Em prol da literatura potiguar

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Gostaria, inicialmente, de congratular-me com todos e todas que fazem o Ministério Público do Rio Grande do Norte, especialmente, a Exma. Sra. Procuradora Geral e os componentes do grupo de trabalho que idealizaram e tornaram realidade esse calendário ora lançado, tendo como ilustração alguns dos mais importantes escritores norte-rio-grandenses.

Feliz a ideia de se prestigiar o que é nosso.

A propósito, cito a seguir, o sociólogo, crítico e historiador literário Antonio Candido, que afirma em seu livro “Formação da Literatura Brasileira”, (2013), textualmente:

“Comparada às grandes, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que nos exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem; e se não a amarmos, ninguém o fará por nós. Se não lermos as obras que a compõem, ninguém as tomará do esquecimento, descaso ou incompreensão.”

Esta afirmação do mestre Antonio Candido poderá ser aplicada, mutatis mutandis, à literatura norte-rio-grandense. Mas – indago – existe uma literatura norte-rio-grandense? É claro que o que aqui se produz faz parte da literatura brasileira, mas devemos considerar de modo especial o nosso acervo literário, visto que este tem sido segregado e ignorado pelo restante do país. Tudo que aqui se faz, permanece intramuros, infelizmente.

E temos valores expressivos em nossas letras, que nada ficam a dever a luminares do Sudeste e do Sul do país, como, aliás, comprovam os nomes selecionados para esse calendário.

Polycarpo Feitosa, pseudônimo de Antônio José de Melo e Souza (1867-1955), por exemplo, é considerado à unanimidade, um dos melhores ficcionistas do nosso Estado, em todos os tempos. Pioneiro, publicou de sua autoria, o primeiro bom romance potiguar, “Flor do Sertão”(1928), e mais quatro, numa época em que ninguém aqui escrevia romances. Apenas um desses livros – “Gizinha” (1930) –, foi reeditado; os demais permanecem, injustamente esquecidos.

Além do Romance, Polycarpo Feitosa incursionou por outros gêneros literários: Conto (inclusive, integrou antologia de âmbito nacional, organizada por R. Magalhães Jr.); Poesia, na modalidade satírica e humorística; Ensaio e Memorialística.

Como se não bastassem tantas atividades, Antonio de Souza distingue-se na História do Rio Grande do Norte pelo seu itinerário na vida pública, tendo ocupado cargos de alta relevância: Deputado Estadual Secretário Geral do Estado, Procurador Geral (correspondente ao de atual Procurador Geral de Justiça); Senador; Governador do Estado, em dois mandatos; Consultor Geral e Substituto do Interventor Federal, cargo este, no exercício do qual, assumiu várias vezes, a chefia do executivo estadual.

Sobretudo, Antonio de Souza foi um homem probo e bom, apesar do jeitão peculiar, que lhe valeu o tratamento de “esquisitão”.

Outro nome da maior importância enriquece esse calendário, em boa hora publicado pelo Ministério Público estadual. Refiro-me a Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). Cascudo, no entanto, é hors concours.

Muito teria que ser dito a respeito da vida e da obra desse que semelha um sol a ofuscar tudo e todos. Ele não cabe em poucas linhas.

Parece-me ser o único escritor potiguar que, construindo sua obra em sua terra, conseguiu transpor os muros da província, projetando-se além-fronteiras.

Etnógrafo, folclorista, historiador, memorialista, cronista, quanta coisa mais! Sem dúvidas, um dos maiores intérpretes do Brasil, ombreando-se, como tal, com Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro e outros.

Era um cientista, mas sabia escrever como poucos.

Figura humana extraordinária, fora de série. Posso dizer isto, pois o conheci de perto, fui seu aluno na Faculdade de Direito de Natal. Chamava-me, afetuosamente, Cruviana. Gostava de botar apelido em todo mundo.

Mestre Cascudo era “o sábio jovial”, como bem o definiu Deífilo Gurgel, outro de seus alunos.

Oswaldo Lamartine de Faria (1919-2007), etnógrafo com alma de poeta, era um estilista de primeira linha. Tudo sabia sobre os sertões do Seridó velho de guerra, terra dos seus ancestrais, cujos usos, costumes, etc., ele descreveu em vários livros, denotando um conhecimento, que possuía, não só intelectualmente, mas também através do sentimento.

Deífilo Gurgel (1926-2012), poeta e ensaísta, surgiu na cena literária natalense com um livro de poemas ao lado de alguns jovens poetas, que iriam compor a famosa Geração 61, consolidadora do Modernismo no Rio Grande do Norte.

Já na maturidade, após publicar outros livros de poemas, Deífilo Gurgel enveredou, ou melhor, encaminhou-se pelo estudo do folclore regional, destacando-se, logo, na área das pesquisas de campo, “descobridor” de personagens notáveis da nossa cultura popular, como a romanceira Dona Militana e o “coqueiro”, isto é, cantador de cocos, Chico Antônio, o mesmo que encantou Mário de Andrade, quando aqui esteve, em 1928.

Afora os escritores acima mencionados, ilustram o calendário em foco mais oito – Auta de Souza, Jorge Fernandes, Nísia Floresta, Luís Carlos Guimarães, Zila Mamede, José Bezerra Gomes, Newton Navarro e Myriam Coeli  – completando o elenco de doze, cada um referente a determinado mês. Deles nos darão notícias as professoras e escritoras Conceição Flores e Constância Lima Duarte, aqui presentes.

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*Palavras proferidas no lançamento do Calendário 2024-RN em prosa e verso, publicação do Ministério Público do Rio Grande do Norte.

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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