Saudações, nobres consumidores cervejeiros!
O “Lavajatismo” é um câncer. E é sobre o espraiamento dessa mentalidade inquisitorial, juridicamente profana e legalmente promíscua que vamos falar hoje.
O tema não será obrigatoriamente político (um pouco talvez, outros textos já o foram mais). Todavia, vamos falar sobre como o tribunal da internet é rápido em condenar qualquer um, sem provas (ou com provas apócrifas) e baseado em denúncias anônimas.
Vamos falar do infame vídeo que circulou há umas semanas atrás e acusava a cervejaria mineira Spartacus de adulterar rótulos e omitir importantes dados técnicos sobre suas cervejas.
Abordaremos da forma mais imparcial possível o ocorrido, para poder concluir como a inveja e a crueldade nas redes sociais podem ser abjetas.
Até porque, quem já leu outros textos meus sabe que eu já critiquei a Spartacus quando foi necessário e também já elogiei quando foi devido, então, não teria porque defender por defender ou atacar por atacar.
O caso da Spartacus: a denúncia de um vídeo anônimo
Há pouco mais de uma semana um vídeo contendo uma denúncia anônima sobre procedimentos técnicos “duvidosos” se espalhou nos grupos cervejeiros do WhatsApp de maneira viral.
Com uma voz alterada digitalmente e sob as vestes anônimas do personagem do filme V de Vingança, “alguém” trazia pretensas verdades sobre as Triple IPA’s da Spartacus. O foco da “denúncia” é que, ao contrário do alardeado (seja por consumidores ou por beerinfluencers), o famoso ABV fantasma (baixa percepção do teor alcoólico) das Triple IPA’s da Spartacus, na verdade seria um engodo.
Segundo o vídeo, o embuste na percepção da graduação alcoólica se dá porque as cervejas, de fato, não possuem aquela porcentagem de álcool descrita no rótulo (ou seja, o rótulo foi fraudado para enganar). Para “legitimar” tais indicações alguns laudos (sem assinatura do RT) são rapidamente mostrados, “validando” que as Triple’s de quase 10% possuem apenas algo entre 5 a 7,5% de álcool.
O vídeo finaliza expondo várias pessoas que em seus perfis no Untappd elogiam as cervejas da Spartacus, e que mencionam, em particular, a questão da baixa percepção alcoólica de suas cervejas. Chamando tais pessoas de “troxas” (com o erro de grafia mesmo).
O tribunal da internet não perdoa
Como rastro de pólvora, o vídeo/denúncia se espalhou por toda a internet. Não demorou muito para que o veredito viesse: Spartacus condenada por enganar os consumidores!
No tribunal da internet ninguém tem a chance de se defender, apenas são lançadas qualquer tipo de acusações, ainda que com base em meros e frágeis indícios, e a condenação vem a jato! Tal qual como na operação lava-jato!
As alegações feitas por um vídeo de pouco mais de dois minutos de duração são gravíssimas e colocam em dúvida a credibilidade de uma das melhores (talvez, a melhor) cervejarias nacionais. Algo tremendamente temerário de se fazer, com quem quer que seja, ainda mais grave quando se prega a “união na cultura cervejeira” (algo que parece, derradeiramente, não existir de forma alguma).
Os julgadores dos grupos de WhatsApp cervejeiros foram ligeiros em condenar, ou, na melhor das hipóteses, demandar uma contraprova imediata da cervejaria. Mesmo sem que se saiba quais são exatamente as acusações, e vamos saber melhor mais adiante.
No tribunal da Internet não há prazos a serem respeitados. Tudo é imediato e definitivo.
Os erros metodológicos da “denúncia anônima”
Certamente que, em situações excepcionais, em que há grave risco à integridade física dos denunciantes, são aceitáveis denúncias feitas de forma anônima. O caso da Spartacus não se encaixa em tal excepcionalidade. A denúncia foi feita anonimamente para atingir a cervejaria e não para proteger ou resguardar a identidade de quem estava expondo as “irregularidades”.
A partir desse ponto, podemos apontar que há dois erros metodológicos graves na suposta “denúncia anônima”.
O primeiro deles é “jurídico”, no sentido procedimental do termo (legal-formal). Já que apenas se jogou a “denúncia”, sem chance de contraditório ou ampla defesa.
O segundo erro metodológico é com relação à forma como os resultados de diferença de graduação foram obtidos entre as amostras e aquilo que consta no rótulo das cervejas da Spartacus.
Vamos trabalhar cada um desses equívocos para destrinchar melhor a situação, antes de sair exigindo se cervejaria x ou y vai “assumir a pilantragem”?
Erro metodológico jurídico: provas e procedimentos
Toda empresa está sujeita a ser fiscalizada e regulada, faz parte do sistema jurídico protecionista ainda vigente no Brasil. Isso não significa, todavia, que possa haver denúncias feitas de qualquer forma e que ela possa ter sua imagem afetada por causa desse tipo de mau-procedimento.
Formalmente, apresentam-se as provas, é dado um prazo para que elas sejam analisadas, e concede-se um novo prazo para que elas, porventura, venham a ser contestadas. Conceitualmente, essa é a amostra mínima do que se entende por princípios do contraditório e da ampla defesa. Inexiste “prova irrefutável”, toda prova é passível se ser contrafeita.
Depois do alegado, oferece-se o prazo para defesa, que pode se valer de qualquer meio para rebater aquilo que lhe foi imputado, e deve ter um lapso temporal razoável para que possa desenvolver sua tese defensiva.
