Redinha Velha: Dos franceses ao povoado dos reis (parte 2)

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Este texto integra uma ampla matéria jornalística sobre a história da praia e bairro da Redinha Velha, que será dividida em 10 partes. A reportagem foi premiada no edital Auxílio à Publicação de Livros, Revistas e Reportagens Culturais, na categoria Reportagens Culturais. Tem recursos da Lei Aldir Blanc, e patrocínio do Governo do Estado do Rio Grande do Norte através da Fundação José Augusto, e Governo Federal através da Secretaria Especial da Cultura e do Ministério do Turismo.

Uma frota de caravelas avançava pela margem esquerda do rio Potengi, nas imediações de onde hoje é a praia da Redinha. Das embarcações, corsários franceses avistavam o cotidiano indígena na costa norte-rio-grandense naquele início de século 16. Dezenas de milhares de índios Potiguara que habitavam a proximidade daquele litoral e as ribeiras dos rios fabricavam suas canoas e apetrechos de pesca. Algumas mulheres teciam fios para confeccionar as redes onde dormiam. Outras cuidavam da colheita, da caça ou moldavam o barro para fazer panelas e potes.

A tribo dos Potiguara não desconfiava que a presença francesa que avançava por aqueles mares mudaria a cultura e as crenças de seu povo para sempre.

Antes dos franceses desembarcarem nas areias alvas do litoral potiguar, espanhóis haviam navegado pela região, sem pisar em terra firme. O atual Rio Grande do Norte foi, possivelmente, um dos primeiros pontos visitados do litoral brasileiro, anterior ao “descobrimento” oficial do Brasil por Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500. Portanto, espanhóis já conheciam a terra e a gente da costa norte-rio-grandense.

Diante desses fatos históricos, é possível que os índios Potiguara que habitavam a pacata praia da Redinha tenham visto pela primeira vez uma embarcação espanhola, ao longe no horizonte marítimo. Em seguida, a chegada das caravelas francesas. E só depois, a bandeira portuguesa, em 1535, que desembarcaria de vez no Rio Grande em 1597, até a invasão holandesa, 36 anos depois.

Para que o empreendimento colonizador português obtivesse sucesso em sua terceira tentativa, foram expedidas as cartas régias de 1596 e 1597, dirigidas ao Governador Geral Dom Francisco de Souza, e aos capitães-mores de Pernambuco e Paraíba. As recomendações eram para que fosse gasto o necessário para o êxito da expedição e que, após a vitória sobre franceses e índios, fundasse uma povoação e se construísse uma fortaleza para sua defesa.

CASAS FORTES E FORTINS

O que poucos pesquisadores relatam e coube à ata diurna de Cascudo datada de 1 de fevereiro de 1942 registrar é que o Forte dos Reis Magos não foi o único construído para defesa do território potiguar. Houve “Casas Fortes” mandadas construir pelo Governo Geral para garantir o trânsito regular pelas estradas que os índios depredavam. Essas Casas Fortes foram construídas em Tamatanduba, Cunhaú, Goiana (Goianinha), Mopibú, Potengi, Utinga e São Miguel (Extremoz). Eram construções rudimentares que logo foram destruídas pelos invasores.

Mas no século 19, com ameaças mais sérias, sobretudo por Portugal apoiar a Grã-Bretanha, rival da França de Napoleão, foram construídos “fortins” para defesa mais respeitável daquelas terras. E entre as quatro edificações, estava uma situada na Redinha, “cruzando fogos com o Forte dos Reis Magos, na entrada da barra do Rio Potengi”.

FUNDAÇÃO DA CIDADE DO NATAL E DA REDINHA

A pequena Povoação dos Reis daria origem a Natal, fundada em 25 de dezembro de 1599 onde hoje é a atual Praça André de Albuquerque, Largo da Matriz. Somente em 1611, após 12 anos do tratado de paz com os índios potiguara e a fundação da Povoação dos Reis, o território foi elevado à condição de Vila, ganhando uma primeira organização político-administrativa com 1 juiz, 1 vereador, 1 escrivão da Câmara e 1 procurador dos índios. Por volta de 1614, a denominação de Povoação dos Reis passou a ser substituída por cidade do Natal.

