Zappa: do som à cerveja

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Olá cervejeiros (contra) culturais!

Hoje vamos falar sobre um elemento cervejeiro interseccional, que envolve muita música e muita cerveja lupulada! Vamos falar de uma nova varietal de lúpulo denominada de Zappa.

O nome, como ele claramente alude, faz referência, ou melhor, uma singela homenagem, a um dos maiores músicos de todos os tempos: Frank Zappa. Criativo, engenhoso, diferente, e selvagem. Não-conformidade, improvisação livre, experimentalismo e virtuosidade são os seus motes. Todos os adjetivos aplicáveis ao músico também são válidos a serem aplicados ao lúpulo que o homenageia (guardadas as devidas proporções, obviamente).

Não obstante, isso não é uma coincidência, é o casamento descritivo perfeito entre sabor e o som, ou entre o som e o aroma, ou entre os três: o som, o aroma e o sabor; em simbiose!

Confesso que Frank Zappa não é dos artistas mais acessíveis e populares (no sentido de ser algo de fácil audição), sua obra é extensa e ele passeia entre estilos musicais bastante diversos, do Rock ao Jazz, e do experimental ao (neo)clássico.

Como todo grande gênio da música, por vezes, foi incompreendido, foi polêmico e foi excepcional. Adicionalmente, pode-se dizer que todas as características enumeradas sobre a sua música também são correlacionadas ao lúpulo que leva o seu nome, sem coincidência alguma (ou, quiçá, com todas as coincidências do mundo).

Não estamos falando aqui de neutralidade ou de uma experiência blasé, conhecer a obra de Zappa e o seu lúpulo homônimo é uma aventura que requer coragem, mentalidade aberta a novas experiências sensoriais, e claro, uma boa dose de parcimônia: não há facilidades inerentes a essa aventura em particular.

Então, convido-os a esse passeio musical e cervejeiro em torno de um nome só: Zappa!

Lúpulo Zappa: Origem, características e percepções

O lúpulo Zappa foi seletivamente criado pelo pesquisador de plantas Todd Bates a partir de lúpulo selvagem descoberto no Novo México e nomeado em homenagem ao ícone da contracultura Frank Zappa. A variedade “neomexicana” conhecida como Zappa foi cultivada comercialmente pela primeira vez em 2015 pela CLS Farms em colaboração com a família Zappa (detentora dos seus direitos autorais). A lista de características que Zappa diz transmitir é tão única quanto o músico que o deu o nome, variando de maracujá a menta, do impulsivo ao roxo.

O uso de lúpulo “neomexicano” na cerveja moderna é relativamente novo, e a ideia de usar uma variedade de lúpulo verdadeiramente americano é bastante atraente para alguns, o que provavelmente explica seu aumento geral em popularidade. Uma dessas variedades é o Zappa, o qual confere um interessante conjunto de características à cerveja. De fato, sua classificação sensorial infere uma prevalência de elementos cítricos, frutas tropicais e úmido (dank) como sendo os aromáticos mais proeminentes, enquanto resinoso, úmido, pinho e mentolado foram apontados como sendo o sabor mais forte características.

O lúpulo Zappa é uma novidade no mercado nacional brasileiro, foi pouquíssimo usado, e as cervejas que o utilizam possuem um caráter lupulado bem diferenciado do que se costuma encontrar no mercado. O lúpulo em questão é capaz de oferecer uma multiplicidade de aromas e sabores pouco usuais, seu raio de ação sensorial é diversificado e dotado de uma versatilidade ímpar.

A partir da popularização de um perfil mais dank agregado aos aromas lupulados, advindo, em grande parte, do lúpulo Strata, várias outras varietais começaram a destacar tal percepção em sua carga sensorial. O Zappa também se perfila no caminho de prover o famigerado dank, ou, um perfil de mato molhado, úmido, com percepções florais e herbais que se aproximam da erva proibida, já que o lúpulo e a Sativa são primos “não tão distantes” entre si.

Ademais, o Zappa também surfa na esteira de lupulagens mais “mentoladas”, que possuem um perfil herbal, mais tendente ao eucalipto e ao mentol. Ela é uma refrescância levemente picante, que é marca registrada de alguns lúpulos, como o Idaho Gem e o Pekko, uma faceta que o Zappa também incorpora. Contudo, ressalte-se, o Zappa consegue ser comedido nesse aspecto, sem puxar demais para uma variedade muito picante e também sem ser agressivo na sua proposta mentolada, apenas dando um certo frescor ao conjunto que ele integra.

Além dos dois elementos já mencionados (dank e mentolado), o Zappa incorpora, de uma maneira bem singular, um frutado variado, que vai do melão ao maracujá, e uma característica selvagem (assim como o músico, Frank, também o era), com um leve funky. Quando se fala em funky nas cervejas se trata de algo quase que “indizível”, é um elemento etéreo e de definição quase impossível. Mas, vamos tentar facilitar e dizer que é um perfil que tende ao azedume, sem nenhuma conotação negativa intrínseca.

Assim, o lúpulo Zappa consegue ser multifacetado, dotado de muitas vertentes de sabor e de aroma, cobrindo uma vasta gama de percepções sensoriais. Ele é complexo, ele é difícil, ele é inusitado e diversificado, ele vai de extremos a extremos, no aroma e no sabor, e mesmo assim consegue cativar e entregar um ótimo resultado nas cervejas em que ele é utilizado.

Zappa: o músico e seu legado na cerveja

frank zappa

Reitero a confissão que não sou grande conhecedor da obra do músico e compositor Frank Zappa. Aquela figura icônica, meio Hippie, meio contracultura doidona, com seu bigode indefectível, nunca me chamou muita atenção ao ponto de fazer com que eu me interessasse pela sua música… (até agora, pelo menos).

