O dia que Nietzsche baixou no Cais 43

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Croniketa da Burakera #26, por Ruben G Nunes

Todo buscante de Deus é ateu-desateu. Ou melhor: é ateu desatado. Sua alma, coração, corpo, enroscos, experimentam vezemquando uns trecos energéticos-espirituais um tanto alucinóides.

Vezemquando

Vezemquando… vem lá das profundezas Infinitas-d’alma umas tremuras como fosse, assim, uma certa bem-aventurança dum Deus inexplicável… mas vezemquando também, mano-velho, baixa umas duvidanças desse Deus, uma tensão do vazio, uma gastura dum Nada, do mesmo modo inexplicáveis.

Na verdade – ou na inverdade de cada um – somos todos buscantes de algo. Buscamos algo como Deus. Ou buscamos algo como a negação de Deus.

Assim, mesmo inconscientemente, sempre buscamos algo, alguém, algum, nenhum. Que seja só um anjo do segundo escalão divino. Que seja apenas um ETzinho fulêro. Ou até um Drácula desdentado. Só não aceito um Juiz marreteiro do Supremo Tribunal Federal do nosso Brasil.

Eternos buscantes a gente fica lá, vezemquando, escavando, buscando… ou com a Fé ou com a Razão o que-porquê das coisas… o que-porquê das coisas, meu camarada… mas o que-porquê das coisas nunca dá as caras…  nem há ponto inicial nem final… nem uma rosa… nem uma maja desnuda… nem um chica-bom… só zumbir de silêncios… só imagens, ideias, reticênciase olhe lá!..

Mas o que há cá dentro de nós no Infinitaço de nós mesmos? E o que há lá fora de nós no Infinitaço que nos cerca? Te sacode, véi!

Afinal quembolou, quem-fez, quem-controla, todo esse script da VidaViva, tão mais amalucado e enrolado que as piores novelas da Globo? E haja fake-news pra explicar e complicar, mano.

Em ambos os casos – sejam argumentos a favor de Deus ou argumentos contra Deus – todos eles tendem ao logicamente Indizível, Ininteligível, Inacabável. Ao SemFim.

Tais argumentos – ateístas ou teístas – são sempre encanados em contradições. Sempre construídos por garranchos mentais de Incompletudes, Silêncios, Mistérios.

Ficam lá, tais argumentos, s’engarranchando num eterno jogo de delírios entre Verdades de Fé e Verdades de Razão. Todos gaguejam na hora do vamuvê…

Daí nos levam à vertigem do InFinito. Dentro e fora de nós. InFinito que nos cerca penetra atravessa. Que nos enreda.

Porrapariu, brother, o que é esse danado do InFinito – o Todo ou o Nada? Deus ou Ninguém?

E o Amor e os Sentires donde vêm? São ecos de quem? Quem inventou essas coisas de pele-olhos-alma? Quem ensinou esse vuco-vuco de reprodução? Quem instalou em nós essa deep-web da reprodução com fantásticos aplicativos de ternurinhas, querências, fudegâncias e gozo? Que já vem com camisinha natural, meu anjo…

Quem disse pra gente que o InFinito existe? Quiporraé? É mito? É fake? É gozação? Quem já foi ao fim do InFinito, bro? Pra que lado fica?

Sei que pra contar todos os números e frações de 0 até 1, a gente morreencarna e não chega lá. É um Sem-Fim da mulesta! Cumaé esse troço? Digaí, mano!

Borges (1899-1986), escritor, poeta, crítico, contista, pesquisador argentino, no ensaio Avatares da Tartaruga, 1932, chama esse cenário perturbador do InFinito de “fendas de desrazão” onde se capta a real “natureza alucinatória do mundo”.

Há nesse flash borgiano sobre nosso habitat InFinito, não só  forte realismo fantástico. Mas há também um toque de fascínio encantatório. Como se nossa Razão, Fé, Sentir, ao cavucar nossas origens cósmicas ficassem enganchados-se-debatendo numa imensa rede de pescaria surrealista.

Rede feita de pesadelos-e-sonhos, d’alegrias, ranços, desconfiamentos. D’amores e músicas. De mares imensos de paixão e gaivotas. Rede da VidaViva. Rede do InFinito.

