Um rápido panorama cervejeiro nos EUA

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Recentemente tive o prazer de voltar aos Estados Unidos depois de algum tempo que não visitava a terra do tio Sam. Junto com algumas outras memórias, gostaria de compartilhar um pouco de algumas impressões cervejeiras que tive nessa breve jornada.

Claro que essa coluna não se trata de um registro de viagens, nem um blog voltado para isso, de toda maneira, o texto de hoje tentará com algum esmero trazer brevemente esse panorama experimentado acerca das cervejas artesanais nos EUA.

Cumpre-se fazer a breve ressalva que a viagem foi apenas à Flórida, nas cidades de Miami, Fort Lauderdale e Orlando. De maneira que se tem um espaço de amostragem muito reduzido para se falar em “panorama americano”, por se tratar de poucas cidades e de apenas um Estado, dentre os 50 existentes.

De toda maneira, o crivo ocular deste que vos escreve tentará captar algumas nuances singulares para mostrar como é o panorama mencionado. Adiante!

Não se bebe em qualquer lugar (Open Container Act)

Em termos de aplicação e de rigidez nas leis, ninguém ganha dos Estados Unidos. Diferentemente do Brasil, onde a União legisla sobre a maioria dos temas, nos EUA, há uma variabilidade muito maior de ditames legais, já que cada Estado tem uma autonomia legislativa maior, sobre uma gama mais ampla de assuntos.

No que tange ao que nos importa, ou seja, às cervejas, as leis variam um pouco de Estado para Estado em terras estadunidenses, contudo, na maioria dos locais (exceto em Las Vegas), é expressamente proibido beber com o conteúdo alcoólico à mostra.

O argumento oficial é: “para não incentivar o consumo”, principalmente pelas crianças e pelos mais jovens em geral…

Sim, eu sei, eu também acho essa normatividade uma idiotice, já que ela não proíbe (a rigor) que se beba, apenas impede que se beba mostrando o que está sendo bebido. A mencionada lei é denominada de Open Container Act e tem vários desdobramentos.

Exemplificativamente, você não pode comprar uma cerveja no supermercado ou no posto de gasolina e beber no estacionamento. Deve-se ter uma distância mínima de 100 pés (lá eles não usam metros…) do estabelecimento para que se possa consumir álcool.

Outro fato muito singular, é que as cervejas (e demais bebidas) só podem ser transportadas no porta-malas dos carros, é proibido levar no banco da frente e o carona não pode consumir bebidas alcoólicas (muito menos o motorista, obviamente). Na verdade, é proibido beber se o seu carro está com a chave na ignição.

Esses são os regramentos básicos que me levam a afirmar que, com segurança, você só deve beber sua cerveja em paz ou dentro da sua hospedagem (hotel, pousada, Airbnb, etc.) ou em bares e demais estabelecimentos dedicados a esse fim, caso não queira problemas com a lei. Algo fortemente recomendado!

A cultura do “Pack”

A cultura americana é, em regra, a cultura do exagero. Isso é algo que pode ser observado em vários assuntos, mas em termos gastronômicos, ela é ainda mais evidente. Nota-se através dos pacotes gigantes de salgadinhos, com mais de 1kg, por exemplo, e claro, por aquilo que vou denominar de “cultura do pack”.

A maior parte dos locais que vendem cervejas, sejam quiosques, conveniências, supermercados e até mesmo brewpubs de cervejarias artesanais costumam comercializar seus produtos apenas em packs. Sejam eles de 4 ou de 6 unidades, mas, sempre, em packs.

Talvez isso já seja algo tão arraigado na cultura americana que me olhavam torto sempre que eu perguntava se era possível comprar uma “single beer” (uma única cerveja) ou se eu poderia fazer um “mix and match”, que é basicamente comprar a quantidade do pack, mas misturando diversas cervejas entre si.

