A Guerra de Carrapateira dos meninos de Neópolis

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Eles podiam estar em suas casas, diante de um computador, divertindo-se com jogos virtuais, como a maioria dos meninos das cidades dos nossos dias.

Não estão.

Estão na quadra gasta do Tecesol, celebrando a liberdade que usufruem em um bairro tranquilo, onde nasceram, estudam, vivem os dias de brincadeiras naturais à idade em que se encontram.

A verticalização das cidades, com seus edifícios residenciais, e a violência urbana têm imposto às novas gerações uma distância a cada dia mais acentuada das brincadeiras infanto-juvenis nas ruas dos bairros onde moram.

Brincadeiras simples, baratas, coletivas, que passam de geração para geração e existem há décadas, séculos, milênios. Brincadeiras que sofrem modificações de acordo com regiões e épocas, mas que mantêm essências de origens.

Os homens, os animais, desde que o mundo é mundo, brincam, medem forças em disputas lúdicas que os preparam para a vida.

Desde as mais remotas origens, a luta pela sobrevivência é real à condição animal.

Essa luta, suas técnicas, suas estratégias, seu preparo, sua cultura própria, sua essência, são ensinados pelos mais velhos aos rebentos que chegam às suas comunidades.

É necessário passar o saber da luta pela sobrevivência adquirido, sob pena de extinção de qualquer espécie animal.
Filhotes de pássaros brincam; bebês elefantes medem forças.

Desde os mais primitivos ajuntamentos humanos, desde os primevos tempos, as disputas por afirmação social entre os homens estão presentes no dia-a-dia de qualquer comunidade.

Viver é lutar permanentemente.

Às vezes, por razões diversas, os homens entram em guerra.

Ela é uma das mais antigas práticas da civilização, gera dor, mortes, muitas lágrimas, é motivo de orgulho a vencedores; atitudes, gestos, fazeres heroicos são enaltecidos por vencidos quando sucumbem diante de forças superiores.

A guerra é uma prática essencialmente humana: só o homem, entre todos os animais, a pratica.

Os irracionais só lutam ou matam em nome da sobrevivência. Os homens, muitas vezes, fazem a guerra por outros motivos. Muitas vezes, motivos irracionais.

As brincadeiras infantojuvenis, muitas delas, buscam imitar a vida adulta, a vida para valer, do trabalho, da busca cotidiana pelo pão.

Meninas imitam suas mães: suas bonecas são suas filhas, merecem seus cuidados e carinhos; meninos brincam de guerra, como se soldados em campos de batalha fossem.

Na luta pela sobrevivência, os homens foram se apropriando de saberes utilizados no fabrico de instrumentos que lhe auxiliavam na caça: consumir carne fazia parte de sua condição animal.

Foram muitos os instrumentos que o homem criou em sua atividade de caça e criação, pecuária; coleta e plantações, agricultura.

Muitos desses instrumentos criados para sua sobrevivência, foram, depois, utilizados na guerra, adaptados para novas funções, assassinas, destruidoras.

O arco e flecha dos nossos potiguares, usados na caça para alimentação, faziam a guerra quando seus territórios eram invadidos.

Desde cedo, os curumins potiguaras brincavam com eles: imitavam seus pais em caçadas nos derredores de sua tribo.

Como o arco e flecha, o estilingue é um instrumento longevo enquanto uso da humanidade.

Construído primitivamente com forquilha de madeira em forma de Y, na qual, nas extremidades superiores, se amarram tiras elásticas para que, depois de elastecidas e soltas, propiciem arremesso de pequenas pedras ou projéteis similares.

Em grande parte do Nordeste brasileiro, o estilingue é conhecido como baladeira.

Munidos de baladeiras, meninos do bairro de Neópolis mantém uma tradição lúdica bem natalense: a guerra de carrapateira.

guerra da carrapateira

Eles colhem o fruto da planta, que cresce fácil e espontaneamente em qualquer terreno baldio da cidade; montam suas trincheiras e, munidos de baladeiras e usando o fruto da carrapateira como projétil, fazem suas guerras de brinquedo, atirando-as uns nos outros, numa disputa sem número certo de participantes.

A guerra de carrapateira dos meninos de Neópolis foi muito praticada nos bairros que deram origem a Natal.

Não há um menino natalense, hoje, com oitenta anos de idade, que não a tenha brincado.

É uma prática lúdica que resiste aos tempos, a cada ano mais difícil de se ver; mas que ainda existe.

É um jogo simples, barato, sem regras definidas, divertido, e que ensina para a vida, mas que requer proteção: ao atingir o olho de um dos contendores, uma carrapateirada pode levá-lo ao vazamento ou à cegueira.

Se for brincar de guerra de carrapateira, tenha os seus olhos protegidos, adverte o imaginário Ministério do Folclore.

Eduardo Alexandre

Eduardo Alexandre

Jornalista, poeta e artista plástico.

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