Em Los Enigmas, 1950, o velho Neruda nós dá um belo close poético-imagético desse realismo fantástico de Borges:

“Quereis saber a elétrica matéria dos ouriços de fundo?/…/O anzol do peixe pescador, a música estendida na profundidade como um fio estendido n’água/ Eu vos quero dizer que isto quem sabe é o mar, que a vida nas suas arcas é larga como a areia, inumerável e pura/…/Eu não sou senão a rede vazia que adianta olhos humanos, mortos naquelas trevas, dedos acostumados ao triângulo, medidas de um tímido hemisfério de laranja./ Andei como vós arranhando a estrela interminável, e na minha rede, na noite, acordei nu, única presa, peixe encerrado no vento”.

Em nossa existência somos sempre esse peixepescado se debatendo na solidão cósmica. Eternos buscantes desse Mais-Além, dessa Transcendência, desse InFinito, pleno de Mistérios, dentro-e-fora de nós.

Oncovim? Oncotô? Oncovô? Quem criou? E por que criou-descriando? Quem ama quem? Há alguém aí?

Silêncios.

Tanto faz, pois, achar um fim ou um sem-fim. Um Deus barbudo ou uma Energia Fina. Um Tudo ou um Nada. Ou um Bóson de Higgs, a Partícula de Deus. Ou achar uma Grande Paz, ou um sono eterno, ou um gozo interminável, ou mesmo um zumbi poetinha tomandouma no último bar. Tanto faz. Tantofez.

Quer dizer, a riqueza do viver está justo no caminho da busca. Ali, onde as pessoas sonham-se-entrelaçam, se conhecem, se culturam, se curruchiampaixonadamente – nos passos da VidaViva.

Daí creio que, seja pela Razão, seja pela Fé, essa forma de enredo final da Vida ser ou um Deus solitário, ou uma Energia sem objetivo ou o Nada frustante – faz a coisa toda perder a pulsão de vidaviver. A graça do existir. Eis aí um num primeiro olhar, dizem alguns, um chatérrimo horizonte niilista.

Eu diria, todavia, que para além de niilismos entediados há também dentrofora de nós, um eterno horizonte de vidaviver movido pelas emoções de sonhos e paixões.

Afinal, na obra-prima The Tempest, de Shakespeare, o mago Próspero afirma: “Somos feitos da mesma substância dos sonhos”. 

Bolhas de sonhos cheias de paixões coloridas saem festivamente de nós. E o InFinito vira uma festa dos deuses uivantes em sua solidão. Basta abrir o coração.

Ainda ontem, na tardemansa, estava eu no AlecrimTotal, aqui em Natal, RN-EsquinaBrasil. Natal, vocês sabem, é a mais bela cidade do Nordeste.

E o AlecrimTotal é um centro comercial suburbano de grande movimento diário. Lembra formigueiros em polvorosa. Mas lá estava eu em pleno fluxo da multidão.

Rosto-pós-rosto, bundas-pós-bundas, olhudos-olho-olhantes, de todos os tipos, tamanhos, cores, passando, passando, repassando, sumindo…

A multidão parece ser uma só coisa viva. Dela sai trancos, risos, ranços. Burburinhos, gargalhos, contas a pagar, aperreios, emprego, emprego, emprego… lembruxas regirandoahhhh a pornôbundaça da vizinhaancas te chamando… pupariu!hay que tener cullones rojos, seo capitacom ou sem cuentro?… cumaé?… sei lá!… d’xapralá, chefia!… ééé…, paixonites e tremeliques se esparramam. Flutuam. Ambulantes gritam, chamam. Meninos de rua correndo pelas calçadas rachadas. Ônibus suados cansados bufando. Batedores de carteira e celular. Há um campo de força nervosa triscando. Esbadalhamentos de cada um e todos.

A solidão pulsa na multidão. Solidão atávica do indivíduosocial. Há na multidão um  aspecto de centopéia, com mil pernas andando conjuntas, mas separadas, como soldados desfilando.

Como jegues humanos trôpegos zurrando sua solidão de manada, carregando seus perrengues, seus remansos, suas humanências perdidas-e-achadas.

Me deixei invadir pela multidão. Pela sua plenitude de massa sem sentido. Escorrendo barulhos, desejos, sonhos. Passopassando sempre. Buscando algo.

