Croniketa da Burakera #36, por Ruben G Nunes
Acordou. Levantou. Tomou banho. Cantou no chuveiro. Vestiu roupa bonita. Olhou no espelho a meia-idade chegando. Foi alegre encontrar a amante-de-fé. Na esquina teve enfarte fulminante e “virou jaz” (Aqui jaz…).
Morreu de amor? De falta de revisão? Ou morreu dos enroscos do prazo de validade do implacável Tempo?…
…. ♫♪ “Tempo, tempo, tempo, tempo… Entro num acordo contigo…
Tempo tempo tempo tempo… Compositor de destinos” ♫♫…
… poeticantando na sua Oração ao Tempo, VelosoCaetano em sua baianês pede ao Deus do Tempo bênçãos e axés… e num arrego de fé pede, sobretudo, um acordo.
Na cult-baianidade, a entidade do Tempo é Irôko, orixá do Tempo-Espaço, Senhor do Silêncio e dos Mistérios-do-fim-sem-fim. Mistérios que são trampos abissais pojados de solidão, exclusivos dos deuses imortais e seus caboclos escatológicos (Vida, Destino, Morte…).
Abro o parêntesis dos Mistérios. Para a gregalhada antiga, segundo o aedo Hesíodo, do séc. VIII aC, o deus Tempo é Khronus, força mítica, incorpóreo, infinito. É um dos doze Titãs, filhos incestuosos da deusa Gea (Terra) e seu filho Ouranos (Ceú). Gea, é a matrix primeiríssima da Vida, entidade divina, autocriada do Nada ou Cáos. Virgem, e sem umbigo, ela gesta por partenogênese, e quem sabe por masturbação hipersolitária, os primeiros filhos; com estes, por incesto, gera todas as criaturas. Nas 3 primeiras levas de incestos, nascem Titãs, Cíclopes, Hecatônquios (cem mãos, cinquenta cabeças). Deuses monstros, gigantescos, bipolares, porraloucas. Khronus, por exemplo, em surto corta os testículos do Pai Ouranos, com sua foice. Nada, Solidão, Autocriação, Virgindade, Incestos, Loucuras, Nonsense – essas são as marcas dos Mistérios Mitológicos da VidaViva. Fecho o parêntesis dos Mistérios.
Mas, seja Khronus ou Irôko, que acordo musicosonha CaetanoVeloso com Mr.Tempo? Talvez uma prorrogaçãozinha do prazo de validade? Talvez sonhos do eterno-fim-sem-fim? Quem sabe o que rola nos cotovelos e sonhos sensíveis, movidos a dendê, desse músicopoetabaiano-porretinha? Sei lá, mizifio!
Seja o que for, meus campanhas de copo-e-fé, Mister Irôko esse jovemvelho Orixá do Tempo, sem idade, nem documento, nem emeiu, nem zap-zap, nem facebook ou site, nunca nascido, nunca morrido, não perdoa. Não faz acordo. Nem ajuste fiscal. Nem os seus caboclos.
Em seu silêncio, espalhamento e solidão, Irôko nos dá, dia-a-dia, um pé na bunda rumo ao desmanche na eternidade. Como desmanche de carros velhos. E tamusconversados!
Afinal, o Homem é um ser-que-vai-indo, vai-indo, vai-indo… e acaba um “ser-ido” de vez, um “ser idoso”… no passar do Tempo. Vira suco de energia, pó de sonhos-perdidos.
Ópaíó, meu rei, ó!: envelhecer, velhar, velhuscar, melhor-idade, idade do lobo, etc e tal: todo esse nhem nhem nhem ou narrativa sobre a velhice compulsória e suas ferrugens, pra Khronus ou Irôko tanto faz. Apois então, não tem acordo mesmo. Não rola.
O Tempo nem mesmo respeita, o doce mantra poético dum velho-amigo meu, MaestroPrentice, professor de música, já partido pras bandas das estrelas-perdidas. Mas antes de partir, em plena solidão de seu sexagenário espírito jovem, declarou firme numa seresta doméstica: “não sou velho, nem idoso, sou um acúmulo-de-juventudes”.
Saravá, Prentice-velho! Porreta isso de envelhar como acúmulos de juventudes.
Mas não adianta, Mister Irôko e sua sinistra legião de caboclos escatológicos estão nem aí. Zombam de nós, míseros mortais. Basta olhar pro espelho nosso de cada dia.
Sacumé chaparia, falo da velhudez diária refletida, ali, na contraface do espelho-espelhomeu. Naquele momento em que sai lá das funduras da carniconsciência de cada um a implacável pergunta bolada de dúvidas: espelho-espelhomeu-estou-mais-velho-eu?
O espelho mágico do Tempo responde, voz cavernosa, um olho fechado outro aberto, sob grossas sobrancelhas: − Mísero mortal, você virou, no passar do Tempo, um desmanche mocoronga de ferrovelhoenferrujado! Virou salmoura de rugas, ruguetas, barriga de chopp, pneus na cintura, estrias, pés-de-galinha, papadas, pelancas, carequices, celulites, boca banguela, dentaduras soltas, verrugas, seios caídos, xanas-murchas e bagostristes!
− Porra, pega leve EspelhoMeu! Acabou comigo! Dá um tempo, pô!
Tonitroante EspelhoMeu resmunga: − Grunf! Grunf! Caluda mísero mortal! Caluda! E chupa essa, catraia-velha! Vosmicê já tá no enrosco do Tempo, já tá um velho chinfrim e ferrado! Perdeu, playboy! Grunf!Grunf!
Daí a gente cai na real. Ééééé, bicho! Vidaviver é jogo de tudo-e-nada. Que acaba num coió de rugas, bengalas e dentaduras.
