No dia 29 de julho de 1944, Clarice Lispector deixou Natal, em voo para Lisboa. Foi uma viagem longa, com escalas na Libéria, no Congo e Dacar, só chegando a Lisboa em 02 de agosto. Em Lisboa, onde permaneceu por nove dias, manteve contato com escritores portugueses, entre os quais João Gaspar Simões e a poeta Natércia Freire. Seguiu em voo para Nápoles, com escalas e pernoites em Casablanca, no Marrocos, e em Argel, enfim, de Natal para Nápoles foram cerca de 25 dias de viagem.
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Em setembro de 1944, de Nápoles, Clarice escreveu para Lúcio Cardoso, e voltou ao tom depreciativo sobre a nossa querida cidade de Natal. Parece até que Clarice ficou de mau humor, desde que o marido Maury embarcou em Natal, a caminho de Nápoles. Vejamos o que ela escreveu em carta para as irmãs Elisa e Tânia, de Lisboa, a 7 de agosto de 1944: “Cheguei finalmente a Lisboa. Não me agradou. Eu pensava encontrar coisa diferente. O Rio é milhões de vezes mais bonito e mais cidade. Os portugueses são paus. As portuguesas não se vestem bem, têm todas (…) e rosto meio duro. Estou chateada aqui”.
Mais adiante, ela revela seu cansaço e seu estado de humor: “gostaria de estar aí com vocês ou com o Maury. O mundo todo é ligeiramente chato, parece”. A cidade de Natal aparece poucas vezes e de forma pontual, na obra de Clarice Lispector. Na sua passagem por aqui, se ela tivesse mantido contato com escritores potiguares, a exemplo de Palmyra Wanderley e de Câmara Cascudo, talvez a cidade de Natal tivesse recebido diferente atenção e respeito.
Trago hoje um belo depoimento de uma colega médica, confreira da Academia de Medicina do RN, Emília Trigueiro. Em 1976/77, Emília, já aluna do curso médico, gostava de passar férias no Rio de Janeiro, em casa de parentes, os quais residiam no Leme, na rua Gustavo Sampaio, 88, no mesmo prédio onde morava Clarice Lispector. Segue o resumo do belo texto que Emília me enviou, após a leitura de crônicas minhas sobre C. Lispector:
“Eis um depoimento que ficou guardado na minha memória, ao longo desses anos, e que agora aflorou com os seus escritos. Era pelos idos de 1976/77. No elevador, encontrei uma mulher esbelta e alta, toda vestida de preto, boca de um batom escarlate, olhar fuzilante e inquisidor. Nesta primeira vez ousei dirigir um bom dia tímido. Confesso que inicialmente tive receio, senão mesmo medo de a incomodar, e me veio dúvidas de entrar ou não no elevador naquele momento, mas o fiz. Éramos apenas as duas. Permaneci quieta, mas sentindo-me observada. Esse foi o primeiro de outros encontros fortuitos no elevador. Aquele sentimento de receio e medo foi logo substituído pelo de admiração. E de honra por estar ao lado da grande Clarice Lispector, ainda que por poucos minutos, na celeridade de uma subida ou descida de elevador. Fosse hoje, arriscaria um pequeno diálogo, e teria bem mais para contar”.