O que te faz comprar um livro?

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Se o famoso diretor de Laranja Mecânica fosse filmar a cena da venda de um livro, por certo, ele ia criar um cenário que sugerisse mistério. Compram-se livros por diversas razões e aí já começa uma bela história de particularidades e diversidade.

Em andanças recentes para divulgar o meu mais novo rebento intitulado “Stanley Kubrick: o monstro de coração mole”, escutei várias pessoas explicando porque compraram a obra publicada pela editora Perspectiva.

Em Campinas, interior de São Paulo, durante o bate-papo que antecedeu a noite de autógrafos, uma senhora dizendo-se veterinária revelou que admirava Kubrick porque lera a carta que o cineasta escrevera para a filha quando precisou fazer uma viagem de apenas dois dias. Escrita à mão, letra miúda, a carta de 4 páginas continha mais de 50 instruções que Vivian Kubrick deveria seguir para assegurar paz e conforto aos vinte e tantos bichanos do papai perfeccionista.

Aqui em Natal, o funcionário da livraria Saraiva me contou que convenceu um cliente a adquirir o “monstro” lendo para ele a frase da contracapa: “qualquer que seja a imensidão que nos cerca, temos de fazer a nossa própria luz”.

Imediatamente me veio à memória os dias em que trabalhei como balconista na livraria Imperatriz do Recife. Fundada por Jacob Bernstein, a Imperatriz, nos anos 50/60, devia figurar entre as cinco maiores livrarias do país. “Seu” Jacó me contou belas histórias. A minha preferida era aquela protagonizada por Gilberto Freyre e João Cabral de Melo Neto, dois dos mais importantes clientes de sua loja. O poeta Cabral, licenciado temporariamente do Itamaraty, decidira exilar-se no Recife e não aguentando o marasmo da província acionou Jacob para que ele importasse as últimas obras de T.S.Eliot, Neruda, Ezra Pound, Francis Ponge.

O dono da Imperatriz me confidenciou que Cabral e Gilberto a toda hora telefonavam perguntando se ele tinha novidades. Pois bem, no dia em que o navio chegou na cidade, meu patrão entrou em contato com as crianças aflitas combinando a hora para se encontrarem em frente do porto no Recife Antigo.

Vindo lá de dentro do cais, Jacob acena fazendo sinal de que seus clientes deveriam entrar pela portinha lateral. A partir daí é difícil dizer se Gilberto e Cabral voaram, correram ou simplesmente sumiram. Pronto ei-los em frente da preciosa carga. Como se fossem dois trabalhadores braçais, eles rompem o lacre das caixas e se petrificam, pois não piscavam nem os olhos a folhear os livros debaixo de um sol de torrar miolos. A cena de tão forte que era emitia o som do disparo de uma bala de canhão ecoando no horizonte os radiantes suspiros de dois escritores em ataque de felicidade.

Súbito como se impulsionado pelo fantasma de Marley, personagem de um dos contos de Charles Dickens, o navio se transformou numa imensa nave acolhendo o velho Jacob Bernstein e o moço da Saraiva do Midway. Bravos vendedores de livros, heroicas figuras, eu vos saúdo! Somos o Prometeu que mantém acesa a evolução, somos os pescadores que realizam esperanças em mares turbulentos, somos os resistentes condutores do trem da história. Cada um de nós fazendo o que sabe. Escrevendo livros, lendo livros, vendendo livros.

Marcius Cortez

Marcius Cortez

Cinco livros publicados e o jogo ainda não acabou. Escrever é um embate que resulta em vitórias, derrotas e empates. O primeiro livro de Borges vendeu apenas 37 exemplares. O gol é quando encontramos um significado que melhore a realidade.

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