Hey, kiddo, wassup?
Prezados cervejeiros de plantão, vamos falar hoje de um assunto básico no universo cervejeiro, mas que, para alguns, e para os iniciantes de modo geral, pode ser algo bem apropriado ao se adentrar nesse novo universo das cervejas, principalmente as artesanais.
O assunto de hoje é sobre tipos de fermentação, englobando as duas categorias mais comuns: as leveduras Lager (Saccharomyces pastorianus e ocorre em temperaturas baixas, que ficam entre 5°C e 14°C) e as leveduras Ale (Saccharomyces cerevisiae e ocorre em temperaturas mais altas, entre 15º e 25ºC).
Vamos inicialmente aprendendo a pronunciar: Lager se lê “lággê” (g com som de g e não de j); e Ale se lê “éll”.
Então, vamos desvendá-las?
Lager é Pilsen?
Uma das confusões mais comumente feitas, e ajudadas principalmente pela divulgação midiática das cervejarias de massa, é entre Pilsen e Lager.
Certamente que toda Pilsen é necessariamente uma Lager, pois se vale de uma fermentação dessa categoria. Todavia, o inverso não é verdadeiro, tal qual aprendemos no ensino médio: “toda gordura é lipídio, mas nem todo lipídio é gordura”. Esse adágio também é válido quando se trata de Pilsens e Lagers.
Antigamente, todas as cervejas de massa, como Brahma, Antarctica, Skol e similares da nossa queridíssima AmBev traziam em seu rótulos “cerveja Pilsen”, ou algo semelhante, que servia como um imenso instrumento de marketing para divulgar tais cervejas.
A nomenclatura ajudava, já que “Pilsen” denotava ser uma cerveja de grande qualidade, um processamento primoroso, e qualquer outra besteira que os comerciais dessas marcas quisessem passar, além de mulheres seminuas ou siris, caranguejos e tatuís computadorizados e falantes.
Esses instrumentos de marketing acabaram incutindo no público em geral que uma cerveja qualquer de massa era uma “Pilsen” (e não eram) e que esse nome carregava por si só algo grandioso e de muita qualidade (outra falácia de Mamon para vender cerveja no verão e nas praias lotadas de tempos pré-COVID-19).
Resumidamente, todas as Pilsens são um estilo específico, seja na sua variante tcheca ou alemã, fermentadas a baixas temperaturas que usam leveduras do tipo Lager, embora comumente popularizadas como sendo as cervejas de massa, a maioria (para não dizer todas) não são exatamente Pilsens.
A maioria das cervejas de massa, apesar de Lager, são outros estilos, como Premium American Lager (como a Heineken) ou Standard American Lager, ou North-American Adjunct Lager, como Brahma, Skol, Antarctica, dentre outras similares, desde que não seja a versão “puro malte” delas.
E o que são as Ales?
Quem tem o costume de assistir filmes e séries legendadas, principalmente as de época ou medievais (quem assistiu Game of Thrones deve lembrar de algumas cenas de tabernas parecidas essa a ser descrita) já deve ter ouvido algum dos personagens pedido uma “Ale” no lugar de usar a palavra “Beer” (que seria de modo mais amplo: cerveja).
Ale não é qualquer tipo de cerveja, embora algumas cenas cinematográficas ilustrem o contrário do que acontece aqui no Brasil, a popularização da cerveja pelo tipo de levedura utilizada na fermentação, lá na Europa as Ales nos idos medievais eram mais comuns que as Lagers (ao menos nos domínios não-germânicos), dada a maior facilidade da produção e seu menor tempo de fermentação.
No entanto, aqui no Brasil, com o avanço do mercado artesanal, as Ales assumiram um posto bem mais significativo, haja vista que a maioria esmagadora das cervejas artesanais usa leveduras desse tipo, principalmente para os estilos que acabam se tornando mais populares como IPA (India Pale ALE) e também para Sours e Stouts.
Todavia, essa expansão mercadológica talvez não tenha vindo acompanhada das devidas explicações didáticas ao público sobre o que se trata o assunto, explicando com maior clareza as diferenciações entre Lagers e Ales, deixando tudo um pouco obscuro, diferenciando apenas as de massa como Pilsen e as artesanais como todas as demais (ainda que sejam Ales, a explanação não foi bem didática por assim dizer).
Diferenciação entre ales e lagers
Além da diferenciação em termos de fermentação, tempo e duração do processo produtivo, seus custos e demais elementos econômicos de sua manufatura, as Ales e as Lagers possuem diferenciações em sua análise gustativa, embora, no final, a maioria das pessoas reconheçam ambas apenas como “cerveja” (isso não está propriamente errado, é apenas uma imprecisão técnica).
As cervejas Lagers costumam ter uma interação mais neutra, não possuindo esterificação (ou quase nenhuma esterificação). Elas apresentam, portanto, uma expressão sensorial mais limpa, sem adocicado pungente (na maioria dos estilos, sendo as Bock uma exceção) e um perfil “crisp” bem definido, e comumente bem refrescantes.
As Lagers também tendem a possuir um perfil “metálico” mais acentuado, sem que isso represente uma oxidação do líquido.