Na maior parte dos locais não é possível fazer isso. Até mesmo as cervejarias artesanais encorajam (ou estão inseridas) fortemente a cultura do pack, e a maior parte de suas cervejas só podem ser vendidas nessa modalidade predeterminada de 4, 6 ou 8 unidades. Excepcionalmente, quando se trata de algum lançamento cervejeiro mais diferenciado, é que se pode comprar uma única unidade.

Geralmente as cervejas Barrel Aged se enquadram nesse tipo de produto que pode ser adquirido na unidade, não sendo necessário comprar um pack de cervejas para levar para casa aquele exemplar diferenciado.

Adicionalmente, algumas redes de liquor stores (lojas que podem vender bebidas alcoólicas mais fortes, como destilados), como, por exemplo, a ABC Fine Wines e a Total Wine permitem o sistema de mix and match, em que você leva apenas uma unidade da sua cerveja preferida, e o preço por elas praticado é quase o mesmo cobrado nas redes de supermercados.

A qualidade e o hype das cervejas norte-americanas

Esse será o tópico mais polêmico do texto de hoje. É nele em que vou afirmar que não existe um abismo ou uma distância muito grande entre o que é produzido em alto (ou altíssimo) nível no Brasil e nos Estados Unidos.

Os detratores vão dizer: “Ah, mas você foi a poucos locais, não deve ter bebido o que se produz em mais alto nível nos EUA. Como, por exemplo, as cervejas que são o sinônimo de hype, que é necessário participar de um sorteio, depois agendar, depois ir na chuva ou debaixo de neve, enfrentar uma fila de 16h e só depois de acertar palavra mágica, dita no ouvido de um gnomo, que a cerveja é entregue”.

Certamente que minha jornada foi bem menos torturante para conseguir as cervejas. Bebi uma boa variedade de “níveis” cervejeiros. Desde uma cerveja de massa comprada sem nenhuma pretensão em uma conveniência, até o que há de mais caro na adega de uma cervejaria hypada de Wynwood. Então, considero que os degraus de qualidade foram todos testados.

O mais importante é que, sim, os americanos sabem trabalhar muito mais o hype e o martketing em cima das cervejas mais cobiçadas. Todavia, se hype ganhasse jogo ele nem entrava em campo. No que vale a pena mesmo, que é a qualidade do produto final, podemos dizer que há um empate técnico entre as melhores cervejas brasileiras que já bebi com as cervejas americanas top de linha, isto é, cervejas de 100/200$ que bebi nos EUA.

Claro que para desenvolver melhor esse argumento seria necessário outro texto como esse, algo que claramente não é possível no espaço argumentativo disposto para hoje. Mas, quem sabe, eu não desenvolvo tal ideia em um texto vindouro. Em síntese, não estamos tão longe das boas cervejas americanas, já que tem muita coisa boa sendo feita aqui.

Onde nos diferenciamos mais são nas cervejas medianas e boas, já que lá existe uma oferta muito maior e com maior qualidade. Aqui a limitação fica por conta de duas ou três Hazies boas, e um caminhão de Smoothies, lá a consistência é bem mais prevalente em cervejas de um bom padrão (mas que não atingem o nível máximo de excelência, ou o padrão AAA).

Saideira

Toda imersão cultural em um país diferente, por mais que já visitado e revisitado, é sempre um novo combustível de ideias e percepções, principalmente no campo cervejeiro.

Ter a oportunidade de apreciar, ainda que de maneira contida e muito efêmera, toda uma gama de sabores e aromas que cervejas que não chegam aqui podem proporcionar é algo fantástico.

Para além disso, é importante observar as diferenças culturais de como e onde beber. Algo sempre muito importante para nós brasileiros, não tão acostumados a seguir as regras. Pois, lá fora, sempre tem alguma autoridade pronta para fazer valer a lei imposta.

Recomendação Musical

Na América, aja como os americanos!

Assim, a recomendação musical de hoje não poderia ser mais debochada que Amerika do grupo de Industrial Metal, Rammstein.

(Der) Ist Wunderbar!

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

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A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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