Luiz Lima já foi vândalo em Natal. Ele e os dois irmãos: Eustáchio e o saudoso Fon. Vândalos famosos, desses de armar contra o status quo. Sim, o rock tinha dessas naqueles distantes e quase utópicos fins dos anos 60. Lóla, como ficou conhecido, formou um dos conjuntos musicais mais conhecidos de Natal. Os Vândalos se destacavam na cena musical pela interpretação das badaladas canções dos Beatles. Isso porque eram dos poucos da província a dominar a língua inglesa com propriedade.
Fon morreu há 11 anos e eliminou a chance de um nostálgico revival d’Os Vândalos. Eustáquio está por aí, em sua motoca potente, tocando um violão para amigos. E Luiz Lima… bom, ele morou 25 anos na Itália e, de volta ao Brasil desde 2015, está com campanha aberta de financiamento coletivo para seu próximo EP, intitulado Mutações. Mas o público verá outra faceta daquele roqueiro cabeludo. O refino nas interpretações ainda está lá. Mas o conteúdo é mais sofisticado. O EP trará seis músicas instrumentais de um virtuoso instrumentista de jazz.
Das seis músicas do EP Mutações, quatro foram compostas na Itália – “Choro para Elisa”, “Florenca”, “Empoli Ballad” e “Springtime” – e duas feitas em Campinas, São Paulo, onde reside atualmente – “Samba de Inverno” e “Mutações”. O disco terá a participação de músicos brasileiros e italianos. Com a realização de do EP, Lóla pretende realizar shows de lançamento, com eventos especiais em Natal, Firenze e Empoli. Em Natal, a data já está agendada. Será dia 24 de março, numa edição do Som da Mata, no Parque das Dunas.
Para conhecer mais e apoiar a realização do EP Mutações, clique AQUI.
Luiz Lima, o Lóla
O contexto da vida musical de Luiz Lima diz muito do que será mostrado neste novo trabalho. Ele começou a tocar violão aos 8 anos de idade. Época de lançamento do primeiro álbum dos Beatles, e do início do folk norte-americano. Ainda adolescente formou o grupo com os irmãos Fon e Eustáquio, além do baterista Bruno, participou de festivais de música e fez história no rock natalense.
Leia também ‘Eustáchio, o vândalo que amava Elvis, Beatles e os Rolling Stones’
Ainda no inicio dos anos 70, morou nos Estados Unidos. Frequentou a University of Maine at Augusta, conhecida pelo seu currículo musical inovativo. Os dois anos vividos nos USA proporcionaram a Lóla uma profunda experiência com o Rock e o Folk. Seu retorno ao Brasil foi influenciado por Milton Nascimento e o Clube da Esquina, além de Egberto Gismonti/Academia de Danças que o conduziram de volta às raízes brasileiras.
Através do estudo, da composição e da improvisação, começou a sua busca por uma forma que iria incorporar elementos americanos aos ritmos e gêneros da tradição brasileira.
Em 1976, Luiz entrou na UFRN para estudar Arquitetura. Mas abandonou o curso, decidido a se dedicar inteiramente à musica. Mudou-se para o Rio de Janeiro no inicio da década de 80, entrou para a Unirio onde cursou a Faculdade de Educação Artística, com especialização em música. No mesmo período, estudou Harmonia e Improvisação com Sergio Benevenuto (RioMusica).
Em 1990 migrou para a Itália, onde estudou violão clássico, diplomando-se pelo Conservatório de Livorno (bacharel em violão pela UFRJ). Gravou os discos ‘Olho Mágico (Rainbow, 1995), Brasil Brasileiro (independente, 1997), Realidade Real (Philology, 2003), O Tom Brasileiro – tributo a Tom Jobim (Philology, 2007), e com o grupo BZ4tet, os álbuns Cem Ssaudades (Radar Egea, 2008) e Pindorama (Radar Egea, 2012).
Além da atividade concertística, Lóla ensinou violão/guitarra, Harmonia e Improvisação Jazz & Blues, e música de grupo no Centro Attività Musicale di Empoli (Firenze). Lóla concedeu rápida entrevista ao Papo Cultura:
ENTREVISTA COM LUIZ LIMA
O que restou do “Vândalo” Lóla, em se tratando de músico e de um natalense daqueles fins de anos 60 em Natal?
Restou a grande paixão pela música, um certo espírito de irreverência e inconformismo que desde sempre caracterizam o bom Rock e que é saudável em qualquer outro contexto musical, do meu ponto de vista.
Quando você sentiu o apelo brasileiro à sua música concertista?