O desinteresse foi ainda mais agravado pela sua discografia gigantesca, que inclui mais de 70 álbuns, muitos deles lançados após a morte do músico. Para tornar o interesse ainda mais difícil de ser gerado, Zappa transitou por muitos estilos musicais, dos mais acessíveis, como: Pop, Blues, Jazz e Rock; para os menos fáceis de digerir, como Avant-Garde, Neobarroco, Neoclássico, música concreta, música improvisada e música orquestral e camerística.

Por mais que flutuasse em vários estilos musicais, uma de suas marcas indeléveis era o emprego idiossincrático da técnica que ele denominava “dissonância rítmica” (ou polirritmia). Ela se refere à criação de um ritmo dissonante (como, por exemplo, 23/24, quando a base de uma valsa é ¾, por exemplo, ou os duplos de 2/4 ou 4/4, comuns no pop/rock), no qual as notas musicais entram em atrito, reciprocamente. Tal qual as notas de um semitom de distância têm uma certa tendência a beliscar os ouvidos.

Outrossim, são ritmos que são apenas “fora” de forma fracionada um do outro criam outro tipo de “dissonância linear”, ou seja, quase atingem o limiar do equilíbrio em suas dissonâncias específicas. Nesse contexto, o compositor tem a possibilidade de controlar o grau de tensão ou resolutividade da dissonância, pois, quanto mais o ritmo de uma linha entra em atrito contra o tempo básico implicado, mais “tensão estatística” é gerada. Em síntese, tais nuances dão azo ao potencial expressivo destes ritmos tanto quanto sua função musical neles aplicada.

A marca registrada musical de Frank Zappa acaba por ser incorporada também no lúpulo que leva o seu sobrenome. A variedade de aromas e de sabores, em uma “dissonância linear” é a melhor forma de definir as nuances sensoriais do lúpulo. Tal qual ele quase que consegue manter uma constância na roda de sabores, e, todavia, consegue ainda ser díspar no resultado final, com tonalidades selvagens, no seu caráter mais expressivo de personalidade, assim como o músico o era em seu processo de composição musical.

Percebe-se, assim, que o lúpulo não foi batizado à toa com o sobrenome do músico. Há uma perfeita adequação entre a obra de ambos, se é que elas não se entrelaçam, de modo que não seja possível dizer onde um começa e o outro termina, ou de onde um pegou o gancho para perpetuar o legado do outro.

Há um equilíbrio salutar entre o som e o sabor e o aroma expressados de maneira magistral por um único nome: Zappa!

Saideira

Existem alguns poucos exemplares no mercado brasileiro com o uso do lúpulo Zappa. Posso recomendar 3 cervejas que o utilizam e que eu já tive o prazer de conhecer e degustar: a TKT da Croma (Single Hop de Zappa, ou seja, o Zappa é o único lúpulo utilizado na composição), a I am Zappa da HopMundi (outro exemplar Single Hop de Zappa no mercado, lançado posteriormente à TKT), e a Zap Zap, também da Croma (no entanto, é um blend de dois lúpulos, do Zappa e do Motueka, uma variedade de lúpulo neozelandesa).

Todos os exemplos dados são ótimos para que se possa conhecer melhor o lúpulo em destaque, a estrela da coluna de hoje. Espero que todos tenham o prazer e o deleite de poder degustar uma cerveja que utiliza esse lúpulo, e que para harmonizar, coloquem uma música do compositor homenageado.

Música para degustação

Confesso, mais uma vez, ser uma tarefa hercúlea, diante da magnitude da obra musical de Frank Zappa, apontar apenas uma música de degustação. Por causa disso, ousarei em fazer uma recomendação dupla, uma música que agrega ao aroma (forma) do conteúdo e outra que se agrega ao sabor (matéria) do conteúdo apreciado.

Assim, em termos de forma, eu indico aquela que eu julgo ser a música que melhor expressa o talento musical de Zappa, mais focada no seu instrumento musical, que era a guitarra, então a recomendação é Doreen, pela sua levada funkeada, pelos solos de guitarra (cortesia da contribuição de Steve Vai), e pelos vocais mais esmerados (complementados pelo vocalista de apoio Ray White).

De outra banda, em termos de matéria, mais aproximada ao conteúdo temático e cervejeiro da coluna, vou indicar uma faixa musical mais despretensiosa, mas que tem tudo a ver com cerveja: Titties ‘n Beer!

Essa é uma faixa mais teatral de Zappa, tocada apenas ao vivo (não há gravação em estúdio), em que há um dueto vocal entre o próprio Zappa e o Demônio (encarnado nos vocais guturais do baterista da banda de apoio, Terry Bozzio). Tem um foco musical mais adstrito aos instrumentos de sopro e ao baixo sincopado, Zappa sequer toca guitarra nessa faixa, faz apenas os vocais.

Nessa música icônica, Zappa é abordado pelo próprio tinhoso que rouba (ou a possui… essa parte não é bem clara) sua garota (que responde pela alcunha de Chrissy) e esconde suas cervejas (nunca faça isso com alguém – essa lição o diabo aprendeu).

Todavia, em uma disputa sagaz, Zappa é capaz de enganar o diabo e consegue tudo que ele queria, sua garota de volta (Titties) e sua cerveja (Beer). Assim, o cramulhão em pessoa é tapeado com tinta mágica ao assinar um contrato que envolvia a alma do músico e uma estadia indefinida no inferno.

Enfim, errado o Zappa não estava por querer Titties and Beer! Para isso ele desafiou, lutou e enganou o diabo!

Saúde, bebam (cervejas com) Zappa e escutem o Zappa!

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

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A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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