POETA DA SEMANA: Victor H

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Victor H. Azevedo nasceu e reside em Natal. É poeta da nova safra de talentos potiguares. Publicou diversos zines, de quadrinhos e poesia. Entre eles estão “ao vivo do deserto”, “fábrica de flores” e “19xx”. Tem seu trabalho publicado em diversas revistas online, como a Germina, a Garupa e Enfermaria 6. Também traduz, nas horas vagas, poetas como Patti Smith, Roberto Bolaño, César Vallejo, entre outros. Acumula suas traduções na Guarita. Entre outras coisas, publica suas “quinquilharias” por AQUI. Seu livro de estreia sai esse ano.

Victor H é o nosso POETA DA SEMANA!

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PERSONA NON GRATA

não posso mais sair de casa
nos recitais minha presença é barrada
nas lanchonetes só me servem pastel de vento
nos aeroportos uma passagem custa o equivalente
a uma artéria coronária
nas praias furtam minhas sandálias
nas livrarias escondem os poemários na seção de autoajuda
nos clubes só discutem sobre meus dentes amarelos
como se eu fosse um magnânimo personagem autárquico
nos bares não servem vat 69 nem suco de cajá
nos chats não me dizem oi
nas drogarias distrações e codeína estão em falta
e até os cães ensolarados cães
não partilham nenhum filete de olhar comigo
resta mesmo ficar aqui, trancado
nesse esconderijo aos turvos
reclamando do calor dos motores
e falando poemas em dias santos ao meu papagaio
que só sabe mesmo
é cacarejar.

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TORQUEMADA

Descobri a semanas atrás,
pesquisando o preço a se pagar por uma serenata
e sobre a constelação de nevos na minha epiderme,
que o colégio que eu tanto temia estudar
tem o nome do primeiro poeta
a renunciar sua eternidade numa cadeira,
hoje provavelmente já carcomida
por cupins e topadas de pés desvairados.
E desde de então eu venho buscando
em dúzias de livros já sepultados,
— alguns com dedicatórias furtadas
outros com tiques nervosos entre cada página —
imagens que não sejam fáceis para o desjejum.
Procuro o retalho de um livro de mil novecentos
e uns quebrados que me deixe feliz
por ter nascido aqui nesse chão imaturo
e não em Minas Gerais ou Taquaritinga.
Tudo que descubro, porém, é esta retrato desbotado
de ombros nebulosos e bigode meticulosamente aparado.
E uma dúzia de relâmpagos pouco ortodoxos
enfartando as senhoras e senhores
de ceroulas plúmbeas e enferrujadas.
Desencontro esse também o de escrever
bilhetes suicidas toda noite de segunda-feira
mas deixá-los engavetados confortavelmente
sem dar nenhum beijo de despedida
com estes lábios que tem um je ne sais quoi.

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moacy-cirne

pois é:
não existem mais pessoas
dedicando músicas as outras
nas rádios am nem fm
nem meninos
malamanhados
berrando pros felinos
que cochilavam
à sombra de um ipê
ou adolescentes vestindo
camisetas vermelhas
nas festas outonais.
você foi embora no dia
que descobri e comprei
seu livro mais chato
e isso não se faz
a ninguém.

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[sobre uma fotografia de ítalo dantas]

tua cara de poeta nascido em qualquer outro lugar
da américa latina que não aqui
onde somos homens desastrosamente insensíveis
me faz lembrar de muitas coisas
mas me lembra especificamente
nesse dado momento da história
de que tenho que juntar alguns trocados
para sobreviver por sete dias
na sua cidade
aonde as pessoas não dizem bom dia para os vizinhos.
estou cansado dessas imitações de bukowski
que fingem viver em subúrbios insípidos
e que fingem ter contraído clamídia de uma tailandesa
e que fingem beber absinto
como se fosse água de torneira.
estes, que não cansam de falar como se
as mãos fossem asas de borboleta, implicam tanto
nos seus manifestos distritais, seus falatórios de coqueluche
que vez em quando me bate uma nostalgia
de quando eu pensava que escrever um poema
fosse um tipo de arte marcial.
mas agora recuar seria como dançar com pequenos mentirosos
gastar todo esse dinheiro suado em livros de sucesso pessoal
e em visitas ao horto florestal
cedendo a uma seara de onomatopeias baratas
para ser feliz por cento e oitenta segundos cravados.

então não.

afine tuas guitarras e me alugue uma cama qualquer
que preciso mais uma vez relembrar
como é emaranhar-se longe da cidade-natal.

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Domingo 6

trouxe um pouco da praia na minha mochila,
foi um acidente mas considerei aquilo como um souvenir.
igual aquela vez que pedi pra você enxergar
meu futuro nas cartas e você disse não
escondendo os arcanos maiores
com medo que eu talvez
simpatizasse com o infinito.
e agora você quer penhorar as cartas
e deixa-las nas mãos,
talvez enrugadas talvez oblongas,
do primeiro pedestre que se interessar.
ontem não almocei nenhum poema
ou feijão que eu tenha sobrado de uma tradução.
preferi sair de casa com uma saudade tão estratosférica
que até esqueci de escovar meus caninos.
preferi você e a praia.
você e a menina ébria desmaiada no calçadão.
você e os recortes de uma maçã.
as ruas borbulhando de adolescentes
pessimistas com suas caligrafias.
você e as fotografias três por quatro
de um completo estranho
coladas em um poste.
você e o iogurte (mesmo que
os morangos gelatinosos
não casem de forma consoante
com o iogurte que desmancha
com a seda do calor).
você e
a matéria na revista
sobre os filósofos inseguros,
mas isso foi quando você estava voltando pra casa
e eu estava no ônibus
sentado perto de um garoto descalço
que teve seus sapatos roubados
quando foi lavar as mãos no oceano atlântico.

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10.

Somos pássaros extintos.
Nosso nome científico não
consta em livros de biologia
muito menos nos calhamaços
que sustentam os sonhos onívoros.
Temos nossas penas tingidas de
dilúvio, fermentadas de arrepio.
E mesmo assim nosso ninho
é rodeado pelo indefinido das
espadas. A saliva das nossas asas
limpam a garganta dos solitários.
As brasas que respingam do
nosso pouso alimentam as
pequenas santidades. Em dias
movediços & adolescentes, ficamos
pelas redondezas, mordiscando
a orelha dos namorados. Bebericando
desse sol sonífero. E não há
jaula de dedos que vá nos capturar
e nos colocar em exposição.

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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