O mini Cd “Brasil Brasileiro”, que fiz em 1996 depois dos primeiros sete anos morando na Itália, desde que como músico profissional eu tinha tomado a “saída do aeroporto” Tom Jobim no início da década de 1990, registrou e representou para mim, ao mesmo tempo, um ponto de chegada e de partida, num processo de “abrasileiramento” natural e progressivo pelo qual a minha música passou, sobretudo em função da circunstância de estar vivendo fora e longe do Brasil.
Na verdade, esse processo já tinha se iniciado bem antes da minha saída do país, mas naturalmente se tornou mais intenso, urgente e necessário no exterior, seja em razão do contexto em que me encontrava, apresentando-me em clubes e casas noturnas típicas brasileiras, seja por uma minha exigência e necessidade mais profunda enquanto compositor e arranjador, na busca de uma identidade nacional, também isto intensificado e estimulado pelo ambiente internacional.
Quais as consequências desse processo?
Despertou em mim um maior interesse pela música instrumental, a canção sem letra e um desejo de individualizar elementos que constituem e caracterizam, propriamente, uma linguagem musical brasileira, desde os ritmos ao fraseado melódico e a própria harmonização.
E quais nomes passaram a lhe influenciar?
Inevitável a quem se aventura por esse caminho, esbarrar em Villa-Lobos e sua chave da Terra Brasilis, de maneira especial em relação ao violão, assim como é inevitável esbarrar em Tom Jobim e a revolução da música popular brasileira do final dos anos 50. A Bossa Nova é foda! Depois de um provisório e também inevitável tributo a Tom Jobim, feito com o Cd “O Tom Brasileiro” (2007), voz e violão, foi com os Cds “Cem Saudades” (2008) e “Pindorama” (2012), realizados com o BR4tet (BR4).
BR4 e depois BZ4tet?
Isso. Sucessivamente chamado BZ4tet (BZ4). Atendi a uma solicitação do dono da gravadora Egea, que lançou o prosaico argumento de que a sigla BR, na Itália, se confunde negativamente com a abreviatura do velho grupo terrorista Brigate Rosse (anos 70, chamados anos de chumbo), ainda hoje presente no imaginário coletivo italiano.
Eu preferia BR4, mas como o quarteto é formado por brasileiros e italianos, o BZ (Brazil) fez sentido, já que o “abrasileiramento” ganhou uma forma mais definida e abrangente na música.
A opção pela vida na Itália foi opção profissional, pelas oportunidades, ou uma fuga da província?
Foi opção profissional, nos anos da inflação galopante do governo Zé Sarney. A “fuga da província” se deu alguns anos antes, quando fui morar no Rio de Janeiro e também São Paulo.
Por que voltou ao Brasil?
Achei que tinha chegado o momento de voltar, de me reintegrar ao processo da vida, da cultura brasileira do qual eu sempre estive relacionado, especialmente como músico. Mais ou menos aquilo que Gilberto Gil colocou na letra de “Back in Bahia”: “Como se ter ido fosse necessário para voltar”…
Quando comecei a planejar seriamente esse retorno, por volta de 2010 (fui pra Italia em 1990), parecia o momento adequado para voltar, com o país se desenvolvendo incrivelmente, em todos os campos. Como professor de música, me atraia também a perspectiva de eventualmente atuar no âmbito da universidade. Tinha-se notícia da expansão nessa área, com novas universidades surgindo, etc.
Finalmente voltei em julho de 2015. O quadro da situação do país já estava bem diferente àquela altura e de lá pra cá foi se deteriorando cada vez mais, até chegar na situação em que nos encontramos, com Bolsonaro como Presidente da República. Mas mesmo assim, valeu a pena. A experiência do mestrado na Unicamp foi super enriquecedora. Me sinto mais à vontade em minha identidade cultural, com a minha posição geracional, pronto para novas experiências.
O que pode adiantar do show agendado para março, em Natal?
O show em Natal será o primeiro de lançamento do Cd “Mutações”, que estou realizando por meio de um financiamento coletivo (crowd funding) no Brasil e na Itália. Esse show se chama “Sol Sobre a Estrada” (nome de uma canção do grupo “SOLAR”, que tive no Rio de Janeiro entre 1986 e 87, nos anos que frequentei a Unirio).
Além das músicas do EP “Mutações”, toco músicas dos discos que lancei a partir de “Olho Mágico”(1995), com um trabalho predominantemente de composições instrumentais. No show toco também algumas músicas de outros autores e músicas do repertório do BZ4tet, último grupo que tive na Itália, que possivelmente se reunirá este ano para alguns shows.
Ainda não estou com o roteiro pronto para o dia 24 de março. Depois de Natal, devo seguir pra Itália (Florença), onde pretendo permanecer por cerca de dois meses, apresentando esse trabalho em shows e algum seminário sobre “jazz brasileiro”, objeto de estudo de meu mestrado na Unicamp.