Livros de memórias: um doce percurso sobre a urbe

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Fiquei sabendo de ‘Décadas’, livro de Clementino Câmara, ouvindo umas conversas no Sebo Vermelho. Sim sempre gostei dos “sons” que ecoam nos sebos, muita informação encontra-se nas rodas de bate papo. São os cantões, as cocadas, de antigamente, e, foi então em um desses lugares mágicos que ouvi pela primeira vez o nome de Clementino Câmara. Desde aquele momento passei à “cata” do livro ‘Décadas’, curioso em conhecer a trajetória das memórias do Professor de diversas gerações da capital potiguar.

De idas e vindas, por entre poeiras e ácaros, encontrei o livro. Logo nas primeiras páginas, o autor faz uma deliciosa advertência sobre sua escrita:

“Mas este livro não é apenas de uma recordação de nossa vida; ludâmbulo de nova espécie, fizemos este passeio aos tempos que se foram – desde aqueles em que o ‘boi calemba’ e os ‘congos’, para obter permissão de brincar, dançavam primeiro em frente á chefatura de polícia, na rua da Conceição, bem perto do Palácio do Governo; em que se fazia a fogueira de São João na Rua Grande, hoje Praça André de Albuquerque; em que as ‘Lapinhas’ do Antônio Elias e José Lucas, e os Fandangos de Chico Bilro constituíam nota do dia […].”

Radiante eu estava diante de um livro de memórias com doce percurso sobre uma urbe que não existe mais, uma urbe do passado. Tratava-se de uma Natal que conheceu o fim de um século, o século XIX e um amanhecer de um novo século, o século XX. O interessante nessa trajetória inicial, é o cenário urbano fazer parte integrante da narrativa “autobiográfica”. Confesso me atrai as memórias, gosto de fazer, este passeio, este caminhar pelas ruas da cidade através dos memorialistas.

Clementino Câmara através de suas memórias afetivas nos apresenta uma Natal do passado, uma cidade memória. A cidade que desce a ladeira, e chega na Ribeira, no Cais da Tavares de Lira, e entra nas terras do sítio pertencente ao “Bom Jesus das Dores”, é uma Natal a ser explorada nas páginas de Décadas. A cada informação de sua vida, um pouco da urbe se apresenta, como pro exemplo no seu encontro com os primeiros evangélicos da cidade:

“Numa terça-feira de maio de 1901, entrei na igreja do Bom Jesus, onde se rezavam os terços do mesmo mês. Depois fui pela atual rua Frei Miguelinho e vi num salão uma reunião de diversas pessoas. Cantava-se. Aproximei-me e fiquei com outros curiosos no ‘sereno’. Diante do auditório, tendo a iluminar-lhe a loira cabeça um candeeiro a querosene, encontrava-se João Ferreira Nobre com a Bíblia aberta, pregando.”

Estes dois fragmentos são bem ilustrativos das minhas inquietações dessa “cidade” despida por cronistas/memorialistas. Busco neste universo de memórias, tecer os retalhos das lembranças narradas, na formatação de Natal. Tenho em minha estante um lugar especial para o memorialistas da urbe, são vozes prontas para narrar a cidade. Me delicio neste diálogo, eu e os memorialistas “habitantes de minha biblioteca”, para lembrar o professor Américo de Oliveira. Um desses habitantes é Lair Tinôco e seu “Tempo de Saudade”.

“[…] Todas as tardes, o meu avô, Dodô, como eu e minha irmã o chamávamos, pegava na minha mão e me levava para olhar a enchente do potengi. As águas barrentas lambiam os degraus de pedra do pequeno cais e até espraiavam-se pelo calçamento regular da Av. Tavares de Lira […] Na volta sempre dávamos uma entradinha na Rua Chile. Lá ficava a “Dispensa Natalense”, o melhor armazém de cosmétiveis da nossa cidade naqueles idos.”

São os livros de memórias: um doce percurso sobre a urbe, este é o convite deste curto artigo. Deixo para você leitora e leitor este convite, se joguem neste mundo das memórias e pise no chão de uma Natal, cidade memória.

Luciano Capistrano

Luciano Capistrano

Amante da história urbana de Natal. Uma das alegrias é as caminhadas “dialogadas” entre ruas e becos da cidade de Câmara Cascudo. Atualmente, além da História vivo entre meus pecados poéticos e a fotografia.

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