O Nattanzinho de uma juventude doente

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Dia desses o Spotify divulgou lista dos artistas mais ouvidos em cada Estado. Exceção a Taylor Swift em um e um MC no Rio de Janeiro, todos os outros foram dominados pelo que chamam hoje de forró ou sertanejo. Nattanzinho é um deles. Nunca me dei ao desfrute de ouvir suas canções, já sabedor do estilo e da proposta. Mas ontem participei da formatura da minha sobrinha. Um show de pirotecnia numa cerimônia de despedida para estudantes do ensino médio de um dos colégios mais caros de Natal. E uma das três atrações era o tal. Esperei pra ver.

Mente aberta à novidade, à descoberta de uma revelação musical atacada pelo falso moralismo ou rockeiros radicais. Afinal, o clima era bacana e queria mesmo me surpreender positivamente. Mas é impossível se deixar enganar. Após jatos de fumaça e de luz, telão com imagens frenéticas do cantor e adolescentes amontoados e ansiosos em frente ao palco, o artista entra já com frases de efeito, conclamando a massa a curtir o universo de ostentação, machismo  e imoralidades, ou mesmo autopromoção: a cada três palavras pronunciadas, quatro eram o próprio nome: “É Nattanzinho, é Nattanzinho…”

Na música “Love Gostosinho”, que originalmente tem participação de outro fenômeno popular, Felipe Amorim, se diz: “É gostosinho, safadinho e a gente vai até de manhã.
E tu pedindo bota, e eu botando”. Em outra, chamada “Lancha no Mar”, o nobre se gaba: “Lancha no mar, jet na água. Pode preparar que hoje vai ter revoada. MD rosa pras donas. Muito baile, muito whisky. Elas gostam de mim. Mas gostam muito mais do Pix”. E aos mais moralistas, palavrão é dito a cada estrofe. E pensei: “Tem algo errado no mundo para algo doentio assim se tornar sucesso”.

Nem entro no mérito mais técnico, musical. Acho tudo pasteurizado nesses estilos. Mesmice de vozes nasaladas com palavras arrastadas, batidas uniformes e alienantes, rimas esdrúxulas e sempre a mesma produção grandiosa para proporcionar à plateia a sensação de participar de um grande momento musical, uma lembrança única em suas vidas. Em resumo: a superficialidade entregue de bandeja para mentes ávidas por novidades, gente feliz por se inserir no seio social do momento, por surfar na mesma onda.

É triste. Antes do show o DJ tocava “Tempo Perdido”, do Legião Urbana, em ritmo tecno. “… e nem foi tempo perdido. Somos tão jovens…” E eu pensava: “Sim, o tempo foi perdido, Renato. Minha filha de 10 anos provavelmente sequer saberá de seu legado. E em sua formatura algo pior do que Nattanzinho estará no palco a perguntar se tem cabaré essa noite. Todos artistas ‘fiés à putaria’, porque o mundo virou isso mesmo”. Nattanzinho é só fruto dessa contemporaneidade doente, dessa vida de gado, desse povo marcado e alienadamente feliz.

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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