levar ao povo a história desse insigne intelectual.