A arte literária de David Madeiros Leite: o romance 2020

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por Thiago Gonzaga

O mossoroense David de Medeiros Leite publicou em 2020 um dos mais interessantes romances potiguares nos últimos anos, intitulado 2020 (Editora Sarau das Letras), e á época do seu lançamento despertou bastante atenção dos leitores e da crítica. Hoje, voltamos a focar na obra, após ter em mãos a versão em língua espanhola (Mossoró: Sarau das Letras\Trilce Ediciones, 2021: Tradução de Leonam Cunha). Sobre o romance escreveu Ailson Fernandes Teodoro:

“Não é do ano em curso, nem dos problemas que enfrentamos decorrentes da pandemia que penaliza o mundo que escreverei essa resenha literária, mas da obra que marca a estréia de David Leite como romancista. E que estreia!

Confesso, e faço autocrítica, que fui surpreendido quando recebi o livro como um presente do amigo Almicarde Lopes. Quando falou que o novo livro escrito por David, tratava-se de um romance, falei, um pouco desconfiado – por saber da amizade entre os dois -, que já lera diversas crônicas e contos do autor, e que o considerava um dos melhores escritores do RN; principalmente no campo da política, história e genealogia, mas argumentei que não era o suficiente para sua nova obra ser um grande romance. Almicarde, eufórico com a leitura feita pouco tempo atrás, rebateu sorrindo:”2020 é ótimo. Vai gostar. O livro é muito bom”.

Saí do encontro com a oferenda em mãos, e a promessa de que quando encerrasse a análise da obra, deixaria, por escrito, minha impressão sobre o livro. Ainda assim questionando-me, no mais íntimo de mim mesmo, se valeria a pena interromper leituras que estavam em curso, para ler 2020!

No mesmo dia iniciei a leitura e, em pouco espaço de tempo, percebi o quão estava equivocado sobre o trabalho que ganhara de presente. Uma deslumbrante história estava à minha frente, contada somente por quem tem a magia dos grandes escritores.

O romance regionalista, narrado em primeira pessoa, é um dos melhores trabalhos literários escrito por um mossoroense; a trama já havia me conquistado sem ter chegado sequer a metade do livro.”

  Sobre 2020 também escreveu Adelto Gonçalves:

 “Em resumo: escrito em estilo leve, que atrai a atenção do leitor desde a primeira linha, 2020 é romance que veio para ficar não só na história da ficção do Rio Grande do Norte, mas da Literatura de expressão portuguesa. E que já foi saudado pelo poeta peruano Alfredo Pérez Alencart, radicado como professor universitário em Salamanca desde 1987, que, inclusive já traduziu para o espanhol um livro de David de Medeiros Leite sobre aquela mítica cidade espanhola.

Do romance do advogado potiguar, “escritor que vai abrindo sua própria senda nos diferentes deltas da literatura”, Pérez Alencart diz que se trata de uma história bem trabalhada, com diálogos bem construídos, com ritmo cadencioso que permite leitura fluída. “Há reflexões que configuram a condição humana em todos os tempos e lugares, como, por exemplo, quando o protagonista comenta: “Ah, a inveja! Quão subjetiva e, por vezes, imperceptível! Depois de um comentário sobre a brilhante homília proferida por nosso Provincial, percebi, na reação de alguns frades, esboços de inveja. O elogio mesclado com ironia deduz inveja, com certeza” (pág. 74).”

David de Medeiros Leite

Poeta, escritor e ensaísta, David de Medeiros Leite é professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), doutor em Direito pela Universidade de Salamanca (USAL) e já publicou livros em diversos gêneros, dentre os quais, Ruminar, (poesia) e Cartas de Salamanca (crônicas), ambos pela Sarau das Letras, editora que fundou em 2005, em parceria com o escritor Clauder Arcanjo.

Gestor, com atuação em diversos cargos da Administração Pública, David Leite, também atua como ativista cultural. Dentre outros trabalhos de sua autoria destacam-se: Incerto Caminhar, Mi Salamanca – Guía de un poeta nordestino, versión y pórtico de Alfredo Pérez Alencart y fotos de José Amador Martín, (poesia), Ombudsman Mossoroense e Casa das Lâmpadas (crônicas). Em coautoria publicou: Mossoró e Tibau em Versos (com Edilson Segundo), antologia; Sarau das Letras – Entrevistas com Escritores (com Clauder Arcanjo); Os Carmelitas em Mossoró (com Gildson Souza Bezerra e José Lima Dias Junior), Duarte Filho: Exemplo de Dignidade na Vida e na Política (com Lupércio Luiz de Azevedo), Companheiro Góis – Dez Anos de Saudades (org) e História da Liga Operária de Mossoró (Em coautoria com José Edilson Segundo e Olivá Leite da Silva Júnior).

