É do destino que Vatenor tenha nos deixado enquanto os cajus afloram. Ainda é início da estação veraneio esses personagens tão marcantes de sua arte já se assanham em vermelhos flamejantes nas dunas da província. Divide paisagens e cartões-postais com o tapete verde do mar e o marfim das areias. Nas telas de um dos mais renomados artistas plásticos de Natal, o caju é emblema da cidade tropical, quase sempre superposto ao mar tão seu, tão Vatenor. A moldura é cenário quase bandeira da capital litorânea. Os quadros quase derretem tamanho o calor. E se o clima é tropicaliente, as curvas desnudas de mulheres morenas ou os contornos plásticos das dunas exalam a sensualidade e as cores da estação.
Sinto pela sua partida, ainda aos 71 anos, vítima de um AVC. E mesmo no curto recesso do blog e eu cheio de afazeres por esses dias, preciso enaltecer a autenticidade pintada por Vatenor e, principalmente, a índole deste cara: um fuzileiro naval carioca que trocou o chumbo cinzento das pólvoras e armas pelas cores efervescentes do verão. Sua arte é identidade paisagística própria, de um mundo criado e vivenciado. Se a arte imita a vida o inverso também vale. A Natal de cajus cromáticos, dunas e pomares à beira-mar é a vida da cidade e o inconsciente artístico do artista. É a representação máxima da obra de Vatenor em mais de 50 anos de pincel e vida dedicada às aventuras plásticas visuais.
A carreira de Vatenor enfrentou cruzadas de além-mar, passeou pelos cafés parisienses, cheirou o aroma da modernidade nova iorquina, viajou ao baixo Leblon carioca, sugou cenas, sentimentos e impressões artísticas das gerações de 70 e 80 até desaguar de vez no leito do Potengi em 1996. “Participei de várias exposições coletivas e vários salões. Realizei 27 exposições individuais, no Brasil e no exterior, com texto de apresentação de alguns críticos e várias personalidades do Mitier Artístico”, comentou a este repórter, em matéria publicada em 2009 no Diário de Natal.
E Vatenor mata a desconfiança e mostra as palavras-poesias de poetas e críticos de arte como o arquiteto das palavras, João Cabral de Melo Neto: “Vatenor, sem essa malícia sábia do pintor primitivo, pinta e repinta seus objetos, mais interessado que está em arranjá-los em novas composições do que em procurar introduzir novas anedotas. Por isso, essa lufada de ar fresco que nos sopra de seus quadros nos faz descansar das pesquisas incansáveis de sempre-vanguarda e também da falsa ingenuidade dos modernos pintores primitivos, que antes se chamavam ‘pintores de domingo’ mas que hoje são pintores ‘em tempo integral’, administrando sabiamente de seus ‘ateliers’ as fábricas de suas falsas ingenuidade em série”.
Outros renomados do tal metier das artes no Brasil, como o escritor, jornalista e crítico de arte Walmir Ayala, ou o cineasta e escritor Luiz Carlos Lacerda também entraram no jogo colorido de Vatenor e teceram apresentações pontilhadas do multicolorido da poesia. Mas foi o escritor e presidente de honra da Associação Brasileira de Críticos de Arte, Geraldo Edson de Andrade quem atesta e pergunta: “Vaternor é pintor naif com muitas qualidades. Tem o privilégio de morar em Natal, uma das nossas cidades mais bonitas, e é de suas belezas naturais que extrai os motivos para a sua pintura. E quais são esses motivos de Vatenor?”.
A resposta, o próprio Gerardo respondeu nas linhas sequentes. Mas cabe ao público captar fragmentos de percepções e olhares sobre a arte. Sem análises teóricas “inférteis”, como citou João Cabral. A subjetividade das formas e cores pode trair o espectador aparentemente mais preciso. Basta o contemplar. Sem racionalidade. E com desejos de mar, cajus e contornos desnudos. RIP, Vatenor!
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Belo texto, sensível e preciso, Sérgio.