Um mantra que repito: As expectativas raramente são benéficas quando se trata de cinema. Há, sempre, a necessidade se deixar levar por uma obra para que ela tenha a oportunidade de provar o seu valor. Preconceber julgamentos antes de ter contato real com o objeto pode ser um gesto que venha a desmerecer ou enaltecer o que, a partir de uma visão neutra, não passaria de merecedor de opiniões medianas, mornas.
É verdade que, para um julgamento crítico, é interessante que se faça o possível para que gostos pessoais não maculem o todo, mas jamais se pode deixar de lado o que se é. Se nos abrirmos para uma completa neutralidade, podemos nos tornar um tanto quanto robóticos e, no final das contas, acabamos criando a noção errada de que cinema – como arte que é – pode ser algo exato, quando, na verdade, é bem subjetivo.
Ainda assim, como sempre, para fazer a lista que exponho mais abaixo, procurei não ir aos filmes mais óbvios. A ideia foi trazer indicações que possam acrescentar. Então, dentro do catálogo da Netflix, podem ser encontrados outros tão bons quanto ou até objetivamente (se for possível de algum jeito) e particularmente melhores. Deixei de fora, inclusive, alguns bem aclamados por crítica e público e que estariam em uma lista minha mais clichê, como O Sexto Sentido, Garota Exemplar, Zodíaco… e outros.
Desse modo, garimpei à procura de produções que pudessem servir de indicações para quem gosta de suspense. Assisti aos filmes pensando em como transformar a lista desse que é um dos gêneros mais icônicos do cinema, que tem Hitchcock como mestre, em algo útil, que possa valer, de repente, para expandir o repertório de vocês de alguma forma.
Pensando nisso, vamos à lista dos 5 melhores filmes de suspense disponíveis na Netflix:
5. The Fury of a Patient Man
Para fãs de suspense, o final pode parecer um tanto quanto previsível. Mas The Fury of a Patient Man se difere dos demais da lista por não alicerçar o seu suspense em reviravoltas. O que o diretor espanhol estreante Raúl Arévalo guia é um roteiro (escrito por ele mesmo e pelo também debutante David Pulido) que jamais julga seus personagens. É uma história que, por si só, é uma grande personagem. Na verdade, ela (a história) é a vilã, é uma marcha inevitável e destrutiva.
Vencedor do Prêmio Goya de 2017 em quatro categorias – Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante (para Manolo Solo, o Santi no filme), Melhor estreia na Direção e Melhor Roteiro original – Tarde para la ira (o título espanhol) é, provavelmente, o ponto mais fora da curva da lista. Não por permanecer entre gêneros ou se encaixar em outros, mas por não se tratar de algo clássico ou fechado e acabar por ser um recorte, um conto aberto… em direção ao tormento.
4. Rastros de um Sequestro
Quando Yoo-seok (Mu-Yeol Kim) retorna sem memória dos 19 dias que passou sequestrado, ele está transformado em um homem diferente. Então, Jin-seok (Ha-Neul Kang), seu irmão, decide perseguir a verdade por trás do sequestro.
Contornado por um suspense mais racional do que emocional (como boa parte dos filmes coreanos), Rastros de um Sequestro é um filme que pode deixar o espectador atônito. Se a execução talvez não seja tão acertada, as reviravoltas do roteiro são de se engasgar (cuidado) e o conceito – a estrutura do filme em si – é genial.
3. Memórias Secretas
Eis um filme que fica no limiar entre gêneros (equilibrando-se entre o drama e o suspense).
Memórias Secretas conta a história de um homem idoso e machucado pela idade que, com a ajuda de um companheiro sobrevivente de Auschwitz e uma carta manuscrita, sai em busca da pessoa que ele acredita ser responsável pela morte de sua família. Seu desejo: vingar-se com as próprias mãos.
Protagonizado pela lenda Christopher Plummer (entre tantos papéis memoráveis, é quem dá a voz a Charles Muntz em Up: Altas Aventuras na versão americana), Memórias Secretas é daqueles filmes que podem bater bem fundo na gente. Com o suspense bem construído pelo diretor egípcio Atom Egoyam (de À Procura, 2014), o filme toca em elementos fundamentais da existência humana – como a dúvida – e rebate nas únicas certezas sobre a vida: todos iremos morrer e, se tivermos sorte, envelhecer antes disso.
Indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2015, Memórias Secretas ainda conta com o fantástico ator alemão Bruno Ganz (o Hitler de A Queda! As Últimas Horas de Hitler) e contorna todo o drama do protagonista com uma intrincada ação e um final arrebatador.
