Lendas de Estremoz

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

Antiga missão jesuítica, Estremoz tornou-se município em 1760. Foi um dos primeiros núcleos do povoamento no Rio Grande do Norte. O nome – Estremoz, com s – foi dado em homenagem à cidade portuguesa situada na região do Alentejo.

Em 1855, Estremoz perdeu a categoria de sede municipal para Ceará-Mirim, vindo a ser restaurado onze anos depois. Foi extinto em 1858 e restaurado, de novo, em 1963.

É um lugar mágico, de muitas lendas, todas estas remanescentes da era colonial.

O historiador Nestor Lima revelou esse manancial de histórias fantásticas (Conferência publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RN, Vol. L). Câmara Cascudo também explorou, com engenho e arte, o mesmo veio.

Das inúmeras lendas, destacam-se três mais sugestivas, que bem atestam a presença dos missionários jesuítas, in ilo tempore.

O CARRO CAÍDO

Noite alta, ia um carro de boi pelo caminho de Natal a São Miguel de Guajiru, carregando o sino destinado à igreja da aldeia. Era noite de lua, e o carreiro, a certa altura, adormeceu.

Nas imediações da lagoa, estando o carro sem governo, os bois sentiram sede e encaminharam-se para a beira d’água. Mas, de repente, escorregaram e foram parar nas águas profundas. Aí ficaram sepultados carreiro, bois, carro e sino.

O lugar tornou-se conhecido como “Carro Caído”.

Pois conta-se que, desde então, quando é noite de lua, ouve-se pairando sobre a calma da lagoa, um dobrar de sino, o ranger longínquo do carro e a voz do carreiro, que abóia.(*)

OS MONSTROS DA LAGOA

Em remotas eras, duas imensas cobras, que moravam no fundo da lagoa, vinham pondo em alvoroço a aldeia. Estavam pegando, a cada dia, mais curumins e até gente grande.

Para acabar com o flagelo, um missionário, cujo nome a História não guardou, foi, um dia, benzer as águas da lagoa. Logo no dia seguinte, uma das cobras foi encontrada morta na beira d’água.

O outro monstro veio vindo da lagoa até a igreja, e tal era o seu tamanho que, colocando a cauda na porta principal, deu a volta ao templo, e veio botar a cabeça sobre a ponta da cauda. Ali mesmo morreu.

Esta lenda propagou-se entre os índios da missão, como exemplo do poder do Deus católico e do seu sacerdote.

O TESOURO

Ainda hoje, muita gente crê no “tesouro de Estremoz”, o qual teria sido deixado, ali, pelos jesuítas. Segundo a lenda, constituía-se das imagens dos doze apóstolos em ouro maciço, e está enterrado nas proximidades da antiga igreja, em uma galeria subterrânea.

Há muitos anos, Joaquim Honório, cidadão de Estremoz, sonhou com um frade que lhe indicou o local do tesouro. Honório e familiares cavaram no ponto indicado e deram com alguns sinais revelados no sonho, mas nada de ouro.

Outras pessoas fizeram escavações, em vão. Como o resultado disto, apenas a destruição do que restava do velho templo.

Das lendas e suas versões

(*) Sobre a lenda do “Carro Caído”, há um soneto de Antônio Soares. Clementino Câmara, em História e Geografia do Rio Grande do Norte (1952), que apresenta uma versão, conferindo ao carreiro a condição de preto velho feiticeiro, morador de Estremoz, que, por castigo, teve aquele fim. Henrique Castriciano aproveitou a lenda em um pequeno conto, divulgado por Câmara Cascudo em Folclore do Brasil.

Há também uma versão revelada por Eloy de Souza (transcrita em Leituras Potiguares, de Antônio Fagundes (1933) e Lendas do Brasil, de Gumercindo Saraiva (1984) e três outras, pelo jornalista Elias Souto, constantes do referido Lendas do Brasil.

A de Eloy de Souza encerra-se da seguinte maneira: “De repente, a junta dianteira já não toma pé na profundidade que a surpreende, e arrasta ao abismo igualmente o carro e a sua carga, perdendo-se no vazio da solidão o grito do velho carreiro, despertado daquela madorra para dormir o sono eterno.

“Conta-se que, no mesmo instante, algumas pessoas ouviram no povoado adormecido, as badaladas de um sino cuja sonoridade, vinda de muito alto, a imaginação popular guardou, numa interessante ilusão auditiva. E todos os anos, àquela hora, se repetiram os dobres num convite de prece pela alma do velho carreiro, afogado no pecado mortal.”


FOTO:

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidas da semana