A partir daí, a área da colonização se alargaria crescentemente. Esse processo se daria com a concessão de vastas porções e terras pela Coroa portuguesa aos interessados em participarem do processo de colonização. A fundação da Redinha pode ser datada de 21 de fevereiro de 1614, quando suas áreas foram concedidas e mencionadas no auto de repartição das terras do sistema sesmarial.

Em sua coluna Acta Diurna, publicada no periódico A República, Cascudo mencionou, em 26 de janeiro de 1948, que as terras da Redinha foram dadas ao vigário Gaspar Gonçalves da Rocha, em 25 de junho de 1603 e depois passou a pertencer a Pero Vaz Pinto, escrivão da Fazenda na Capitania.

Nos escritos do folclorista, a constatação de que a Redinha, naquele início de século 17, era logradouro de importância, frequentado por “todos” os capitães e mantinha na pesca sua característica predominante: “Era dada como no porto de pescaria da outra banda do rio defronte a fortaleza, o qual porto possuiu até agora todos os capitães que aqui serviram. Tem redes de pescar em que pescam”.

Já a toponímia da Redinha, onde desembocava as águas do velho rio Doce, recebe algumas versões. Câmara Cascudo, em Nomes da Terra, relata que “Redinha” seria uma referência à região de Pombal-Leiria, em Portugal. Dos achados de Cascudo, consta ainda que havia a Redinha de fora, como local arruado à margem esquerda, vista de Natal, e a Redinha de dentro, foz do Rio Doce, também denominado Guajiru e rio da Redinha. Versões populares indicam a origem do nome Redinha como uma herança das terras doadas em sesmarias aos Capitães-mores para criação do Porto de Pesca, na área em frente ao Forte dos Reis Magos, como permanece até hoje. Todos os Capitães tinham rede de arrastão, daí, o batismo da praia de Redinha.

As informações sobre os trinta primeiros anos (1603 a 1633), após a concessão das terras da qual fazia parte a Redinha, ao vigário Gaspar Gonçalves da Rocha, são bastante precárias, mas atestam a lentidão com que se estabeleceu a concentração de colonos portugueses para o incremento de uma terra fraca para roçados e canaviais, com escassez de chuvas, mas adaptável à criação de gado, com abundância de peixes e caças, e farta produção de farinha, milho e frutas silvestres.

No entanto, durante esses 30 anos, ou mesmo nas décadas seguintes, a Redinha pouco se interessou pelo progresso. Cascudo afirma, na Acta Diurna publicada em 21 de janeiro de 1940, que “a nossa Redinha já está povoada, em 1633, de cabanas de pescadores”.

A localização privilegiada e estratégica para navegadores e corsários, a proximidade com a Fortaleza que resguardava o território, a abundância em pau-brasil nos arredores ou mesmo sendo a Redinha possível local para a taba do mais célebre dos indígenas nordestinos, Felipe Camarão, ou Potiguaçu, a praia se fazia calma.

Nos idos do século 18, Natal se mostrara uma Vila pouco visitada pelo progresso. Mas, mesmo com o processo de povoação demorado, Cascudo registrou em Acta Diurna publicada em 1948 uma transação de compra do “sítio da Redinha” já em 1731: “Num registro de doação concedida a Joana de Freitas da Fonseca (5 de junho de 1731), viúva do capitão Manuel Correia Pestana, diz-se que esta comprara à viúva Garcia do Rego o sítio chamado Redinha da outra banda da dita Redinha, até a Pajussara por cumprimento e do outeiro do Minhoto até o rio Guajeru”.

Dessas terras do outeiro do Minhoto, Cascudo nos traz ainda notícia dos proprietários mais antigos daquela região. Segundo ele, o outeiro (colina ou pequeno monte) do Minhoto lembra Antonio Gonçalo Minhoto, mencionado numa data de 24 de abril de 1666.


VEJA TAMBÉM: Redinha Velha: mar de tradição e boemia (parte 1)

 

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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