Jordão riscou, Mundoca esculpiu as colunas do Edifício Rio-Mar

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Casado com Maria das Dores Alcântara de Araújo, três filhos, morador da Avenida Itapetinga, Conjunto Santarém, bairro Potengi, Zona Norte de Natal, Raimundo João de Araújo, o Mundoca, sente saudades do tempo em que, menino, morava no final da Ponta do Morcego, à Avenida Sylvio Pedroza, defronte à Rua Odilon Garcia, Areia Preta.

Quando não estava nas peladas ou na escola, “ficava caminhando pelas praias, de Areia Preta até a Praia do Forte”. Gostava de ficar ouvindo as conversas na bodega da esquina, a Mercearia de seu Mário, que também fazia às vezes de bar. Sem muita intimidade, ali conheceu muitos dos que faziam a Natal boêmia da época. Ele, menino “a peruar conversas”, os adultos a assuntar de tudo naquele ponto de encontro bem frequentado da cidade.

– Comprei cigarros para Newton Navarro. Ele pediu uma carteira de cigarros a seu Mário, mas seu Mário não vendia cigarros. Eu estava encostado na porta da mercearia e fiz um gesto para ele. Eu disse que ia, peguei o dinheiro e fiz carreira até O Jangadeiro, na esquina com o Hotel dos Reis Magos. Eu gostava de ouvir as conversas nas mesas daquele senhor, que chegava com rolos de desenhos e aquarelas e mostrava a todos. Eu gostava do risco dele.

Em uma de suas idas à Praia do Meio, já rapazote, Mundoca deparou-se com uma escultura de areia, deixada ao vento e à sorte das ondas do mar, que iriam consumi-la. Voltou a frequentar o lugar; a ver novas esculturas de areia, e; também, a tentar imitar o que via, “era isso o que eu queria fazer”, até conhecer o responsável pelas obras artísticas que admirava: Jordão de Arimatéia, morador ali perto, da Rua do Motor. Jordão trabalhava com Ziltamar Soares, conhecido por Manxa, ajudando-o no ateliê que este possuía na Rua Dionísio Filgueira, “esquerda da subida de quem vem de Petrópolis para a praia”.

– Nunca trabalhei com Manxa. Com Jordão, tomei coragem e fiz para ele ver as esculturas de areia que eu fazia e travamos uma amizade e uma parceria de trabalho que duram até hoje. O instrumento de trabalho que eu utilizava era só uma quenga de coco. Ele gostou. Um dia, precisou de ajuda para fazer uma escultura em cimento numa casa perto da Faculdade de Odontologia e daí fizemos outros trabalhos juntos. As esculturas do Hotel São Francisco, na rua Coronel Estevam, Alecrim, entre eles. Por essa época, ele vivia falando na possibilidade de realizar um grande trabalho nas colunas de um edifício alto que estava sendo construído na Deodoro, descida da ladeira da Rádio Poti, o Rio-Mar, já nos tijolos. Ele dizia que não fazia sozinho, mas que se tivesse um ajudante, sim. Até que um dia me perguntou se eu toparia fazer com ele aquele trabalho arriscado, nas alturas. Aceitei.

– Fiz altos-relevos em paredes, usando cimento. Trabalhei em casa de gente bacana. O doutor Francimá, dentista, tem uma escultura minha na parede de sua casa de granja, na Lagoa do Bom Fim. A porta do escritório da casa dele, aqui em Natal, eu esculpi. Era pra ser do consultório dele, na Hermes da Fonseca. Depois, ele preferiu usar a peça em sua casa no Tirol, perto do Morro Branco.

No Rio, Mundoca diz que ganhou muito dinheiro, trabalhando com Jordão. “Comprei uma Kombi”.

– Trabalhamos em escola de samba: na Unidos da Ilha do Governador, onde eu morava na casa de uma tia. Fizemos alegorias. Primeiro esculpia em isopor, depois passava para fibra. Jordão é muito doido. Uma vez, fomos na casa de um delegado de polícia muito rico, que não sabíamos quem era. O jardineiro quem indicara o trabalho. Chegamos um pouco depois das oito horas. O homem não estava; esperamos. Passou a hora do almoço, o homem não chegava e fomos a um bar por perto. Comemos, tomamos umas cervejas e voltamos. E nada do homem. É quando Jordão mira as quatro colunas em cedro da varanda da casa, belíssima, pega um papel e risca uns desenhos. É assim que a gente vai fazer, Mundoca, ele me disse. As ferramentas, a gente tinha levado. Ele pegou o lápis, riscou o planejamento do desenho de uma das colunas num papel, e me chamou: Vamos! O homem quando chegou pelo portão de trás e foi entrando na casa e ouvindo a pancada forte dos batedores, chegou brabo à varanda. Estão demolindo minha casa? Quem mandou? Quem está pagando pelo serviço? Foi reclamando e observando melhor o trabalho começado, que o encantou, nos chamou para comer e exigiu que morássemos lá por uns tempos, num quartinho que dava para a praia, enquanto fazíamos as obras que ele começou a pedir. Agora, imagine, delegado rico, com uma mansão daquela?

– Quando estávamos fazendo os painéis gigantes do Edifício Rio-Mar, os jaús, presos a quatro cabos de aço que vinham do teto, enquanto não estivessem presos por corda ao gancho do andar, o vento jogava e ficávamos à mercê da sorte. Nenhum equipamento de segurança, a gente usava. Às vezes, subíamos no ferro do guarda-corpo do jaú, Jordão para traçar, eu para cortar. Era uma coisa de doido, qualquer vacilo, seria fatal. Éramos uma equipe de seis pessoas a realizar aquele trabalho. Pedreiros jogavam a massa, Jordão riscava, eu cortava, dava a forma. Depois, parte do trabalho foi demolida, por justificativa de infiltração de água de chuva nas colunas. Colocaram pastilhas.

Eduardo Alexandre

Eduardo Alexandre

Jornalista, poeta e artista plástico.

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