Em qualquer Estado Democrático de Direito esses são os passos para uma averiguação justa de qualquer irregularidade ou ilícito.
Todavia, quando essas etapas procedimentais são vilipendiadas, atropeladas ou simplesmente ignoradas, parte-se para um método inquisitorial de julgamento, onde os direitos e garantias fundamentais são aniquilados e desrespeitados.
Tal qual como na famosa operação do “juizeco-marreco de Curitiba” (sim, o ex-juiz ladrão e atual presidenciável – quac!), todo procedimento que não se resguarda ao direito de produzir provas, de contrapor ao que se alega, ou que, açodadamente antecipa juízo de valores com base em preferências (particulares ou ideológicas) se traduz em um julgamento injusto.
Assim, claramente, não foi dada à Spartacus a chance de uma defesa justa, de ter acesso aos laudos rapidamente mostrados no vídeo, de poder se posicionar claramente sobre o ocorrido. Não lhe foram ofertados os parâmetros mínimos de contraditório e ampla defesa, essenciais para o deslinde da questão colocada.
Erro metodológico técnico (químico): Destilação x Cromatografia Gasosa
Para explicar melhor o segundo erro metodológico é necessária uma breve explicação mais técnica do ponto de vista químico. Nos laudos mostrados no vídeo foi utilizado o método analítico utilizando destilação.
A destilação como forma de análise é um método relativamente preciso, todavia, ele tem um limite de detecção baixo (entre 0,5% a 7,5% de álcool) e é considerado arcaico. A cerveja, por ser uma solução hidroalcoólica, é um azeótropo, e caso fosse submetida à destilação como forma de detecção e quantificação do seu percentual alcoólico seria preciso se valer de uma coluna Vigreux imensa pra separar (o álcool do restante da solução). Algo impraticável.
O limite de detecção médio do método da destilação é de até 7,5% de álcool (coincidentemente, o maior nível alcançado nos laudos, quando o máximo alegado no rótulo seria de aproximadamente 10%). Ou seja, por mais que exista mais álcool na cerveja, ele acaba ultrapassando o nível de detecção do método analítico escolhido, e o restante do teor alcoólico acaba não sendo quantificado na amostra.
Houve um erro procedimental crasso em tentar detectar e quantificar o álcool nas cervejas da Spartacus.
O método mais adequado para a averiguação em tela é a cromatografia gasosa (EBC 9.2.4 – art. 19 da Instrução Normativa nº 65/2019). Um procedimento de extração de compostos voláteis muito utilizado na cromatografia gasosa é a amostragem por headspace, no qual os analitos estarão distribuídos entre a fase gasosa e a fase condensada, com ajustes das condições operacionais para que a fase gasosa seja favorecida.
Essa metodologia é muito utilizada para análises de amostras complexas, que não podem ser injetadas diretamente na coluna, como é o caso de certas bebidas alcoólicas (como no caso das cervejas). Assim, esse seria o procedimento mais fiel e mais indicado para que se pudesse detectar e quantificar o ABV nas cervejas, e isso não foi feito (pelo que se viu no vídeo divulgado).
Saideira
Não consigo ver outra coisa no caso lava-jatista contra a Spartacus que não seja uma flagrante tentativa de assassinato de reputação.
Inveja?
Cobiça?
Ruindade no coração?
Quem sabe…
A única certeza é que uma denúncia anônima, com métodos de análise duvidosos, sem comunicação aos órgãos competentes (MAPA), e sem chance de defesa com o devido contraditório por parte da cervejaria citada, não parece ser algo minimamente sério.
Quem produziu o mencionado vídeo apenas promoveu um grande desserviço, não provou nada, e provavelmente ainda vai levar um processo por parte da cervejaria que teve sua imagem arranhada.
O juizeco já afundou, porém, seu legado permanece para todos os maus efeitos possíveis…
Recomendação musical para degustação
Só teve uma música que eu consegui lembrar ao escrever o texto de hoje, da banda de Crossover paulista Gangrena Gasosa.
(Que até se relaciona com o método da cromatografia gasosa abordado…).
Acredito ser a melhor música deles e retrata bem o espírito de quem produziu o infame vídeo em questão, a canção se chama: Gente Ruim.
Afinal, “Gente ruim só manda lembrança para quem não presta”, bem diz um trecho da música sugerida!
Saúde!!
Boas Spartacus a todos!
6 Comments
Comparar a operação que colocou o maior corrupto da história na cadeia com CENTENAS de provas a um julgamento equivocado da internet é uma piada.
Caro minion. Esse texto não é para você. Não se digne a vociferar do que não conhece. Passar bem.
O texto não é sobre esse tema, não vejo porque insistir nisso. Não tenho o que comentar sobre esse grupo insólito.
Assim TB foi o caso dos cervejeiros “racistas e misógenos”, aonde o tribunal foi rápido em aceitar recortes adulterados de conversas como prova de crimes seríssimos e sequer foram ao foro competente resolver a questão. São os paladinos do altruísmo e da virtuosidade. No final não houve qualquer punição da justiça, ficando bem claro que interesses comerciais e econômicos era a real agenda. Dois anos se passaram e têm quem ainda insista em manter o discurso.
E o mais engraçado é saber que quem tentou “lacrar” lá em 2020 por causa to tal grupo de whatspp acabou falindo a Abracerva, tirando também o o prestígio dos profissionais que defenderam a tal lacração sobre prints editados.
Confesso que não conheço o caso a fundo (vi apenas bem superficialmente). Então, Não tenho como opinar sobre os Illuminati.