O dia que o padre Marcelo Rossi chacoalhou Natal para lançar seu livro

padre marcelo rossi e sergio vilar

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

Hoje o padre Marcelo Rossi completa 52 anos. Não sou religioso, mas gostava desse cara. Verbo no passado porque ele anda sumido. Soube de um quadro depressivo grave e desde então não li mais notícia. Em 16 de fevereiro de 2011 ele veio a Natal no auge da fama para lançar um livro. Até hoje nunca vi um furor tão grande por aqui para receber quem seja. As dependências do Midway e seu entorno estavam abarrotados de gente. Pessoas fizeram vigília na madrugada, armaram barracas para conseguir acesso rápido no primeiro segundo de abertura do shopping. À época escrevi essa matéria abaixo para o Diário de Natal, com breve entrevista com o padre e esse registro fotográfico massa de Canindé Soares. O padre se mostrou claramente chateado com a última pergunta. Segue abaixo.

Por Sergio Vilar

O padre Marcelo Rossi provocou uma romaria ao Midway durante o dia de ontem. Se as romarias ou procissões estão relacionadas ao culto de uma imagem, esta pode ser a do livro Ágape, lançado pelo padre em 2010 – o livro mais vendido da história do mercado editorial brasileiro. A comerciante Benedita Barbosa, 27, chegou às 22h30 do dia anterior, dormiu na grama do shopping e esperou abrirem as portas às 10h para ser a primeira da fila. A acomodação foi um saco de nylon com papeis picados que achou na rua e colocou como encosto. Benedita foi apenas uma das mais de 2 mil pessoas na fila formada no estacionamento do Midway antes da abertura do shopping.

A garçonete Maria Gorete, 36, chegou uma hora depois e fez companhia a Benedita. Disseram que passaram a madrugada em conversas e leituras do livro até o dia amanhecer. “Umas cinco horas começou a chegar gente, e vieram de vez”, comentou Gorete. Caravanas de Caicó e Caiçara do Rio dos Ventos trouxeram gente do interior. Benedita disse saber do perigo enfrentado. Deixou esposo e filho em casa. “Liguei, disse que estava bem e coloquei Deus na frente pra me proteger. Preciso falar ao padre para não parar essa obra linda porque salvou minha família com sua graça e pode salvar muito mais gente”, disse.

A segurança do shopping aumentou 15 homens e reservou a garagem do 3º piso exclusivamente para a fila. A brigada de incêndio e primeiros socorros estavam presentes. A entrada na livraria foi permitida às 130 primeiras pessoas, todas elas sentadas e à espera do contato pessoal com o padre. Apenas cadeirantes gozaram da preferência no atendimento. A justificativa dos seguranças é de que a maioria era de idosos. No interior da livraria foi montado um banheiro químico cercado por tenda para o padre. Marcelo Rossi chegou às 11h20 e a previsão foi de saída apenas ao fechar da livraria. A única pausa seria de dez minutos para um lanche.

A chegada do padre iniciou cânticos em uníssono na fila e acenos ao padre já no interior da livraria. Celulares em punho registravam em fotos o momento. Sentado à mesa, todo vestido de preto, o padre pediu a colaboração para evitarem “confissões” porque a fila fazia um “caracol” e precisava atender a todos. Pouco depois brincou com o silêncio: “Tem que gritar. Cadê a família potiguar?”. Na primeira entrevista à TV, pediu um “si bemol” ao guitarrista próximo e proferiu a primeira palavra do mais novo sucesso: “Nada…”. E a sequência foi toda da plateia. Os livros eram vendidos aos montes. Tinham seis mil unidades, com expectativa de venda total.

O título, Ágape, tem origem grega que significa amor. No livro, o autor apresenta trechos selecionados do Evangelho de São João e os reinterpreta à luz do significado do amor divino no mundo contemporâneo. Madre Teresa de Calcutá e Zilda Arns são alguns exemplos evocados pelo sacerdote para ilustrar as manifestações do ágape, seja pela via da caridade, seja na forma do amor ao próximo, sem exigências nem cobranças. O amor ágape, salienta o autor, não é contemplativo nem se encerra no indivíduo, mas exige ação pessoal e ação interpessoal.

As palavras com a imprensa foram rápidas. Mas, nesta breve entrevista, padre Marcelo Rossi, que promoveu lançamento na 23ª cidade, comentou seu momento ‘ágape’ e, além de mencionar o recorde brasileiro quanto à venda da obra, revelou curiosidades como a homenagem do papa Bento XVI ao pároco, com premiação no Vaticano, entre outros aspectos.

Entrevista – Marcelo Rossi

Há algumas décadas padre Zezinho iniciava essa missão de evangelizar pela música, sem a mesma popularidade. Qual a diferença para o hoje?

São propostas diferentes. Padre Zezinho pregou o evangelho dentro da igreja. Eu fui pra fora. Somos amigos, cada um com sua missão. Após 13 anos posso dizer que fui muito criticado. Apresentação em programas como o Faustão, lançamento de CDs de sucesso. Mas eu pensei comigo: “Me deem um tempo e provarei a validade disso tudo”. Ano passado escrevi esse livro. E nunca na história da literatura brasileira se vendeu dois milhões de livros em menos de seis meses.

Como foi o processo?

Vou contar uma curiosidade: na semana de lançamento do livro soube que o Papa queria me homenagear com o Prêmio Van Thuân 2010, porque me consideraram um evangelizador moderno. Foi um reconhecimento pela minha forma de divulgar a palavra de Deus. Uma semana depois quebrei meu pé. Mas precisava estar no Vaticano para receber o prêmio de suas mãos. Quer dizer, fui pela fé, pela força de vontade. É o que conto no livro. E olha que não sou de escrever, hein? Minha área é o canto, mas Deus me deu esse livro.

Qual a linha divisória entre o astro pop e o homem religioso?

Sou padre; não sou artista. Não faço show; sou reitor de um santuário, ministro missas. Isso que faço aqui é um contato pessoal. Todos que vieram serão atendidos. Qual o artista que você conhece faz isso? E olha que Natal é a 23ª cidade. E não paro por aqui. Sabe o que é isso? Isso é ágape!


Do blogueiro: Esqueci de colocar na matéria a ressalva do padre assim que terminei a entrevista. Minha última pergunta fez o padre comentar ao microfone para o público: “Não sou artista. Não autografo livros. Faço aqui uma dedicatória”. Até lembrei da entrevista com Ariano Suassuna. No dia seguinte, nas aulas-show dele, na UnP, o escritor comentou: “Ontem um repórter me perguntou se eu gostava dos Beatles”. Adivinha quem foi?
Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidas da semana