As Copas do Mundo que perdi

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A fúria do torcedor acidental, aquele que aparece a cada quatro anos para torcer por um time que ele conhece tão pouco de um esporte de que ele aprendeu a gostar porque adora vencer, é compreensível e passageira. Tem a intensidade de um Casemiro, mas a velocidade de Vini Jr.

Vejo e gosto de futebol há muito tempo, o que me permite dizer que foram muito mais copas perdidas do que vencidas, por isso conheço bem esse sentimento que tomou o país na tarde desta última sexta-feira. E o que posso dizer é: calma, isso passa.

A primeira Copa que perdi foi em 1986, aos cinco anos de idade e da qual não me recordo de praticamente nada. Minha mãe conta que, ao fim de Brasil x França, também pelas quartas-de-finais perdidas nos pênaltis, caí em um choro profundo e inconsolável diante da imensa tristeza que se abateu sobre nossa casa. Precisei ser levado ao hospital devido à febre alta e náuseas depois daquela derrota.

Em 1990, doeu muito ver Maradona e Caniggia desmontarem a certeza pueril do menino que jurava que seríamos campeões, mesmo com um time tão mediano como o de Lazaroni.

Vencemos a Copa seguinte, a que me ensinou uma lição importantíssima: Copas não são feitas para serem jogadas, mas para serem vencidas. O time comandado por Parreira não encantava, mas era eficiente. O gol era um detalhe, segundo o próprio técnico, que venceu a primeira final de Copa do Mundo nos pênaltis, depois de um zero a zero xoxo contra a Itália de Baggio e seu pênalti interestelar.

Era a primeira Copa do Mundo que eu via vencermos, ainda prestes a fazer catorze anos. Comemorávamos em família, gritávamos junto com Galvão Bueno ecoando “é tetra, é tetra!”.

Em 1998, Zidane nos dobrou com uma vitória de sua França por 3 a 0 e todo mistério sobre a convulsão de Ronaldo e a apatia do time em campo, o que gerou inúmeras lendas a respeito de termos vendido a Copa.

Em 2002, vencemos outra vez. Jogamos bem, o título foi aparentemente mais fácil do que deveria. Mas isso, é claro, é a opinião de quem pensa nessa campanha vinte anos depois do acontecido. À época, tudo era uma massiva tensão descarregada na catarse de ser campeão mais uma vez.

2006 e 2010 são copas de que me lembro pouco. Havia certa desilusão com o futebol de minha parte: não é possível interessar-se tanto pelo esporte sem se decepcionar profundamente com ele. Os escândalos da CBF e Fifa, e a compreensão de que os bastidores do futebol são sujos como o da política, além da falta de identificação com o time de amarelo, tiravam muito do brilho canarinho em meus olhos.

A Copa de 2014 me pareceu incômoda desde o começo. Muito mais pelas minhas ressalvas políticas do que pelo futebol, embora hoje eu perceba que era importante para o país celebrar um tempo de crescimento tão significativo como o que vivemos com um evento da magnitude de uma Copa do Mundo.

Mas o fato é que os 7 a 1 contra a Alemanha, em pleno Mineirão, me pareceram menos importantes que a terrível frase de Ronaldo: “uma Copa do Mundo se faz com estádios, não com hospitais”.

2018 e 2022 são copas muito parecidas. A peculiaridade é que a raiva política causado por Bolsonaro e seus sequestradores da camisa amarela deram um ranço aos primeiros jogos da seleção no Catar. Com o andamento da competição, a possibilidade clara de título foi enchendo o coração dos brasileiros daquela alegria que sempre nos toma ao começo de cada Copa. Cá entre nós, ganhar é a primeira paixão nacional.

E perder um jogo nos pênaltis para a Croácia depois de ter a vitória nas mãos pareceu muito amargo. A desilusão e o desgosto nos trouxeram de volta o ranço que precedia a competição e a grita pouco racional de que tudo está errado, de que é terra arrasada, se somam à busca desesperada pelos culpados da vez.

No entanto, perder é parte do jogo, por mais que nós brasileiros não aceitemos isso. Nós, os maiores vencedores do torneio, únicos a termos cinco copas, somos também os maiores perdedores já que não vencemos todas as outras. Peder um título como esse é sempre frustrante, porém o fato é que aprendemos assim também. Ou, pelo menos, deveríamos.

Agora resta aplacar a mágoa, seguir a vida, lidar com um país de desigualdades em que lutamos e perdemos diariamente a batalha por viver de maneira mais decente até que chegue 2026, quando esqueceremos o passado, as diferenças, os problemas e renovaremos os gritos na busca do troféu mais uma vez, mesmo que nos esqueçamos de que nunca é só futebol.

Theo Alves

Theo Alves

Theo G. Alves nasceu em dezembro de 1980, em Natal, mas cresceu em Currais Novos e é radicado em Santa Cruz, cidades do interior potiguar. Escritor e fotógrafo, publicou os livros artesanais Loa de Pedra (poesia) e A Casa Miúda (contos), além de ter participado das coletâneas Tamborete (poesia) e Triacanto: Trilogia da Dor e Outras Mazelas. Em 2009 lançou seu Pequeno Manual Prático de Coisas Inúteis (poesia e contos); em 2015, A Máquina de Avessar os Dias (poesia), ambos pela Editora Flor do Sal. Em 2018, através da Editora Moinhos, publicou Doce Azedo Amaro (poesia).

Como fotógrafo, dedica-se em especial à fotografia documental e de rua, tendo participado de exposições que discutiam relações de trabalho e a vida em comunidades das regiões Trairi e Seridó. Também ministra aulas de fotografia digital com aparelhos celulares em projetos de extensão do IFRN, onde é servidor.

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