Publicou em 2017, Rio do Fogo, contendo vinte poemas e quarenta fotografias, retratando diversos aspectos do cotidiano da praia de Rio do Fogo e da cidade homônima, situada no litoral norte do Estado, região que se distingue sobretudo pela pesca. A parceria é com o magistrado Bruno Lacerda, fotógrafo bastante experiente na arte da fotografia, inclusive com prêmios e exposições no currículo.

Dessa obra, elogiada, recentemente pelo crítico literário paraibano Hildeberto Barbosa Filho, destacamos um trecho do seguinte poema:

VIVER NO MAR

Viver no Mar

é não precisar

de endereço fixo.

 

Minha casa anda comigo

(ou ando com minha casa),

navegando amplidões.

 

David Leite participou das coletâneas, com textos de autores mossoroenses, Café & Poesia I e II, além de ter organizado mais recentemente, também em parceria, Café & Poesia III. Preparou o trabalho em homenagem ao seu pai Altemar Duarte Leite – Centenário de Nascimento: 1919 -2019, e por último a coletânea Espaço Jornalista Martins de Vasconcelos, (em parceria com Clauder Arcanjo e Johan Freire) reunindo artigos de escritores que publicam na coluna homônima neste Jornal de Fato.

David de Medeiros Leite é membro da Academia Mossoroense de Letras (AMOL), da Academia de Ciências Jurídicas e Sociais (ACJUS) e da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Norte (AMLERN), sócio do Instituto Cultural do Oeste Potiguar, e de outras instituições culturais

Da entrevista que fizemos, em 2013, para o livro Impressões Digitais, Escritores Potiguares Contemporâneos v. 1, destacamos aqui algumas respostas do autor mossoroense:

1-David, sua admiração por Câmara Cascudo, é visível em suas obras, como e onde começou esse apreço?

O polígrafo e multifacetado Câmara Cascudo causa admiração a quem se aproximar da obra dele. Desejo contar uma história (por sinal, melhor detalhada no nosso livro Cartas de Salamanca): início do ano de 2006, estava fazendo os preparativos de viagem para a Espanha quando o escritor Diógenes da Cunha Lima me instigou a encontrar a carta que Cascudo fez para Miguel de Unamuno. E, nos quatro anos que ali estive, não esqueci daquela recomendação de Diógenes. Tanto é verdade que tendo sido convidado pelo professor Alfredo Alencart a visitar a Casa-museu Miguel de Unamuno, não desperdicei a oportunidade de, com sua ajuda, ir à busca da referida missiva. E encontramo-la. Sabia da importância do referido documento para o Rio Grande do Norte. Seria uma (sim, porque devemos buscar a resposta de Unamuno) das provas desse contato epistolar entre dois grandes nomes da literatura brasileira e espanhola, respectivamente: Câmara Cascudo (1898 – 1986) e Miguel de Unamuno (1864 – 1936). A carta de Cascudo merece acurada análise, por diversos aspectos históricos que suscita. Cascudo se diz motivado a escrever a Unamuno pelo “banimento” sofrido por este, que ocorreu em consequência da oposição que o mesmo fazia à ditadura do general Primo de Rivera. E é justamente em 1924 que começa o exílio de Unamuno na França, perdurando até 1930, quando, segundo seus biógrafos, volta “triunfalmente” a Salamanca. O teor da carta traduz afeto e admiração, porém é, no final da missiva, que nos deparamos com o grandioso e comovente gesto de Cascudo em oferecer ajuda “material” ao mestre Unamuno. Essa pequena e emblemática história pode sintetizar a inquietação de Cascudo que terminou por gerar sua vastíssima obra.

2 – E seu contato com a literatura potiguar? Você lembra-se de algum livro, ou autor que o tenha iniciado para a leitura das obras locais?

Sim, lembro bem. Primeiro comecei acompanhando, com real interesse, a produção do jornalista mossoroense Dorian Jorge Freire, em páginas de jornais, pois, somente em 1991, Dorian teve o primeiro livro publicado, reunindo suas crônicas: Os dias de domingo. O estilo de Dorian me impressionou deveras. Em um segundo momento, por ter despertado interesse em história local, enveredei por Câmara Cascudo, Raimundo Nonato da Silva e tantos outros.

Thiago Gonzaga

Thiago Gonzaga

Pesquisador da literatura potiguar e um amante dos livros.

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