Croniketa da Burakera #20, por Ruben G Nunes
Habitamos a solidão. Que gruda-enrosca a qualquer momento. Nas esquinas, bares, favelas, praias, estradas, sertões, shopinngs, motéis, sungas e calcinhas. Cenários cotidianos da urbanóide solidão.
Mas há uma solidão que já nasce com a gente. Coisa hereditária, sacumé? Já está lá nos algoritmos do DNA de cada um.
O que quero dizer é que, olhar esse ceuzão silencioso, coalhado de estrelas – é olhar nossa solidão rolando com nosso planeta pelo cosmos semfim. Numa viagem sem volta. Que, há 5 bilhões de anos, avança infinito afora, com a furiosa e inacreditável velocidade da Via Láctea, nossa galáxia: 2 milhões/kms/h.
Solidão do espaço… espaços… espacejando… sem margens… sem fim… … ôxe, que diabo de espaço é esse? Pleno de solidão e mistérios.
Habitamos a solidão dos mistérios.
Pura piração, mago-véi: pense, aí: sinta, aí: … surgimos, rolamos, vidamorrendo… vidamorrentes: num semfim: num algonada: qual é, mano! Que espaço infinito é esse? A imaginação encolhe-se-expande e flutua perdida.
Tempo-espaço, matéria-energia, átomos, desmanchando-se-enganchando sem parar. Explosões nucleares. Tudo emboloado lá pelo infinito.
BigBangs-e-Apocalipses.
Sons de VidaMorteVida… batu… batucando lentíssimo… olhos que não te olham mas te olham… cascatas de vozes cantam enigmas e belezas…
… diáfanas deusas dançam nuas regirando seus transparentes corpos num jogo de luz-escuridão-enigmas…
… a Dança de Shiva, sempre a Dança de Shiva… a deusa hindu da vida e da morte… dançando destinos… nas músicas dos silêncios do semfim… emaranhados de Mistérios…
Quem sabe os Silêncios e Mistérios que rolam nos infinitaços de cada um?
Mistérios e Silêncios complicados até para a Ciência. Talvez só penetrados pela fé – “que não costuma ‘faiá”, como canta Gilberto Gil no seu axé Andar com fé, de 1982. É o Grande Mistério de Deus em sua solidão infinita.
Dia desses, vi na internet imagens da nossa galáxia, a Via Láctea, ao lado de outras galáxias. Beleza terrificante.
Numa imagem, a posição do nosso Sol. Um pontinho todo nosso sistema solar. Poeira de estrelas é o que somos. Um nadico de nada. Cercados pelo grande silêncio. Silêncio feito de explosões de sóis. Silêncio encharcado de solidões. De tronchos mistérios.
Pascal, filósofo e matemático francês do séc. 17, olhando o céu balbuciava: “O silêncio desses espaços infinitos me apavora”.
Infinitronchos. Buracos negros emburacando forever.
Há alguém ai? Ondequem? Deus, deuses, deusas, uivando suas solidãos? Não há resposta.
Desde que olhamos e escutamos as estrelas, ninguém responde.
Não há um Outro visível. Seja um ET, uma Etoa. Seja um deus barbudo. Seja um orixá orixando espíritos. Seja uma deusa grega clássica, seminua, com seus xanavás-xanavando gerações.
Sofremos falta crônica de um OutroAlguém cósmico. Nosso habitat, a Terra, é cercado por uma solidão de terreno baldio, como dizia Nelson Rodrigues. Que aumenta à medida que aperfeiçoamos nossos telescópios e radiotelescópios.
Tal solidão atávica se entranha na humanidade. Das cavernas ao celular a humanidade é solitária crônica. Até a alma. Até os bagos, xifres e sapatos.
Abro parêntesis. Cês sabem que xifre-com-x é coisa que tem xana no meio. E chifre-com-ch é coisa de animais e gramáticos linha dura. Fecho parêntesis.
Outro dia estive no centro comercial do Alecrim-Total. Bairro aqui de Natal/RN, Brasil-Esquina.
A massa de pessoas fluía como um rio entupido de peixes e cacaréus. Buzinas, gritos, tosse dos ônibus, camelôs, o ritmo do sinal: verdevermelhoverde: vruuummmovimentos dos carros: gestos das pessoas rindo-falando-se-esbarrando…
Esquinas. Rostos. A finitude de cada rosto deslizando na infinitude de cada rosto, de cada rosto… decadarosto… decadaroooostos… indo-vindo sem parar.
VidaViva e barulhos. No Alecrim-Total a solidão é sonora e caminha. Em cada rosto.
Ontem, numa tardemansa, quase noite, lá no Butecodo(IN)FINITO, bebericava eu, o mano e maestro Prentice, mais Kermi, amigo marujo-velho-de-guerra.
Falamos de emoções e solidões humanas. De amores encarnados, desencarnando, reencarnados e recauchutados. Falamos dos enroscos cármicos. E de navios carregados de saudades.
No céu um porrilhão de estrelas. Agarradas como carrapatos no veludo da noite, remexendo suas patas luminosas.
Bolhas de sonhos flutuavam e rebentavam nos infinitos de cada um. Pareciam amplificar a solidão cósmica e a solidão social.
Solidões que nos penetram desde os infinilhões de estrelas até o suor solitário das multidões nervosas das cidades.
Linda, nua, brilhante, silente, a lua cheia de novembro penetrava o coração. São Jorge e o Dragão faziam uma seresta.
Mas a pior solidão eu e Prentice concluímos que é a falta do ente querido, do outro-de-nós. O ente que se foi. Lá pras bandas do Infinitaço.
Mas que retorna nas saudades apertando. Cavando buracos de solidão dentro de nós. Que transborda pelos cotovelos e deprês de cada um.
Solidão dos amores-perdidos-e-achados. E de novo perdidos. Solidão que nos devora. Solidão do coração despedaçado-se-despedaçando, aindasempre, nessa viagem louca pelas misteriosidades infinitas.
Aquela-lá, aquelinha, aqueluda… a mulha dos sonhos… o GrandeAmor que se foi pro infinito… a falta de… é a maior solidão … concordamos eu e Prentice-velho…
Kermi pigarrou e fechou um olho de marujo velho. Esvaziou o copo de rum preto. Olhou pra lua e disse: “… tem também a solidão e a crônica tristeza da falta de nossa mãezona… do pai, filhos, dos amigaços, que se foram pras estrelas… mas quésaber, boy?… olhe só…”.
Mostrou o copo.
Daí proclamou na praguejante sabedoria de marujo dos 7 mil mares, e de emérito xanafuçador, de gafieiras, grinfas e motéis: “Porra mano velho!.. a pior solidão é a falta d’alegria de viver… pior ainda é a solidão da porra do copo vazio!”. A lua sorriu. O dragão rugiu. São Jorge tomôuma. O infinito se esticou. Os deuses engancharam as deusas… A solidão se remexeu nos copos vazios de cada um.
Assim é a VidaViva!