[ENTREVISTA] Sem opção nas livrarias, Abimael Silva distribui livros até em motéis

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Muitos se preocupam com o legado deixado após a morte. Agora imagine aí um cara apaixonado por livros e pela história da literatura potiguar, tendo o sonho de editar 500 livros sobre o assunto. Toda uma vida dedicada ao ofício de alimentar uns ácaros e tomar umas cervas com os amigos. Abimael Silva é quase uma marca, um selo decorativo da Cidade Alta. O Sebo Vermelho é tão somente o ancoradouro para se passar umas manhãs de batepapo, uns sábados mais boêmios e vender um ou outro livro. A logomarca real, meio underground, se chama Abimael Silva, um verdadeiro outsider que não se dobra a quase nada, se não à batalha para vencer o descaso com a literatura potiguar. Nessa conversa breve de 10 minutos, logo abaixo, um pouco de novidades e antigos lamentos, ou a velha roupa colorida, como dizia Belchior. 

DISTRIBUIÇÃO DOS LIVROS

É um problema no Brasil, mas é pior em Natal. É uma cidade que anda pra trás no quesito livraria. A cada ano fecha mais em vez de abrir. E hoje só uma livraria pode se dar ao luxo de se autodenominar livraria, que é a Cooperativa Cultural, onde se encontra livros de todas as áreas. Você vai numa dessas de shopping e é vergonhoso. Só tem o básico do básico. Nenhuma tem um exemplar dos 478 títulos que editei, sobre nossa história, nossa região, nossa cidade. Então, o complicado não é editar livro, é fazer o livro acontecer; é distribuir o livro, porque as livrarias daqui são as maiores inimigas do autor potiguar. (lembro a antiga Nobel e Abimael continua…) É, escapava um pouco, dava um pequeno espaço. Fora a isso, não tem mais onde expor seu material.

FODA E LEITURA

Hoje já temos 32 editoras em Natal, por um levantamento que fiz. E tirando a editora da UFRN e a Fundação José Augusto, todas são independentes. Aí você pensa: toda essa produção vai pra onde? Porque o doloroso é você editar o livro e conviver com ele dentro do seu quarto, aqueles pacotões de livros; você acorda de manhã e tão lá aqueles livros lhe encarando. E você pensa o quanto de gente poderia ter acesso a eles, sendo espalhados em algum evento, livrarias, etc. Aí, sabe o que eu faço? Tenho colocado meus livros em bancas de revista, em restaurantes de beira de estrada. Recentemente acertei de um motel vender livros que eu edito. Ora, você vai a um motel e tem de tudo lá, porque não pode ter um livro? Então reservei um de poesia erótica, de Natália de Souza (pseudônimo de Nei Leandro), intitulado ‘Poemas devassos e uma canção de amor’ e ’69 poemas de Chico Doido de Caicó’, organizado por Nei Leandro e Moacy Cirne. Pois fiz isso, até pra dar um desprezo a essas livrarias.

BONITO, JOIADO E… NADA!

Quando soube que essa livraria Leitura tinha chegado ao Natal Shopping, pensei: “Que bom, mais uma livraria em Natal. Agora, quero ver se a coisa acontece”. Rapaz, eu fiz a barba, calcei um sapato transado, aquela coisa toda que eu só faço quando vou a uma festa muito interessante; tipo índio quando se pinta só pra aqueles rituais, sabe? Aí peguei uns 10 livros dos mais importantes que já editei, sobre Cascudo, sobre história do Rio Grande do Norte, de Lampião, coisa que o cara não iria ter lá. Aí cheguei lá, me apresentei, nem falei que era dono de sebo para pensar em concorrência, aí disse: “Olhe, tenho uma editora que publica livros sobre o Rio Grande do Norte. Só eu que faço isso aqui, modéstia a parte. Gostaria de fazer uma parceria com vocês”. O cara fez uma cara bonita, eu fiquei todo empolgado. Ele foi falar com o gerente, voltou e disse que o manda chuva lá, no momento, não tinha interesse nesse tipo de literatura. Aí eu amaldiçoei aquela hora que fui lá, voltei pro meu espaço, abri uma cerveja e prometi que nunca mais passaria na porta daquela livraria.

INTERCÂMBIO LITERÁRIO

Já passou meu tempo de pensar em política cultural. Chega! Teoria pra mim já deu, já passou o tempo e o vento levou. Vou direto à prática. Esse intercâmbio entre nosso Estado e a Paraíba é um exemplo (Abimael mostra os dois últimos livros editados pela Sebo Vermelho: ‘Augusto dos Anjos, uma pequena biografia’ e ‘Dois cegos cantadores: Cego Aderaldo e Cego Sinfrônio’, do historiador paraibano Irani Medeiros). Depois pretendo esticar mais um pouco esse intercâmbio até o Ceará, Pernambuco. Mas é complicado. Ainda bem que faço esse trabalho como editor há 27 anos e 32 anos como sebista. Hoje considero esses livros os meus filhos, já que não os tenho de verdade. E me sinto realizado com eles. orgulhoso deles.

O RN DESCOBERTO EM 500

Pretendo chegar, ainda este ano, aos 500 livros editados. Tenho ciência das dificuldades. Mas sei também que tudo o que eu consegui nesses 54 anos de vida eu investi em livros. Até reclamei uma vez que tinha gastado tudo com livro, mas depois me arrependi, porque com livro não se gasta, se investe. E quero ter essa energia ainda para chegar até o número 500, hoje meu objetivo maior, e que será um livro de Oswaldo Lamartine de Faria, chamado Dicionário do Criatório Norte-riograndense. Será a terceira edição desse Dicionário, que é espetacular. É um livro que vai além do Rio Grande do Norte e chega ao Nordeste. A última edição saiu pela Fundação José Augusto, lançado em 97 ou 98, mas está esgotadíssimo.

LINHA EDITORIAL

Não posso responder sobre os novos autores que têm surgido. A linha editorial do Sebo é mais sobre a história do RN. Tenho na minha biblioteca particular, montada em minha casa, com livros de mais de 100 autores potiguares que nunca foram publicados, só em revistas ou intercalados em alguns livros, e que eu pretendo editar todos eles futuramente. Acredito que despertem algum interesse.


FOTOS: Sergio Vilar
Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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