2. Um Contratempo
Um Contratempo parece beber de algumas das melhores fontes que retratam crimes perfeitos, como o próprio Hitchcock e Agatha Christie, além de ter uma evolução progressiva que traz muito dos melhores suspenses de Brian De Palma e uma dinamicidade fácil que se assemelha aos bons textos de Sidney Sheldon.
A verdade é que Um Contratempo é construído com muita racionalidade, amarrado com cuidado e tem uma tensão crescente constante. Cheio de reviravoltas, o filme espanhol do diretor Oriol Paulo, conscientemente, engana, reengana e engana novamente. Ele faz o coração do espectador acelerar e, sabiamente, tem uma leve despretensão, no sentido de que precisa que o público deixe de lado o que tem como verdades possíveis e aceite se submeter a uma história construída para entreter.
Como finalizei a crítica sobre o ele: É um filme excepcional, que depende, sim, do grau de aceitação de quem estiver o assistindo. Pode ser, também, um exercício cardíaco bem interessante, porque, aceitando-o, o coração vai acelerar. E vai ser sem piedade.
1. O Grande Truque
Eu não iria colocar esse filme na lista. Em parte, por ser, talvez, mais conhecido que os demais e, também, por não se encaixar exatamente como suspense. Sendo um filme menos badalado do seu diretor – Christopher Nolan (de Dunkirk, 2017) –, O Grande Truque é um meio drama e meio ficção científica recheado de mistério. Assim, com esse mistério tomando conta da atmosfera, o suspense ganha contornos bem interessantes.
Há uma magia na condução desse filme que Nolan parece ter escondido em boa parte dos seus demais. Toda a sua racionalidade e uma certa pretensa exposição, aqui, jamais deixa o resultado cruzar a linha da frieza. É, sim, tudo muito calculado, mas há uma compaixão que torna as camadas mais intensas. Eu, pessoalmente, gosto muito de Nolan (com um ou outro questionamento pelo caminho) e tenho O Grande Truque como o filme de sua carreira que mais me toca.
Bônus Adam Sandler:
Infelizmente, não consegui encaixar Adam Sandler na lista. Até tentei, como o fiz na lista de terror, com a animação Hotel Transilvânia (na qual ele dubla o Drácula), mas senti que para suspense seria muita forçação de barra. Se alguém quiser indicar esse bônus nos comentários, fique à vontade por favor!
Mas… vai um extra bem interessante:
Extra Stephen King: Jogo Perigoso
Baseado em obra de Stephen King e premiado em festivais de terror, especialmente pela atuação de Carla Gugino (a Olivia Crain da ótima série A Maldição da Residência Hill – nova dica), esse filme dirigido por Mike Flanagan (de Hush – A Morte Ouve – outra dica) acompanha Jessie e sua tentativa de apimentar seu casamento em uma casa remota (uma convenção do gênero). Inesperadamente, seu marido morre e ela, algemada ao estrado da cama, inicia uma luta para sobreviver.
No limite entre gêneros – tanto que está em minha lista de terror –, Jogo Perigoso é criativo o suficiente para fazer o espectador mais empático não desgrudar os olhos da personagem de Gugino e torcer para que toda a situação passada por ela chegue ao fim.
Menções honrosas:
Talvez seja injusto eu listar algumas menções honrosas de fato, já que não acredito em verdades objetivas ou absolutas quando se fala de cinema. Sendo assim, farei as menções a seguir em tom de indicação, do mesmo modo que fiz a lista principal:
1. The Looming Storm
Porque trata de um homem demitido, desesperado, caçando um serial killer… e porque coreanos são excepcionais em criar suspenses.
2. The Invitation
Porque pode ser, de alguma maneira, muito inquietante em sua invasão de privacidade.
3. El Desconocido
Porque é o típico filme de cronômetro: ou você faz em um tempo predeterminado ou você morre… no caso, explode.
4. Secuestro
Porque, além de ser escrito pelo Oriol Paulo (do e Um Contratempo), pode deixar o espectador tonto com a possibilidade de suspeitar de tudo e de todos.
5. O Guardião Invisível
Porque, além de ser mais uma confrontação com um serial killer, em alguns pontos lembra a obra-prima O Silêncio dos Inocentes (de Jonathan Demme,), especialmente por trazer uma inspetora que lida com seus próprios fantasmas como contraponto.
6. Águas Rasas
Porque, apesar de ter sido bem comercializado e muitos conhecerem, é um filme de tubarão… e tubarões sempre merecem estar em listas de suspense ou de terror.
Ficam, então, as indicações e o espaço dos comentários para acréscimos e tudo o que desejarem. Sem dúvida, como sempre ao fazer uma lista, foi dolorido, mas tenho certeza que vocês conseguirão complementar e enriquecer tudo o que está aí.
Texto originalmente publicado no Canaltech