700 milhões de garrafas, aceita um trago?

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Lá tem a mesma coisa que tem em Natal, um oceano azul a nos banhar. Lá tem a mesma coisa que tem em Natal, uma gente animada que dá nó em pingo d’água para turbinar sua vida bebendo um bom vinho. Lá no sudoeste da França, em priscas eras, os soldados romanos erguiam suas taças de prata saudando em goles sôfregos a guerra e a paz. Essa terra antiga e sagrada se chama Bordeaux (Bordéus, em português) onde 10 mil produtores, todo ano, põem no mundo 700 milhões de garrafas de um vinho elegante, classudo, encorpado, longevo.

Os peregrinos que faziam o Caminho de Santiago de Compostela ali paravam para rezar intermináveis orações para o milagre divino. Por certo trata-se de um feito do Grande Pai que juntou num só lugar o solo rico em cálcio, o clima que garante chuva e sol na quantidade certa, a pedra calcária, os fungos (a “nobre podridão”), a terra irrigada pelos rios Garonne e Dardogne e principalmente a cultura de um povo que acumulou conhecimento e experiência no desenvolvimento das uvas e na arte de misturá-las produzindo os melhores tintos, brancos, rosés, sauternes e espumantes do mundo.

Uma vez, pelos anos 70, eu velho andarilho, dei com os costados naquele mar de vinhedos, na cidade, carinhosamente, denominada de pequena Paris. A emoção foi tanta que logo na chegada beijei a traseira do Renault de uma linda francesinha que me cobrou 100 francos pelo reparo e que ao se despedir de mim tirou de uma caixa um presente dizendo que era para eu bebê-lo depois do almoço. Não acreditei quando vi o ouro do Sauternes e detalhe, ela me entregou o vinho já na temperatura que deve ser saboreado.

Depois dessa preferi estacionar o carro e cheio de coragem, aproveitando a topografia plana do lugar, decidi explorá-lo ao voo dos meus pés.

Não caminhei muito, logo estava no campo de uma região chamada Pomerol. Brilhava no horizonte um sol primaveril, o dia era azul e o espetáculo da natureza e da cultura me emocionavam a cada passo. Entrei em êxtase ao percorrer com os olhos o verde dos vinhedos e os castelos de rara beleza mantidos com extremo zelo e discreto bom gosto.

Fui andando sem destino quando vejo um grupo de pessoas acenando para mim. Era uma família de trabalhadores rurais que comemoravam o fim da jornada. De vez em quando, eles davam um golinho nos seus copos e, sem exagero, vi uma auréola prateada se formando sobre as suas cabeças. Logo quiseram saber de onde eu era. O nome Brésil despertou interesse e claro, falamos de futebol. Encaçapei umas brincadeiras, eles caíram na risada e súbito, o mais velho deles bateu nas minhas costas e me passou um copo mal lavado e tem outro detalhe, a unha do homem era preta, mas fazer o quê, eu não podia recusar o tiquinho de vinho que o mão de vaca me oferecera. Só dando risada, foi o vinho mais incrível que tomei até hoje. Perguntei o nome da marca. Lembro muito bem a imagem do homem enchendo a boca antes de escandir a palavra Cha-teau Pe-trus!

Semana passada, vi na internet o preço do Chateau Petrus, safra 2011. Uma galinha morta, apenas 14.690,00 reais, a garrafa. Então tomei a liberdade de reservar uma dúzia para você, meu caro leitor. Como deseja pagar? Dinheiro ou cartão?

Marcius Cortez

Marcius Cortez

Cinco livros publicados e o jogo ainda não acabou. Escrever é um embate que resulta em vitórias, derrotas e empates. O primeiro livro de Borges vendeu apenas 37 exemplares. O gol é quando encontramos um significado que melhore a realidade.

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