E senti com força o fenômeno humano da eterna buscância. Essa tensão entre sim-não. Entre é-não-é. Entre um talvez do talvez… Ou um nada de nada. Momentos de eternidade na multidão.

AlecrimTotal!… fiapos do InFinito em carne-e-osso.

Do AlecrimTotal fui ao Cais 43, bar-belezura, na Ponta do Morcego, diante do mar imenso, lá na Praia dos Artistas. Decoração caprichada. Como se fosse um cais do porto. Garçons vestidos de marinheiros. Um Capitão bebe com uma “faxina”, na mesa de entrada. São perfeitos. São bonecos. “Faxinas”, na gíria naval, são as mulhas de cada porto. A “faxina” do Cais 43, louraça, vestido vermelho-paixão, dá um close das pernaças e peitaças. Chega mais, malandro!

Há lá um clube de uísque. Fim de tardemansa, clube vazio. Ainda o sentimento de buscância eterna triscava em mim.

Vou chamar os caboclos escoceses pensei. Pedi um JonnyWalker, 8 anos. Sabor de madeira velha. Primeiro trago pros Orixás, duendes, deusas-afins, bugs e “faxinas”. Êpa babá! O doiá! Ogunhê!Xanavá, mizifio!

Uiskmeditando. Mar espraiando lento na preguiça da maré de responto. Lusco-fusco da tardemansa. Deixo os olhos flutuar nessa energia de luz do Atlântico desaguando dentro de mim. Tempo. Tempos.

Solicitei então aos deuses dos bares e mares a presença do malucóide do tio-Nietzsche prum ChoppFilosófico descontraído, sobre essas coisas de humanências, catrevâncias e buscâncias.

Nietzsche, vocês sabem, é um filósofo alemão doido de pedra, com bigodão histriônico. Escreveu Assim falou Zaratustra, 1883. Com estranho subtítulo: um livro para toda a Gente e para Ninguém.

Zaratustra, personagem do livro, profeta solitário, figuraça também malucaça, nas primeiras páginas anuncia  de cara lavada a morte de Deus e a chegada do SuperHomem. Barra pesada, velhão!

Nietzsche veio. Baixou no Cais 43 de fraque, polainas e chapéu côco. Num gesto elegante sentou. Pedi 2 chopps com colarinho pra lavar o uisk. Ele agradeceu e sorveu o chopp limpando a bigodeira.

Ataquei:  – Ô Nietzsche-velho-de-guerra, você matou Deus e anunciou uma espécie de homem-deus: o SuperHomem. Certo?

Ele fez sim.

Continuei: – Depois, você joga uma questão troncha pra cima da gente:  “O homem é só um equívoco de Deus? Ou Deus é apenas um equívoco do homem?”.

– Né’não? Ele fez sim.

Fui em frente: – A coisa fica mais troncha ainda quando baixa os caboclos no teu personagem Zaratustra. Que louco de pedra, lá no alto da montanha que ele se entocava, solta aos ventos essas fantásticas palavras: “Todos somos jumentos carregados… (…)… Há sempre seu quê de loucura no amor; mas também há sempre o seu quê de razão na loucura... (…)… Eu só poderia acreditar num deus que soubesse dançar…(…)… Agora sou leve, agora vôo; agora vejo por baixo de mim mesmo, agora salta em mim um Deus”.

– Néisso não, véi? Ele torceu a bigodeira. Sorriu com os olhos. E tomou um trago de chopp. Fez que sim com a cabeça.

Eu concluí: – Bom, velho, penso que há 3 pontos obscuros no teu ateísmo. Primeiro você busca um ser superior ao Homem – o Super-Homem. Ora, isso é transferir pro Homem a superioridade de um deus. E, praticamente, criando um novo deus. Um Homem-Deus. Segundo: quando você questiona de quem é o equívoco – de deus ou ou do homem – você afirma que é de deus. Terceiro: pra poder acreditar em deus, você busca um deus dançarino que salta de você e te faz voar leve, feliz. Afinal, você é ateu, semi-ateu, um tutti frutti, ou também um eterno Buscante, como eu?

Choppsorveu, ele. Uisktraguei, eu.

Limpou os bigodões e segredou: – Marketing, Rubão! Marketing! Pra deixar essa galera de filósofos acadêmicos mais enrolada do que já são, desde a filosofia cartorial de Kant.

