OS VEADOS FANTASMAS
Era no tempo da dominação holandesa.
Trinta de maio, dia de Santo Humberto, o tenente Pieter Van Broeck, do castelo de Keulen, resolveu ir caçar. De nada lhe valeram as advertências de que não se devia matar caça naquele dia, sob pena de castigo divino.
Pieter embrenhou-se nas matas que circundavam a aldeia de Nova Amsterdam (Natal). Conta-se que, lá para as tantas, meteu fogo em um jacu, matou outros bichos. Quando estava mais dentro do mato – já era noite, a lua saíra – viu parados numa clareira três veados soberbos sob o luar. Sentiu medo. O silêncio pesava. Quis atirar, as mãos não se moveram. Afinal avançou com o terçado desembainhado, mas – viu logo – nada podia contra os animais, que eram como que feitos de luz.
Pieter Van Broeck então fugiu na carreira mais desabalada. Foi parar bem longe dali. Mas a visão o perseguia. Lá estavam, de novo, em sua frente, imóveis, os três veados de luz. Nova corrida, pelo matos fechados. Pieter já delirava, exangue, debaixo de um juazeiro, rodeado por todos os animais da mata, que o fitavam.
Dias depois o corpo foi achado “ao pé de um cômoro, coberto de areia, enlaçado de ervas rastejantes, com a face crispada numa agonia, os olhos parados, a boca entreaberta” (Câmara Cascudo, “Histórias que o tempo leva”, 1924).
Ainda hoje, quem passa à meia noite pelo local, no Morro Branco, lado oeste, “sendo mau homem e mau cristão”, verá em noite de luar os três veados fantasmas.
A SANTA CRUZ DO INHARÉ
Nos “tempos heróicos” do Rio Grande do Norte, indo já avançada a colonização, vastas terras permaneciam despovoadas. Eram aquelas compreendidas na região do Trairi e cabeceiras do Potengi. Ninguém podia morar ali, porque, ao quebrar os ramos do inharé, a árvore sagrada, as fontes secavam e os animais tornavam-se ferozes.
Uma vez um missionário, de passagem por lá, tomou os ramos do inharé e com eles fez a cruz, que plantou na solidão do descampado.
Desde então as fontes e os pássaros não deixaram de cantar na terra de Santa Cruz do Inharé, assim batizada.
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Terá esta lenda o sentido da vitória do Cristianismo, simbolizado pela cruz e pelo missionário, sobre o fetichismo indígena, que se revela no inharé, a árvore sagrada.
SANTA CRUZ – Município em 1876. Cidade em 1914. Situa-se no Agreste do Estado.
A ANTA ESFOLADA
Esta lenda explica porque o antigo povoado de Anta Esfolada passou a chamar-se Nova Cruz.
Há muitos anos, existia ali uma anta possuída pelo demônio, terror das redondezas.
Pois, certa vez – era sexta feira – um caçador pegou-a na armadilha e resolveu esfolá-la viva, para tirar-lhe o “feitiço”. Mas, o que é fato é que a anta, nos primeiros talhos, deu um pulo enorme e, deixando o couro nas mãos do caçador, ganhou os matos. Assim esfolada, levou fama de mal-assombro, semeou medo nas noites do Agreste. Deu nome, até, ao povoado: Anta Esfolada.
Certa vez um missionário mandou vir de Santa Cruz uns ramos de inharé, a árvore sagrada e com eles fez uma cruz, que fincou na vereda por onde a anta costumava passar.
Nunca mais o bicho apareceu, e o lugar ficou chamado, daí em diante, Nova Cruz.
Sucede, porém, que o caçador, que prendera a anta – receoso demais – enterrou o couro nas areias do rio Curimataú, cujas águas tornaram-se salobras.
Diz-se que somente ficarão boas no dia em que se desenterrar o couro, com todos os seus pelos…
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Manoel Dantas conta esta lenda em “Homens de Outrora” (Ed. Fac-similar, 2001). Diogenes da Cunha Lima valoriza-a na prosa poética.
NOVA CRUZ – Vila em 1968, transferindo-se para ela a sede municipal de São Bento. Cidade em 1919.
A SERRA DA NEGRA
Nas fazendas de gado do limite sudoeste do Seridó, no século XVIII, o braço escravo era empregado nos diversos trabalhos do campo.
Num desses lugares havia uma mucama que se apaixonou pelo filho do seu senhor, perdendo-se em um amor impossível.
Para fugir àquela sina, a negra enforcou-se num galho de árvore, no pé da serra, perto da fazenda.
Pois, desde então o lugar foi mal assombrado.
Caminhantes cortavam caminho por longe, para não ouvir os gritos terríveis que enchiam as noites de pavor. Alguns indivíduos temerários, que ousaram aproximar-se da árvore do suicídio, afirmaram haver visto, pousado ali, um grande pássaro, de asas brancas, a cabeça humana brilhando com um brilho esquisito, de arrepiar.
A assombração era motivo de conversas num raio de muitas léguas. Nas feiras das redondezas só se falava na serra da negra.
Perto da serra, assim batizada, brotou a povoação, hoje cidade de Serra Negra do Norte.
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O detalhe das “asas brancas”, do pássaro é revelado por Manoel Dantas (Homens de Outrora”. Ed. Fac-similar, 2001) que, certamente, o recolheu da tradição oral.
SERRA NEGRA DO NORTE. Município em 1874. Cidade em 1938. Situa-se na zona do Seridó.
CANTOFA E JANDI
Em 1825 os índios de Portalegre revoltaram-se contra os moradores brancos da vila. Muito sangue correu.
Alguns índios foram presos, outros fugiram para lugares distantes. Só ficaram em Portalegre, escondidas nos sítios da serra, a índia velha Cantofa, cabeça do motim, e sua neta, a menina Jandi.
Certa vez, um morador descobriu-lhes o esconderijo, seguindo, ocultamente, Jandi, quando esta apanhava cajus no mato.
Espalhada a notícia, o povo partiu à procura das duas índias. Foram encontradas debaixo de um grande cajueiro. Cantofa, logo que avistou os seus perseguidores, ajoelhou-se diante de um pequeno oratório e começou a rezar o oficio de Nossa Senhora. Jandi implorava perdão para a sua avó. Nisto, um dos mais exaltados do grupo avançou sobre a velha e, no momento em que esta rezava…
“Deus vos salve! Relógio
Que andando atrasado
Serviu de sinal…”
…cravou-lhe um punhal, mortalmente, no peito.
No outro dia, o corpo de Cantofa foi enterrado ali mesmo.
De Jandi, que ficara desmaiada na cena anterior, nunca mais se teve notícia.
Dizem que, durante muitos anos, o lugar foi mal-assombrado. Quem passasse por ali ouvia estranha voz a rezar o ofício de Nossa Senhora.
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Nonato Mota, conta esta lenda na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, vols. XVIII/ XIX.
Antônio Soares transformou-a em poema (V. “Lira de Poti”, 2ª. ed., 1971).
PORTALEGRE – Vila em 1761. Município em 1833. Cidade em 1938. Situa-se na zona serrana do Estado (Oeste).
2 Comments
Olá, Doutor Onofre!
Gostei muito das lendas que aqui narraste. Como és grande conhecedor de histórias de assombrações, poderia me responder por que em São Tomé há um lugar chamado MAL ASSOMBRADO?
No Google já procurei, tem até previsão de tempo para esse lugar, mas nenhuma explicação sobre tal nome. Já perguntei a um amigo, grande historiador, mas por ser do Oeste Potiguar, conhece apenas as histórias do Sobrenatural de sua região.
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