Velhar, mano-velho, é se diluir numa sopa de pelancas, forever.
É encarar a neura da fila-check-in do voo, sem volta, pras estrelas-perdidas que… “tiritan, azules… a los lejos”, como verseja Neruda… estrelas que nos esperam para seu tristefrio abraço de silênciosolidão e arrêgo final. Epa Babá! Sapralá, meu santo!
Mas olhem, manos e manas da tal melhor idade, se segurem, que “coisa boa é namorar” e “amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada”, como canta o genial Flávio José, outro músico porretaço, lá das bandas dos cariris da Paraíba, no seu xote-metafísico-desfilosófico “se avexe não”. Vale googlar a música e curtir, chefia.
Nada está, pois, totalmente perdido, mano. Nem pros velhotinhos. Nem pras velhotudas. Há nos bares, shoppings, mercados e igrejas, uma ruma de velhuscos e velhudas ainda no aprumo da meia-sola que se encaixa na tua meia-sola, meu cumpadi, minha cumadi.
Há sempre velhões solitários, a perigo, com olhar de Bento Carneiro, vampiro-brasileiro do Chico Anísio, língualinguando como um craque, pronto pra jogar a prorrogação.
Há sempre madamas–velhudas, na idade da loba. Ancudas-pelancudas. De pernaças, peitaças, vaginaças, pós-sensuais. De megabundaças, bundi-self-moving, mascando luxúrias. Só para experts, of course. E maturadas no uso-abuso de paixonites e safadagens. Que te chamam aos brios de macho-viagra e ao linguar do gozo-nosso-de-cada-dia. Arré égua!
Há sempre uma pá de velhames mestres nas artes horizontais-transversais, do kama-sutra e do kama-chupa. Todos curtidos nas encanações d’alma-e-corpo. Requentados na dor fininha de desenganos, xifrâncias e cotovelos-inchados. Que ainda encaram uma cuba-libre e dançam o bolerão romântico, escanxando–coisa-na-coisa, nas lentasmadrugas.
Abro parêntesis de resistência cult-brega. (Insisto que xifres, xifrâncias, e similares, é com “x” mesmo. Tem a ver com o “x” de xanas e ximbas, maldegustadas e mal-amadas. Coisas do humanodrama. Já com “ch” é coisa da galharia dos animais; e de gramáticos ungidos e mugidos pela purificação gramatiqueira). Fecho rápido o parêntesis.
A velharada, meu santo, é quase toda mestre nas artes do gozo sugado-degustado, que nem vinho de boa cêpa sorvido no estalo da língua.
Mesmo se babando sabem namorar-gozando e gozar-linguajando. Mesmo arrastando pés entrevados, sabem se aconchegar na tardemansa, numa ilha de ternuras, carícias, gemências, pigarros, tosses secas. Num revoar de fantasias girando-se-esfregando nos gestos abestalhados, papadas engelhadas, óculos caindo, chapas soltas.
Tão enamorados que no triscar cantienrugado d’olhares românticos, míopes, cansados, sabem deslizar luas e cataratas.
Momentos únicos, em que as velhitudes esquecem as ferrugens do Tempo. Desconjuram a deprê. Resgatam a auto-estima. Renascem nos sonhos, lembruxas, curruchios e amassos. Evohé Bacchus!
Daí que Mestre Irôko fica baratinado com as resistências da velharada romântica. Afunda e retorna nos “acúmulos de juventude” e nos lembrares-e-sentires de cada um.
Presos sempre no Tempo, nós, por momentos prendemos e trollamos o Tempo. Jogamos seu jogojogado. Mestre Irôko pira. Encrua e recarrega. Anda, desanda. Dá piti. Entra em refluxo no turbilhão de si mesmo. Loading-reloading, como Matrix descalibrada.
… carpe diem, velharia, carpe diem!… pois só vocês sabem curtir a bagaceira d’amores e sonhos vivendo-se-revivendo apesar dos siricuticos do Tempo… que em sua eterna solidão não sabe amar. Só passar, passar, passar…
Mr.Tempo enreda-se-debate nos revivals de nossas lembruxas. Como peixe na tarrafa. Preso, gira-regira, se debate num vai-e-vem aloucado…
… e arregala os zoião nos tapes e remakes de nossas ternurinhas, nóias, emotions, refluindo dentrofora de nós… nas ruas, shoppis, bares, motéis… nos papos-lentos entre-amigos na tardemansa… nas lonjuras de navios longepartindo… nos pios de gaivotas riscando saudades… nas músicas da dor-de-cotovêlo… nos enganchos dos Grandes Amores…
… gira Tempo, gira Tempo, tempogira, giragirando, regirando… correndo, pulando, voando, encolhendo, escorrendo, quicando, espichando, rolando-des-enrolando, rindo, rindo, rindo, rindorolando, preso em si mesmo, como eterno-deus-criança que nunca envelhece, sempre brincando-mergulhando nas praias-sem-fim… mas que em seu lentiveloz fluir através dos mistérios do “fim-sem-fim”, é tão só triste-alegre solidão infinita que nunca morre… Tempo… solidão infinita… triste-alegre solidão… que nunca morre… nem mesmo de Amor… nem mesmo de Amor… nem mesmo…
Como sussurra Nana Caymmi, no boleraço “Resposta ao Tempo” (se link, mano), naquela voz rouca de deusa das madrugas-vadias, uisk-cantando no penúltimo boteco das galáxias-perdidas dentro de nós… e trollando com os siricuticos do Tempo…
… enquanto a velhascaria-romântica s’engata-enrabicha, linguajando adoidada, pelas quebradas da vida… Quem nunca?