#CaminhosdeNatal: Quintino Bocaiúva nomeia tradicional rua sem qualquer vínculo com Natal

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O primeiro registro de concessão de terras, na atual Rua Quintino Bocaiúva, na Cidade Alta, data de 3 de novembro de 1706, cujo beneficiário foi Antônio Henrique de Sá: “na sua fronteira se quer fundar a Igreja de Nossa Senhora do Rosário’’.

É desconhecida a data de fundação do templo existente naquela rua, sabendo-se apenas que, em 2 de julho de 1714, a Igreja já estava concluída. Na referida data, o vigário da Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, o reverendo padre Simão Rodrigues de Sá, requeria ao Senado da Câmara do Natal, “terras devolutas defronte ao cruzeiro da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, indo pela estrada que vai desta Cidade para a Ribeira’’.

A Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, que tão bem representa nossa arquitetura tradicional, foi o segundo templo católico construído em Natal, constituindo-se a mais importante edificação da rua onde acha-se implantada.

Em 1º de agosto de 1714, Antônio Henrique de Sá requeria terreno “junto às testadas e Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos… até o caminho que vai do porto do Madeira por detrás dos quintais desta Cidade’’. Segundo o pesquisador Olavo de Medeiros Filho, o porto do Madeira deve corresponder ao local onde se encontra a Pedra do Rosário.

Observa-se a preferência de religiosos, pelas terras localizadas nas proximidades da Igreja do Rosário. Primeiramente foi o próprio vigário da matriz. Em seguida, no mesmo ano, a 1 º de agosto de 1714, foi a vez da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, também requerer terras naquela rua, “em as quais quer a dita Irmandade e Confraria fazer uma morada de casas, para aumento de sua igreja”. Em 7 de maio de 1723, foi a vez do padre Antônio Rodrigues Fontes, que obteve uma data “entre as terras da Capela de Nossa Senhora do Rosário e o Barreiro’’.

Quase 60 anos após o primeiro requerimento da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, a referida confraria fazia uma nova solicitação de sesmaria. Afirmava “que em 40 braças de terras, de que estava de posse a mesma Soberana Senhora
há muitos anos… ficando aquela Senhora perdendo aquelas braças de terra, por ficarem para o bem público’’.

É provável que a igreja tenha dado nome à rua, logo nos primeiros anos do seu funcionamento; porém o topônimo rua do Rosário somente surgiu oficialmente, quase um século depois da inauguração do templo.

Em 22 de novembro de 1808, o soldado João José de Brito requeria terras ‘’na rua do Rosário, ao correr das casas de Francisco Lázaro”. Até o ano de 1826 apareceram registros de concessões de terras na rua do Rosário. Em 1888, um decreto municipal substituiu a denominação original, rua do Rosário, para rua Quintino Bocaiúva.

Quintino Bocaiúva

Quintino de Souza Ferreira nasceu no Rio de Janeiro, em 1836. Foi político, jornalista e dramaturgo, um dos principais vultos da propaganda republicana no Brasil. Iniciou o curso de Direito, em São Paulo, porém, por dificuldade financeira não chegou a concluí-lo. Voltou ao Rio de Janeiro, passando a dedicar-se ao jornalismo e à literatura. Fundou o jornal “A Honra”, de princípios republicanos, ocasião em que passou a adotar o sobrenome Bocaiúva.

Com o fim da Guerra do Paraguai, Bocaiúva dedicou-se à propaganda de suas ideias republicanas. Publicou um violento manifesto, no primeiro número do jornal “A República” do Rio de Janeiro. Quintino Bocaiúva colaborou com vários jornais, fundando em 1874 “O Globo”.

Em 1889 foi eleito presidente do Partido Republicano. Ocupou as pastas da Agricultura e das Relações Exteriores, no Governo Provisório da República. Em 1890 foi eleito Senador pelo Estado do Rio, cargo a que renunciou após a aprovação da
Constituição de 1891.

No ano seguinte foi reeleito, permanecendo no Senado até 1899. Voltou, em 1909, permanecendo no cargo até o seu falecimento, ocorrido em 1912.

Como dramaturgo não foi considerado brilhante. Publicou “Estudos Críticos e Literários”, além de várias traduções de óperas e comédias. Ficou conhecido como o “Príncipe dos Jornalistas Brasileiros”, e o “Patriarca da República”.

Como se pode observar, apesar dos seus valores morais e profissionais, não teve participação na história da gente potiguar. Seu nome representa um momento de euforia política, vivenciado pelo povo brasileiro, na fase de transição marcada pelo fim do
Império e a Proclamação da República. Fato que não justifica o merecimento de denominar uma das ruas de Natal. O mais grave foi o fato de vir a substituir a denominação de uma tradicional rua da Cidade, de relevante importância para o povo natalense.

Para resgatar a memória da cidade, é necessária a reparação desse erro. Restituir a denominação original de rua do Rosário, àquele tradicional logradouro público da Zona de Preservação Histórica de Natal.


ILUSTRAÇÃO: André Felipe Moura Alves

Jeanne Nesi

Jeanne Nesi

Superintendente do IPHAN-RN, Sócia efetiva do Instituto Histórico e Geográfico do RN, e Sócia correspondente do Instituto Histórico Geográfico e Arqueológico de PE. Fundou a Folha da Memória, com periodicidade mensal. Publicou cinco livros, sendo dois como co-autora. Publicou folhetos, folders e cordéis e mais de 300 artigos sobre o assunto em uma coluna semanal no jornal Poti, na Folha da Memória e em revistas do IHGRN.
Atualmente aposentada, mas sempre em defesa do patrimônio histórico.

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