Outro elemento usualmente presente nas Lagers, ainda que em pequenas quantidades geralmente observáveis é a presença de diacetil, dando uma certa característica “amanteigada” à cerveja (PotterHeads, atenção! Calma fãs do bruxo mais célebre de todos os tempos, não se trata da bebida famosa na literatura fantástica denominada de “cerveja amanteigada”, a qual, nem é cerveja tecnicamente), algo que em grande quantidade pode ser considerado um off-flavor, e em pequenas quantidades se torna aceitável em alguns estilos de Lager.
Já as Ales possuem uma compleição cervejeira bem diversificada (eufemisticamente, já que não seria nenhum absurdo dizer que as Lagers são, normalmente, mais “simples”). Seu principal elemento característico diz respeito à esterificação, produzindo cervejas frutadas e também fenólicas em alguns estilos mais famosos.
Assim, as Ales possuem uma interação bem menos neutra. Quando se traça um comparativo com as Lagers, são cervejas que possuem uma pujança bem mais significativa causada pela própria interação com o fermento utilizado, algo bem secundário nas Lagers, que se focam em sua neutralidade de interação.
Assim, as Ales possuem elementos de dulçor e de caramelado muito mais acentuados que nas Lagers, não tendem a ter perfis metálicos ou de diacetil em grandes quantidades, exceto se houver oxidação ou alguma outra forma de contaminação no processo produtivo dessas cervejas.
Fermentando com Ale ou Lager?
Por mais que os parâmetros e os limites entre uma Ale e uma Lager pareçam ser bem definidos, como sendo: família Lager, fermentação de longa duração e baixa temperatura; e família Ale, fermentação de curta duração e de alta temperatura; tais fronteiras não são tão estanques. Isso porque existem muitas cervejas vendidas como sendo “LAGER”, mas, que na verdade são fermentadas com uma levedura da família ALE que é capaz de enfrentar baixas temperaturas.
A polêmica dada diz respeito ao fermento Nottingham Lallemand, um verdadeiro coringa em termos de produção e fermentação cervejeira. Ainda que ele seja da família das Ales, tal levedura é uma estirpe inglesa conhecida por sua alta capacidade de desempenho e versatilidade gerando cervejas muito límpidas. É uma cepa conhecida por sua neutralidade de aroma e largo espectro de temperatura de fermentação (podendo se encaixar em temperaturas tanto de Ales quanto de Lagers).
Com essa levedura é possível se produzir uma gama variada de estilos, desde Pale Ale, Amber, Porter, Stout, e Barleywine, até mesmo cervejas estilo Lager, como Kölsch, e Pilsen. Ela é extremamente versátil, produzindo cervejas do estilo inglês, alemão e americano, das Lagers às Ales. Ela só não é recomendada para a produção de estilos belgas. Ainda assim, a sua capacidade mimética é algo salutar e sua popularidade em virtude disso é altíssima, já que ela é praticamente onipresente para quase todos os estilos possíveis.
Todavia, o questionamento que se levanta é: uma pretensa cerveja Lager (uma Pilsen, por exemplo) feita com essa levedura Nottingham pode ser comercializada com esse rótulo de Lager? Por mais que o método de produção seja similar ao de uma levedura tipicamente Lager, por ela ser uma Ale, não haveria propriedades organolépticas diferenciadas no resultado obtido? E de toda maneira, seria ético fermentar com Ale e colocar Lager no final?
Essas são respostas difíceis de serem encontradas, afinal, pouquíssimos conseguiram distinguir essas sutis diferenças apenas por meio da degustação, sem saber que sua Lager, na verdade, foi feita com uma levedura Ale (a Nottingham). De toda maneira, ficam os questionamentos para debate sobre as fronteiras desse tema.
A Saideira
No imaginário popular, cerveja boa é Pilsen, seja ela Ale ou Lager, e quanto mais gelada melhor. Todavia, com critérios didáticos, essa mitologia cervejeira pode vir a ser desfeita. O importante é termos em mente os conceitos elementares e suas classificações. Enfim, cerveja é cerveja, saúde!
Música para degustação
Ainda que o tema de hoje seja a contraposição de Lager e Ales, deixo como sugestão de música para degustação a canção da banda de folk metal finlandesa Korpiklaani denominada simplesmente Beer, Beer!
Saúde para todos, seja com Lagers ou Ales!
Ps. O texto de hoje foi livremente inspirado por um bate papo com o Mestre-Cervejeiro Igor Spínola, no grupo do Whatsapp da Black Metal Brasil, em um dos nossos devaneios etílicos.
Foto de capa: Amiera06/Pixabay
2 Comments
[…] escrevi um pouco sobre esse tema em alguns textos (clique AQUI , ou AQUI ou ainda AQUI), inobstante, o intuito do tema de hoje não é conceituar o que são […]
[…] A princípio, podemos dizer que cada grande família de estilos cervejeiros possui suas próprias características, sejam as Ale’s, as Lager’s, ou as de Fermentação Espontânea/Mista. Não entrarei em detalhes sobre as particularidades de cada uma, mas, uma visão introdutória pode ser lida nesse texto AQUI. […]