Em seguida, perguntou baixinho: “Tem haxixe, aqui? Ou cházinho javanês?”. Tem nada disso, velhão. Mas tem uísque pra calibrar o chopp. Tá afim?”, respondi.

Pediu dose dupla e disse: – Olhe Rubão, em algo nossa vontade crê: ou em deus ou em nada. Sacou? Crer ou não crer, matar ou não deus – tantofaz! Nesse universo louco tantofaz! Tudo continua girando em eterno retorno. Deus é projeção de cada um. Busca de si. Delírio buscante da multidão! Mesmo com fé, cada um tem sempre uma profunda e escondida interrogação. Que em certos momentos aflora…

O sacana é um Buscante também, pensei. Lembrei do AlecrimTotal.

Meio tímido e sempre cofiando a bigodaça, revelou: – Sobre o deus dançarino, o caso é que eu preciso aprender a dançar pra azarar Salomé! Olhou o mar e deu um suspiro de dor-de-cotovêlo.

Lou Andréas Salomé, vocês sabem, foi a grande paixão de Nietzsche e do amigão dele Paul Rée, médico e também filósofo. Foi um tremendo triângulo amoroso. Salomé que era uma mulher fora de seu tempo e de livre pensar e agir, também se apaixonou pelos dois. Mas intelectualmente. Daí sugeriu, dizem os entendidos, um ménage à trois. Mas a nível intelectual. Todavia, na hora do vamuvê, acabou fugindo com Paul Rée. Tio Nietzsche ficou arrazadão. Daí, com esse xifre nada intelectual de Salomé, ficou mais ainda desconfiado das mulheres (Cês sabem que xifre com “x” vem das tratativas das xanas. Com “ch” é dos animais e dos gramáticos linha dura).

– Me diga uma coisa, mestre, – perguntei – quecêacha do Brasil ter uma mulher Presidente?

Os bigodões detonaram:  – Como eu disse em Zaratustra, o Estado é a morte dos povos! E a mulher, é o brinquedo mais perigosoe sem fundo. Quer dizer, é fundo falso. Ou é fundo sem fundo” – respondeu, mãos gesticulando lentiacariciando o mar.

Uísquebiquei. Tio Nietzsche rebateu no chopp. Cerrando os olhos e cofiando a bigodeira, ele rematou com um sorriso malandro:  – Meu caro Rubão, nessas burakeras da vidaviva, em matéria de fundo feminino o que voga mesmo são os engarranchos alucinatórios do esfíncter.

Sorri e compreendi que a preferência nacional não é só nacional.

Tio Nietzsche sorriu de volta e piscou os olhos. Daí foi se esfumando entre gaivotas e nuvens. Ainda ouvi ecos de sua voz de barítono murmurar:  –  … a vida é sempre eterno retorno… renovação na diversidade… a alegria move a vida e quer eternidade, profunda eternidade… e a alegria de viver nos torna leve como o vôo de gaivotas…

O som do Club de Uísque do Cais 43, começou a tocar Like a Fool, de Robin Gibb, anos 80.

♫ Tão próximo e juntos, assim tão longe e separados

….
♫ Chuva sobre o rio, eu nunca o atravessarei
Vento sobre o oceano, a sensação é da perda   ♫

♫ Como um tolo, eu estava sonhando

♫ Os corações seguem pulsando, o amor fora do tempo
Ruas sem piedade, estou em busca de um sinal   ♫
Oh, continuo a correr na noite… ♫

Por um segundo me deu a impressão que tio Nietzsche, matador de Deus e criador do Super-Homem, estava revoando e dançando no horizonte, com Paul Rée e Salomé, esse rockaço de Robin Gibb. Que minha banda The Jetson’s tocava nas quebradas das buates de Natal, cantada pelo meu sócio Elsinho, tocando baixo. Tempo. Tempos…

Sorri. Os Deuses, o Nada, os Infinitaços, os Bózons de Higgs, o Super-Homem, todos sorriram. A tarde também sorriu. Os caboclos tomaram uma comigo.

Assim é a VidaViva.

Ruben G Nunes

Ruben G Nunes

Desfilósofo-romancista & croniKero

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3 Comments

  • Roberto Autran Nunes

    Ecce Homo… Friedrich Nietzsche era ateu niilista e tinha um QI 180. O que equivale a menos de 2% da humanidade. 🙂

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